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Constituição Federal do Brasil e suas oito faces


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Constituição Federal e suas oito faces: uma visão crítica.
Lucas Baratieri Francisco[1: Acadêmico de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. ]
Teoria da Constituição – Clório Erasmo Traesel[2: Professor de Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.]
Constituição de 1824 – Império
Essa Carta outorgada por Dom Pedro I – monarca europeu – estava inserida em um período histórico influenciado pelos acontecimentos do velho continente, e.g., a Restauração, o fim do período napoleônico e a Revolução do Porto em 1820, além, é claro, dos ideais liberais pós Revolução Francesa – Liberté, Egalité, Fraternité. Com isso, em 1823, Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte (que ele próprio havia instituído dois anos antes) e impôs seu próprio projeto de governo em 25 de março de 1824, fazendo assim a primeira Constituição do Brasil. 
Esse foi o marco mais duradouro da história do Brasil, percorrendo um total de 65 anos em vigência com quatro Poderes (artigo 10, CF 1824). No entanto, conforme muitos historiadores, esse período também ficou marcado como uma imposição do Imperador, destacando-se o Poder Moderador – fortalecimento do poder pessoal do imperador, o qual estava superior aos demais Poder – influencia política de Benjamin Constant. [3: BRASIL. Senado Federal. 25 anos da Constituição Cidadã – Senado Federal.]
Além disso, Vainer assevera que na primeira Carta havia traços tanto modernos à época – “ela possuía caráter liberal para sua época e constitucionalizou alguns direitos fundamentais como, e.g., a inviolabilidade dos direitos civis e políticos, o conceito de cidadania, a liberdade de expressão e de religião” – como também, possuía traços antigos – por ter constitucionalizado o Poder Moderador não evoluindo como a Europa, já que a mesma tentava se libertar desse. [4: VAINER, 2010. p. 162]
Mesmo a Constituição, em seu artigo 98, mostrando o Poder Moderador como algo positivo, in verbis: 
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos. (sic)[5: BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil. 1824.]
A atribuição de imunidade (artigo 99) e de funções (artigo 101) influenciava negativamente acerca desse Poder, prejudicando, assim, a popularidade de Dom Pedro I. Assim, Silva afirma que esse Direito Constitucional trouxe consequências que perdura até a atualidade, e.g., um Executivo hipertrofiado em relação aos outros dois poderes (Legislativo e Executivo).[6: SILVA, 2011. p. 220][7: Um Poder Executivo hipertrofiado nos dias atuais significa dizer que o mesmo vem se “intrometendo” em funções que não são suas, e.g., decretos provisórios e afogamentos no Judiciário.]
A guarda da Constituição nem sempre foi de responsabilidade do Supremo Tribunal Federal (como é hoje, artigo 102, caput, CF 1988) visto que nessa época o responsável era o poder Legislativo (artigo 15, CF 1824). Nessa linha, Vainer sintetiza que o controle não era jurisdicional, mas era exercido pela Assembleia Geral e, pelo Imperador, por meio do Poder Moderador. Com isso, “deixar ao encargo de quem elabora a norma a sua fiscalização revela-se tarefa perigosa, com a possibilidade de reais abusos” como ocorrera nesse período e, tão logo, mudaria profundamente a história do Brasil ao longo do século XIX. [8: VAINER, 2010. p. 164]
Esse período foi marcado por alta desigualdade social, ausência de Justiça e inexistência da Soberania Popular, algo muito difundido nos dias atuais. Como interesse da elite dominante, havia, na Constituição, assegurado o direito de propriedade, demonstrando assim, uma vertente individualista. A Carta determinava alguns preceitos sociais, mas esses ficaram somente na intenção estatal. Vale ressaltar que as províncias passaram a ser governadas por presidentes nomeados pelo Imperador e as eleições indiretas, censitárias e com voto descoberto. A queda do Império deu-se pelo fim do pacto existente entre monarquia e escravidão. Nesse sentido Groff assevera: [9: O direito ao voto era concedido ao homem livre e proprietário, de acordo com seu nível de renda.]
Apesar da declaração de direitos e garantias expressas na Constituição (art.179), resultante das idéias liberais da época, foi mantido o sistema escravocrata durante todo o Império, estando isso relacionado com a base econômica da época e a monocultura latifundiária. Somente no fim do Império, em 1888, é que foi abolida a escravidão. Isso demonstra o quanto esse regime político-constitucional era contraditório.[10: GROFF, 2008. p. 105.]
Constituição de 1891 – República Velha
 Logo após a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o País passou por grandes mudanças como a abolição da escravatura, a ampliação da indústria, o deslocamento de pessoas do campo para os centros urbanos, e, principalmente, o abandono do parlamentarismo franco-britânico (Monarquia) em prol do presidencialismo norte-americano – “o que demonstra a continuação da tradição de se ter um grande representante da Nação”. Essa Carta – promulgada pelo Congresso Nacional o qual elegeu como Presidente Deodoro da Fonseca – foi inspirada no que levara ao fim o Império: o movimento político-militar, com grande influência republicana norte-americana, tão logo o nome da Nação viesse a denominar “Estados Unidos do Brasil”. [11: SILVA, 2011. p. 223.][12: VAINER, 2010. p. 166.]
Como mudanças significativas ressalta-se o estabelecimento da independência dos três poderes – modelo tripartite de Montesquieu; aumento do poder dos estados com a aplicação do princípio do federalismo; instituição do habeas corpus (artigo 72, parágrafo 22); adotou-se o crime de responsabilidade do Presidente da República, assim o mesmo poderia responder por seus atos e sofrer destituição (impeachment) o que até o momento era novidade; extensão dos direitos aos estrangeiros; liberdade de culto; casamento civil e gratuito; direitos de reunião e associação; abolição da pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra; propriedade intelectual e de marcas e instituição do júri.[13: Modelo tripartite de Montesquieu atribui a cada Poder (Executivo, Legislativo – bicameral – e Judiciário) determinadas funções, com independência e harmonia entre si. ]
Com essa nova fase o Estado adotou ideais positivistas o qual é evidente na inserção de “Ordem e Progresso” na bandeira Nacional além de realizar a separação entre a Igreja, o que torna o Estado laico. No entanto, da mesma maneira que houve evolução também houve retrocesso visto que mesmo havendo direitos sociais na Carta os mesmos não eram muito aplicados uma vez que a sociedade era fragilizada e “o fato de não existir nenhum atendimento social por parte do Estado” acarretava aos menos favorecidos uma situação ainda pior.[14: SILVA, 2011. p. 225.]
O abandono do voto censitário para o voto direto de homens alfabetizados maiores de 21 anos nem sempre é visto como algo positivo nessa Carta visto que o poder local ainda estava sob o domínio do coronelismo, por meio do “voto de cabresto”.[15: Coronelismo, autoridade local, protegia, socorria e sustentava a sua população, exigindo dela em contrapartida obediência e fidelidade. (VAINER, 2010. p. 170-171).][16: “Voto de cabresto ocorre quando se controla o poder político por abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública.” (JUSBRASIL, [2017?])]
Uma das grandes contribuições, não só para o momento, mas como à história jurídica do Brasil como um todo foi a adoção do Código Civil em 1916, entrando em vigor em 01 de jan. 1917. A adoção desse foi fundamental para os direitos individuais uma vez que é uma legislação de suma importância em regimes liberais. Nessa Carta ficou determinado o que viria a ser o atual Distrito Federal, in verbis: [17: Lei n° 3.071,de 1º de janeiro de 1916, também conhecido como Código Beviláqua.]
Art 3º - Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal.
Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado.[18: BRASIL. Constituição da Républica dos Estados Unidos do Brasil. 1891. ]
Constituição de 1934 – Populista
Em meio a um âmbito histórico marcado pela Revolução de 1930 e pela Revolução Constitucionalista de 1932 surge uma grande figura política brasileira que perdura até os dias atuais: Getúlio Vargas, o qual era conhecido também por “pai dos pobres” por conta de seus ideais populistas. Com sua ascensão ligeira ao poder, Getúlio promoveu o desarmamento dos coronéis e, com isso, o fim do “voto de cabresto” e a inclusão do voto secreto e conferiu direito de voto às mulheres (artigo 52, §1º, CF 1934).
Assim, surgira em 1934 a primeira Constituição genuinamente populista do Brasil. Em relação as demais, essa tivera maior modificação em prol da sociedade contendo importantes disposições de “direitos sociais, sendo esses baseados na sua precursora alemã de 1919, a Constituição de Weimar”. Sobre tal Carta alemã, Comparato assevera que ela:[19: SILVA, 2011. p. 226]
Organizou as bases da democracia social [...] a seção sobre a vida econômica abre-se com uma disposição de princípio, que estabelece como limite à liberdade de mercado a preservação de um nível de existência conforme à dignidade humana (art. 151). A função social da propriedade foi marcada por uma fórmula que se tornou célebre: “a propriedade obriga” (art. 153, Segunda alínea).[20: COMPARATO, Fábio Konder. A Constituição alemã de 1919. Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/ ]
Importantes eixos no segmento da família, educação e cultura (Título V, CF 1934) em que pese a União estabelecer um plano de educação nacional e a instituição do ensino primário gratuito. Na área de regulação econômica e social (Título IV, CF 1934) essa Carta trouxa a nacionalização de empresas e a organização sindical, além da legislação trabalhista. Fora instituído ao Poder Judiciário a Justiça Militar e Eleitoral (artigo 63, CF 1934), além da criação do Mandado de Segurança – o qual é muito falado ultimamente e disponível a todos os cidadãos pela Carta Magna. A população, através dessa Carta, poderia usufruir da ação popular que é instrumento de defesa da cidadania, para anular qualquer ato lesivo ao patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios.[21: A qual fora assunto político de reestruturação por meio do PLC 38/2017, esse projeto possui alteração em mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho e grandes divergências no mundo jurídico.]
Sobre toda essa participação popular presente na Constituição, Groff destaca que:
Essas matérias relacionadas aos direitos sociais, econômicos e culturais até então não eram consideradas matérias constitucionais. Essa constitucionalização se deu sob a influência da Constituição de Weimar, de 1919, e de outras Constituições daquele período, que também passaram a tratar desse tipo de matéria[22: GROFF, 2003. p. 114.]
Além disso, a preocupação com decisões de efeitos vinculantes no direito brasileiro, conforme Vainer possui forte influência em Hans Kelsen o qual pressupunha que “o controle deveria ser competência de um tribunal específico (tribunal constitucional).”. Com isso, a competência acerca da constitucionalidade das leis em tese caberia ao Supremo Tribunal Federal, inaugurando, assim, o controle concentrado de constitucionalidade no país. Essa Carta ficou em vigência por três anos.[23: VAINER, 2010. p. 173.]
Constituição de 1937 – Polaca
Após a metade dos anos 30 a história mundial se dividia entre direita radical e o comunismo – entre nazismo e fascismo e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E, no Brasil, não fora diferente, uma vez que havia em seu contexto histórico o Partido da Ação Integralista Brasileiro (Plínio Salgado) e o Partido Comunista do Brasil (Luis Carlos Prestes). Muitos pesquisadores afirmam que essa Constituição fora inspirada na Carta Magna da Polônia e, com muita inspiração do fascismo de Mussolini e do nazismo de Hitler.
Nesse momento conturbado da história, Getúlio Vargas outorga em 10 de novembro de 1937, por meio de um golpe de Estado, tornando o Estado Novo um Estado autoritário. Para Vainer essa Carta é claramente de cunho fascista uma vez que acarretou a supressão dos partidos políticos e a concentração do poder na mão de um chefe supremo, o Presidente, in verbis:[24: VAINER, 2010. p. 176.]
Art 73 - o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do País.[25: BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. 1937.]
Como se percebe, em artigo supracitado, a inexistência do modelo tripartite de Montesquieu é evidente uma vez que o Presidente – Poder Executivo o qual possuía as principais funções do governo sem qualquer limitação prática – anulara a independência dos Poderes Legislativo e Judiciário, iniciando-se assim um período ditatorial. Com isso, a governança se deu por meio de decretos-leis, como e.g., Lei de Introdução ao Código Civil – ainda em vigor – e, pelas prerrogativas ao Poder Executivo (artigo 74 e 75 CF 1937).[26: Com isso houve a hipertrofia desse Poder a qual pode ser sentida até hoje.]
No entanto, Silva ressalta que essa Carta “repetiu os direitos Sociais estabelecidos em 1934” principalmente no campo trabalhista, dando continuidade a um marco político denominado populismo. No que tange o populismo Bava e Romano assevera que[27: SILVA, 2011. p. 229.]
O conceito de populismo é usado para desqualificar ou criticar todas as iniciativas políticas que buscam o contato direto com as massas e são hostis ao sistema de representação democrática que envolve os partidos políticos. E é onipresente a avaliação de que o populismo é uma ameaça à estabilidade das instituições democráticas. Em sua definição, que é ambígua, o populismo é caracterizado como um modo de fazer política. O populismo propicia a construção de um sujeito político – o povo – por meio da identificação antagônica de um outro: aquele que o oprime, que seria causa de suas desventuras.[28: BAVA; ROMANO, 2017.]
Além disso, outras medidas foram adotadas como a instituição da pena de morte, prisão e exílio de opositores do governo, entre outras com ideologia neofascista. Silva também pontua acerca dessa Carta que “a maioria de suas normas jamais foi respeitada, sendo uma construção ilegítima” uma vez que conforme o artigo 187 dessa legislação: “Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República.”. No entanto, o plebiscito abordado em artigo retro nunca ocorrera. Groff sobre a ditadura no Estado Novo:[29: SILVA, 2011. p. 231.]
Foram instituídas a censura prévia e a pena de morte. Esta última para os casos expressamente especificados, inclusive para a subversão da ordem política e social por meios violentos e para o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade.[30: GROFF, 2003. p. 117.]
Constituição de 1946 
Promulgada em 18 de setembro de 1946 pelo Congresso Nacional, no papel de Assembleia Nacional Constituinte, essa quinta Carta contém forte influência da Constituição de 1934, além dos princípios democráticos contido em sua antecessora (1937) extinguindo a censura e a pena de morte e retomando o poder independente entres os Poderes e o seu equilíbrio, assim, ela é vista por muitos historiadores como a melhor Constituição até hoje. [31: VAINER, 2010. p.178.]
O Brasil e vários países europeus – tais como Itália, Alemanha, Iugoslávia e Polônia– durante esse momento estavam rompendo com o período ditatorial, porém, conforme Silva, essa Carta não representou avanço social significativo uma vez que o Brasil deixou de aplicar o Estado de Bem-estar Social, com isso, havia novamente a predominância do “projeto liberal conservador”.[32: SILVA, 2011. p.231-232.]
Como o País estava em um período regido pelo populismo, essa Constituição trouxe consigo algumas normas estabelecedoras de direitos, tais como: incorporação da Justiça do Trabalho e do Tribunal Federal de Recursos ao Poder Judiciário, a pluralidade partidária, o direito de greve e a livre associação sindical, direitos esses que estavam ligados diretamente com a população trabalhista. Em 1961, por meio de uma emenda constitucional, o regime passa de presidencialismo para parlamentarismo, no entanto, o mesmo deveria passar por uma consulta popular por meio de plebiscito, para ser aprovado, o qual não ocorreu resultando, assim, no retorno da democracia e de seus três poderes individuais. [33: BRASIL. Senado Federal. 25 anos da Constituição Cidadã – Senado Federal.]
Sobre essa Carta, Silva pontua que:
Essa Constituição foi a tentativa de continuação de uma suposta ordem social rompida pelo Estado Novo. O legislador não se apercebeu de que após o violento conflito encerrado em 1945 o mundo era outro, completamente diferente daquele que permeou os debates das Constituições anteriores. Não compreendeu que do ponto de vista histórico o regime de Vargas era plenamente coerente com o momento vivido no Ocidente inteiro, e que era o momento de se dar um passo à frente, pois o mundo não retornaria às etapas anteriores. Essa falta de visão do legislador constituinte também é responsável pela falência do projeto político democrático da terceira república.[34: SILVA, 2011. p. 233.]
Essa Constituição tentou evitar que o Poder Executivo sobressaísse sobre os demais – como no Estado Novo.
Constituição de 1967 – Regime Militar
Após o Golpe de 1964 e a ascensão ao poder dos militares, os mesmos deixaram aquela Carta em exercício – Constituição de 1946. Nessa linha, Vainer destaca que após o Golpe militar, ao invés de colocar diretamente outra Carta os militares realizaram o acréscimo de emendas constitucionais – as quais chegaram ao número de vinte e uma emendas – assim daria uma aparência de legalidade aos atos uma vez que estaria presente na Constituição que viria desde o outro regime. Com isso e uma vez que as emendas não bastavam mais os golpistas outorgaram uma nova Constituição com o argumento de preservar a segurança nacional em 24 de janeiro de 1967.[35: VAINER, 2010. p. 182.]
No que se refere ao título essa Legislação deixou de ser denominada “Constituição Federal dos Estados Unidos do Brasil” para apenas “Constituição Federal do Brasil”. 
Nesse período, Groff discorre que o Congresso Nacional ainda funcionava, mas sem qualquer autonomia uma vez que o Presidente não precisaria ouvir o Congresso, além disso, os partidos políticos até então existentes passaram a ser somente dois: ARENA (oficial) e MDB (oposição).[36: GROFF, 2008. p. 120.]
Sobre a grande retirada de direitos e garantias individuais fundamentais que havia até então, Silva pondera que:
O principal objetivo dessa constituição não era a garantia de direitos, nem a regulamentação do exercício de funções do Poder, nem imprimir um projeto ao Brasil, trata-se de uma das etapas fundamentais na busca de se institucionalizar o movimento de 1964. Portanto, um texto que só merece ser lembrado para que não se cometam novamente os mesmos erros.[37: SILVA, 2011. p. 235.]
Em questão de direitos sociais, como em qualquer outra ditadura, houve drasticamente sua redução, como pontua Groff:
A redução para 12 anos da idade mínima de permissão de trabalho; a supressão da estabilidade, como garantia constitucional, e o estabelecimento do regime de fundo de garantia, como alternativa; as restrições ao direito de greve; e a supressão da proibição de diferença de salários, por motivo de idade e nacionalidade.[38: GROFF, 2008 p. 122.]
Como um diferencial das demais Cartas, essa “determinou que se impunha a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário”, assim pode-se analisar que essa Carta deve ser vista como uma legislação que não respeitava os direitos humanos, uma vez que só trouxe retrocessos e uma preocupação com a elite. [39: GROFF, 2008 p. 122.]
Constituição de 1969 – Emenda Constitucional nº 01
A partir de 17 de outubro de 1969 a Constituição, na visão de Vainer, passou a ser mais autoritária, por meio dessa emenda, de tamanha mudança que houvera. Outros consideram como um “fechamento total do regime” por meio do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, fazendo com que a Carta de 1967 parasse de vigorar. [40: VAINER, 2010. p. 183.][41: Acerca disso, a doutrina diverge. Para Vainer (2010) trata-se de uma Emenda “Não concordamos com tal posição. Estamos de acordo com a opinião de Celso Ribeiro Bastos, que afirma:  ‘[...] para uns, como visto, esta emenda é uma nova Constituição, para outros não passa de uma mera emenda [...]’” (p.183). Enquanto que José Afonso da Silva (2001) argumenta que “[...] teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil.” (Silva, 2001, p. 87)]
Sobre isso, Silva pontua que:
Nesse Ato Institucional são atribuídas as seguintes prerrogativas ao Poder Executivo frente aos outros poderes e entes da Federação, que naquele momento deixavam de existir de fato: fechar o congresso, legislando sobre qualquer matéria enquanto este estivesse fechado; decretar a intervenção federal nos Estados e Municípios sem limite algum; poder de cassar mandatos e suspender direitos políticos também sem qualquer limitação; suspensão das garantias da magistratura; através da figura do ministro da Justiça, poderia ocorrer a suspensão dos direitos civis e políticos do cidadão e a aplicação de medidas de segurança como liberdade vigiada e domicílio determinado.[42: SILVA, 2011. p. 236.]
Em outras palavras, esse Ato Institucional instaurou uma suspenção a qualquer reunião de cunho político; censura aos meios de comunicação (jornais, música, teatro, cinema...); suspenção do habeas corpus para os crimes políticos; estado de sítio decretado pelo presidente, em casos previstos na CF.
É notória a ampliação do poder frente ao Executivo, por essa Carta, o que acarretou em um enfraquecimento do princípio federativo, reduzindo assim a autonomia política de estados e municípios uma vez que, conforme AI nº 5 autorizava a intervenção em estados e municípios.
Além de todas as prerrogativas adotadas nesse período ditatorial, o Senado Federal, como poder Legislativo, passou ao Presidente da República (poder Executivo) o “poder de suspender o ato ou a lei declarada inconstitucional pelo STF, quando essa suspenção fosse suficiente para restabelecer a ‘normalidade’ no Estado.”[43: VAINER, 2010. p.185.]
O que tornara o quadro dessa Carta ainda mais delicado, uma vez que o STF declarando inconstitucionalidade em determinada legislação ditatória o governo poderia, a seu livre critério, “para restabelecer a ‘normalidade’ no Estado”, suspender a decisão da Corte. [44: VAINER, 2010. p.185.]
No entanto, tais fatos ocorridos não causaram tanto escândalo, como se ocorressem tais atos na atualidade, haja vista que grande parte da América Latina se encontrava em uma era ditatorial.[45: SILVA, 2011. p.237.]
Referências
BAVA, Silvio Caccia; ROMANO, Jorge O. “Editorial: Vamos falar de populismo”. Le Monde diplomatique Brasil. 06 de jul. 2017. Disponível em: <http://diplomatique.org.br/vamos-falar-de-populismo-2/>. Acesso em 08 de set. 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 31 ago. 2017.
BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil. 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em 01 set. 2017.
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em 08 set. 2017.
BRASIL. Constituições Brasileiras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2005. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/museu/publicacoes/arquivos-pdf/Constituicoes%20Brasileiras-PDF.pdf>. Acesso em 01 set. 2017.
BRASIL. Portal Brasil. Constituições Anteriores – Portal Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/constituicoes-anteriores>. Acesso em 01 set. 2017.
BRASIL. Senado Federal. 25 anos da Constituição Cidadã – Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/especiais/constituicao25anos/historia-das-constituicoes.htm>. Acesso em 01 set. 2017.
COMPARATO, Fábio Konder. A Constituição alemã de 1919. Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/alema1919.htm> Acesso em 02 set. 2017.
GROFF, Paulo Vargas. Direitos Fundamentais nas Constituições Brasileiras. Revista de Informação Legislativa, Brasília, [S.I.], a. 45, n. 178, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176526>. Acesso em 08 set. 2017.
SILVA, João Carlos Jarochinski. Análise histórica das Constituições brasileiras. Revista Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, [S.I.], n. 10, mar. 2013. ISSN 1982-4807. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/view/13910>. Acesso em 01 set. 2017.
VAINER, Bruno Zilberman. Breve histórico acerca das constituições do Brasil e do controle de constitucionalidade brasileiro. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, [S.I.], n.16, jul./dez. 2010. ISSN 1983-2303. Disponível em: <http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/233>. Acesso em 01 set. 2017. 
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SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001.