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Primeira lição – O Provinciano Universal Immanuel Kant nasceu no dia 22 de abril de 1724, em Königsberg (Prússia Oriental). Filho de Johann Georg Kant e de Anna Regina Reuter. Influenciado por: Newton, Martin Knutzen (durante a universidade). Seus principais livros foram: Primeiro período: de 1755 a 1770, nesse tempo as idéias pessoais de Kant ainda não haviam tomado forma. 1755- História universal da natureza e teoria do céu 1756- Monadologia física: exemplo do uso da metafísica unida à geometria na ciência da natureza 1757- Programa e anúncio do curso de geografia física 1758- Nova concepção do movimento e do repouso 1762- A falsa sutileza das quatro figuras do silogismo 1763- Ensaio para produzir em filosofia o conceito de grandezas negativas 1764- Estudo sobre a evidência dos princípios da teologia natural e da moral - Observações sobre o sentimento do belo e do sublime 1766- Os sonhos de um visionário 1768- Do primeiro fundamento da diferença das regiões no espaço Segundo período: de 1770 a 1790, é só em 1770 que se começa a divisar um primeiro esboço da filosofia kantiana. 1770- Da forma e dos princípios do mundo sensível e do mundo inteligível 1781- Crítica da razão pura 1783- Prolegômenos a toda metafísica futura que queria apresentar-se como ciência 1785- Fundamentação da metafísica dos costumes 1787- Crítica da razão pura (2ª edição) 1788- Crítica da razão prática 1790- Crítica do juízo Terceiro período: de 1790 a 1800, a crítica do juízo confirma a postura contra a metafísica dogmática contida nas críticas da razão pura e críticas da razão prática, encerrando a obra crítica e estabelecendo uma doutrina de filosofia especulativa e moral. 1791- Os progressos da metafísica desde Leibniz e Wolff 1793- A religião dentro dos limites da simples razão 1795- À paz perpétua: um projeto filosófico 1797- Metafísica dos costumes 1798- Antropologia do ponto de vista pragmático 1800- Lógica Segunda lição – A Teoria do Conhecimento O criticismo kantiano é a confluência de duas direções fundamentais do pensamento filosófico: o racionalismo dogmático e o empirismo cético. Para o racionalismo, o conhecimento seria produto de uma simples faculdade, a razão e para o empirismo, o conhecimento derivaria de outra faculdade, a sensibilidade. Por esta via, o criticismo permite chegar a conclusão de que o conhecimento é produto de uma faculdade complexa, o resultado de uma síntese da sensibilidade e do conhecimento. Kant faz uma distinção, segundo o qual, todo fenômeno é formado por dois ingredientes: matéria e forma. Aquilo que deponde do próprio objeto constitui a matéria do conhecimento e o que depende do sujeito constitui a forma do conhecimento, assim, temos a primeira definição: conhecer é dar forma a uma matéria dada. A matéria é a posteriori e a forma é a priori. Os conhecimentos a priori podem ser: Analíticos: aqueles em que o predicado constitui uma representação ou explicação do que já se encontra contida no sujeito (são verdadeiros, mas nada dizem que não saibamos, nada acrescentam ao conhecimento). Exemplo: todos os animais quadrúpedes são animais. Sintéticos: aqueles cujo predicado acrescenta alguma coisa ao conhecimento do sujeito (matemática, física, caráter de certeza). Exemplo: 7+5=12. Todo juízo de experiência é sintético porque a experiência nos ensina a acrescentar certos atributos aos nossos conceitos, por exemplo, o peso ao conceito de um corpo. Os juízos analíticos são a priori, pois não há necessidade de recorrer à experiência para determinar o que pensamos num dado conceito. Os juízos sintéticos são a posteriori, supõem a descrição de experiências particulares observáveis (os metais se dilatam pelo calor) Terceira lição – Razão Prática e Direito A razão prática e direito traz um conceito basilar da filosofia para Immanuel Kant, no campo da razão prática, qual seja o imperativo categórico. Este imperativo, por sua vez, surge de uma afirmação kantiana de que o homem possui um dado a priori, uma forma a priori da razão prática. O imperativo categórico possui duas características: a universalidade e o caráter de necessidade que ele impõe a ação. Os imperativos categóricos são, pois, os imperativos morais. Kant faz menção à faculdade cognoscitiva e racional do agir humano. Ele, ao entrar no campo ético em sua generalidade e da filosofia prática, realiza a afirmação de que o homem não possui apenas uma faculdade cognoscitiva, mas que a personalidade humana manifesta-se também no agir. Com esta afirmação, Kant observa que junto à faculdade cognoscitiva há no homem uma faculdade racional dirigida à ação, porquanto introduz a ordem nas suas inclinações e motivações. O filósofo alemão realiza também uma distinção entre a legislação moral e a legislação jurídica. A legislação interna ou moral e a legislação externa ou jurídica se diferenciam pelo seu objeto: o direito se ocupa da legislação prática externa de uma pessoa em relação à outra, na medida em que seus atos possam, como fatos, exercer influência uns sobre os outros. A ética, por sua vez, como sendo representante da legislação moral abarca todos os deveres do homem, sejam internos ou externos. Kant fornece ainda, nesta lição, o conceito de moralidade, a qual seria: a conformidade com a ideia do dever que se deriva da lei. Para Immanuel, na moral existe a adesão total da lei moral, bem como ao seu motivo. Na moral, predomina o momento interno da ação. O homem, portanto, realiza indiretamente os deveres morais, porquanto a obediência é uma exigência a ordem jurídica. Kant retrata, diante do exposto, o direito não como uma relação do desejo de uma pessoa com o arbítrio de outra, mas na relação de dois arbítrios. O direito seria a limitação da liberdade de cada um a condição de sua concordância com a liberdade de todos, na medida eu que esta concordância seja possível segundo uma lei universal. O filósofo moderno apresenta também o conceito de desejo: ele assegura que a faculdade de desejar, na medida em que está unida a consciência de ser capaz de produzir o objeto mediante a ação chama-se arbítrio. Inversamente, ou seja, se não se une a consciência o ato é denominado desejo. Mesmo existindo diferenças que separam a moral e o direito, ambas perseguem o mesmo fim último, ou seja, convergem para um mesmo objetivo, uma vez que pretendem assegurar a liberdade do homem, impedindo com isso que este possa ser rebaixado a condição de simples meio. . “Duas coisas enchem o ânimo de crescente admiração e respeito, veneração sempre renovada quanto com mais frequência e aplicação delas se ocupa a reflexão: por sobre mim o céu estrelado; em mim a lei moral.” Immanuel Kant (1724-1804) Quarta lição - A Filosofia do Direito A filosofia do direito foi desenvolvida por Kant na Metafísica dos costumes, sendo essa dividida em duas partes: a doutrina do direito e a doutrina da virtude. Tal obra tem como idéia principal a distinção entre moral e direito. É na Metafísica dos costumes que Kant torna conciso as noções estabelecidas pela Fundamentação – primeira obra do projeto crítico em termos de filosofia moral, quando distingue implicitamente a legalidade de uma ação de sua moralidade. Entretanto, Kant não objetiva diferenciar a moralidade da legalidade, mas sim, mostrar a diferença entre a conduta determinada por uma inclinação empírica e aquela comandada pela vontade perfeitamente boa. A Metafísica dos costumes tem como tese outra analise cujo objetivo é justificar a divisão bipartida dessa obra. Kant aponta explicitamente para a distinção da legalidade e da moralidade, onde afirma respectivamente que é a simples conformidade ou não de uma ação com a lei; essa conformidade, cuja ideia do dever é ao mesmo tempo o motivo da ação, consistena moralidade. Sendo assim, os deveres decorrentes da legislação jurídica só podem ser deveres externos uma vez que essa não determina que a ideia destes deveres seja o princípio que origina o arbítrio do indivíduo. Do que já foi mostrado é possível notar que tanto para a moral como para o direito existem deveres que, em ambos, é definido pela sua forma e não pelo seu conteúdo. Para a doutrina do direito o dever é uma ação à qual alguém está obrigado – é a matéria da obrigação. Segundo Kant: “obrigação é a necessidade de uma ação livre sob um imperativo categórico da razão”, deste modo podemos estar obrigados ao dever de diversos modos. Como, a obrigação moral que é uma legislação interior, cuja lei é aquela na qual o indivíduo diz a si próprio a maneira de agir – obriga in foro interno. E a obrigação jurídica que é um dever exterior, ou seja, obriga in foro externo, pois ela não integra o motivo de agir à lei. A divisão em: doutrina do direito e doutrina da virtude deve-se à liberdade que se divide em liberdade externa (independência em relação a uma força exterior) e liberdade interna (independência em relação a uma força interior). Na metafísica dos costumes, a metafísica do direito – sistema jurídico que deriva da razão – equivale ao conceito do direito natural que, devido ao novo papel da razão na filosofia de Kant, aparece como direito racional, pois desenvolve a atividade que formaliza a razão – é o objeto próprio da filosofia. O conceito de direito é formado a partir da distinção em relação à moral. Com efeito, Kant considera a coercibilidade como uma nota essencial do direito, todavia em sentido mais radical, uma vez que faz referência ao conceito de direito. Sendo que esse se manifesta pelo constrangimento (coação) e caracteriza a objetividade. Por fim, na Metafísica dos costumes o conceito de liberdade é explicado em sua aplicação aos homens o que dá origem ao problema dos limites entre liberdade interna e externa que se inclui na questão da coação e das fronteiras entre moral e direito. Quinta lição – A Liberdade O uso da palavra liberdade ganhou vários sentidos no decorrer dos anos, assumindo diversas acepções ao longo da história da política e da filosofia, podemos citar: autodeterminação, ausência de coação externa, livre-arbítrio, vontade e capacidade de autodeterminação. Na Grécia antiga, liberdade significava a possibilidade de participação do cidadão na vida pública de sua cidade. Santo Agostinho dizia que na medida em que o homem possui o seu livre arbítrio ele pode se distanciar do bem e se ele reconhecer isso terá como tentar mudar, buscando ter bons comportamentos, tentando assim, se igualar a Deus. Já Hobbes, propôs a sua limitação através da coação e Locke desenho um modelo de Estado liberal, que tinha como escopo a proteção da liberdade de e da igualdade dos cidadãos (o Estado só poderia intervir na liberdade das pessoas a partir de um procedimento legítimo). No século XVIII com as transformações que a sociedade vinha vivendo, as alterações sociais, políticas, culturas e econômicas e posteriormente como Iluminismo, até mesmo a idéia de liberdade sofreu transformações, surge ai Immanuel Kant com seu conceito de liberdade, especial e inovador para a época. Para Kant a liberdade é encontrada na razão prática, na vontade. Afirma que a “faculdade de desejar, cujo fundamento interno de determinação se encontra na razão do sujeito, chama-se vontade”. Um ser racional age conforme a lei da razão, o homem que pertence a dois mundos, o sensível – o mundo concreto no qual vivemos- e o inteligível – mundo das idéias, está submetido a duas legislações. Enquanto ser sensível, suas ações são determinadas segundo as leis da natureza, enquanto ser inteligível, as leis podem ser dadas unicamente pela razão, em que o ser racional se considera unicamente autor de suas leis, sob a idéia da sua liberdade/vontade. Sendo esta liberdade dividida em dois aspectos: um negativo e um positivo. Sob o aspecto negativo podemos dizer que ser livre é não se submeter a nada externo ao individuo, o que significaria independência. Em contrapartida, no aspecto positivo, a liberdade seria agir conforme ao direito e a lei, que se encontram no dever ser. Dessa maneira, podemos afirmar que temos dois tipos de liberdade, a interna (moral) e a externa (jurídica). O conceito de liberdade já havia sido anunciado na “Dialética transcendental”, ou seja, a liberdade que diz respeito tanto a moral quanto ao direito, significa liberdade da vontade. Em 1797, Kant escreveu a Metafísica dos costumes, referindo-se a Willkür (arbítrio) e freire Willkür (livre arbítrio). O primeiro corresponde ao mundo sensível e o segundo é o determinado pela vontade ou razão prática. A lei faz com que o homem seja livre, afastando-se da animália para transformar-se em um ser racional. A liberdade tratada por Kant é a autossuficiência, ou seja, a capacidade de produzir a sua própria causa sem qualquer constrangimento exterior que não seja a sua própria vontade e é essa liberdade que vai produzir um mundo distinto do natural- o mundo moral. Por fim, a liberdade é explicada por Kant da seguinte maneira: “ Ninguém me pode constranger a ser feliz a sua maneira (como ele concebe o bem estar dos outros homens), mas a cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parecer boa, contanto que não cause dano à Liberdade dos outros (isto é, ao direito de outrem) aspirarem a um fim semelhante, e que pode coexistir com a Liberdade de cada um, segundo uma lei universal possível” Sexta lição – Moral e Direito Assim como Platão, Kant tentara conciliar, em um sistema metafísico, a perspectiva racionalista e a empirista na fundamentação da possibilidade do conhecimento e do agir humano. A filosofia jurídica Kantiana contém em sua primeira parte a Metafísica do Costumes. Entendemos como Metafísica o conhecimento a priori, aquela forma de conhecimento racional puro, não derivado da experiência. Já por Costumes as regras de conduta ou leis que disciplinam a ação do homem como ser livre, adequadas as suas ações à legislação moral. Dessa forma, a Metafísica dos costumes é o estudo dos princípios racionais a priori da conduta humana, constituindo uma filosofia racional da prática; tem como objeto o complexo de leis que regulam a conduta do homem como ser livre , racional, não pertencente ao mundo da natureza e submetido às suas leis. Ao iniciar a construção filosófica para a elaboração da "Fundamentação da Metafísica dos Costumes",primeira obra de Kant consagrada à moral e com o propósito de encontrar na razão pura um princípio supremo da moralidade que, num plano puramente racional, garanta a priori o valor das ações e a dignidade humana, Kant depara-se com um problema- o da distinção entre moral e direito. A distinção entre Moral e Direito pode ser feita baseando- se em diversas fundamentações. Para a elucidação desse paradoxo existente entre Direito e Moral, Kant estipula alguns critérios analisados em sua obra. A distinção entre direito e moral, para Kant, no primeiro momento localiza-se no plano lógico, na diferença do móbil; e no segundo momento nas ações do ponto de vista da sua exterioridade ou interioridade. Um importante critério examinado diz respeito à distinção entre os conceitos de autonomia e heterônoma. Seguindo o principio da razão pratica, Kant define moral como autônoma, sendo esta determinada por si mesma, e o direito, vontade jurídica, como heterônoma, ou seja, não encontra em si mesma a lei, mas a recebe do exterior, podemos então atribuir à autonomia, uma vontade moral (interna) e à heteronomia, uma vontade jurídica (liberdade externa). Kant explicita que as leis de natureza e liberdade são chamadas de moral, quando essas são afetadas por ações meramente externas, passam a se chamar jurídicas, porem se exigem também que estas devam ser fundamentos de determinação dasações, elas passam a ser chamadas de ética. Kant afirma que a legislação que faz de uma ação um dever e desse dever um móbil, é ética. Entretanto, a legislação que não inclui o móbil na lei e, portanto, admite também outro móbil distinto da idéia de dever, é jurídica. A moral é um código, não só de regras, mas de valores e princípios. É uma exigência interior em que cada um faz as suas opções, enquanto o Direito é um código de regras criado e promulgado pelos legisladores e imposto aos cidadãos(exterior). Sendo assim, todo o esforço de Kant está dirigido à fundamentação do cumprimento do direito como um dever moral, ou seja, ele distingue, mas não separa direito de moral. Pois são os preceitos morais que guiam a elaboração das normas jurídicas. Sétima lição – Coação e Direito Kant é seguidor de Thomasius no que se refere à distinção entre moral e direito, mas não é apenas nesse âmbito que fica a filosofia jurídica a dever ao iniciador da ilustração. Assim como Thomasius, porém com mais profundidade, Kant postula que ao conceito de direito está necessariamente atrelado o caráter coativo deste: tudo o que é contrário ao direito é um obstáculo à liberdade segundo leis universais, porem a coação é um obstáculo ou uma resistência à liberdade. Sendo assim, se um determinado uso da liberdade mesma é um obstáculo à liberdade segundo leis universais, a coação que se lhe opõe, enquanto obstáculo, concorda com a liberdade segundo leis universal, ou seja, é conforme o direito. Ao direito está unida a faculdade de coagir a quem o viola (princípio da contradição). Como conseqüência, direito e faculdade de coagir significam a mesma coisa. Disso, é possível notar que Kant faz referência ao caráter coativo do direito para distingui-lo da moral. Tal distinção é evidente quando se depara com a divisão do direito em amplo (ius latum) e estrito (ius strictum). No sentido amplo, o direito participa do mundo moral. E, ao afirmar que o direito estrito pode ser representado como a possibilidade de uma coação recíproca universal, Kant ressalta que esse direito é aquele não mesclado com nada ético, pois não exige senão fundamentos externos de determinação do arbítrio. Para a determinação desse arbítrio ele se apóia no princípio da possibilidade de uma coação exterior, a qual pode coexistir com a liberdade de cada um segundo leis universais. Vale observar que, se a ação moral não é determinada por qualquer outro motivo que não seja o imperativo do Dever (interno), não poderia ser determinada pela coação ou ameaça desta. Isso a distingue da ação jurídica que é ditada por motivo externo e empírico: a coação ou a sua simples ameaça. Ainda em referência ao conceito de direito, Kant observa que a lei de coação recíproca é, de certo modo, a construção do conceito, isto é, a exposição desse conceito em uma intuição pura a priori. O dever jurídico, em sentido externo, faculta a cada um o direito de obrigar reciprocamente, não excluindo a possibilidade de poder o dito dever ser cumprido tão somente ameaça da coação. Por o dever jurídico ser externo faz com que ele se desdobre e, dois sentidos: 1. Não implica uma ação pelo dever, mas apenas conforme ao dever. 2. Implica uma ação pela qual somos responsáveis frente aos outros. A responsabilidade para Kant conduz a duas formas: responsabilidade moral, que remete ao interior da consciência pessoal; responsabilidade jurídica, cujo sentido está unido ao primado da legalidade, que se manifesta no constrangimento (coação) e caracteriza a objetividade. A noção de responsabilidade está atrelada ao conceito de pessoa. Sendo assim, "pessoa é o sujeito cujas ações são imputáveis". A imputação de um ato a um agente pode operar-se de duas maneiras: ou a imputação é simplesmente crítica (juízo pelo qual o sujeito é considerado o autor de uma ação), ou a imputação que implica o juízo pelo qual se reconhece os efeitos jurídicos da ação. A responsabilidade jurídica, diferentemente da responsabilidade moral, não remete a livre intencionalidade da pessoa. Da diferença de natureza que distingue a responsabilidade moral da jurídica (respectivamente responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva) decorre a diferença de estrutura inerente as duas noções. Na responsabilidade moral a relação que liga a máxima da ação e seu objetivo, estabelece-se na pessoa como uma relação sintética de obrigação. Já na responsabilidade jurídica só poderiam ser os deveres externos; sendo o principio que os rege e o do constrangimento (coação). Kant admite duas situações em que o direito desvincula-se da coação: a equidade e o direito de necessidade. Na primeira admite-se um direito sem coação. Na equidade, os postulantes são detentores de um direito (com base na equidade) que não pode ser aplicado de maneira coativa; assim tem um direito sem coração. O direito de necessidade (ius necessitas) consiste na faculdade de tirar a vida de outro quando a minha está em perigo. Trata-se de uma violência permitida contra alguém que não exerceu violência alguma contra mim. Kant argumenta que a punição com a qual a lei penal ameaça a agente não pode ser eficaz, por isso que não pode um mal incerto (morrer por sentença judicial) ameaçar mais do que um mal certo (exemplo: morrer afogado). E o ato de salvar a própria vida pela violência não exclui a culpabilidade, mas a punibilidade. Assim, o ato é injusto, embora não punível, sendo uma coação sem direito correspondente. Sendo assim, na equidade existe uma pretensão não atendida; no estado de necessidade, um erro não reparado. Então, quebra-se a normalidade da relação do direito com a coação, que exige seja o direito satisfeito e o desregramento retificado. Oitava lição – Divisão dos Deveres e Direitos. Quando Kant fala em deveres jurídicos, estabelece uma divisão geral em internos e externos, dividindo a doutrina do direito em dois termos: “Divisão geral dos deveres de direito” e a “Divisão geral dos direitos”. Ele divide os nossos deveres básicos em três categorias, baseado na visão do jurista romano Ulpiano, sendo estes: “sê um homem honesto [honeste vive]”; “não causes dano a terceiros [neminem laede]”; “entra em uma sociedade com outros, na qual cada um possa conservar o seu [suum cuique tribue]”. Honeste vive (ser um homem honesto) Para Kant viver honestamente é um dever interno de Direito e consiste em manter nas relações com os demais homens a dignidade humana. Kant entende afirmar o próprio valor como ser humano, não se tornando um mero meio para os outros. A honestidade jurídica transforma-se em dignidade humana ao considerar o homem como fim e, em última instância, como pessoa. Neminem laede (não causes dano a terceiros) Ainda que tenhas que renunciar a toda relação com o outro e evitar toda sociedade (Lex iuridica). Kant entende que essa fórmula não nos obriga a viver com os outros, exceto sob as condições do direito. Esse dever requer que deixemos o Estado de Natureza para entrar em uma sociedade civil, bem como autoriza todas a usar coerção para entrar nessa sociedade. Suum cuique tribue (entra em uma sociedade com outros, na qual cada um possa conservar o seu) Para Kant, é um absurdo traduzir “suum cuique tribue” como “dar a cada um o que é seu” e a considera como uma tautologia vazia a não ser que seja entendida como: “entra em um estado no qual possa assegurar-se a cada um o que é seu frente aos demais” . Thomas Hobbes questionara como seria possível dar a alguém algo que já o pertencia. Para Kant, as regras de Ulpiano são meros imperativos categóricos destinados a um sujeito, estabelecendo sempre deveres jurídicos. As faculdades de obrigar a outros se classificam em direito inato e direito adquirido, correspondendo o primeiro a cada pessoa por natureza, independente de qualquer ato jurídico; o segundo é aquele que exige este tipo de ato. Para Kant existe apenas um direito inato: a liberdade( a independência relativamente ao arbítrio constritivo de outro), corresponde a todo homem em virtude de sua humanidade. A conseqüência dessa liberdade é a igualdade inata, ou seja, não sermos obrigados por outros senão àquilo a que reciprocamente podemos obrigar-lhes, a qualidade do homem de ser seu próprio senhor, de ser homem íntegro, de fazer aos outros os que não lhes prejudica no que concerne ao seu- tudo isso já se encontra no princípio de liberdade inata e não se distingue dela realmente. Para Kant o direito e a faculdade de coagir são a mesma coisa, visto que, o direito implica coerção, mas também uma relação de arbítrios segundo uma lei universal de liberdade. Existem vários tipos de relações jurídicas entre o homem e outros seres, entretanto apenas uma constitui uma verdadeira relação jurídica. Relação do homem com os seres que não tem nem direitos e nem deveres (seres irracionais que não nos obrigam, nem podemos ter obrigações em relação a eles) Relações do homem com seres que tem direitos e deveres (com outros homens) Relação do homem com seres que têm apenas deveres e nenhum direito (homens sem personalidade, como servos e escravos). Relação do homem com um homem que tem apenas direitos e nenhum dever- Deus. Apenas no segundo caso encontramos uma relação real entre direito e dever, por ser uma relação do homem com outros seres humanos. Uma relação jurídica constitui uma reciprocidade entre o dever como cumprimento da lei e o direito como faculdade de obrigar o cumprimento. Nona lição – Autonomia da Vontade e Direito Para Kant, a autonomia da vontade configura-se como princípio da moralidade. Pode ser compreendida como a propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei. Assim, a lei não pode ser dada pelo objeto e a vontade não pode ser determinada por inclinações sensíveis, pois tornaria- se heterônoma. No âmbito da ética o móbil é incluído na lei, é a legislação que faz de uma ação um dever e desse dever um móbil. Assim, realiza-se uma ação não apenas conforme como dever, mas por dever. Já no plano jurídico o que importa é a conformidade da ação com a lei, que trará uma consequência de que no direito não irá se efetivar a autonomia da vontade, visto como admite móbiles que propiciam a heteronomia. Entretanto, não quer dizer que o direito seja alheio à autonomia da vontade, ao contrário, desde que toda heteronomia do arbítrio não fundamente por si mesma nenhuma obrigação, a obrigação jurídica, bem como a exigência de coexistência das liberdades segundo uma lei universal, deve basear-se não razão prática. Vale ressaltar que a coerção jurídica não impede a liberdade, ela serve de impedimento ao seu obstáculo, realçando algo de comum entre a liberdade como autonomia da ética e a liberdade jurídica. Entende-se que agir conforme o direito é uma exigência da ética, então a liberdade deve realizar-se na moralidade e na legalidade, o que explica a autonomia da vontade ser fundamento da legislação moral e jurídica, sendo o imperativo categórico o princípio supremo da doutrina dos costumes. Para Kant, “tanto a ética quanto o direito afirmam o vínculo da liberdade com a lei na forma de obediência à lei que foi prescrita pelo homem para si mesmo, provindo a coesão da unidade da razão prática”. Isso resulta em leis jurídicas igualmente às éticas como imperativos, e as ações conforme as leis como deveres. O direito diz respeito à interação prática externa de uma pessoa com outra, com as ações influenciando-se reciprocamente, considerando-se a forma de coexistência segundo uma lei universal, que é passível de coação externa que é dirigida contra a arbitrariedade, não contra a liberdade A liberdade exterior é “a faculdade de não obedecer à lei nenhuma a não ser àquelas a que pude dar meu assentimento”, que se realiza na forma do direito, e este deve garantir a liberdade de cada um, constituindo-se em liberdade universal. A lei da liberdade determina a união de todos em uma sociedade regida por uma Constituição Civil que expressa a vontade pública, o que Kant prescreve uma obediência incondicional a ela, realizá-la é um dever. Em suma, a autonomia da vontade é explicada por Kant da seguinte maneira: “Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é, portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal” Décima lição – Direito Natural e Direito Positivo Para Kant, o direito natural é visto como um direito racional, ou seja, é um direito ditado pela razão, e essa razão é que determina a moral. Para ele, a justiça natural está no momento em que o direito encontra a moral. A ideia de liberdade também está presente na concepção filosófica do direito natural. Segundo Kant, a liberdade consiste num estado de coisas em que o arbítrio de cada um é limitado pelo arbítrio dos demais, segundo imperativo da razão. Mas o estado de natureza (provisório), por ser perigoso e injusto, também é impossível, pois as leis naturais não garantem aos homens a segurança de sua existência. Mas no momento em que homem abandona a condição de indivíduo para viver em sociedade, surge o direito positivo (peremptório). Este é co posto por leis legitimadas pelo Estado para garantir o meu e o teu. Nele, a força da obrigatoriedade é feita por sanções pré-estabelecidas. Ao contrário do que se pode pensar, a liberdade também é garantida no direito positivo. Não há perda da liberdade na passagem do direito natural para o positivo. O que acontece é que o homem abandona sua liberdade natural e selvagem para receber a liberdade civil. Kant ainda relaciona o direito natural como sendo privado o direito positivo como público. Essa associação se dá quanto ao caráter substancial formal, respectivamente. Ao contrário do direito natural, direito positivo é formal, devido a sua formalidade, imposta pela obrigatoriedade do cumprimento das leis.