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PAIDEIA CATÁLOGO EXPOSIÇÃO

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Quíron ensinando 
Aquiles a tocar lira
Antigo afresco romano
Anterior a 79 d.C.
© Mimmo Jodice/Corbis
Ministério da Cultura, Santander e Santander Cultural apresentam
C U R A D O R I A
Maria Lucia Montes
C U R A D O R E S A S S O C I A D O S
Wolfgang Degenhardt
Elcio de Gusmão Verçosa
S A N TA N D E R C U LT U R A L
Recife, 06 de setembro a 14 de outubro de 2012
P A T R O C Í N I O P R O D U Ç Ã O A P O I O R E A L I Z A Ç Ã O
P
ara celebrar o aniversário de 40 anos de trabalho ao 
lado dos pernambucanos, o Santander elegeu a Edu-
cação como tema de sua exposição central na progra-
mação 2012 do Santander Cultural. Logo, a mostra 
Paideia – o Sentido da Educação constitui-se como 
significativa homenagem a todos os professores e profissionais 
envolvidos na missão de formar cidadãos.
Com curadoria dos doutores Maria Lucia Montes, Wolfgang De-
genhardt e Elcio de Gusmão Verçosa, a exposição fundamenta-se 
em dois núcleos – Paideia e Caminhos da Educação no Brasil – que 
abordam, de maneira inovadora e interativa, a questão da educa-
ção e suas problemáticas ao longo dos tempos e em distintos pon-
tos geográficos, desde a Grécia Antiga até a contemporaneidade, 
com ênfase no Brasil. 
A partir do estudo de experiências e práticas educacionais em 
épocas e culturas diversas, podemos descobrir novas formas de 
perceber os diferentes matizes da educação em nosso próprio tem-
po e lugar. Dessa forma, a iniciativa contribui para o surgimento de 
reflexões a respeito do sentido da educação e seu papel formador.
O acesso à educação é fundamental para o desenvolvimento 
humano, tão importante quanto proporcionar condições adequa-
das de alimentação e saúde, pois, além de reflexo do nível de de-
senvolvimento de uma nação, configura-se também como indica-
dor do nível de civilização de um povo. Sabemos que a ampliação 
do acesso e melhoria da educação brasileira é um desafio a ser 
enfrentado para que o nosso país possa manter o nível de desen-
volvimento que tem apresentado nos últimos anos. Certamente, 
trata-se de um caminho árduo, entretanto, contamos com o entu-
siasmo e a paixão pelo saber que movem os mestres em todas as 
épocas da humanidade.
S A N TA N D E R C U LT U R A L 
Um leitor na Universidade 
de Bolonha 
Iluminura em manuscrito
Século XV
© Gianni Dagli Orti/Corbis
Francisco Brennand
Paulo Freire, [da série] Paulo 
Freire – desenho para os Círculos 
de Cultura e o Progama Nacional 
de Alfabetização do MEC (detalhe)
Nanquim e guache sobre papel
1963 
Acervo Francisco Brennand
Foto Celso Pereira Jr.
012
034
062
082
104
Maria Lucia Montes
Wolfgang Degenhardt
Maria Lucia Montes
Elcio de Gusmão Verçosa
O S E N T I D O D A E D U C A Ç Ã O
A E D U C A Ç Ã O N A E U R O PA
S O B R E E S C R I TA , M E M Ó R I A E P O D E R
E D U C A Ç Ã O O U E S C O L A R I Z A Ç Ã O ?
E N G L I S H V E R S I O N
Rafael Sanzio
Escola de Atenas
Afresco
1510
Stanza della Segnatura, 
Palácio do Vaticano
© Ted Spiegel/Corbis
O S E N T I D O
D A E D U C A Ç Ã O
Maria Lucia Montes
15P A I D E I A
N
o mundo atual, a educação é considerada não só 
um indicador do nível de desenvolvimento dos dife-
rentes países, como também um índice do grau de 
civilização de diferentes povos. Mesmo em países 
nos quais a população enfrenta graus extremos de 
miséria, a falta de equipamentos e de oportunidade de acesso à 
educação é considerada um problema tão grave quanto a falta 
de alimento ou condições adequadas de saúde. Países em que o 
governo, por razões culturais ou outras, impede o acesso à edu-
cação a uma parte de suas crianças e jovens – em geral, do sexo 
feminino – violam, segundo as Nações Unidas, direitos humanos 
fundamentais. No Brasil, programas sociais do Governo Federal 
condicionam a concessão de benefício a populações mais pobres 
à manutenção de seus filhos na escola, e a necessidade de amplia-
ção do acesso e de melhoria da qualidade da educação é vista como 
um desafio crucial a ser enfrentado para continuar a manter o país 
no rumo do desenvolvimento de anos recentes. 
Entretanto, medidas de melhoria educacional previstas em 
todo o mundo, inclusive no Brasil, parecem confinar-se quase 
sem exceção às instituições formalmente destinadas em nossas 
sociedades ao trabalho educativo, isto é, à escola, nos diferentes 
níveis em que funciona o sistema de ensino, da educação infan-
til ao ensino superior. O que aconteceria se viéssemos a descobrir 
que grande parte desse esforço tem seus resultados limitados 
pelo foco exclusivo no plano institucional da educação, sem uma 
reflexão mais ampla sobre os processos que ela envolve e que po-
deriam pôr em questão nossa compreensão do próprio sentido de 
educar, para além da escola? Naturalmente, não se trata de propor 
aqui um inventário das diferentes correntes da filosofia da educa-
ção, que em todos os tempos procuraram trazer uma resposta a 
esta questão. Trata-se, ao contrário, apenas de sugerir um exercí-
cio de reflexão, tomando como referência outro modo de pensar o 
sentido da educação, ao qual, desde os gregos, sempre foi referido 
o conceito de paideia.
Pa i d e i a
Ainda me lembro do impacto daquela obra monumental do 
filólogo e helenista Werner Jaeger, Paideia. Estudante de filosofia, 
aprendia então que era necessário abordar o mundo da Grécia An-
tiga como aquele em que, pela primeira vez, a emergência de um 
pensamento racional venceria o poder do mito para explicar o mun-
do... Era a “aurora da razão”, dando início à reflexão filosófica que 
marca também o início da história da nossa civilização e do espírito 
científico que nela viria a florescer. Aprender filosofia era entender 
o diálogo eterno que as ideias estabelecem entre si através dos di-
ferentes pensadores que as discutiram, evidenciando a marcha da 
história do espírito humano e o progresso da consciência em dire-
ção à racionalidade e à civilização... Como então na obra de Jaeger 
tudo se misturava, junto com a filosofia? As histórias dos deuses do 
Olimpo e os feitos dos heróis de Homero se estendiam nos versos 
de Píndaro ou nos dramas de Ésquilo, e o clamor de Hesíodo pelo 
reino da justiça ou a organização do Estado em Esparta se refletiam 
na concepção de Platão da República e das Leis! Como entender que 
isso fosse parte do que se chamava paideia, ou “educação”?
Só mais tarde compreendi que era preciso ver com olhos 
gregos o mundo em que se constrói a paideia para perceber que, 
para além do seu sentido original, restrito apenas à “criação das 
crianças”, a palavra iria incluir num campo muito mais amplo, so-
bretudo a partir do século V a.C., religião, literatura, esporte, ar-
tes e pensamento especulativo sobre o mundo e sobre o homem, 
integrados organicamente numa mesma cultura, universo de lin-
guagens, saberes, práticas e valores sobre os quais se construiu 
a civilização grega. Assim, não por acaso, a obra de Jaeger tem 
como subtítulo “A formação do homem grego”. A façanha desse 
trabalho de extraordinária erudição é buscar encontrar um senti-
do de continuidade dos valores que modelaram a formação dessa 
cultura, dos tempos de Homero, no século VIII a.C., até a era clás-
sica do século V, estendendo-se depois pelo período helenístico 
e por grandes pensadores greco-romanos – Cícero, Marco Auré-
lio, Plotino – até o século IV d.C., quando os pais fundadores do 
cristianismo, a exemplo de Santo Agostinho, retornam aos seus 
temas e assim os incorporam de uma nova perspectiva às bases 
de fundação da civilização ocidental! Trata-se, portanto, de ideais 
em que ainda hoje nos reconhecemos e que, a seu modo, estão no 
cerne de nossaconcepção de educação. 
Todavia, pensar aqui em continuidade envolve certo idealis-
mo para identificar o germe de um “povo helênico” nos pequenos 
grupos de origem indo-europeia que povoam desde o século VIII 
a.C. as costas recortadas de ilhas do Mar Egeu e a Ásia Menor. A 
expansão da navegação e do comércio estabeleceria laços en-
Platão e seus discípulos
Mosaico de Pompeia
Anterior a 79 d.C.
© Bettmann/Corbis
Bernard
Arquitetura
Gravura em metal, representando 
uma coluna da ordem jônica
1751–1765
In: Recueil des Planches 
sur les Arts Libéraux et les 
Arts Mécaniques (d’après 
l’Encyclopédie, ou, Dictionnaire 
raisonné des sciences, des arts 
et des métiers... par Denis Diderot)
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil
17P A I D E I A16 P A I D E I A
tre esses núcleos e, depois, com as colônias fundadas na Magna 
Grécia, incluindo a Sicília e a costa da África. Mas sua autonomia 
se afirma na organização de cada um deles como uma polis inde-
pendente, uma cidade-Estado. A história grega é dominada pelas 
alianças e guerras entre elas – Tebas, Corinto, Esparta, Atenas... – 
em busca de hegemonia ou contra inimigos externos, como persas 
e macedônios, que, afinal, sob Filipe II e depois seu filho, Alexan-
dre, o Grande, acabam por conquistar todos os seus territórios. Por 
isso são cidades que nos servem de referência quando falamos da 
guerra de Troia, dos jogos de Olímpia que se realizam desde o sé-
culo VIII, do oráculo de Delfos que ordenou a Sócrates “conhece-te 
a ti mesmo”, e ainda de topônimos a identificar Tales de Mileto, Pi-
tágoras de Samos, Heráclito de Éfeso, Empédocles de Agrigento...
Como então pensar em continuidade de valores e ideais co-
muns se a própria mitologia e a religião da Grécia arcaica conser-
vam características locais que irão subsistir mesmo na idade clás-
sica? Ali, as práticas associadas ao sagrado se organizam em cultos 
e sacrifícios particulares, ou festivais de forte sentido político, 
como a celebração do Zeus olímpico durante os jogos, as procissões 
da Panateneia em honra de Atena, ou as representações teatrais 
que, no século V, põem em cena as tragédias de Ésquilo, Sófocles 
e Eurípedes e as comédias de Aristófanes, em festivais que reú-
nem milhares de pessoas, retomando no contexto cívico da polis 
as grandes celebrações de origem rural de Dionisos. Só aos poucos 
o culto aos deuses como protetores locais se generaliza, graças aos 
intercâmbios comerciais e culturais que acabam por reuni-los num 
Panteão comum. Seus mitos têm, pois, uma infinidade de versões 
locais, conservadas pela tradição sem que pareçam contraditórias, 
apesar de suas variações. 
Contudo, de fato existem valores e ideais comuns que estão 
na base da formação do homem grego. A começar por aqueles 
expressos na Ilíada e na Odisseia de Homero, considerado o pri-
meiro educador de toda a Grécia. Ali, a poesia épica celebra os he-
róis da guerra de Troia ou as aventuras de Ulisses – Odisseus, em 
seu nome grego – ao retornar a Ítaca, retomando antiquíssimas 
narrativas transmitidas de geração em geração antes que Ho-
mero as reunisse e depois ganhassem forma escrita. Ali, nesse 
período que Hesíodo chamará de Idade de Ouro, deuses e heróis 
convivem sem estranheza, e é esse universo que ele evocará, na 
Idade de Ferro em que acredita viver, para clamar a Zeus por jus-
tiça contra os grandes senhores “comedores de presentes”, que 
oprimem a gente comum. Falta-lhes, segundo Hesíodo, a areté 
que Homero celebrava em seus heróis. 
A R E T é
Esta é uma palavra a que prestar atenção. Traduzida como 
“virtude”, seguindo o latim virtus, do qual é derivada, ela nos en-
gana ao parecer remeter a um valor moral puramente abstrato. De 
fato, areté é uma qualidade que se expressa nos valores e no modo 
de se comportar de um homem, dando forma aos ideais pelos 
quais ele pauta sua conduta. É uma força – uma virtualidade – pre-
sente em suas ideias, palavras e ações, na vida privada e no espaço 
público, e que se torna exemplo para os demais, de modo a servir 
à sua educação. Para Homero, a areté dos heróis de Troia é o con-
junto das qualidades que exibem durante a guerra: coragem frente 
ao inimigo, lealdade aos companheiros, mas também o orgulho de 
Aquiles a ser dobrado para que volte ao combate, sua fúria assas-
sina ao se vingar, com a morte de Heitor, da perda de seu compa-
nheiro Pátroclo, e que depois deve ceder lugar ao dever sagrado 
de permitir ao rei troiano enterrar seu filho. E é ainda a astúcia de 
Ulisses, ao imaginar o famoso cavalo que leva em seu interior os 
guerreiros gregos para dentro da cidade agora sem defesa. Isto é 
o que mostra o que de mais valioso existe nesses heróis, o que os 
torna os melhores, aristói. São virtudes inseparáveis, que a força 
poética da narrativa de seus feitos torna exemplar e que a tradi-
ção retomará em infindáveis variações, voltando a Homero como 
o grande educador. 
A mitologia dos heróis e deuses de Homero e da Teogonia 
de Hesído ganha foros de história quando Píndaro e outros po-
etas se empenham em traçar genealogias que ligam o destino 
dos fundadores de cidades a semideuses, heróis e divindades 
do Olimpo, Atena, Apolo, Héracles, Eneas. Por isso, os gregos 
Hércules lutando contra 
o Leão da Nemeia
Ânfora com pintura da série negra
Séc. VI a.C. 
© Araldo de Luca/Corbis
A destruição de Troia
Krater (vaso grande para misturar 
água ao vinho) com pintura 
de figuras da série vermelha
© Araldo de Luca/Corbis
Giovanni Gaetano Bottari
Homero
Gravura em metal
Séc. XVIII
In: A. de Rubeis (1750–1782). Musei 
Capitolini. Tomus Primus
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
19P A I D E I A18 P A I D E I A
nunca deixaram de “acreditar” em seus mitos. Entre os séculos 
VI e V a.C, registra-se o que foi considerada a emergência de um 
pensamento racional, na reflexão de Heráclito, Anaximandro 
ou Empédocles, filósofos da physis – da natureza como princí-
pio primeiro das coisas – e firmado no conhecimento matemá-
tico, que florescerá depois com Euclides e Arquimedes, ou na 
expansão do conhecimento empírico da medicina com Hipócra-
tes. Isso pode levar os pensadores a despojar o mito de alguns 
de seus aspectos mais “inverossímeis”, descartando em parte o 
maravilhoso, sem que signifique seu abandono ou sua “supera-
ção” pela força de uma razão abstrata. “Diz-se que...”, “segundo 
a tradição...” são expressões que mostram o relativo ceticismo 
de um Heródoto ou um Tucídes, mas a nenhum deles ocorreria 
declarar como “inverdade” o que dizem os mitos, retomados in-
cessantemente na poesia ou nas tragédias dos festivais de te-
atro. Afirmá-lo seria negar a base mesma da tradição em que se 
sustenta sua cultura.
O que faz Jaeger é demonstrar as metamorfoses do concei-
to de areté, que se transforma sem negar seu núcleo original de 
valores. Os aristói do mundo guerreiro de Homero serão depois 
os aristocratas das cidades da Magna Grécia e do continente go-
vernadas por poucos, um mundo cortês celebrado por Píndaro 
na exaltação dos feitos de jovens atletas que se tornam imor-
tais por suas conquistas em competições já não mais sangren-
tas. Quando, ao contrário, se exaltam em Esparta a conduta 
ascética, a coragem inflexível e o espírito de sacrifício de seus 
guerreiros-cidadãos, é ainda da areté clássica que se trata, para 
afirmar não a glória dos indivíduos, mas de sua cidade-Estado. 
As reformas dos grandes legisladores, Licurgo, Solon ou Clís-
tenes, fixam na forma da lei, em Estados mais autoritários ou 
democráticos, normas de conduta obrigatórias para todos. A 
Atenas democrática de Péricles, que vê florescer seusmaio-
res artistas na construção do Partenon na Acrópole, considera 
como forma mais acabada da areté a retidão de conduta de seus 
cidadãos. Acusado de não respeitar as leis quando no exercício 
de uma função pública e invocar deuses desconhecidos, assim 
corrompendo os jovens com quem convive, Sócrates, um dos 
mais afamados filósofos atenienses, será condenado à morte 
pela ingestão de cicuta. Tais são as distintas expressões da are-
té, que apenas ampliam seu significado.
S Ó C R AT E S E O S S O F I S TA S
A comoção provocada pela morte de Sócrates tem, a susten-
tá-la, a luta pelo poder entre facções aristocratas e partidários da 
democracia, mas também uma disputa que constitui um dos mais 
importantes capítulos da história da paideia grega, envolvendo os 
sofistas e seu mais veemente opositor. Na democracia da Atenas 
de Péricles, há uma questão inédita que se coloca: se a mais alta 
virtude se expressa na ação política dos cidadãos, poderia ela ser 
ensinada? A resposta de Protágoras, Górgias e outros mestres cha-
mados de sofistas é decididamente afirmativa, por isso eles se dis-
põem a ensinar aos discípulos a arte de bem argumentar, podendo 
assim vencer a disputa de um voto na assembleia dos cidadãos. Eis 
o que desperta a indignação de Sócrates e sua mais acerba ironia. 
Como confundir a retórica da praça pública com o verdadeiro con-
teúdo da areté cívica? Acaso ensinavam os sofistas seus discípulos 
a se interrogar sobre o que torna uma ação corajosa ou justa? En-
tenderiam eles, examinando suas próprias ações, o que significa a 
Coragem ou a Justiça, o verdadeiro Bem que define o conjunto das 
ações virtuosas como belo e bom, kalós k’agathós?
Há aqui duas formas distintas de se compreender o foco an-
tropocêntrico de toda a paideia grega, presente já em Homero e He-
síodo, e que, na arte, se traduz pela busca da harmonia e do equi-
líbrio das formas, levando a dar aos deuses uma graça humana, e 
não a postura hierática das divindades do Egito. Ao afirmar que “o 
homem é a medida de todas as coisas”, Protágoras, o sofista, “mes-
tre de sabedoria” que se coloca a serviço da disputa política na 
ágora, põe a nu a questão do poder que a democracia encobre: ali 
vencem os mais habilitados a convencer os demais de suas razões. 
Kleophon
Cena do retorno de Hefesto 
(Vulcano) ao Monte Olimpo 
conduzido por Dionisos (Baco) 
e suas Mênades 
Krater grego antigo com 
figuras da série vermelha
430 a.C. 
© Alfredo Dagli Orti/The Art Archive/Corbis
Círculo do pintor Antímenes
Dionisos e seu cortejo de 
seguidores inebriados (Thiasus)
Krater-psykter (continente 
da água e do vinho) da Ática 
com figuras da série negra
ca. 525–500 a.C.
Museu do Louvre, Paris, França 
© Corbis
21P A I D E I A20 P A I D E I A
São tidos como os melhores, aristoi: no fundo, o melhor governo 
democrático é ainda uma oligarquia... Por isso os sofistas buscam 
seus discípulos entre aqueles já naturalmente bem-dotados, os fi-
lhos da aristocracia, sendo recebidos com honras por suas famílias. 
Esses jovens não são diferentes daqueles que, segundo o costume, 
Sócrates e outros homens mais velhos cortejam, longe dos negó-
cios, no ambiente de ócio dos ginásios atléticos e dos banquetes, 
admirando-lhes a beleza do corpo nu para melhor despertar neles 
a consciência da beleza íntegra de sua alma, e assim orientá-los 
para a virtude que deverão depois demonstrar na vida social. Este 
é o Eros socrático, a amizade – filia – que os verdadeiros “amigos 
da sabedoria”, os filósofos, demonstram também pelos homens, 
ao conduzirem os mais jovens em direção ao ideal do que é belo 
e bom, não apenas em suas ações concretas, mas em si e por si 
mesmos, como a essência do Belo e do Bem. 
Entre os sofistas e os filósofos há a distância que vai do poder 
que uns não temem servir e a verdade recôndita que a maiêutica so-
crática se esforça por revelar. Platão atribui-lhe o caminho da ascese 
que, arrancando o homem das sombras da caverna onde se reflete 
a aparência das coisas, os leva a contemplar o que são suas verda-
deiras Formas – eidos, donde a tradução como Ideia – num mundo 
de essências que só o pensamento racional pode apreender sob a 
forma do conceito. Mas esta não é a única imagem de Sócrates. 
A R T E , é T I C A E P E N S A M E N T O C O N C E I T U A L
Sócrates nos aparece sob outra figura em Aristófanes, que o 
ridiculariza como sofista, e em Xenofonte, que louva o ensino moral 
de seu mestre, assim como os chamados socráticos menores, cire-
naicos e cínicos, e, depois deles, epicuristas, estoicos e neoplatôni-
cos, de influência decisiva na transição do pensamento helenístico 
e greco-romano para um pensamento cristão. Assim, parece infun-
dado o ódio que lhe votará Nietszche, que vê em Sócrates o primeiro 
a pôr em risco a relação entre o impulso “apolíneo” e o “dionisíaco” 
na formação do homem grego, rompendo o equilíbrio entre o pen-
samento racional e a eficácia emocional e afetiva do mito, da poesia 
e do drama na compreensão da experiênca do homem no mundo, 
trocando-os pelo conceito e a aridez da razão. Mas como ignoraria 
Sócrates essa eficácia, se bastou a Aristófanes uma comédia – As 
Nuvens – para abalar sua reputação, sendo os festivais de teatro 
uma escola cívica compulsória para os atenienses, com um fundo 
público para pagar aos mais pobres a jornada de trabalho perdida? 
Se a comédia põe em cena as figuras públicas do dia com sua crítica 
mordaz, a tragédia permite refletir sobre dilemas morais e conflitos 
de valores na Atenas da democracia de Péricles. Entre o poder dos 
deuses e a responsabilidade do homem, o diálogo do herói com o 
coro, que comenta sua ação com o olhar do coletivo de cidadãos que 
o compõe, é um espelho onde se reflete um mundo em transforma-
ção e as relações do indivíduo com a cidade. 
Isso é também o que faz Sócrates quando, mergulhado no 
cotidiano das ações dos homens, busca seu fundamento ético 
pelo escrutínio interior a que obriga seus interlocutores com seu 
método de infatigável interrogação, fazendo valer para os outros 
o “conhece-te a ti mesmo” que lhe impôs como missão o orácu-
lo délfico. Sócrates apenas traz para o interior da consciência a 
reflexão moral que o teatro oferece como espetáculo no espaço 
público. Não é, pois, só de abstração conceitual que se trata. Ao 
aceitar, sereno, o cálice de cicuta, invocando o respeito às leis da 
cidade, mesmo após um julgamento manifestamente injusto, Só-
crates demonstra que, para ele, a areté só se realiza plenamente 
para o indivíduo como parte da coletividade, cujos valores são 
aprendidos no teatro ou no festival religioso, na reflexão filosó-
fica ou nas lutas políticas da cidade. 
É nisso que acredita Platão, quando busca convencer o tirano 
de Siracusa a pôr em prática o modelo de organização política que 
depois figuraria na República, e é também o que faz Aristóteles 
tornar-se preceptor de Alexandre. Essa relação entre a formação 
do homem, em seus valores e ideais, e a experiência da vida social 
sob todos os seus aspectos é o que alarga o conceito de educação 
até os limites da polis. Ao definir o homem como zoon politikon, 
“animal político”, Aristóteles deixará claro o vínculo de cada ser 
humano à comunidade de que faz parte, cujo destino lhe cabe 
partilhar e mesmo conduzir, como cidadão. Frente à destruição 
da autonomia política da Grécia após a conquista macedônica, é 
essa ideia que sustenta os altos ideais da paideia grega, o que se 
buscará preservar sob Alexandre. Todavia, tratava-se já de um 
outro mundo, onde, sem a participação de todos na agitação coti-
diana da cidade e sua condução política pelos cidadãos, já não ha-
via lugarpara transformar valores e ideais em ações que os evi-
denciassem aos olhos da coletividade, para honra do indivíduo e 
da polis. Sem essa unidade entre o ideal e a ação, o empenho de 
Giovanni Gaetano Bottari
Sócrates
Gravura em metal
Séc. XVIII
In: A. de Rubeis (1750–1782). 
Musei Capitolini. Tomus Primus
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
Cena de banquete com jovem 
tocando flauta (Aulos)
Tondo (pintura circular) 
de uma taça da Ática com 
figuras da série vermelha
ca. 460–450 a.C. 
Museu do Louvre, Paris, França
© Corbis
23P A I D E I A22 P A I D E I A
uma obrigação do Estado, visando à formação de cidadãos capazes 
de ocupar os altos cargos do exército e do governo. 
Todavia, sob as roupagens greco-romanas do Consulado, do 
Diretório e do Império, eram os instrumentos de gestão da socie-
dade capitalista e do Estado burguês que se firmavam. Se a De-
claração de 1789 destinava-se a garantir direitos civis e políticos 
a todos os franceses, era enquanto indivíduos que deveriam go-
zar deles. E nada evidencia melhor a distância desse indivíduo 
burguês que é o cidadão moderno, em relação ao ideal grego de 
cidadania que a educação deveria fomentar, do que uma célebre 
passagem da Odisseia. Nela, após cegar o ciclope Polifemo, a quem 
astutamente se apresentara dizendo chamar-se “Ninguém”, Ulis-
ses agora afirma com orgulho: “Diga a todos que quem fez isso não 
foi “ninguém”, foi Ulisses, filho de Laerte, rei de Ítaca, vencedor da 
guerra de Troia”. Assim, quando se trata de singularizar a própria 
identidade, é à sua persona pública que Ulisses recorre, revelando 
a rede de relações que o insere com honra na trama da vida social 
de que é parte e cobre de glória o seu nome por seus feitos. 
Sócrates em trazer para a consciência a reflexão sobre a virtude, 
à luz da vida pública da polis, resultará no retraimento da ética na 
fortaleza interior da alma, como fará o pensamento helenístico. 
É nesse universo, onde a ação política perdeu seu significado ou 
se tornou francamente não confiável como parâmetro de virtu-
de, que emergirá o conceito de uma liberdade puramente interior 
que, no século I d.C., o ex-escravo Epiteto pode reivindicar como 
parte da sabedoria estoica própria a um novo “cidadão do mun-
do”. Significativamente, é o mesmo conceito que guiará a conduta 
do imperador filósofo Marco Aurélio, frente ao pesado encargo de 
dirigir os destinos de Roma... 
H U M A N I S M O E V A L O R E S U N I V E R S A I S
Há uma dimensão de universalidade na apropriação da paideia 
grega, quando retirada dos embates da sociedade que lhe deram 
origem. A partir do período alexandrino, a ideia de virtude e de edu-
cação a ela associada irá progressivamente esvaziar-se da pulsação 
concreta da vida, até tornar-se uma pura abstração moral de cará-
ter individual. Isso se acentuará ainda mais quando o cristianismo 
nascente se apropriar de seus valores, transferindo o confronto dos 
dilemas éticos para o interior de uma consciência agora dilacerada 
pela ideia judaica do pecado original, ausente do pensamento grego. 
Uma cultura da transcendência, da culpa e do temor pela vida futu-
ra da alma tomará o lugar da cultura grega da honra e da vergonha 
por uma ação indigna aos olhos da coletividade. 
Por certo, os altos ideais da paideia grega, remetendo à busca 
do que de melhor existe nos homens, que os transforma em aris-
toi, transcende suas ações concretas ou sua condição social para 
falar da sua própria humanidade. Isto está implícito no ideal de Só-
crates, que lhe custou a vida, assim como na caracterização dos 
personagens da tragédia clássica, que não por acaso se tornaram 
modelos para a reflexão filosófica ou mesmo psicanalítica sobre a 
condição humana. É a herança da ideia grega de areté e da paideia 
que a ela conduz, compreendidas em sua dimensão universal, que 
está na origem do humanismo clássico, com os filósofos helenistas 
e greco-romanos, e, depois, do humanismo cristão, que a patrísti-
ca irá fundar. No mundo moderno, esse universalismo sustentará 
também, desde a Revolução Francesa, a ideia de Direitos do Ho-
mem e dos Cidadãos que integram a famosa Declaração de 1789. 
Sob Napoleão, uma reforma do ensino tornará a educação gratuita 
Que medida comum existe entre o herói homérico e o indiví-
duo da sociedade burguesa capitalista, cujas ações racionais são 
guiadas pelo interesse e o cálculo de um ganho futuro, segundo 
os valores do individualismo possessivo que regem sua conduta? 
A “mão invisível do mercado”, que deveria regular a anarquia das 
condutas individuais, adequando-as em termos de demanda e 
oferta, é um substituto pobre para o valor da virtude que honra 
o indivíduo frente à coletividade no mundo grego. Sob a aparente 
continuidade dos ideais, abriu-se um abismo quanto ao seu senti-
do no mundo moderno e na Antiguidade clássica.
O I D E A L E O R E A L
Nem tudo, porém, é ruptura. É inegável que a ideia de areté 
que sustenta a formação do homem grego refere-se ao que dis-
tingue os melhores, aristoi. Esta visão aristocrática é o que perma-
necerá, imutável, no cerne do conceito de virtude, ainda que ela 
acabe por aplicar-se, no sentido universalista do humanismo, a 
qualidades morais próprias à consciência do ser humano, referi-
das a valores espirituais válidos para todos os homens em todos 
os tempos. Mas quem, na Grécia, poderia aspirar à virtude que se 
exerce no convívio cidadão da polis? 
Na verdade, a grandeza dos ideais da paideia grega con-
trasta de maneira quase chocante com a estrutura social das 
cidades-Estados. Não é possível concebê-las sem escravos, botim 
de guerra em toda parte, e sem a escravização por dívida, que So-
lon aboliu em Atenas, liberando os camponeses de seu jugo. Em 
Esparta, os hilotas, servos da gleba de propriedade do Estado, são 
também instrumentos da educação dos guerreiros na arte de matar, 
alvos em temporadas de caça em que são recompensados os que 
os eliminam em maior número, já que são constantes suas revoltas 
frente à miséria e o terror em que vivem. Outros não-cidadãos in-
cluem os estrangeiros, metecos em Atenas ou periecos em Esparta, 
que se dedicam ao comércio e à produção artesanal, mas sem direito 
de adquirir propriedades ou participar da vida política, embora pa-
guem impostos e participem das guerras das cidades-Estados. 
Exceto em Esparta – mas ao preço de submeter toda sua 
vida ao controle do Estado – as mulheres não estão incluídas 
entre os cidadãos. Homero louva a beleza de sua juventude e 
a dignidade de sua condição de mãe de família que gera filhos 
saudáveis para as casas senhoriais, sua conduta refinada ao 
Retrato de Alexandre, o Grande
Detalhe de moeda de série 
comemorativa (1984) reproduzindo 
moeda de ouro cunhada sob o 
governo de Lisímaco (323–328 a.C.), 
um dos sucessores de Alexandre
© iStockphoto
O Grande Farol de Alexandria 
na Ilha de Faros, uma das Sete 
Maravilhas do Mundo Antigo
Xilogravura, 1882
© iStockphoto
25P A I D E I A24 P A I D E I A
respeito devido ao deus que celebram. O mesmo respeito cheio 
de temor é concedido à Pítia do templo de Apolo em Delfos, ou 
às demais sacerdotisas, como a própria Diotima, que em outras 
cidades mantêm comércio com seus deuses para dizer aos ho-
mens seus vaticínios. Outra, porém, é a posição das hetairas, 
refinadas cortesãs que são as únicas mulheres com direito de 
frequentar ambientes masculinos, onde se discutem negócios, 
política e filosofia. O mais conhecido exemplo é o de Aspásia de 
Mileto, jovem cuja cultura, inteligência e brilho se equiparavam 
à sua beleza, e que até a morte de Péricles partilhou comele sua 
vida, tornando-se por isso objeto de controvérsias. Atacada pe-
los opositores de Péricles e ultrajada nas comédias, foi acusada 
de impiedade, de manter um bordel e até de fomentar guerras, 
ao influir nas decisões de Péricles, mas respeitada e admirada 
nos relatos de Platão, Xenofonte e outros contemporâneos. É 
difícil dizer onde estão as fronteiras entre a história e a ficção, 
o boato, a maledicência e a fantasia, em se tratando de figuras 
como Aspásia, Diotima ou Safo. Mas o destaque que lhes é dado 
mostra que são poucas essas mulheres, cuja presença pública se 
dá quase só em espaços de escândalo ou transgressão. 
C I D A D A N I A
É evidente que as restrições que limitam a cidadania ex-
cluem vastas massas de indivíduos e grupos sociais inteiros da 
participação política. E, no entanto, é impossível não reconhecer 
o espantoso milagre da democracia grega. Ainda que aos olhos 
modernos o número de cidadãos possa parecer insignificante 
frente à imensa maioria dos excluídos, a rigorosa definição das 
instituições de governo da polis, seus mecanismos de funcio-
namento e regras de participação cidadã fazem da experiência 
de democracia direta de Atenas a mais clara expressão, em seu 
nascimento, do governo do povo, pelo povo e para o povo. Não há 
poder soberano que se sobreponha ao da Assembleia e não há 
mandato que exceda a um ano. Certas funções só podem ser 
exercidas por um cidadão uma única vez na vida. Ao ocupar um 
cargo público, ele será avaliado ao final do seu mandato, e con-
denado – inclusive à pena de morte – se a Assembleia o julgar 
culpado de corrupção ou favorecimento de interesses particu-
lares. Não há partidos a orientar a opinião dos cidadãos, embo-
ra ela possa ser influenciada pela representação de pessoas ou 
receber os hóspedes ou o recato em que se mantém dentro de 
casa, junto à roca e ao tear, sendo Helena, Penélope ou Nausí-
caa seus grandes modelos. Depois, a poesia lírica registrará em 
Lesbos o nome de Safo, famosa pela beleza de seus versos e 
seu papel de educadora sentimental, ensinando às mulheres a 
amizade delicada da filia socrática, lugar da erótica na filosofia 
de Platão. Aliás, é a outra mulher, Diotima de Mantineia, que Só-
crates atribui, no Banquete, seu aprendizado sobre Eros, daimon 
mediador na conquista amorosa como na aprendizagem da fi-
losofia, levando os homens da ignorância ao conhecimento, da 
apreciação do belo, que gera o amor, à descoberta da Beleza e do 
Bem, no mundo das Formas. 
No cotidiano da vida comum, as matronas têm lugar de hon-
ra nas procissões das Panateneias, mas as bacantes, enlouque-
cidas pelo vinho e a possessão de Dionisos, só são aceitas pelo 
Spinello di Luca Spinell
O Livro de Horas de Dom Fernando
Manuscrito iluminado a ouro
1378?
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Safo segurando um Stylus 
(instrumento pontiagudo para 
escrever em plaqueta encerada)
Afresco de Pompeia no quarto 
estilo de pintura mural romana
Séc. I d.C.
Museo Archeologico 
Nazionale, Itália
© Mimmo Jodice/Corbis
27P A I D E I A26 P A I D E I A
situações nas comédias, que fustigam os líderes e os costumes 
no comentário da vida política. Há um deliberado esforço para 
evitar a especialização das funções. Os cidadãos são escolhidos 
por sorteio para os cargos públicos, pois a eleição poderia favo-
recer pessoas conhecidas por seu poder, prestígio ou riqueza. 
Os únicos eleitos são os generais que se ocupam da defesa da 
cidade, exigindo o conhecimento de uma realidade distante da 
experiência do cidadão comum. 
Por certo, a competência deveria ser levada em conta não só 
em funções como a dos generais, conforme objetará Sócrates, já 
que um julgamento infundado da Assembleia pode resultar em er-
ros fatais. E alguma razão têm os sofistas quando apontam que a 
virtude política de um cidadão está na capacidade de convencer os 
demais na Assembleia, e isto pode ser ensinado. Mas tais objeções 
são as da crítica aristocrática à democracia: ali não está represen-
tado o “poder do povo” como soberano, mas o de uma massa incul-
ta contra as elites, as únicas capacitadas a governar. São argumen-
tos que congelam uma ocorrência possível num dado momento e 
a tomam como essência do regime democrático. O que assim se 
ignora é a natureza do processo que a democracia põe em marcha 
e a dimensão educativa que lhe é própria. Qualquer cidadão está 
habilitado a ocupar cargos públicos e, se desconhece os trâmites 
neles envolvidos, aprenderá com os demais, pois para cada car-
go se designa certo número de cidadãos que atuam em equipe, 
revezando-se para que sempre haja alguém capaz de transmitir o 
conhecimento necessário aos demais.
Percebe-se assim o quanto é essencial para a deliberação 
política o convívio comum, e a dependência de todos da conver-
sação pública em que se transmitem informações de interesse 
imediato, dos boatos que destroem reputações aos valores da 
lei e da tradição a serem respeitados. Ainda que haja filósofos, 
poetas e historiadores, Sócrates nunca deixou registro de seus 
ensinamentos nos diálogos com o povo ateniense... O exercício 
da cidadania é atividade cotidiana, que envolverá em algum 
momento a participação de cada cidadão na gestão dos negó-
cios da comunidade a que pertence, como um direito seu, mas 
também como um dever assumido como motivo de honra por 
cada um. Eis por que a suprema virtude a que deve conduzir a 
paideia é a participação dos cidadãos na vida da polis. Ela é, de 
fato, a mais alta forma de educação.
Giovanni Gaetano Bottari
Péricles
Gravura em metal
Séc. XVIII
In: A. de Rubeis (1750–1782). 
Musei Capitolini. Tomus Primus
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
A montanha fortificada da 
Acrópole com o Partenon
© iStockphoto
Voto pelo banimento de Temístocles 
(general vencedor da batalha 
de Salamina contra o exército 
persa de Xerxes)
Caco cerâmico (ostrakon) usado 
para votar pelo “ostracismo” 
de persona non grata
Séc. V a.C.
© Gianni Dagli Orti/Corbis
29P A I D E I A28 P A I D E I A
O S E N T I D O D A E D U C A Ç Ã O
Como entender a educação definida pelo conceito grego de 
paideia? Ela não é, certamente, uma atividade que se restringe a 
um ensino formal em uma instituição. Ensinar, aprender, educar 
são ações de múltiplos focos. Se em seu sentido original educar 
é “criar as crianças”, é, sobretudo, “formar” pessoas, de modo a 
permitir-lhes incorporar os valores e a cultura de sua sociedade, 
qualquer que seja ela. Na Índia, no Tibete ou na China, onde o bu-
dismo e o shintoísmo ocupam um lugar central na sua cultura, a 
educação se concentra nos templos, onde os mestres combinam 
disciplina, conhecimento e devoção num mesmo ensinamento. 
As artes marciais que ali muitas vezes se originaram são uma 
propedêutica do corpo para o domínio do espírito, que se mani-
festa em todas as esferas da vida social, do cotidiano da gente 
comum à educação para a arte da guerra e do governo que, a 
exemplo dos legisladores e filósofos gregos, contou desde tem-
pos remotos com mestres como Lao Tsé. 
Na Grécia clássica, a educação tem lugar nos ginásios e nos 
estádios onde os atletas cuidam de aperfeiçoar o corpo e demons-
trar nos jogos a sua destreza, assim como na aula de música ou de 
dança, presentes no banquete e na celebração privada de um rito 
de passagem, no templo, no coro do teatro e nas grandes festas re-
ligiosas ou cívicas. Todos esses espaços públicos ou coletivos, assim 
como a ágora, onde se governa a polis, ou a Academia, o Liceu e o 
Pórtico, onde os filósofos reúnem seus discípulos, são lugares de 
educação,formação que modela a conduta virtuosa que o homem 
reputa como seu bem próprio. Nesses cenários, o pedagogo é ape-
nas o escravo que “conduz a criança” ao lugar onde irá aprender ha-
Epictetos
Dois atletas em competição de luta 
Tondo em taça com figuras 
da série vermelha
ca. 530 a.C. 
© Gianni Dagli Orti/Corbis
Estadio de Afrodísias (cidade 
da Ásia Menor do período 
helenístico, hoje parte da Turquia)
© iStockphoto
Condutor de biga em competição 
de jogos atléticos
Ânfora com pintura da série negra
ca. 500–475 a.C.
© Araldo de Luca/Corbis
31P A I D E I A30 P A I D E I A
bilidades básicas como ler, escrever, contar, ou que a acompanha no 
ginásio de esportes e na aula de música ou dança. Alguns poucos 
homens livres aprendem as técnicas associadas a essas habilidades 
e se tornam professores, didaskaloi, ou paidotribés nas academias, 
pagos pelos pais ou pelo Estado. Para o aprendizado do reto pensar, 
do bem-dizer e do convencer surgirão os mestres de lógica, gramá-
tica e retórica entre os filósofos, os sofistas ou os grandes oradores. 
Entretanto, o que se aprende pela tradição transmitida entre 
as gerações ou na experiência do mundo do trabalho não faz parte 
do cômputo dos valores próprios à educação, embora sejam parte 
da experiência do mundo de uma parcela extraordinariamente 
grande da população: são apenas technai, técnicas ou artes de 
ofício muitas vezes protegidas por segredo, o que as desqualifica 
para o ensino e as exclui da educação, sendo desvalorizadas essas 
próprias atividades. Os ideais que fazem da paideia grega um pro-
cesso de formação para a virtude são próprios a uma sociedade 
da honra que se dá a ver no espaço público e se realiza em sua ex-
pressão mais alta em uma comunidade de cidadãos.
Assim, desde a era alexandrina, a paideia grega, longe da 
política, esvaziada de seu conteúdo moral como força de ação do 
indivíduo visando à comunidade de que é parte, irá cada vez mais 
conduzir a virtude em direção a uma busca religiosa, na filosofia 
neoplatônica e estoica ou nos cultos orientais que se multiplicam 
no período. Com o tempo, a paideia se tornará apenas um ideal abs-
trato que irá se confundir com a ideia de vita contemplativa. Então, 
as atividades múltiplas e dispersas que, na vida social, constituíam 
a educação e a formação do homem grego tornam-se disciplinas a 
serem ensinadas e que tanto sucesso teriam mais tarde na educa-
ção medieval, nos monastérios e nas universidades fundadas em 
Bolonha, Paris e Oxford a partir dos séculos XII e XIII. 
Sob a fórmula canônica do trivium e do quadrivium passa-
ram, pois, a ser ensinadas disciplinas “humanísticas” – lógica (ou 
dialética), gramática, retórica – e “científicas”, propedêuticas do 
pensamento abstrato e de conhecimento da natureza – aritmé-
tica, música, geometria e astrologia: compreendia-se, aqui, o es-
tudo do céu das estrelas fixas, a que já se dedicara Aristóteles, 
somado ao saber místico e esotérico que lhe iria acrescentar a in-
fluência oriental do pensamento helenístico. O Direito se tornaria 
uma especialidade romana e a herança de Hipócrates no campo 
da Medicina iria desenvolver-se, para além do mundo alexandri-
Máscara de comédia 
representando escravo
Séc. II a.C. 
© Ruggero Vanni/Corbis
Antigo Teatro de Epidauro 
junto ao Templo de Asclépios
Final do séc. IV a.C.
© iStockphoto
33P A I D E I A32 P A I D E I A
Maria Lucia Montes é bacharel em Filosofia, doutora em Ciência Política 
e ex-professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
no, graças a filósofos árabes como Averróis e Avicena. Mas não 
ocorreria a ninguém pensar em incluir como parte da educação 
medieval o saber dos construtores das catedrais, os maçons libres 
que terminavam sua aprendizagem da profissão com o rito de 
passagem de uma peregrinação a Santiago de Compostela. Nem 
tampouco ali se incluiria a Festa dos Loucos ou dos Inocentes, es-
paço de transgressão como os ritos dionisíacos gregos, e origem 
da nossa profana celebração do carnaval...
Nossa concepção de educação já então tinha firmemente as-
sentadas as bases sobre as quais iria desenvolver-se até a Idade 
Moderna, e além. Nossa escola ainda hoje é herdeira dessa visão 
abstrata de um humanismo desencarnado, que se apoia sobre a 
transmissão de conhecimentos “universais” aprisionados como 
conteúdos de ensino em uma grade curricular... Talvez este breve 
percurso pelo universo da cultura da Grécia antiga, na tensão en-
tre seus ideais aristocráticos e a promessa igualitária que carre-
gam, nos ajude a rever nossas práticas escolares, ao recuperar de 
uma perspectiva crítica esse outro sentido da educação, a paideia 
sobre a qual os gregos construíram sua admirável civilização.
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R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S
Dançarinas em 
cortejo de celebração
Alto-relevo romano antigo
© Araldo de Luca/Corbis
Máscara grega de teatro
Escultura nas ruínas no 
porto marítimo romano de 
Ostia Antica, Itália
© iStockophoto
A E D U C A Ç Ã O
N A E U R O PA
Wolfgang Degenhardt
Assimilação e transformação
da herança da Antiguidade Clássica
3736 P A I D E I A P A I D E I A
O L E G A D O D A T R A D I Ç Ã O
O
s mais antigos sistemas de educação conhecidos na 
história tinham dois objetivos principais: ensinavam 
religião e transmitiam as tradições da tribo ou da 
nação de uma geração à seguinte. No antigo Egito, a 
pequena elite educada nas escolas-templos também 
aprendia a ler e escrever, algum cálculo e o quejá então era conhe-
cido sobre ciência e arquitetura. Na Pérsia e na Grécia, esse progra-
ma se expandia pela inclusão de treinamento físico (ginástica) e 
música. No judaísmo tradicional, o Talmud também requeria, entre 
outras habilidades particulares e profissionais úteis, que se ensi-
nasse a uma criança pelo menos uma língua estrangeira.
Na Grécia clássica, as várias cidades-Estados tentaram dar 
à sua “nobreza” – os descendentes masculinos das principais fa-
mílias – uma educação completa, que os capacitaria a ocupar as 
posições de liderança no Estado. Em Esparta, o aspecto militar era 
fundamental para a educação desta “classe alta”. Ao que parece, 
os antigos espartanos pensavam que um lutador perfeito daria 
também um perfeito chefe de Estado. Por anos, os jovens viviam 
juntos em acampamentos especiais, totalmente dedicados ao trei-
namento físico e mental, motivados por métodos brutais de trei-
namento tradicional e testes duros e cruéis para provar sua virili-
dade. Assim, todo espartano livre era treinado para ser um “rei” e, 
de fato, todo espartano livre era chamado de rei.
Ensinar “virtudes” como austeridade, bravura ou sabedoria 
às diferentes classes da sociedade era também o objetivo da ideia 
platônica de παιδαγογικη τεχνη, Paidagogiké Techné, a “técnica” 
ou “arte” da educação. Muito menos marcial, mas não menos 
voltada para a elite do que em Esparta, a educação nas cidades- 
estados da Grécia clássica significava a criação de uma classe de 
nobres bem treinados, capacitados para reinar sobre o Estado ou 
governá-lo. Pensava-se que esta capacitação seria conseguida 
mediante o equilíbrio das condições básicas da mente humana: 
razão, vontade e desejos. Para alcançar esse equilíbrio, era preci-
so ensinar mais do que habilidades básicas, seria necessário con-
tar com funcionários do Estado educados em filosofia – ou pelo 
menos assim pensavam os filósofos. 
No entanto, ser capaz de ler e escrever tornou-se cada vez 
mais importante. Não só para ler os livros dos filósofos, mas tam-
bém para se comunicar por carta, o que era complicado e caro, mas 
possível. Era ainda necessário fazer contratos escritos, validados 
por sólidas leis escritas. Tornou-se uma tradição comum ter escra-
vos especializados, que não só levavam os alunos aos lugares de 
ensino (o que lhes deu o nome de paidagogos, “aquele que conduz 
a criança”), mas também explicavam os conteúdos, corrigiam os 
erros e ajudavam a compreender o que era ensinado.
A modelagem desse sistema chegou à perfeição ao longo dos 
séculos da era grega clássica e foi adotado pelos romanos quase 
sem modificações. A retórica, “arte de fazer discursos públicos” 
(ou, antes: a arte de persuadir grupos de pessoas), se tornou cada 
vez mais importante, incluindo estudos de literatura, ciências e, 
naturalmente, filosofia. A formação de um caráter nobre, filosófi-
co, em uma pessoa altamente capacitada para ocupar quase todas 
as mais altas posições na sociedade, permaneceu como o objetivo 
da educação durante a maior parte do Império romano.
A mudança veio com o cristianismo. A chamada catequese, 
consistindo em cursos especiais sobre o conhecimento cristão para 
os que desejavam ser batizados, expandiu e em parte substituiu a 
educação clássica. Nas escolas instaladas nos mosteiros e arcebis-
pados, as artes liberales, ou artes livres, ainda eram ensinadas sob 
a forma do Trivium – gramática, retórica e lógica – e do Quadrivium, 
incluindo aritmética, geometria, astronomia e música.
É importante enfatizar que toda essa educação nunca foi des-
tinada ao “povo”, mas sempre apenas às elites, ensinando-lhes o 
que precisavam para se manterem em sua posição social. Have-
ria uma educação para crianças “comuns”, além daquela que lhes 
dava a família, transmitindo o conhecimento dos mais velhos para 
os mais novos? Se chegou a existir, não deixou vestígios, porque 
uma tradição sobretudo oral não deixa vestígios literais, os únicos 
que poderíamos interpretar hoje. 
A S V I C I S S I T U D E S D A H I S T Ó R I A
O Período das Migrações na história europeia, também co-
nhecido como as Invasões Bárbaras, trouxe duras e pesadas 
transformações para todas as sociedades europeias, mesmo 
aquelas que durante séculos haviam sido parte do Império roma-
no. Quando as tribos da Ásia Central começaram a se deslocar em 
grandes incursões em direção ao Ocidente, varreram diante delas 
nações inteiras que viviam no Leste da Europa. Esses refugiados 
eram os “bárbaros”, que, tentando sobreviver, foram varridos 
Christoph Weigel
discus chronologicus de tous 
les Princes de l’europe depuis la 
naissance de J.Ch. jusque au siécle 
1800 avec la description (Discus 
Cronologicus de todos os Príncipes 
da Europa desde o nascimento 
de J.C. até o século 1800 com 
Descrição)
Buril
Séc. XVII
In: Le Grand Théâtre de l’Univers
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
O esquema Ptolomaico do universo
Impresso antigo 
(cortesia de Carl Oscar Borg)
In: Hall, Manly Palmer. An 
Encyclopedic Outline of Masonic, 
Hermetic, Qabbalistic and Rosicrucian 
Symbolical Philosophy, 1928.
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil
3938 P A I D E I A P A I D E I A
lido sobre a eficácia da falange dos espartanos e então ensinou 
seu exército de camponeses a utilizá-la. Carlos Magno também fez 
coisas semelhantes, tentando preservar o que pudesse do passa-
do glorioso do Império romano, mas não era muito. 
A E D U C A Ç Ã O M E D I E V A L
Muito mais bem-sucedidos em matéria de educação foram 
os muçulmanos do mundo árabe e turco: eles implantaram um 
sistema compulsório de educação. Era normal para um muçulma-
no (como, aliás, para um judeu) ser capaz de ler e escrever, co-
nhecer algo de ciência e matemática etc. A Europa estava muito 
longe disso. Não houve muitos esforços durante a Idade Média 
para implantar algo que pudesse ter sido chamado de sistema de 
educação. Não porque não se considerasse que isso fosse neces-
sário, mas muito mais porque simplesmente não havia recursos, 
nem materiais nem espirituais, para fazê-lo.
Mesmo os cavaleiros – a nobreza guerreira – eram educados 
em sua maioria “como camponeses”. Esperava-se deles que sou-
bessem lutar, lidar com cavalos, atingir um alvo com uma seta, 
usar espada, pique e lança. Os hunos (agora chamados húngaros) 
estavam de volta. Quem se importava se um cavaleiro sabia ou 
não algo de literatura? Havia vikings por perto, assaltando as cida-
des e mosteiros da Europa, o caos estava em toda parte e, assim, 
os cavaleiros deviam ser educados para lutar, não para ler livros, 
fazer música ou observar as estrelas... 
Mas, por volta do ano 1000, a maioria das ameaças havia sido 
controlada por esses “simples” cavaleiros. Uma vez afastados os 
para dentro do Império romano já em declínio, tendo nos seus 
calcanhares as tribos asiáticas chamadas dos “Hunos”.
Os refugiados famintos nada sabiam a respeito de gramática, 
retórica ou do quadrivium. Eles precisavam de comida e de segu-
rança, e assim, lutando, abriram caminho até aquela que fora um 
dia a magnífica Roma. Seu modelo de educação consistia em saber 
como conseguir alimento – e escapar dos hunos. 
Finalmente, os “europeus” fizeram algo razoável. Os antigos 
“romanos” e os antigos “bárbaros” se reuniram em confederação 
e expulsaram os “hunos” de volta para o Leste. Mas o Império ro-
mano nunca mais voltaria a se reconstituir. Roma não mais tinha 
o poder de governar suas províncias, os refugiados se instalavam 
onde podiam e, se fossem fortes o suficiente, expulsavam os anti-
gos habitantes. Ondas sucessivas de desabrigados varreram a Eu-
ropa, chegandoaté a África. A maior parte do que a gloriosa Roma 
alguma vez construíra foi reduzida a cinzas. Junto com o Império 
desapareceram os ideais greco-romanos de educação (de elite). 
Somente a Igreja manteve algumas escolas, e, se alguém realmen-
te quisesse aprender, teria de ir para um mosteiro.
E o mapa da Europa continuou mudando. Povos do “Norte”, 
vindos da Escandinávia, começaram a se deslocar em direção ao 
Sul e às Ilhas Britânicas. Mais tribos do Leste vieram a reclamar es-
paço na Europa Ocidental, porque as tribos do “Leste” tinham sido 
rechaçadas, mas não se haviam retirado de uma vez por todas. Por 
volta do ano 650 d.C., nações muçulmanas começaram a encurra-
lar “cristãos europeus” na Espanha e em Portugal. O mundo inteiro 
continuava mudando, pior, parecia entrar em colapso.
Mas, no final, não houve colapso. Tribos germânicas, especial-
mente a dos Merovíngios, adotaram a versão católica – ou romana – 
do cristianismo. Fizeram contato com a igreja do bispo de Roma, que 
mais tarde seria chamado de Papa. Os Merovíngios começaram a uni-
ficar a Europa Ocidental, mas como tinham uma lastimável tendência 
de se matarem entre si, seu poder acabou sendo transferido para a 
dinastia dos carolíngios. Finalmente um deles, Carlos, depois conhe-
cido como “o Grande” – Magno – conseguiu persuadir o Papa a coroá-lo 
como imperador de Roma. Ele sabia bem o que tinha feito, porque 
fora educado por monges da Irlanda e da Escócia, que conheciam as 
estruturas de poder na Europa e sabiam história. Para assegurar que 
seu plano daria certo, casou-se com uma princesa da parte Leste da 
Europa, garantindo que suas fronteiras a Leste fossem tão seguras 
quanto possível. E unificou o que havia restado da Europa: França, 
Alemanha, Itália e uma parte da Espanha. Basicamente, ele venceu 
a distância que separava o Leste e o Oeste da Europa, cimentando 
ambas as partes num mesmo todo. A Igreja Católica, a Igreja de Roma, 
assumiu o controle de todas as questões relacionadas à educação.
As escolas católicas ainda ensinavam o Trivium e o Quadri-
vium e tentavam ler o que restara dos filósofos greco-romanos. 
Quando Carlos Magno foi coroado em Aachen, Alfred, rei da In-
glaterra, educado em um mosteiro e o único rei inglês a ser jamais 
chamado de “o Grande”, expulsou os dinamarqueses de seu país, 
porque nos livros guardados na biblioteca do mosteiro ele havia 
Nicolo Van Aalst
antiquum at aeneum signum lupae 
Romulum et Remum urbis conditores 
lactantis (Antigo símbolo da cidade 
de Eneias com a Loba amamentando 
seus fundadores, Rômulo e Remo)
Buril
Séc. XVII
In: Le Grand Théâtre de l’Univers 
T. II, Romae Antiquae
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
Mulher em postura 
de oração ou oferenda
Afresco em uma das 
primeiras catacumbas
Catacumbas de Priscila, Roma, Itália
© Araldo de Luca/Corbis
Nicolo Van Aalst
Anfiteatro do Imperador Vespasiano
Buril
Séc. XVII
In: Le Grand Théâtre de l”Univers 
T. II, Romae Antiquae
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
4140 P A I D E I A P A I D E I A
A conquista normanda 
da Inglaterra
Tapeçaria de Bayeux (detalhe)
Séc. XI
Musée de la Tapisserie 
de Bayeux, França
© Alfredo Dagli Orti/ 
The Art Archive/Corbis 
Eduardo, O Confessor, 
Rei Anglo-Saxão da Inglaterra 
Tapeçaria de Bayeux (detalhe)
Séc. XI
Musée de la Tapisserie 
de Bayeux, França
© Heritage Images/Corbis 
4342 P A I D E I A P A I D E I A
húngaros e detidos os muçulmanos na Península Ibérica, a cavalaria 
europeia poderia começar a pensar em “educação”. E ela assim fez. 
As atividades educacionais da Igreja Católica aumentaram. Nos mos-
teiros, os eruditos redescobriram Aristóteles (muitas de suas obras 
só podiam ser retraduzidas a partir de fontes espanholas e árabes) e 
então surgiu na Europa a escolástica, que produziu notáveis filóso-
fos e teólogos, como Tomás de Aquino ou Anselmo de Canterbury, e 
alguns de seus adversários, como Guilherme de Ockham.
Animadas pelo conhecimento que se avolumava nos mos-
teiros, as primeiras universidades foram fundadas na Europa, 
em Paris, Oxford e Bolonha. Inicialmente, apenas a nobreza se 
aproveitava dessas novas possibilidades. Os camponeses foram 
inteiramente negligenciados e nas cidades e burgos livres ou 
imperiais, que tinham direitos de cidadania, a educação era de 
responsabilidade dos ofícios e das guildas. Esse tipo de educa-
ção era quase inteiramente prático, centrado na transmissão de 
habilidades necessárias ao trabalho manual especializado e ao 
comércio. Somente o clero e os cavaleiros tinham acesso à edu-
cação “superior”. De certo modo, a nobreza era “cousuária” do 
sistema clerical de educação.
Não havia um “padrão” de educação de um cavaleiro. Por 
volta dos sete anos, a maioria dos meninos era entregue a um 
tutor, que poderia ensinar-lhe elementos básicos de alfabetiza-
ção e cálculo, talvez até algum latim, mas “normalmente” esse 
não era o caso. Muito mais importantes eram os elementos bási-
cos de luta, equitação etc. Mais tarde, o jovem nobre poderia ser 
mandado para uma corte maior e mais importante, onde um se-
vero “mestre de disciplina para meninos” se encarregaria de lhe 
ensinar as sete virtudes de um cavaleiro, chamadas septem pro-
bitates: “Equitação, natação, manejo do arco, esgrima, caça, jogo 
de xadrez e arte de versejar”. É interessante que o xadrez, um 
jogo lógico, fosse considerado tão importante a ponto de se tor-
nar parte do programa de ensino de um cavaleiro, talvez porque 
se esperasse que pudesse ensinar-lhe um sentido de estratégia 
e lógica. O “versejar”, no entanto, não significa necessariamente 
que o cavaleiro de fato soubesse ler ou escrever. O analfabetis-
mo era comum na Europa medieval, não só entre camponeses e 
artesãos, mas também entre a nobreza, sendo encontrado até 
mesmo no alto clero. 
No Parzifal de Wolfram Von Eschenbach, o “cavaleiro perfeito” 
diz que “o ofício do escudo é minha arte” – “ “schildes ambet ist mîn 
art:” (Willehalm, 2, 19) – e “eu não conheço uma única letra” – “ich 
ne kan deheinen buochstap” (Parzival, verso 117). Hartman von 
Aue escreve sobre um cavaleiro muito notável (ele próprio!), “ein 
ritter so geleret was, daz er an den buochen las; sein nam war Hart-
man z’Ouwe ” (1195: Prolog.) – “um cavaleiro que era tão educado 
P. Adam
Charles 1er. dit Charlemagne 
 (Carlos I, chamado Carlos Magno)
Gravura em metal
1824
In: Desenne, Alexandre Joseph 
(1783–1827). Portraits des personnages 
les plus célèbres, 1856
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil
Foto LG Estudio
Embarque de cruzados 
para a terra santa 
Iluminura, com bandeiras de armas 
do Papado, do Sacro Imperador 
romano e dos reis da Inglaterra, 
França e Sicília
Séc. XV
In: Statutes of Order of Saint Esprit. 
Ann Ronan Picture Library
© Heritage Images/Corbis
Cenas da lenda do Rei Artur
Iluminura do Roman de Tristan
Séc. XII
© The Art Archive/Corbis
4544 P A I D E I A P A I D E I A
que até lia nos livros; seu nome era Hartman z’Ouwe”. Um cavaleiro 
assim educado era obviamente uma grande exceção à regra.
Assim, o mestre de disciplina ensinava principalmente habi-
lidades práticas, até que o menino, por volta dos quatorze anos, 
era considerado apto a ir para o serviço militar como escudeiro de 
um cavaleiro. Na corte e enquanto escudeiro, como aprendiz do 
mestre de disciplina e de um cavaleiro com experiência, o nobre 
aprendia como se comportar e o que fazer, tal como o aprendiz 
de carpinteiro aprendia com seu mestre. O que mais ele quises-
se aprender – se fosse por algum tempo para um mosteiro para 
aprender latimde verdade, por exemplo – dependia inteiramente 
da família do jovem cavaleiro e era em grande parte uma questão 
de recursos financeiros dessa família. 
Havia uma educação sistemática das mulheres, especial-
mente das jovens? Se houvesse, seria no “velho estilo” de trans-
missão das habilidades femininas da avó para a mãe e desta para 
a filha. Os testemunhos sobre mulheres que aprenderam a ler, 
escrever etc. são tão raros que se poderia dizer que praticamente 
elas não existiram. Alguns raros exemplos são, em sua maioria, 
de freiras e de algumas poucas filhas de patrícios, ricos citadinos 
de grandes núcleos urbanos.
Enquanto isso, nos seus mosteiros, os monges estudavam e 
copiavam qualquer coisa que pudessem encontrar dos escritos da 
Grécia clássica e de Roma. 
A R E D E S C O B E R TA D A 
A N T I G U I D A D E C L Á S S I C A
Ao tempo da Reconquista ibérica, a maciça contraofensiva 
empreendida pelos cristãos contra os conquistadores muçulma-
nos, do século XIII ao século XV, muitos documentos antigos de 
bibliotecas islâmicas caíram nas mãos dos combatentes cristãos. 
Entre esses escritos havia obras de Aristóteles e muitos outros fi-
lósofos gregos e romanos. Eles lançaram a centelha do pensamen-
to filosófico e científico por toda a Europa e essas novas ideias se 
espalharam dos mosteiros para o clero e daí para a nobreza. Es-
pecialmente novas ideias sobre educação estiveram presentes no 
início de uma nova era que hoje chamamos de “renascimento”.
O Renascimento significava a “re-criação” da Antiguidade, a 
adoção de um suposto modo de pensar antigo. Uma parte mui-
to importante desses pensamentos “ideais” era a paideia, a arte 
da educação. Todo o conhecimento considerado necessário era o 
conhecimento redescoberto da Antiguidade. Assim, uma pessoa 
educada deveria saber algo sobre a filosofia e a ciência antigas. 
Novas escolas foram fundadas, até escolas para os burgueses 
“comuns”. Mas a sociedade continuava estritamente dividida em 
classes: nobreza e alto clero, burgueses e camponeses.
Parecia evidente para todos que as elites necessitavam de 
alguma educação, e o resto da população apenas parecia precisar 
de habilidades práticas. E não era somente a elite que pensava 
dessa maneira. As pessoas nasciam em sua classe pela vontade 
de Deus e pela vontade de Deus permaneceriam no seu lugar 
social adequado. Um mercador numa cidade poderia ficar mais 
rico do que muitos nobres, mas (normalmente) ele nunca se ele-
varia até a nobreza. Uma oportunidade pessoal de alcançar uma 
posição influente poderia ter sido entrar numa ordem religiosa 
e fazer uma carreira no clero. Mas havia um preço a pagar por 
isso: não haveria família ou herança, nada restando de uma vida 
exceto a glória – talvez – maior da igreja. 
No entanto, a grande maioria nunca questionou a estrutura 
social pelo que ela era. A nobreza havia nascido para a virtude, a 
natureza nobre do sangue a capacitava a reinar – e a aprender o 
que precisava saber sobre o governo e a guerra. Era da natureza de 
alguns reinar, e da natureza da maioria obedecer.
Enea Silvio Piccolomini, depois conhecido como Papa Pio II, 
escreveu mesmo antes de 1450: “Assim como a disposição natu-
ral sem educação é cega, a educação sem a disposição natural é 
deficiente. Mas ambas são de pouco valor quando falta o exer-
cício. Somente os três juntos levarão à perfeição” (cf. Brunner, 
O., 1949: 76). Obviamente, este clérigo bem-educado havia co-
nhecido alguns exemplos de pessoas não educadas, estúpidas e 
preguiçosas, provavelmente em todas as combinações possíveis, 
mesmo nos extratos mais altos da sociedade.
Cerca de meio século depois, o famoso humanista Erasmo 
de Roterdã foi mais além, escrevendo em seus princípios da re-
ligião cristã: “Ubi potestas non est deligendi Principem, ibi pari 
diligentia deligendus erit is, qui futurum instituat Principem.” 
– “Onde não houver modo de se eleger o Príncipe, o mesmo cui-
dado deveria ser tomado, como seria apropriado para a eleição 
de um soberano, com relação à escolha de um educador para o 
futuro Príncipe” (1516: 1,6). 
Doutores na Universidade de Paris
Ilustração segundo miniatura original 
em literatura dos Chants Royax 
Gravura, séc. XIV-XV / Ilustração, 
séc. XIX
Bibliothèque Nationale de France, 
Paris, França
© Leonard de Selva/Corbis
Tobias Stimmer
aristoteles Philosophorum Princeps 
(Aristóteles, Príncipe dos Filósofos)
Xilogravura
1589
In: Reusner, Nikolaus von 
(1545–1602). Icones sives 
imagines vivae, literis...
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil / Col. Azevedo Castro
Foto LG Estudio
Antonio Zezon
Santo Tomás de Aquino
Litogravura
1835
In: Collezione biografica e litografica 
de’ più illustri uomini d’ogni età e d’ogni 
nazione. Napoli, R. Palazzo, 1835.
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil
Foto LG Estudio
4746 P A I D E I A P A I D E I A
E S C R I TA , L E I T U R A 
E U M N O V O I N D I V I D U A L I S M O
Assim, a virada do Renascimento significou que a alfabetiza-
ção e uma educação institucional básica começaram a crescer na 
Europa. Por certo, a invenção da imprensa de tipos móveis foi res-
ponsável em uma medida significativa por esse processo. Traduzir e 
imprimir a Bíblia, imprimir panfletos num tempo curto e em grande 
número só tinha sentido se houvesse muitas pessoas para lê-los. E 
a história da Reforma Protestante mostra que elas existiam de fato. 
O número de livros aumentou com fatores logarítmicos.
Por outro lado, os Reformadores – os das novas confissões 
protestantes, tanto quanto os da Igreja Católica que tentavam 
acompanhar essas transformações – perceberam o quanto era 
importante o novo meio de impressão instantânea, e o quanto se 
tornara importante a comunicação com as pessoas “simples”. O 
provérbio “saber é poder” se transformou em um novo credo na 
política. Estava claro que a educação tinha de mudar. Já não podia 
mais se restringir a uma pequena elite.
Em suas obras impressas, reformadores como Martinho Lutero 
e João Calvino falavam a pessoas individuais, independentemente de 
sua posição social ou condição material. Catecismos, livros de texto 
sob a forma de questões e respostas foram escritos de maneira sim-
ples, mas compreensível, ensinando o que os reformadores pensa-
vam que todo indivíduo deveria saber sobre a “verdadeira” religião 
cristã. Todas as pessoas, homens, mulheres, servos ou rei, deveriam 
aprender em que acreditar e, igualmente importante, como pensar. 
Em um de seus panfletos mais longos, “Von der Freiheit eines 
Christenmenschen” – “Sobre a liberdade de um ser humano cris-
tão” –, Lutero ensinava que um ser humano cristão (e não mais um 
“homem cristão”) era “um livre senhor de todas as coisas e servo 
de ninguém” e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, “um senhor 
de coisa alguma e servo de todos”. Se um cristão devesse servir ou 
obedecer, ele o faria pela liberdade que lhe foi dada pela sua crença 
cristã e pelos mandamentos da Bíblia. Lutero não deixava dúvida de 
que o governo era dado por Deus e a obediência ao príncipe, rei ou 
imperador, uma consequência natural – desde que o governo não 
ordenasse ao indivíduo fazer qualquer coisa contra sua consciência, 
e a consciência estivesse firmemente presa ao que o próprio Jesus 
Cristo desejava. Ora, o que Cristo desejava era revelado claramente 
na Bíblia. Assim, era necessário lê-la. Ou, pelo menos, saber o que 
ensinava o catecismo. Lutero demonstrou durante toda sua vida 
que estava preparado até mesmo para enfrentar a morte por sua 
crença. Esse modo de vida consequente convencia as pessoas. 
Os reformadores apelavam para o indivíduo e precisavam de 
indivíduos com, no mínimo,uma educação básica e alfabetização 
para manterem aberto o canal de suas mentes. Por essa razão, eles 
tentaram reformar ou instalar escolas que ensinassem todo mun-
do pelo menos a ler e escrever. Embora a política ainda estivesse 
muito atrás em relação a essas propostas, não era possível fazer 
girar para trás a roda do tempo. O “indivíduo” havia entrado no pal-
co do pensamento europeu. Isto é o que os historiadores chamam 
de “virada antropocêntrica”, significando que o ser humano pas-
Domenico di Michelino
As Sete Artes Liberais
ca. 1460
Birmingham Museum of Art, 
Birmingham, Alabama, EUA 
© Corbis
4948 P A I D E I A P A I D E I A
Claudius de Dominico 
Celentano Vallis Novi
Book of alchemical formulas 
(Livro de fórmulas alquímicas)
1606
In: Hall, Manly Palmer. An 
Encyclopedic Outline of Masonic, 
Hermetic, Qabbalistic and Rosicrucian 
Symbolical Philosophy, 1928.
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil
Leonardo da Vinci
O homem vitruviano
Desenho a lápis e tinta sobre papel
1490
In: The Literary Works of Leonardo 
da Vinci. London, Oxford University 
Press, 1939
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil
5150 P A I D E I A P A I D E I A
sou a ocupar o centro do pensamento europeu, substituindo Deus 
no centro do universo, tal como o Sol havia recentemente substi-
tuído a Terra no centro do sistema solar.
Aprender tornou-se uma parte importante da vida do indiví-
duo e se a classe governante quisesse manter seu próprio status 
teria de se mostrar à altura dessas novas circunstâncias.
A E D U C A Ç Ã O E A G E S TÃ O D O P O D E R
Na revolução holandesa, por volta de 1560, foi dito pela pri-
meira vez que o príncipe fora criado por Deus para o bem do povo, 
e não o povo para o bem do príncipe, e que – se o príncipe não pu-
desse enquadrar-se nesse padrão – não poderia justamente ser 
chamado um príncipe e teria de ser substituído.
A pressão se exercia sobre a classe dominante. A nobreza teve 
de se tornar “profissional”. Por séculos, a tarefa da nobreza tinha 
sido a guerra e a coleta de impostos do povo. Em retorno, os Prín-
cipes lhe forneciam segurança e infraestrutura básicas. Isto, todos 
podiam ver, não seria suficiente no futuro. A nobreza reagiu. A 
educação da elite começou a se tornar mais organizada. As “cortes” 
maiores se transformaram de simples sedes de governo em lugares 
de arte, diplomacia, governo e, pelo menos em algumas partes, lu-
gares de educação. O “cortesão” – originalmente o cortegiano italia-
no, educado, polido, que falava francês e latim, se correspondia com 
poetas, estudava ciências, conhecia sobre artes – se transformou 
no ideal do jovem nobre europeu. Tornou-se obrigatório para esses 
jovens viajar pelo menos para Paris ou Roma ou, melhor ainda, para 
ambas as cidades, talvez para Nápoles, pela arquitetura, ou, se fos-
sem oriundos de uma corte protestante, para Genebra ou os Países 
Baixos. Por toda a Europa foram fundadas “Academias”, lugares de 
ciência, de se aprender sobre religião, filosofia ou a “arte” da guerra, 
dependendo dos interesses do patrocinador, para preparar os jo-
vens para papéis de liderança na sociedade. 
Novas universidades foram fundadas nos países protestan-
tes, frequentemente patrocinadas por príncipes. Seguiram-se as 
regiões católicas, tentando acompanhar o passo. Os governantes 
descobriram que súditos educados não eram somente um perigo 
para o governo, como muitos acreditavam em fins da Idade Média, 
mas eram também uma grande oportunidade para se ganharem 
vantagens sobre os vizinhos, na economia e na diplomacia. O nas-
cimento ainda fazia a diferença, se alguém se tornasse um gover-
Bíblia de Mogúncia
Impresso em tipos móveis, com 
data, local e nome do impressor
1462
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col.Real Biblioteca
Bernard
Oficina de artesãos sapateiros e 
produtores de botas
Gravura em metal 
1751–1765
In: Recueil des Planches sur les Arts 
Libéraux et les Arts Mécaniques 
(d’après l’Encyclopédie, ou, 
Dictionnaire raisonné des sciences, 
des arts et des métiers... par Denis 
Diderot)
Acervo da Fundação 
Biblioteca Nacional – Brasil
Antonio Zezon
Martinho Lutero
Litogravura
1835
In: Collezione biografica e litografica 
de’ più illustri uomini d’ogni età e d’ogni 
nazione. Napoli, R. Palazzo, 1835 
Acervo da Fundação 
Biblioteca Nacional – Brasil
Foto LG Estudio
P. Adam
João Calvino
Gravura em metal
1824
In: Desenne, Alexandre Joseph 
(1783–1827). Portraits des 
personnages les plus célèbres, 1856
Acervo da Fundação 
Biblioteca Nacional – Brasil
Foto LG Estudio
5352 P A I D E I A P A I D E I A
Martin Engelbrecht
academia Oder Lehruschul 
adelicher Personen Worinn 
dieselbe... (Academia ou Escola de 
Aprendizado para Pessoas Nobres...)
Liderança / Esgrima / Acrobacia 
Equestre / Tocar Instrumento 
Musical / Estudo e Aprendizado de 
Idiomas / Aritmética / Dialética e 
Retórica / Astronomia
Água-forte aquarelada, 
Alemanha, 1730–50
Acervo da Fundação Biblioteca 
Nacional – Brasil/Col. Real Biblioteca
Foto LG Estudio
5554 P A I D E I A P A I D E I A
nante ou talvez um administrador, mas os administradores esta-
vam alcançando os governantes. E muitos dos filhos “excedentes” 
de famílias nobres europeias notoriamente férteis e pobres foram 
para a administração e para os exércitos da Europa do início da 
modernidade, ou então tentaram fazer fortuna nas colônias re-
cém-conquistadas por toda parte no mundo.
 No campo da guerra, um conceito muito diferente de edu-
cação ganhou importância. As armas de fogo haviam sido in-
ventadas antes de 1500, mas por muitas décadas continuaram 
sendo por demais caras e complicadas para que seu uso se di-
fundisse. Entre 1550 e 1650, o mosquete e a pistola quase subs-
tituíram a espada e o pique. Para tornar eficientes as armas de 
fogo, era preciso contar com soldados bem treinados, e estes 
tinham de ser pessoas que soubessem exatamente o que fazer 
no momento certo. A nobreza descobriu os escritos militares 
dos antigos, como os filósofos e os teólogos haviam feito com os 
escritos filosóficos, cerca de um século mais cedo. Esses escri-
tos diziam que grandes formações de guerreiros só podiam ser 
mantidas com sucesso se todos eles fossem bem treinados ou, 
na gíria militar, instruídos por meio de exercícios. A instrução mi-
litar, educação por meio da repetição forçada, concentrava-se em 
habilidades básicas, e o controle da vontade pessoal, dos pen-
samentos e medos do sujeito da educação tornou-se o método 
educacional preferido para as classes mais baixas, na tentativa 
de voltar atrás sobre as conquistas da era da Reforma, porque 
as classes dominantes acreditavam que havia pessoas que não 
precisavam pensar.
Nem todo mundo concordava com isso. Depois das devas-
tações da Guerra dos 30 Anos na Alemanha, da Guerra dos 80 
Anos nos Países Baixos e dos distúrbios da Revolução Inglesa de 
Cromwell, veio o tempo em que as ideias dos filósofos sobre a edu-
cação começaram a mudar drasticamente. 
A E D U C A Ç Ã O B U R G U E S A
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) afirmou que todo 
ser humano nascia como uma “tabula rasa”, uma folha de papel 
em branco. A educação e a experiência “escreveriam” a história de 
uma vida nessa folha e ambas fariam de um indivíduo aquilo que 
ele se tornaria. Por outro lado, essa ideia significa que uma pessoa 
não é nada sem educação. Tempos mais tarde, o sentido de “edu-
cação” foi dividido em conhecimento, habilidades cognitivas, in-
culturação, qualificação e provavelmente uma centena de outros 
termos, mas o conceito de “tabula rasa” se tornou a ideia básica de 
todas as teorias

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