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A idéiadestamatériaveiodeum sonhoquetiveumanoite.Eu andavapor umcorredorlon-
go.escuroeesverdeadodehospitalpsiquiátrico.ouvindoashistóriasdaspessoas.conversando
commédicos.AcordeiresolvidaaconhecerdepertoesseassuntDquetantagentenãolembra
queexiste:aloucura.O quenãoimaginavaéque.emvezdedepararcomo sofrimentDpsíquico,
tropeçariaemproblemasescandalosos.
O Brasiltemhoje42.00)internosem 240hospitaispsiquiátricos.É o terceiromaiorrepasse
do SUS (SistemaÚnico deSaúde)e.apesardapolíticado Ministérioda Saúdedediminuição
gradualdosleitos,63porcentDdasverbasdesaúdementalvãoparaosmanicôJ1!i~
"'Naprimeirametadedoséculo20,atravésdaLigaBrasileiradeHigieneMental.ii1te1ectuais
simpáticosàsidéiaseugenistaseracistasdo nazifascismoprocuraramfundamentaropapeldo
hospitalpsiquiátricocomoinstituiçãode tratamento.enquantDnos seusporõesproduziam
experiênciasbiológicasemutiladoras",explicao doutDrNaci1eDaúdJúnior, psiquiatra.pesqui-
sadoremilitantedo aindapequenomovimentDantimanicomialno Brasil.
De 1934(quandosurgeaprimeiraleipsiquiátricaqueatribuiaopoder públicoa defesada
sociedade"contraos loucosde tDdosos gêneros1até 1965já havia no pais 135hospitais
psiquiátricossuperlotados."O hospíciono Brasilnascecom uma vocação:a da higienização,
que\'eII\debraçosdadoscomumaperspectivacapitalistadaprodutividade.Seo indivíduonão
m-esseacapacidadedeproduzir,nãoservia.Então,o hospíciobrasileirorecebiaos indesejáveis,
não só os loucos. mas os negros. as prostitutas, os mendigos e os imigrantes. Eacabou como
campode concentração",diz Maria CristinaLopes.psicóloga.ex-coordenadorada ONG 50S
SaúdeeatualdiretoradeumcentrodeconvivênciaparadoentesmentaisemSãoPaulo.
A décadade 1960inaugurariauma novafase."A partirda política privatistap6s-64",c0-
mentao doutorNacile,"expandiu-seoparqueasilara.travésdehospitaispsiquiátricosprivados.
com-eniadoscomoEstado.Em 1966.oINPS (lnstitutDNacionaldePrevidênciaSocial)ampliou
o financiamentDdeempresasdesaúde.De1966a 1981,oshospíciospassaramde 135para430,
numtDtalde105.!XXJleitos,80por centDcontroladospelainiciativaprivada.Além disso,adita-
dura aproveitDuoshospíciosparasubmeterpresospolíticosaoeletrochoque.contenções.cclas
fortesedrogaspoderosascomoa escopolamina.presaita como'medidadisciplinar':
A escopolaminaerausadapor Hitlerduranteo nazismo,comoadrogadaverdade.Elacausa
sensaçãodemorteiminente"efazo sujeitDconfessarqualquerneg6cio",explicaMaria Cristina.
SónoJuquel)',hospícioemFrancodaRocha.naGrandeSãoPaulo,havia16.000internos.nos
anos1960e70.PessoasdormiamamarradasatroncospelosPátiQS,paranãofugir.
AustregésiloCanano,autDrdolivroCantodosMalditos.tinha16anosquandoseupaiachou.
em 1974,um baseadonasuajaqueta.O pai o intemou.Foramquatroanosde intemaçãoem
diferenteshospitais.Vmtee uma sessõesde eletrochoque.drogaspesadfssimas,rnaustratos,
Canano conta no livro -quedeuorigemaofilmeBichodeSeteCabeças-quenemsequerre-
cebeudiJlgn6sticoemtDdoessetempo.O CantodosMalditos foiproibidoem 2002esóvoltDu
a circularerq2004.AlémdeCanano nuncatersidoindenizado,foi condenadoa pagar6O.!XXJ
reaisaoshospitaisondeesteveinternado."Nâoexistemindenizaçõesàsvitimaspsiquiátricas.
comexceçãorecentedeumcasodeabusonaaplicaçãodeeletroconvulsoterapiaemSãoPaulo",
contaele.quehojelutacontrao quechamade"chiqueirospsiquiátricos".
O paíschegouaosanos90(a"décadado cérebro"daOIganizaçãoMundial deSaúde.pelo
avançoem remédioscontradepressãoe outrostranstDmosmentais)com quase100.000pes-
soasinternadas;e a2006com maisde3OO.!XXJmortDs(aolongode154anos)dentrodosmu-
rosdosmanicômios.diz o doutDrNacile:"A morteé a facemais cruelda violênciainevitável
doshospitais.Os familiaresassinamum termoemquea instituiçãonãoseresponsabilizapor
e...entuaisacidentes.suiódiose outrasocorrênciasdurantea internação.Por isso,raramente
denunciamos abusose violênciasde que tDmamconhecimento.Mesmo com a diminuição
dosleitos,o númerodemortessemantém.De 1992a 2005morreramdentrodosmanicômios
aproximadamente16.000pessoas.e outrastantasforadeseusmuros.masem decorrênciade
violênciaspraticadasemseuinterior".A violênciaconsistenaadministraçãoerradade remé-
diosedeeletrochoque.descasoecontençõesmal feitas,por exemplo.
Em 1991foi encontrado no Juquery um cemitério clandestino com restDsde 30.000
cadáveresde homens, mulheres, crianças,bebês e pedaços de corpos, como braços e
pernas."Houve uma denúncia anônima à SOS Saúde.A Assembléia Legislativa de São
Paulo constituiu uma comissãoparlamentarpara investigaro caso",conta Maria Cristi-
na."Achamosuma italiana quedesembarcouno Brasil, masseperdeu do marido. Como
tinha quatro filhos pequenos,nenhum dinheiro e não falavaportuguês, não poderia ser
aproveitadacomo força de trabalho. Ela e os quatro filhos foram parat no Juquery e lá
ficaram atémorrer. Estão enterrados lá." Sobrepresos pol!ticos, nenhum teria morrido
noJuquery, maspelo menos quatro têm registrode entrada:David Capistrano da Costa,
ex-deputadodo PCB. desaparecidoem 1974;Antônio Carlos MeIo Ferreira, o Melinho
.,.__r-'~
.(
,..
daVAR Paimares;AparecidoGaldinoJacintoe Dorgi-
vaideSouzaDamasceno,daAçãoLibertadoraNacional.
Muitosdosrestosmortaisdecrianças.segundoCristina.
seriamdefilhosdeinternascomenfermeiros,médicosou
funcionários(nãodeinternos.jáqueasalaseramsepara-
dasemmasculinasefemininas).
E em1991aconteceuumincêndio"misterioso"nos
arquivosdo hospital.duranteas investigações.O se-
gundo,porqueem1978oslivrosdocemitériohaviam
pegadofogoe ninguémfoi condenado.apesarde ter
sidoprovadoqueo incêndiofoiprovocado.Oprocesso
geradopelorelatóriodacomissãodaAssembléiafoiar-
quivadoporfaltadeprovaseporque"oscorposjáeslão
láhámuitosanos".declarouodoutorCarlosCalsavalla.
promotordeFrancodaRocha.Hojeexisteumacapela
nolocal,ondehámissasevisitasnoDindeFinados.
PRIMEIRAVISITA
Antesdeeuir aoshospitais,coordenadorasdoFó-
rumPaulistadaLutaAntimanicomialmefizeramre-
comendações:"Nãoprecisavisitarmuitosmanicômios.
Elessãosempreiguais.Têmgrandespátios.ondepro-
vavelmentenãovãotedeixarentrar.easpessoassão
iguais.Elasficamiguais.A institucionalizaçãofazisso.
A peleénmarela.queimadapelosolfortequetomam
nospátios.epelamedicação,quemex~comamelanina.
O cheirodnspessoaséomesmo.Umcheiroforte.tam-
bémcausadopelosremédios.Osdedossãoqueimados
pelasxepasdecigarros.Algunsbabameparecemrobôs,
têmtiques,essestomamIlaldol.Sabeo esterLoóLipode
louco?Nãoéadoença.éoefeitocolateraldamedicação.
Nãovásozinha,pelomenosnoprimeiro,porquevocê
poucotempodepoisteveumsurtopsic6ticoefoiinter-
nnda.Opnifoiinformadodequeelasofrerapsicocirurgin
ehaviamorrido.NinguémfoiatrásdocolJlO.Então.ela
foipararnaBolívia.nãosesabecomo,eveioparaoPineI
repatriadn.Conseguimosncharn famOiano interiorde
SãoPauloeaestamosdevolvendopraeles:
OspacientescrônicosdoPinelficamempequenns
casas.ondeteriammaiorautonomia."Essespncientes
escolhemsequeremcomerfrangooucarne.porexem-
plo.Porquetantosanosdeinternaçãodeixamapessoa
semautonomia;alguémsempreescolhiaoqueelainco-
. merovestir..explicaopsiquiatra.Terminadaaentrevis-
ta,fomosconhecerohospitaLAoquepnrece.ogoverno
doEstadonãonegaverbasaoPinel.Salãodejogoscom
mesadesinucaepebolimno\íssimos.O doutorGuido-
lin in,molhodechavesnnmão,nosmostrnndonsins-
talações.quemaispareciampertencera umspa.Sala
decinemacomtelãoetelevisãogigante,.Elesassistem
filmestodnquinta-feira.às15horas:Olhe,inorelógio.15h40.Eraquinta-feira.Nemsinaldequealguémtives-
sepassadoporali.Comeceiadesconfiarqueo estado
deconservaçãodasinstalaçõesnãosedavaporzelo,e
simporfaltadeuso.Abrem-sensportasdabibliotecn
- tambémtrancadan chnvee deluzesapagadas."Os
internostêmncessolivreàsárensdeInzcreoficinns,
dizo diretor,enquantotrnncanovamenteabiblioteca.
Conhecemosn áreadecrianças,algunsdormitórios,o
refeitórioecomeceia repararemoutracoisaestranha.
Excetoumaáreaemqueentmmosrapidamente,onde
haviacincoou seispessoasmaltrapilhas- inclusive
umamulhersemascalças.sentadanochão."paralítica,
elanãogostadacndeiraderodns.prefereochão.-, não
senhorasdormiam o sonoda tarde.Uma, na contraluzda
únicajanela.brincavadeboneca.
O tempo médio de intemaçãodos 466 pacientesque
agoraestãono hospitaléde 25anose novemeses.A idade
médiaéde57anoseoito meses.E. talvezo maistriste.ape-
nas19por cento recebemVisitasdefamiliares.Ospacientes
crônicossão vítimasdo queFranco Basaglia.precursorda
reformapsiquiátricaitaliana.chamoude"duploda doença
mental.,tudo o que sesobrepõeà doençacomo resultado
doprocessodeinstitucionalização.A perdadacidadania.da
subjetividadeeda autonomia.a distorçãodosvaloresfami-
liares- os funcionáriosda instituiçãoé quesetomam a fa-
rnJIia-, naceitaçãodaincapacidadeedaloucura.E a fnmilia.
queiavisitardevezemquando.começaair cadavezmenos.
.A famJJiasenteraiva.sentevergonha.e aí senteculpa por
tersentimentosfeioseacabaabandonando.,explicaMyrnn
Coelho.psicólogaque trnbaIhouno Manicômio Judiciário.
tambémno municlpiodeFrancodaRocha.
GrandepartedessespacientesdoJuqueryestásendoen-
caminhadaparaoutrostiposde instituição,comoosasilos
filantrópicos."Seo indivíduo é esquizofrênico.cardíacoe
teveum acidentevascuIarcerebral.o menorproblemadele
éseresquizo&ênico.Entãonóso transferimosparaoutro lu-
gar,queatendamelhoràsnecessidadesdele.,diz a doutora
Maria Alice."Nós nãovamosdesativaro complexo.porque
aquitemosserviçodeclínicasgeraisqueatendeacomunida-
dede Francoda Rocha.comoobstetrlciae pronto-socorro.
O quemuda é quenãovamosmaister intemaçõeslongas.
a cadapacientecrônico quesai.o leitoé fechado.,explica.
Tanto é queváriasárroscslilo sendorcformadns.Inclusive
paraintemaçãodeagudos.
Seguindoa visita.conhecidona Mercedes-para nun-
o tempomédiodeiriternaçãonoJuqueryéde25 anose nove
meses.A idademédiaéde57 anoseoitomeses.
vai ficar muito impressionada.E boa sorte.oFui para a
primeira visita. Hospital Psiquiátrico Pinel, no bairro de
Pirituba, em São Paulo. Confesso que fui receosn,sem
saberdireito do que ter medo.
Por fora.oprédiodarecepçãoparececenáriodeumfilme
sobreo tema.Amarelo,antigo,janelões.Fomosbemrecebi-
dos(eueo fotógrafo)pelopsiquiatmEduardoGuidolin.que
dirigehá trêsanoso hospital Suasalafica no final de um
grandecoaedoresverdeado,talqualmeusonho.
Elecontaqueo Pinel temhojetrêsprogramas"bemdis-
tintosum do outro., Um com catorzevagasparaadoles-
centese cinco paracrianças;o segundopara"agudos..só
homensadultosem crise,com 38leitos..com média-dein-
temaçãode25dias.;eo terceiroprogramaéo demoradores.
pessoasqueestãohávinte.trintaanosinternadasejáperde-
ramo vínculosociale familiar.Sãooschamados"crônicos".
a mmoriadoshóspedesdosmanicômios.
Renato Dei Sant,do Instituto de Psiquiatria do Hos-
pital das Clinicas. explica: "Os familiares lidam muito
bemcom doençasfisicascomo Aids, câncer.Mas a doen-
ça mental mexecom o emocional da farnOia.Ninguém
agüentamais do que uma semana ou duas ao ver um
parentedemenciando,ou psicótico.A famOiapede 'pelo
amordeDeus.internameuparente1E o povocom baixos
recursossociaiseeconômicos.chegado trabalhoàs10da
noite.às4 tem queacordar,e tem aqueleparentegritan-
do quevai sematar.Aí, a farnOiaacabaabandonando.ou
em algumhospitalou fia rua",
Um exemplo dado pelo próprio Eduardo Guidolin é
o de uma mulher queestavarodando de manicômio em
manicômiohaviamais devinteanos."Ela teveum filho e
vímosmaisnemsequerumúnicopacienteemtodaavi-
sita.Claroquenãoentramosnaáreadeagudos."perigo-
sn.compacientesemsurto.-ostaisgrandespátiosque
nãomedeixariamver.Apenasumpacientenospedindo
cigarropelagrade.Deresto,nada.Ninguém.
SEGUNDAVISITA
A segundavisitafoi aoJuquery."Há cincoanos.quando
assumimos.obichopegava.Hádez.elemorava..A &aseéde
Maria AliceScardoelli.diretoratécnicada divisãode saúde
do NúcleoAssistencialfi edo DepartamentoPsiquiátricon
do hospital Foi elnquenosguiouem duashorasdecami-
nhadapelos1.927hectaresdeterreno.Contaquechegoua
receberameaçasde mortede funcionários"croni/icados.
- aquelesque.de tantosanostzabalhandona instituição,
sãoresistentesàsmudanças.
O primeirolugarquevisitamosfoio querestoudo pré-
dio principal.quepegoufogoemdezembrode2005.Fica-
ram de péapenasa estruturaextemne o busto de Franco
da Rocha.primeiro médicoa dirigir o hospital Vuaram
cinzasmaisdecemanosdehistórindoJuquery,queseen-
contravamnosarquivos.Foi o terceiroincêndio no com-
plexo,desdea décadade1970.O primeironosarquivosdo
cemitério.o segundoduranteasinvestigaçõesda Assem-
bléia.eesseagora.A períciaaindaestáinvestigandoascau-
sasdofogo.Entzamos.finalmente.emumaalafemininade
.agudos.-adospátios.Quandoasenfermeirasnosviram.
trataramlogode tirar uma mulherdo chão."Quando eu
chegoéigualbatidapolicial.elesvãoarrumandotudo",diz
Maria Alice. E dá bronca nasenfermeiras.O dormitório
impressiona.Enorme,repletodecamasdeferro.Algumas
ca maisésquecer,Ela toma conta de uma ala queprepara
paraa desintemação.ondeospacientestêmquartopróprio
e ajudamnas tarefas.Dona MercedestrabalhanoJuquery
há maisde trinta anos e diz quejá viu de tudo.Entrou na
pior época.emplenaditaduramilitar.equasefoiexonerada
apóslibertarsessentahomensdo pátio - queficavatran-
cado- paraquepudessemfreqüentartodo o complexo."O
diretor falouque,seum fugisse.eu iria serexonerada.Ne-
nhum fugiu.,conta orgulhosa.A "casa.de donaMercedes
écolorida.Tudo limpo.cheiodeplantas."Ela éminhaarma
secreta",confidenciaMaria Alice."Não tem pepinoqueela
não resolva."Dona Mercedeschamaa atençãode um ho-
memqueestásentadonumcantO.descalço.Diz praelesen-
tarno sofácom osoutros."Viciodepátio.,me explica."Eles
chegamsemquererpôr sapato.sóqueremficarno chão.Eu
deium chineloparaeleeelemedevolveu.Amanhã dou de
novo,ele fica cinco minutos e me devolve.Uma hora.ele
voltaa usarsapato.A gentetemqueensinartudode novo.
Comercom talheres.usarsapato.escolheracomida..,Os"fi-
lhos.dedonaMercedessãofelizes.simpáticos.esaemprair
aobanco,por exemplo.Como seuJoão (nomefictfcio).um
senhornegromuitosimpáticoesorridentequememostrou
orgulhososeuquarto.suascoisas.Torcedordo Corinthians.
o emblemado timeestáem tudo.No armário.fotosda fa-
milia."Quemsão?",pergunto."Minha famOia...Elesvêmte
visitar?",arrisco."Às vezesvêm..meu irmãoàsvezesvem.,
diz.fechandoo sorriso.E logo mudade assunto.Contaque
foi promovidoa assistentedo seu médico.e me mostm o
ventiladordo doutor que guardoucom cuidado.sua pri-
meiratarefa.Ao deixarmosdonaMercedes.faço o pedido:
"Doutora.queremosconhecero cemitério.,"Vou ter que
"
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I
II
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~r'Ff 21z . . I
...._--
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pedirajudade aJguém,porquenuncafui lá",confessaMa-
ria Alice.O climapesaquandopronuncioa paJavra"clan-
destino"paraa diretoratécnicadoJuquery,doutoraMaria
TerezaGianeriniFreire."Nãoé clandestino.Nunca foi.Era
apenasumlugarparaenterrarospacientesquenãotinham
maiscontatocoma família,equeiamserenterradoscomo
indigentesem outrocemitério.Mas hojeeleestádesativa-
do",diz comrispidC7_
A estradaqueligaohospitalaocemitérioédeterra.Cheia
de curvas.com Omatoalto.Ao avistarmosa infinidadede
túmulosbrancose aJgumascruzesazuissobo matoalto,
Maria Aliceexclama:"Quelindo!"Dou umsorrisoamarelo.
Lindo?É acoisamaismacabraquejávi navida.Cruzesque-
bradas.matocrescendodedentrodossepulcros.Lembrodo
depoimentoda doutoraCristina.Estão todosaJi.56 Deus
sabeo quepassaram.no Brasiledo movimentoantimanicomiaJ,porconsideraro
atualmodelo-lei desde2001- "irresponsável".Tem,portra-
diçiio,formaçiiobiologicista.queacreditamaisnaindústria
farmacêuticadoquenostratamentoshumanistas.SeuatuaJ
diretor,VaJentimGentil Filho,é"matemático".Doençatem
desertratadacom remédio,comoafirmouem entrevistaà
RevistaLatino-Americanatk PsicopatclogiaFundarrzErztaE
"(.")psiquiatriaé medicinae,comoem quaJqueroutraárea
médica,apartirdeum diagnósticohá uma formulaçãocli-
nica,propõe-seumacondutaterapéuticaeespera-seumde-
terminadoresultadodentrodeumpra7.odeterminado.Isso
nãoénadaaJémdemedicina;emtodasasáreasé assim".
Paulo Amarante,psiquiatra fundador do movimento
antimanicorniale autordevárioslivros,diz queé impossí-
vel nãoconsideraro sociaJna doençapsiquiátrica."Então
eu tenhoum susto,aquiloaumentaa adrenaJina.Abaixa a
descarga.aumentaa emoção,queaumentadenovoa adre-
nalina.Não!As pessoassofremmiséria,sofremdepressão,
sofremviolênciasexual!Vocêvaidizerqueo medoéporque
elastêmaserotoninaaumentada?Agora,o impressionante
é queospesquisadores,asuniversidades,recebemdireitos
daindústriafarmacêutica",desafia.
Saí do Instituto de Psiquiatriacom um compromisso
marcadoparao diaseguinte,Assistira umasessãodeECT.
TERCEIRAVISITA
O InstitutodePsiquiatriadoHospitaldasClinicas.o IPQ.
em nadaseparececomoJuqueryoucomo Finei.Depoisde
uma reformabancadaem30milhõesdereaispelogoverno
do Estado,estámaispertodeumslwppingcenterhightech.
As enfermariassãopequenas,bem divididas.Há residen-
teso tempotodo,há médicosprofessoresda faculdadede
medicinada USP. Os quartossãoparaatéduaspessoas.E
tudopareciacalmonomomentoemqueandeiporlá.Duas PORFORABELAVIOLA,
mulheresmechamaramaatenção.Umaestavasentadana PORDENTRO...
cama,lendo,debrincos,roupasbonitas.A outraveiocon- "(_)MeuDeus!Estoutonto,falta-meoar.56ouçoas00-
versarcomodoutorRenatoDeiSant,quemeacompanha-tidasdomeucoração.Minhaspernasestãotremendo,acho
va.Dizia.comamaiorlucidezdomundo,queestavabem quevoudesmaiar.(_)Euestavaemchoquedetantomedo.
melhor."Melhordoque,doutor?",pergunto."Depressão",(_)Fuideitadodebarrigapracima,comacabeçaemdire-
dizodoutor.Chegaumgrupodeestudantes,futurosresi- çãoàporta.Marcelocolocouumadesuaspernasdobradas
dentes,Carregavamcadernose faziammaisoumenoso. . emcimadomeutórax.Umadasmãosemcadabraçomeu.
mesmoqueeu-conheciamohospital. pertodosombros,forçandotudoparabaixo.O outroenfer-
O InstitutodePsiquiatrianãotemnaaparênciao ran- meiropediuqueabrisseaboca.eporelaenfiouumtubo
çodoshospitaispsiquiátricos.Maséinevitávelpensarque preto,oco,deborracha,Dissequemordessecomforça.Em
aquilotudofuncionacomoumgrandelaboratórioparaos seguidajuntouminhaspernasecomeçouaforçá-Iaspara
alunosdemedicina.Lásefazempsicocirurgias.aplicaçõesbaixo.Antes,porem.passouumacoisagordurosaemmi-
de ECT (eletroconvulsoterapia, O eletrochoque), tudo com nhas têmporas. Eu não conseguia mais raciocinar - estava
a maisaltatecnologia,sobaresponsabilidadedemédicos paralisado.(-J Elesfaziamforçaalémdopesodeseuscor-
renomadosdapsiquiatriabrasileira.O Institutoédeclara- pos.Vi o médicoseaproximardaminhacabeça.portrás.
damenteumdosmaioresinimigosda,reformapsiquiátricaseurostopertodomeu.(-J Suasmãostocarammeucabelo
(-J, em seguidarecuouum pouco.56 escuteipartedo meu
gemido.Perdiossentidos."A descriçãofeitaporAustregési-
10Carrano,no terceirocapítulodo CantedosMaldilos,é na
verdadebemparecidacomo que vi noIPQ.Talvezo cenário
sejadiferente,talvezo aparelhoqueaplicao ECT hojeseja
mais sofisticado.Mas o ritual é exatamenteesse.Me senti
malassistindoaosofrimentodo outro.Mas precisavaverde
pertoo queeles,psiquialras.tratamcomtantanaluralidade
e,maisdoqueisso,comomedidadecuramilagrosa.
Chegueiao lPQ por voltadas9 da manhã,com minha
colegade redaçãoNataliaViana, que foi medar um apoio
moraJ.Fomosrecebidaspelaassessoradeimprensa,quenos
levouatéo localondesãofeitasasaplicações.'Vem muito
jornalistaassistiraoECT?",perguntaNatalia."Nenhwn.Vo-
cêssãoasprimeiras.Ninguémtemcoragem,elesachamque
éObichodesetecabeças",ri a assessora.
O corredorestavalotadodefamiliares,separadospor um
biombo dospacientese dasduassalasde aplicação.Ultra-
passadoo limite,fomosapresentadasa um médicodebaixa
estatura,magro,deóculosejalecoaberto,queimediatamen-
tecomeçaafalarsobreasmaravilhasdo eletrochoque,num
discursocomovido,dizendo,entreuma frasee outra:"Isso
salvavidas!É precisolembrarqueissosalvavidas".Confesso
que não presteimuita atençãona históriado ECT, pois já
havialidoarespeito,eace~ por trásdo médicomechama-
vamaisaatenção.Um homemaltoemagro,deseus30a40
anos.estavadeitadoem uma maca,com duasenfermeiras
segurando-o,eoutradandoum tipodeanestésicoparaeleas-
pirar.Eletentavasemexer,resmungar,maseraimpedidope-
Jasenfermeiras."lssoaquinãoestáfuncionando,euestoudi-
zendo!Jáfaztempoqueeuachoquenãoestáfazendoefeito",
diziauma."Entãofazumrelatóriopor escritoeencaminha",
diziaaoutra.O homemsemexia.Estava"umpoucoagitado",
o médicoolhouparatrás.Entramosna sala.Aqueleeraum
pacienteesquizofrênieo,segundoseupersoni1l.trainer,queo
acompanhavasemprenassessões."Eleficabem maistran-
qüilo depoisda sessão",falavao homem "Mas o queelefaz
quandoestá'em surto?",peIgWlto."Ah.elexingaaspessoas
na ruadefilhasda puta."Olho pra Natalia.Acho quepensa-
mosjuntas.Deveriamentãoaplicarchoquesnos torcedores
defuteboLnosmotoristasdetrânsitoestressados.Quepreço!
Colocamuma gazenabocado homem "Elejá estádor-
.
I
I
t.
Jabá psiquiátrico
"Se em 1992, no Brasil,havia83.000 leitosem hospitaispsiquiétricos americano,queé mais medicamentoso.E nós somos muitoamericanófilos,
financiadospeloSUS,comrecursosdaordemde 250 milhõesde reais aceitamosfécilo quevemde Ié.Vêm coisasboas,realmente,mas eu
por ano,hoje,com42.000 leitos,o SUS gasta460 milhõespor ano. avisoos meusresidentes:nãodeixemde estudara psiquiatriaeuropéia,
Acrescentenrseosmaisde200milhõescomoutrosgastosquecontinuamquetrata maiso ladohumano,psicoterépicci.Porqueé fécildifundiro
a funcionarnalógicaespaçocêntrica,clientelistae privativista.Dessetotal, modeloamericano,quevemcomumapropagandapoderosadaindústria
80 porcentocontinuama serdestinadosaosetorprivado,os chamados fannacêutica.Um psiquiatraquevai falarna mídiasobredetenninado
'empresériosdaloucura'.Nasuamaioria,empresasfamiliaresqueagregam tratamentoemedicamentorecebegrandeapoiodaindústriafannacêutica,
pequenasfortunasacumuladasem especialcom recursospúblicos,e é maisfécildeeleaparecer.E ummédicoquevaifalardeumtratamento
quepraticamentenãose submetemà lógicadocapitalde risco.O lucro existencialnãotemapoio".PauloAmarante,tambémpsiquiatra,fazparte
é certo - sejapelosbaixossalériospagos,pelainsuficiênciadosrecursos dessesqueDeiSant chamade humanistas.Ele dizqueé muitodifícil
aplicados,pelaméqualidadede alimentaçãoe de higiene",dizo doutor desenvolverumapesquisaquenãoenvolvaalgumtipodemedicamento."As
Nacile.Ecompleta:"Arepresentantesindicaldosetorpsiquiétricoprivado, pesquisassãofinanciadasdiretamentepeloslaboratórios,e vendidaspara
a FBH,FederaçãoBrasileiradeHospitais,éumdoslobbiesmaisfreqüentes ospróprios.Elescontratamos pesquisadores.O resultadodessapesquisa
juntoaoCongressoNacionale aoMinistériodaSaúde,e constantementeéconfidencialeentregueàempresafannacêutica.A indústriavaijulgarseo
ameaçaparalisaçãoe fechamentoparaconseguiraumentonasdiérias resultadoédivulgéveloLinão.Seconsiderarqueoresultadoprejudicaavisão
hospitalares". doremédio,nãodivulga.Eseo carapublicarqualquercoisa,estéfrito.Isso
Outra grandeincentivadorado atualmodeloé a indústriafannacêutica, deveriaser proibido.Outraquestãoé a propagandamédica.Os laboratórios
que,coma ajudadamídia,divulganovasdoençase instantaneamentepagamviagensaosmédicosesuasfammas,botamnaprimeiraclassede
sua cura por meiodo remédiotal. Fato confinnadopor psiquiatras,como aviões,em hotéiscaros. Pagam tudo,dão prêmios.Esse gasto é repassado
RenatoDeiSant:"Senãoexistisseo Fantéstico,não existiriaa medicina.Deao consumidor.Então você tem remédios que custam 600, 800 reais a
segunda-feira,o consultórioé cheio!O quevemdefora é o apelodas.drogas caixa.Qualfoio custo? Não foisó o daprodução,foitambémdoinvestimento
dafelicidade".E acrescenta:"Apsiquiatriahojeestéseguindomuitoo modelo que o laboratóriofazem psiquiatrasque o receitam."
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mindo".diz o médico.O homemresmungapor entreosdentes.As enfermei-
rasseguram.O médicovaiatéacabeceirado homem.ajustao aparelhopara
a voltagemideal.colocaos eletrodosem SUastêmporase dá a descarga.O
corpodáumpequenosalto.Pára.Começaarepuxarinteiro.comosesofresse
uma intensacãibradospés à cabeça.Isso dura algunssegundos.Em mais
algunsminutoso homemdeveacordar.
"Mas.doutor,qualéa explicaçãocientífica?O queissocausano cérebro?".
pergunto."Ollia.na verdade.ainda nãosesabeexatamenteo que acontece.
Só sesabequefunciona."A partirdai.o discursoparamim mudadetom.Se
nãoháexplicaçãocientífica.o elet:rochoquepoderiatambémseraplicadopor
curandeiros.ou nasessãodo descarregoda IgrejaUniversal!"E quaisascon-
.seqüências?",perguntaNatalia."Poucas.umapequenaperdadememóriaque
duraalgunsdias.nadamaisgrave."Assistimosa maisuma aplicação.em um
mpazde ascendênciajaponesa.queseguiuo mesmoritual.Com a diferença
dequeestetinhatomadoáguaantesdaaplicação,entãocomeçoua vomitare
quasesufocoucoma água.Converseicomseusparentes.levadapelodoutor.
"Perguntapra elescomoo pacientemellioradepoisdaaplicação!"Eramdois
senhoresde idade.O paie a irmã Mal falavamportuguês.Do quemerespon-
deram.sóentendiqueo moçohaviamellioradomuito.porqueantessóqueria
ficardormindo,eagoraassisteà televisão.
"A eletroconvulsoterapianasceuem 1930,quandoum grupodemédicos
percebeuque apósataquesepiléticosos pacientescom problemasmentais
tinham melhorasignificativadurantealgunsdias".conta RenatoDei Sanl
"Então,elespensaram:Vamos provocarum ataqueepilético'.E foi revolu-
cionárionaépoca.porquenãohaviaremédios.Com o passardosanos.o ECT
passouderecursoterapêuticoa castigoem manicômiossuperlotadoscomo
o Juquery.Na décadade 90,'a décadado cérebro',a eletroconvulsoterapia
voltou.Mas hojeé necessáriaurnaautorizaçãopor escritoda pessoaou da
familia.a aplicaçãoéfeitacom anestesia.ea famJ\iá'vemjunto, tomaatêum
caféda manhãdepois!"Os pacientesde hospitaiscOmooJuquery e oPinei
vãoaoInstituto tomaro ECT. "E háfilaparao procedimento",diz aassessora
doIPQ.As aplicaçõessãoindicadas.segundoDeISant:.emcasosgedepressão
profunda.esquizo&enias-principalmenteascatatônicas-epàra gestantes
e idosos.quenãopodemtomarremédiosfortes.Perguntadosobreo sucesso
do tratamento,PauloAmarante,que é dos poucospsiquiatrasque conde-
nam a prática.rebate:"Para qualquercoisaquevocéfor vender,há clienÍe.
Bastavocêfazeruma boapropaganda.Vocé chegalá,um médicode uma
universidadederenome.vestido-debranco,com o poderdaciência.do Esta-
do edo dinheiro,tefalandoqueissovai tecurar,vocêfaz!"Carranovaialém:
"Elesdizem quecom algumassessõesde doze aplicações,dia sim.dia não,
somemossintomasdedepressão.Pois ele(opaciente)esqueceráatéquem
eleé!Soluçãorápidae eficienteque acabacom a suamente.Os psiquiatras
tupiniquinsestãoenvolvidoseempolgadoscomaparelliosultra-sofisticados
paraa aplicaçãodo ECT, que custamapenas10.000dólares,e que têm os
efeitosminimizadospordrogasfortes.E a eletricidadeéhumanizada". .
HáváriasONGsespalliadaspelomundoquecondenamapráticaUm exem-
ploéa Coalizãoparaa Aboliçãodo Eletrochoque.sediadanosEstadosUnidos.
fonnadaporpsiquiatra."psia\logoseex-pacicntcspsiquiátricos.John Brccding.
I",itúlugodaorgani,.a~'i'lu.di" <jueo cleLrodloque.em lungopmw. cau.o;adanos
de memóriae queimade newôniosirreversível"O cérebrosesubmetea uma
descargademaisde 100voltsde temposem tempos.criandoum danofisico
parao tecido.Issotambémcausaum excitamentoextremo.prejudicandoos
ncuroniose causandoperdapennanentede memória.As pessoasficamcom
dificuldadesde recebernovasinformações.dificuldadeemseadaptara novos
empregoseconseqüentementedeteralgumafunçãosocial.Alémdisso,estudos
mostramque,após!résmesesdaúltimaaplicação,vocêtem 100por centode
regressãodadoença."
Osprocedimentosusadospelapsiquiatriamodernapoucodiferemdosmé-
todosdeantigamente.Ainda seaplicamos.choques.aindaseamarrampes-
soas(contenção),aindaseentopemestômagoseveiascom remédiosfortes.A
diferençaestánosnomes.maistécnicos.maissonoros.na altatecnologiados
remédios.quedeslumbramalgunsmédicos.nocódigodeética.queexigemais
burocraciano tratoaospacientes.Roupanovaem corpovell1o.A verdadeira
. reformapsiquiátricaaindanão aconteceuna menteda maioriados tutores
da loucura.Nem no inconscientecoletivo,o quecausao preconceito,repelee
encarcerao quenãoentende.
A reforma
o movimentoantimanicomialnascenoBrasilnosanos70 como pressuposto
dequeumlugarqueé feitoparaexcluirpessoasconsideradas"foradopadrão"é
irreformávelenãopodetrataroucurar,principalmenteporsepautarpelavigilãncia,
pelaidéiadacustódia,dadisciplina."Omanicômionãoéhumanizável.Eleéfeitopara
alguém'incapazeperigoso'.Éumacasadecorreção,assimcomoa penitenciária,o
reformatório.Vocêprivaaquelequenãose comportabemdecomer,porexemplo.
Então,vocêpremiaquemnãoé louco,e punequemsecomportamal,queé quem
precisadecuidados",dizPauloAmarante.
Mas quemé louco?"Encarcera-sea subjetividadedealguém,tira-seessapessoa
doconvíviofamiliare sociale usa-sedospioresmétodospossíveisparaqueesse
'louco'paredeter comportamentosquea sociedadeconsideraindigestos.Duas
grandesquestõesassociadasàdoençamentalsãoapericulosidadeeaincapacidade.
IssoprecisaserdesconstnJídoculturalmente",dizPatriciaVillasBoas,mestreem
psicologiasocialpelaUSP e umadascoordenadorasdoFórumPaulistade Luta
Antimanicomial.
Taldiscussãonãoé nova.Freud,Jung,Winnicotte outraporçãodepsiquiatras
pensadores,em épocasdiferentes,já tentavamentendero homemcomoser
social,quea famma,a culturae os acontecimentosvividospodeminfluenciar,ou
atédesencadearalgumtipodedoençamental.Winnicott,porexemplo,diziaqueas
doençaspsíquicas,principalmenteas maisgraves,tinhamavercomperturbaçôes
queocorreramdurantea fase inicialda formaçãodopsiquismo,quandoo meio
ambientedacriançaé constituídopelasrelaçõesfamiliares;e quea "loucura"pode
seraproveitadase expressaatravésdasartese damúsica,porexemplo.
MasfoioitalianoFrancoBasagliaoprecursordareformapsiquiátricanomundo.
É delea idéiade queo manicômionão é humanizável.Para Basaglia,o sujeito
acometidodaloucurapossuíaoutrasnecessidadesdasquaisa p.siquiatriasozinha
nãodariaconta.
Se criticavaap05bJratradicionaldaculturamédica,quetransformavaoindivíduo
e seu corpoem merosobjetosde intervençôesclínicas."A loucuraé condição
humana.Emnós,a loucuraexisteeé presente,tantoquantoa razão.O problemaé
queasociedade,parasedizercivil,emvezdeaceitartantoa razãoquantoaloucura,
inventaapsiquiatriaparatrataraloucuracomaintençãodeeliminá-la",dizia.A leida
reformapsiquiátricafoiaprovadanaItáliaem13 demaiode1978,e basicamente
desvinculavaa idéiadedoençamentalda periculosidadee estabeleciaa extinção
dosmanicômios.Basagliamorreupoucodepois,nocomeçodosanos80.Masveio
aoBrasila tempodeconcluirquenossosmanicômioseram.verdadeiroscampos
deconcentração".Foiinspiradonareformaitalianaque,em1989,odeputadoPaulo
Delgado(PT),hojecoordenadordesaúdementaldoMinistériodaSaúde,lançouum
projetodeleiquepropunhaserviçossubstitutivosaoshospitaispsiquiátricos.Doze
anosdepois,em2001, foiaprovadoumsubstitutivo,doentãosenadorSebastião
Rocha(PDT-AP):alei10.216.Essaversãonãoobrigaaofechamentodosmanicômios
nemà desvinculaçãodaloucurada idéiadepericulosidadee incapacidade."Essa
partefoiexcluída.Eramas duasquestõesmaisimportantes.Os hospitaisforam
maisfortes",lamentaa psicólogaMariaCristinaLopes.
A rede de trabalhossubstitutivos,para diminuiçãodos leitosnos hospitais.
consistebasicamenteem oferecerCentrosde AtençãoPsicossocial(CAPS)
- pequenosambulatóriosnos bairros,comenfermeiros,psiquiatras,psicólogos
e assistentessociais,queofereçamtratamentocontínuoeindividualizado:
residênciasterapêuticas- casas parapacientescrônicos,ou queprecisemde
atenção24 horaspordia-, centrosdeconvivênciae cooperativas,atendimento
empostosdesaúdee emergênciaemhospitaisgerais.Essaredeseriao modelo
ideal,se nãodependesseda boavontadede médicos,psiquiatras,funcionários
de hospitais,familiares,políticose principalmentedatransferênciade recursos
dos manicômios.SegundoDelgado,hojeexistem750 CAPS no país.Mas os
profissionaisdizemqueé muitopoucoparaatendera demanda."Chegamosa
atender70.000 pessoasaquino InstitutodePsiquiatria",dizDeiSant."E,quando
mandamoso pacienteprocuraro CAPS do bairroparacontinuaro tratamento,
elevoltadizendoquenãotem profissionais."Nissoconcordamtodosqueestão
envolvidoscomas doençasmentais.Do InstitutodePsiquiatriaàs psicólogasdo
movimentoantimanicomiale a.PauloAmarante.E intrigao fatode a redeser
muitomaisbaratadoquea manutençãodomodelohospitalocêntrico,quando63
porcentodasverbasdasaúdeaindavãoparaoshospitaiseapenas36 porcento
paraostrabalhossubstitutivos.I!I
Andrea Dip éjornalista. andreadip@carosamigos.com.br
ColaboraramMarília Melhado, Austregésilo Carrano e Fórum Socialde Luta Antimanicomial de SãoPaulo.
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