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A Essência do Pensamento Econômico e Social de Thorstein Veblen Seu Ponto Arquimediano Murillo Cruz1 ´Thorstein Veblen was arguably the most original and penetrating economist and social critic that the United States has produced.´ (in Rick Tilman, ´Thorstein Veblen and His Critics 1891 – 1963´, 1992) … “… the American economist Thorstein Veblen … [is] one of the most remarkable political writers not only in America but in the entire world. … It seems a great pity that this great man is not sufficiently appreciated in his own country.” (Albert Einstein, in Seckler, D., ´Thorstein Veblen and the Institutionalists´, 1975) (versão mista 03-08) 1 Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) – IE-UFRJ (murillo8.cruz@gmail.com). Este Ensaio foi especialmente escrito para a celebração do 150o. aniversário de nascimento de Thorstein Bunde Veblen (1857-1929), promovida pela AFEE (Association for Evolutionary Economics) e pela EAEPE (European Association for Evolutionary Political Economy), em 2007. (Versão em inglês: tradução de Lucia Maria A. Abelheira). 2 Introdução (3) Primeira Parte - Compreendendo a Estática do ´esquema geral´ de Veblen em Culturas Pecuniárias .Fins Ostensivos (mecânicos); e Fins Aproximados (pecuniários) (5) .Culturas Pecuniárias (5) .Culturas Pecuniárias e as Classes Dominantes (6) .A ´Contenção Consciente da Eficiência´ da economia por parte dos Homens de Negócio (9) Segunda Parte - Compreendendo a Dinâmica do ´esquema geral´ de Veblen .Os Três Planos Teóricos de Veblen (12) . Considerações Adicionais sobre o Vestuário como Expressão das Culturas Pecuniárias e a ´moderna´ Teoria das Marcas Comerciais, Branding, etc. (25) . A Pioneira Contribuição de Veblen para uma moderna Teoria das Marcas, Brand-Names, etc. (28) Terceira Parte - O Esquema de Veblen na Organização da Produção O Moderno Sistema Industrial . Capital nominal e Capital Efetivo (33) . A ´Capacidade de Rendimento´ e o Goodwill (35) . Conclusões Finais (42) Epílogo (45) Bibliografia e Leituras Selecionadas de Referência sobre Veblen (47) Apêndice Anexos 3 Introdução “Give me where to stand and I will move the earth” Archimedes c.250 BC Em certa ocasião, um aluno de Veblen perguntou-lhe: "como ele poderia se lembrar de tantas coisas, e com tamanha precisão, e Veblen respondeu que ele possuía em sua mente uma visão geral do ser humano, na qual cada fato, além de se encaixar perfeitamente, passa também a fazer parte deste “esquema geral”. (Dorfman, 1934, p. 248) O que o parágrafo acima informa e sugere, e que será objeto deste Ensaio, é que Veblen possuía, em sua privilegiada mente, uma espécie de ponto arquimediano (teórico), e que, confessadamente, fez uso deste ´esquema geral´ em toda a sua imensa e significativa obra. De acordo com registros biográficos, é possível que este “esquema” tenha sido transmitido ou semeado na mente de Veblen, a partir das constantes conversas que empreendeu, quando jovem, com seu pai (Thomas Anderson Veblen). Thorstein comentou com Henry Waldgrave Stuart, um de seus alunos na Universidade de Chicago, que as idéias básicas de ´A Teoria da Classe Ociosa´ vieram dos tempos de sua infância, de suas frequentes conversas com seu pai, que era um profundo pensador. (Jorgensen 1999, 10) Este ponto arquimediano de Veblen, uma espécie de código genético de sua obra, ou seja, um princípio presente em todas as células de sua obra, permitia-lhe cobrir, com extrema coerência, um arco impressionante de situações, objetos, processos e comportamentos. Neste sentido, Max Lerner, entre outros, em 1948, ao comentar sobre a vida e a obra de Veblen, percebeu a ´facilidade´ com que Veblen cobria um conjunto imenso de fenômenos, desde os mais simples aos mais complexos; e percebeu, igualmente, a ´estabilidade´ teórica de Veblen. Aliás, esta é uma das características distintivas da obra de Veblen, ou seja, desde os primeiros escritos em economia e sociologia (1892), até os últimos artigos (1925-27), a obra de Veblen é de uma coerência e regularidade não muito comum no campo da teoria social … O que tanto contribuiu para a formação de uma espécie de lenda em torno de Veblen? Havia a sua imensa erudição, o seu domínio de inúmeras línguas [registros biográficos e pessoais informam que Veblen dominava c. 26 linguas – MC], os seus profundos conhecimentos das sagas islandesas (e nórdicas em geral), seus amplos conhecimentos de literatura, arqueologia, e história racial – bem como de artefatos diversos ou mensurações de crâneos; havia a sua incrível precisão e habilidade em discorrer, por um lado, sobre pequeníssimos detalhes de várias culturas, e por outro lado, sobre grandes abstrações; a facilidade com que movia-se na História, desde os tempos Neolíticos até os últimos relatórios industriais de Comitês do Congresso Americano. Veblen era, como já se disse. “o último homem a saber de tudo” … … 4 É certo, porém, que Veblen deparou-se com uma falange de opositores ... Veblen tornou-se um pensador solitário, escrevendo em um meio profundamente hostil. Tão agudamente sentiu Veblen a necessidade de construir um aríete para derrubar os muros de sua oposição, que ele tornou-se, cada vez mais, repetitivo e ´longinquo´, e tentava, a todo momento, expor ´tudo´ de uma só vez. (Lerner, 1958 [1948], 8 e 31) Em função de sua memória prodigiosa; da facilidade com que dominava inúmeras línguas; da rapidez com que resolvia operações matemáticas ´de cabeça´, e do uso sinedóquico freqüente que fazia das palavras (mesclando significados e conotações ao mesmo tempo), Veblen possuia um evidente traço de genialidade; reconhecido até por seus opositores. Tais características mentais especiais devem ter sido herdadas, com muita probabilidade, de sua mãe, Kari Thorsteinsdatter Bunde Veblen, que possuia, reconhecidamente, uma memória e uma velocidade de raciocínio fora do comum. Este Ensaio busca demonstrar o ´esquema geral´ que Veblen possuía em sua mente, esquema este que lhe permitia cobrir um arco tão amplo de temas, fatos, e fenômenos; ou seja, como indicou Lerner, “a facilidade com que movia-se na História, desde os tempos Neolíticos até os últimos relatórios industriais de Comitês do Congresso Americano.” E poderíamos completar: a facilidade e a segurança com que Veblen projetava e explicava o comportamento de toda uma civilização, a partir da ´simples´ análise da composição e forma de uma colher; de um animal; de uma cor; ou de uma peça de vestuário. Casa da Fazenda da FamíliaVeblen Bolsa de Valores de N.Yorque 1873 (hoje restaurada);Nerstrand; Minnesota ----xxx---- 5 Primeira Parte Compreendendo a Estática do ´esquema geral´ de Veblen em Culturas Pecuniárias A Norma do Desperdício Conspícuo e a Reputação Pecuniária O Modelo da Colher de Prata Cinzelada a Mão Fins Ostensivos (mecânicos); e Fins Aproximados (pecuniários) – Apesar do imenso e variado conjunto de temas que Veblen abordou em suas reflexões, toda a sua obra é uma busca sistemática de explicação da cultura pecuniária e da economia de nossa época; e baseia-se em uma particular e sofisticada utilização da dicotomia da moderna teoria social, entre categorias objetivas da função(a função manifesta (proposital), primordial, ostensiva, objetiva e mecânica das coisas (A.1), e categorias subjetivas da motivação (a motivação latente, colateral, secundária, cerimonial e aproximada das coisas (B.1). A introdução do conceito de ´função latente´ no campo da pesquisa social, leva-nos a conclusão de que a vida social não é tão simples como parece à primeira vista ... O paradoxo de Veblen é que as pessoas compram bens dispendiosos e caros não porque são superiores ou melhores, mas porque são ´caros´ ... pois é a equação latente (alto preço = marca de elevado status social) que ele reitera em sua análise funcional, mais do que a equação manifesta (alto preço = excelência do produto) (Merton 1968, 123-124) Culturas Pecuniárias – Em linguagem sociológica, e de acordo com a particular concepção de ´motivação latente´ de Veblen, culturas pecuniárias são aquelas configurações institucionais, sociais, e econômicas-materiais onde prevalecem as motivações latentes, cerimoniais e secundárias das coisas (proximate ends), sobre as funções manifestas, objetivas e primordiais das mesmas (ostensible ends). Nesta interpretação, as motivações latentes encontram-se deformadas por 6 uma norma do desperdício conspícuo, decorrente da emulação predatória entre os indivíduos. Veblen realça que a motivação latente principal dos comportamentos das culturas pecuniárias é o ganho extra (ou a manutenção) de reputação e do ´bom nome´ que um indivíduo obtém, por exemplo, pelo uso e a exposição conspícua de objetos (tidos como seu) que contenham doses significativas de elementos prestigiados na comunidade; isto é, no caso, objetos que contenham um forte conjunto quantitativo de desperdício material, pois este ´desperdício´ indica e é prova da habilidade e da capacidade do usuário em gastar ou pagar (visando superar seus competidores). O imediato e óbvio índice de força pecuniária é a habilidade visível para gastar, para consumir improdutivamente; e os homens muito cedo aprenderam a por em evidência suas habilidades para gastar através da demonstração e exposição de bens ´caros´ que não proporcionam qualquer retorno para seus possuidores, seja em conforto, ou em ganhos (objetivos). ... Não é que os usuários ou os compradores destes bens ´caros ´ e fúteis desejem o desperdício. Eles desejam manifestar suas habilidades para pagar. O que é visado não é o desperdício ´de facto´, mas a aparência do desperdício. (Veblen 1998 [1894], 68 -70; Ed. S.Bowman). Do ponto de vista econômico stricto sensu, culturas pecuniárias são aquelas onde a motivação aquisitiva e comercial (pecuniária), e a utilidade subjetiva das coisas para finalidades individuais de emulação, prevalecem sobre o elemento produtivo e industrial, e sobre a serventia objetiva, funcional e geral das coisas. Em outras palavras, são culturas onde as finanças (business), o ´valor comercial´ da entidade, e a propriedade comercial e industrial, prevalecem sobre a produção de serventia (industry), sobre o ´valor funcional´, e sobre a propriedade dos itens tangíveis e corporais. Em última instância, onde a rentabilidade comercial das corporações, ou das companhias, (business enterprises) prevalecem sobre a lucratividade industrial do empreendimento. Culturas Pecuniárias e as Classes Dominantes - A deflexão, a deformação, e a perversão dos fins ostensivos das coisas e da plenitude da vida, que configuram as culturas pecuniárias, são estimuladas, disseminadas, e mantidas por uma classe ociosa dominante (aquisitiva e mercantil), que, por basear-se na instituição da propriedade privada, e na acumulação e exposição conspícua de riquezas (para demonstrar capacidade pecuniária, isto é, habilidade de pagar), impõe seus hábitos, seus valores, e seus comportamentos para todas as demais classes sociais da comunidade. A base sobre a qual a boa reputação em qualquer comunidade industrial altamente organizada repousa, em última instância, é a força pecuniária; e os meios de demonstrar força pecuniária, e mercê disso, obter ou conservar o bom nome, são o ócio conspícuo e um consumo conspícuo de bens. 7 Nas modernas comunidades civilizadas, as linhas de demarcação entre as classes sociais se tornaram vagas e transitórias, e, onde quer que isso ocorra, a norma da boa reputação imposta pela classe superior estende a sua influência coercitiva, com ligeiros entraves, por toda a estrutura social, até atingir as camadas mais baixas. O resultado é os membros de cada camada aceitarem como ideal de decência o esquema de vida em voga na camada mais alta logo acima dela, ou dirigirem as suas energias a fim de viverem segundo aquele ideal. ... Nenhuma classe social, nem mesmo a mais abjetamente pobre, abre mão da totalidade do consumo conspícuo costumeiro. (Veblen 1957 [1899], 70) “Os ricos são diferentes de nós.” (F.Fitzgerald Scott); ... “É verdade, ... eles têm mais dinheiro.” (Ernst Hemingway) (in Diggins 1978, vii) Assim, a classe ociosa dominante impõe, no plano visível do consumo de bens e produtos, um padrão pecuniário de reputação e decência, i.e., um padrão calcado no que Veblen designou por ´norma do desperdício conspícuo´. Para o homem ocioso, o consumo conspícuo de bens valiosos é um instrumento de respeitabilidade. ... Por ser o consumo dos bens de maior excelência prova da riqueza, ele se torna honorífico; e reciprocamente, a incapacidade de consumir na devida quantidade e qualidade se torna uma marca de inferioridade e de demérito. (Veblen 1957 [1899], 64) Do anterior exame acerca do crescimento do ócio e do consumo conspícuos, parece que a utilidade de ambos, para fins de boa reputação, repousa no elemento de desperdício, a ambos comum. Num caso, o desperdício é de tempo e esforço; no outro, de bens. Ambos são métodos de demonstrar a posse da riqueza, ..(Veblen 1957 [1899], 71) 8 ... Para ser reputável é necessário ser desperdiçador (perdulário). Nenhum mérito se lhe acrescentaria mediante o consumo das simples coisas necessárias à vida, ... …(Veblen 1957 [1899], 77) Logo, se designarmos cap^ por ´valor comercial´, o cap^ de um indivíduo = f (quantidade de bens valiosos que porta, carrega, comanda ou possui; e não a quantidade ou a qualidade dos serviços prestados pelos mesmos itens que porta, carrega ou possui) E é interessante observar que esta norma pecuniária de reputação e decência (´Para ser reputável é necessário ser desperdiçador (perdulário)´), por ser um hábito de pensamento (generalizado), i.e., uma instituição, infecciona e contamina todas as demais opiniões, pontos de vista, e instituições da comunidade; inclusive as concepções do gosto (do feio e do belo), do simpático e do antipático, do certo e do errado. Veblen demonstrou em sua obra, exaustivamente, a contaminação e os efeitos da decência pecuniária sobre as demais instituições e configurações materiais; em especial, dedicou atenção à influência e à contaminação desta norma do desperdício conspícuo sobre o gosto e a beleza, deixando-nos, neste aspecto, como legado, uma teoria estética das mais criativas, e inconfundível. ... Achamos belas as coisas, assim como úteis, proporcionalmente a seu preço caro. . (Veblen 1957 [1899], 119-120) O capítulo VI (Pecuniary Canons of Taste) de The Theory of the Leisure Class (1899) contém uma das passagens mais paradigmáticas acerca da maestria com que Veblen explicava fenômenos sociais, econômicos, e estéticos, de grande complexidade, através de objetos relativamente ´simples´ e desprovidos de energia explicativa. … As exigências da decência pecuniária [e reputação] influenciaram, ... o sentido [popular] da beleza e da utilidade dos artigos de uso ou de beleza. [Os bens]... são vistos como prestativos ou de serventia quase na mesma proporção em que contenham grandes quantidades de desperdício e sejam mal adaptados a seus usos ostensivos ... A utilidade dos artigos valorizados pela sua beleza depende estreitamente da sua dispendiosidade. Uma ilustração comum bastará para mostrar essa dependência. Uma colher de prata cinzelada a mão, de valor comercial de uns dez ou vinte dólares, não é ordinariamente mais útil – no primeiro sentido da palavra (...) do que uma colher de um material mais básico (ou vil), como o alumínio, feita a máquina, cujo valor não passa de dez ou doze centavos. O primeiro dos dois utensílios é com efeito um objeto comumente menos efetivo do que o último para o seu fim ostensivo. ... vendo a matéria por esse prisma, ... um dos usos principais, senão o principal, da colher mais cara não é levado em consideração; a colher cinzelada a mão lisonjeia-nos o gosto e 9 o sentido da beleza, ao passo que aquela feita a máquina e em vil metal, não tem outro ofício além de uma bruta eficiência ... ... A satisfação superior que deriva do uso e da contemplação de produtos caros e considerados belos é, comumente ... uma satisfação do nosso sentido do seu preço elevado que se mascara sob o nome de ´beleza´. ... O requisito do desperdício conspícuo não está em geral presente, conscientemente, em nossas regras de gosto, mas encontra-se ... presente como uma norma a constranger seletivamente ... o nosso senso do que deve ser legitimamente aprovado como belo e o que não deve. ... É neste ponto, onde o belo e o honorífico se mesclam e se confundem, que a discriminação entre o que seja de serventia e o que seja perdulário é mais difícil em qualquer caso concreto. (Veblen 1957 [1899], 94, 95, 96) Portanto, e conforme veremos com mais detalhes adiante, todos os produtos e objetos, nas culturas pecuniárias, possuem uma configuração simbólica semelhante à exposta no Diagrama 1 (abaixo): o conjunto de elementos de serventia e funcionalidade (A Æ a) encontra-se encoberto e subordinado pelo conjunto (significativo, dominante e expansivo) de elementos de desperdício conspícuo (Bp Æ b); e quanto mais itens preciosos no objeto, maior reputação, maior valor comercial, e maior beleza institucional. Arts and Crafts A “Contenção Consciente da Eficiência” da economia por parte dos Homens de Negócio (the conscientious withholding of efficiency) - Além da institucionalização de um padrão de reputação pecuniária, isto é, deformado e desviado dos fins ostensivos e funcionais das coisas e da vida, as classes dominantes, complementar e derivadamente, sabotam, de forma sistemática, a eficiência industrial e tecnológica do sistema. Assim, a eficiência industrial, nestas culturas, na medida em que situa-se subordinada (overlaid) aos interesses financeiros e da emulação pecuniária, apresenta-se, sempre, como uma ´eficiência interrompida, deformada, ou bizarra´. 10 Apesar do significativo crescimento industrial, tecnológico e econômico dos Estados Unidos, entre c. 1860 e 1920, Veblen foi um dos poucos (importantes) intelectuais, principalmente no campo da sociologia e da teoria social, a perceber esta “conscientious withholding of efficiency” (sabotagem) da economia por parte dos Homens de Negócio (the captain of finance), e da classe ociosa como um todo. Com a singular exceção de Veblen, os mais relevantes e contemporâneos intelectuais que desenvolveram a Sociologia norte americana [William Sumner, Charles Cooley, Lester Ward, Edward Ross, George Mead, et. al.].... tendiam mais a celebrar do que criticar o progresso do capitalismo americano. (Edgell 2001, 7) … Veblen argumentava que (o capitalismo moderno) era um sisterma inerentemente desperdiçador e perdulário (na medida em que “em nenhum momento esteve livre dos desarranjos e das crises instigados e perpetrados pelos Homens de Negócio), e que buscava como fim último um aumento da propriedade, e não a serventia industrial; e que o seu era exatamente o oposto da sociedade corrente.” [Veblen 1904, Edgell 2001, 8, 9) Para Veblen, o capitalismo era um sistema social cujo objetivo era “legalizar o confisco”; ... “tendo confiscado para seus interesses privados os recursos naturais, os ´proprietários ausentes´ tramam e conspiram para decidir ´o que o mercado suporta´ em termos de preços de venda, para seus benefícios, às custas dos produtores e dos consumidores.” ... (mas) “o domínio absoluto da empresa de negócios é necessariamente um domínio transitório, na medida em que ela é incompatível com o desenvolvimento ótimo e pleno das artes industriais sobre o qual a sobrevivência da comunidade depende, em última instância.” (Veblen 1904, 400) “Este é um tema e um ponto que Veblen jamais perdeu de vista em toda a sua vida.” (Edgell 2001, 9). Sobre esta “conscientious withholding of efficiency” da economia por parte dos Homens de Negócio, e da classe ociosa como um todo, em 1944, R.L. Duffus, que viveu durante um período com Veblen em Cedro Cottage – Califórnia -, registrou uma das mais interessantes e sugestivas passagens de Veblen: Veblen contava uma história conhecida … de um fazendeiro que tinha um buraco com muita lama em frente à casa. Durante muito tempo ele, com pena dos viajantes que atolavam freqüentemente neste buraco, usava seu gado para retirá-los. De tanto praticar esta ´ajuda´, o fazendeiro começou a achar justo a cobrança de uma pequena taxa, por seus ´serviços ´, i.e., para retirar os atolados do buraco. Não demorou muito para ele abandonar seu trabalho de fazendeiro e especializar-se em retirar os atolados do buraco. Logo veio uma estação de seca, e o buraco (enlameado) secou, levando suas receitas para baixo. Após refletir sobre esta nova situação, ele bolou um plano: ao escurecer, ele buscava água em riachos próximos, e enlameava o buraco novamente, mantendo, assim, o ´buraco´ em condições ´comerciais ativas´ de continuar gerando renda. 11 Veblen estava convencido de que grande parte dos ´negócios modernos´ era, muito simplesmente, manter ´buracos enlameados´ com a finalidade de cobrar dos demais para retirá-los dos mesmos. Este era, sem dúvida, o tema central do seu segundo livro The Theory of Business Enterprise (1904). Os gangsteres e mafiosos de Chicago e de outras cidades, que geravam “proteção” para “vendê-la” aos demais, teriam fornecido a Veblen outra boa ilustração dos negócios modernos. (Duffus 1944, 64) ---XXX--- 12 Segunda Parte Compreendendo a Dinâmica do ´esquema geral´ de Veblen O Ponto de Vista Evolucionário Os Três Planos Teóricos de Veblen - Dissemos acima que a obra de Veblen é uma sofisticação da dicotomia entre categorias objetivas da função, e categorias subjetivas da motivação, porque, de fato, o ´esquema geral´ de Veblen é bem mais complexo e profundo. Somente no terceiro Plano de compreensão deste esquema (o Plano material, concreto, ou formal), isto é, o mais direto, conforme veremos a seguir, é que a dicotomia “Função Manifesta versus Motivação Latente” encontra-se em evidência. O sofisticado esquema teórico de Veblen constrói-se, em minha compreensão, sobre 3 (três) Planos de complexidades. Primeiro Plano – Plano primordial, ´energético´, espiritual - psicológico. Trata-se da complexidade de 1ª. ordem, decorrente do ´ponto de vista´ evolucionário, espiritual e psicológico original; Segundo Plano – Plano intermediário, peri-energético. Trata-se da complexidade de 2ª. Ordem (intermediária), que vincula o primeiro Plano (primordial), ao terceiro (material, concreto, formal). Este segundo Plano – o do comportamento, do pensamento, e das emoções, significa, conceitualmente,o adensamento e a condensação (inclusive a ´manifestação´) das múltiplas forças do 1º. Plano (primordial). As forças do 1º. Plano congregam-se, agora, em uma síntese de 2 vetores chaves (A e Bp) (não únicos, mas chaves para a compreensão de qualquer quadro sócio-econômico), vetores estes que irão moldar, então, em última instância, todas as expressões, objetos, e manifestações da cultura. Compreender o ponto arquimediano de Veblen significa, basicamente, compreender as origens e as conseqüências advindas deste segundo Plano. (E é por esta razão que muitos autores especialistas na obra de Veblen identificam ´inúmeras´ dicotomias – ou, melhor, ´dois´ conjuntos de forças divergentes – ao 13 longo de toda a sua obra, e.g., ´industry´ versus ´business´; ´the engineers and the price system´; ´industrial and pecuniary employments´; ´the vested interest and the common man´; ´aspecto ostensivo (objetivo ou mecânico) das coisas, versus aspectos cerimoniais (ostentatórios, subjetivos, ou imputados) das mesmas; etc., (É da maior relavância, entretanto, compreender que estas inúmeras dicotomias constantes da obra e do ´esquema´ de Veblen precisam ser ´vistas´ de forma sinedóquica, e não taxonômica). Terceiro Plano – Plano material-corporal, concreto, formal - dos objetos, produtos, expressões, e manifestações concretas perceptíveis, inclusive as organizações. Trata-se da complexidade de 3ª. ordem (maior solidez). Este terceiro Plano pode ser compreendido como o patamar final de concretização da dicotomia das forças do segundo Plano. O Diagrama 2 abaixo representa, simbolicamente, estes 3 Planos ou Etapas DIAGRAMA 2 Primeiro Plano – primordial, espiritual, psicológico Para Veblen existem, inicialmente, três condições incontornáveis, irrevogáveis inevitáveis e primordiais, da condição e/ou natureza humana: .(i) primeira condição irrevogável: o Homem é uma espécie ativa, dotada de hábitos e propensões, e inteligente. For mankind (as for other higher animals), the life of species is conditioned by the complement of instinctive proclivities and tropismatic aptitudes with which the species is typically endowed … These are the prime movers in human behaviour, as in the bahaviour of all those animals that show self-direction or discretion. (Veblen 1914, 1) …The physiological apparatus engaged in the functioning of any given instinct enters in part, though in varying measure, into the working of some or any other instinct. (Veblen 1914, 12) 14 Like other animals, man is an agent that acts in response to stimuli afforded by the environment in which he lives. Like other species, he is a creature of habit and propensity. But in a higher degree than other species, man mentally digests the content of the habits under whose guidance he acts, and appreciates the trend of these habits and propensities. He is in an eminent sense an intelligent agent. (Veblen 1934 [1898], 80) Neste ensaio, esta múltipla condição irrevogável será designada pela letra W. (ver Diagrama 3, página 19 adiante) .(ii) a segunda condição irrevogável é a propensão humana à eficiência bruta, objetiva e ostensiva (trabalho efetivo), que Veblen irá designar por Instinct of Workmanship, e que, neste ensaio, será designado por (A), ou, alternativamente, por IW; (instinto de trabalho eficaz) Por necessidade seletiva a espécie humana encontra-se dotada com uma propensão para agir com propósito. Em outras palavras, o Homem é possuidor de um senso discriminatório de finalidade, razão pela qual toda a futilidade da vida, ou de suas ações, lhe causa um desgosto. Este é um traço genérico e ubíquo da natureza humana. ... As pessoas esperam que os seus vizinhos desenvolvam suas vidas para algum propósito, e gostam de pensar que suas próprias vidas possuem alguma serventia. Todo indivíduo possui este senso quase estético de mérito econômico ou industrial, e desta forma o que ele identifica como futilidade econômica ou ineficiência lhe é desagradável. Em sua expressão positiva trata-se de um impulso ou de um instinto para o artesanato; e, negativamente, pode ser interpretado como a expressão de um desgosto ou repugnância por todo trabalho mal feito, e pelo desperdício. O senso comum compartilhado por quase todo ser humano de mérito e demérito no que se refere à bem sucedida provisão material da vida humana, ou ao impedimento da mesma, sanciona e aprova o ato economicamente eficiente e reprova a futilidade econômica. É desnecessário demonstrar de forma mais detalhada quão próxima é a relação entre esta norma de mérito econômico e a norma de conduta ética, por um lado, e a norma de gosto estético, por outro. … (Veblen 1934 [1898], 80, 81-82) ... the generality of instinctive dispositions prompt simply to the direct and unambiguous attainment of their specific ends, … (the agent goes as direct as may be to the end sought) …; whereas under the impulse of workmanship the agent´s interest and endevour are taken up with the contriving of ways and means to the end sought. … The instinct of workmanship … occupies the interest with practical expedients, ways and means, devices, creative work and technological mastery of facts. … [it] brought the life of mankind from the brute to the human plane, and in all the latter grouth of culture it has never ceased to pervade the works of man. (Veblen 1937 [1914], 32, 33) (ver anexo ´Notas Técnicas acerca do Conceito de Instinct of Workmanship em Veblen´, Revista OIKOS, Ano VI, n.8, 2007) .(iii) a terceira condição incontornável – e que será aqui designada por ´P´ é a condição de sociabilidade humana, e o corolário ´habit of complacency´. O Homem é um animal social, tribal-comunitário, pacífico em sua essência, e frágil. 15 Como outras espécies, o (Homem … age) guiado por propensões que lhe foram impostas pelo processo de seleção ao qual deve a espécie humana sua diferenciação de outras espécies. O homem é um animal social; e o processo seletivo pelo qual o homem adquiriu este aspecto espiritual de animal social foi responsável também por tornar o homem um animal substancialmente pacífico. É possível que se observem hoje na espécie humana um afastamento significativo desta ancestral tendência pacífica, mas mesmo atualmente os traços de uma tendência pacífica nos hábitos diuturnos de pensamento e sentimento são claros suficientemente ... A julgar pela sua estrutura desarmada e frágil ... é justo classificar a espécie humana juntamente com aqueles animais que devem sua sobrevivência à aptidão de evitar conflitos e embates diretos com seus competidores, ...”O Homem é a mais fraca e indefesa das criaturas vivas”, ... Sem ferramentas, o Homem é um animal completamente inofensivo, como são os outros animais ... Até que tivesse criado ferramentas – ou seja, durante a maior parte de sua história evolutiva - o homem não pôde desempenhar o papel de agente de destruição ... Por força das circunstâncias,.. a disposição humana era principalmente pacífica e recolhida... Os hábitos da vida humana eram ainda predominantemente de caráter pacífico e industrial, não hábitos conflitivos e destrutivos. ... A atividade industrial há de se ter desenvolvido bem antes de ser possível para um grupo de homens viver às custas de outro; e durante a prolongada evolução da indústria antes deste ponto, era o objetivo de eficiência industrial que consistentemente guiava os esforços dos seres humanos, por natureza seres cooperativos e sociais, tanto por imposição de suas características físicas e mentais, quanto por suas inclinações espirituais. ... Efeito do processo seletivo e de condicionamento, o homem arcaico era necessariamente membro de um grupo, e durante este estágio inicial, quando a eficiência industrial não era ainda considerável, grupo nenhumpoderia ter sobrevivido a não ser com base num senso de solidariedade forte o bastante para que atitudes individualistas (self-interest) ficassem em segundo plano. (Veblen 1934 [1898], 85-87) Esta terceira condição incontornável, do Homem ser um animal social comunitário ´P´, mormente a característica de imitação-repetição que irá orientá-lo no processo de integração social (ver adiante), possui conseqüências importantíssimas para a compreensão deste 1º. Plano do esquema teórico de Veblen, e da deformação que o instinct of workmanship (A) irá sofrer (bem como de toda a cultura), a partir de uma deformação e desvio no processo de emulação: de uma emulação funcional-ostensiva (natural) (Bf), para uma emulação invejosa, egoística, pecuniária (Bp). Quatro características especiais da psicologia individual, mutuamente interferentes, atuam nesta condição incontornável de sociabilidade humana, e que possuem influência na teoria de Veblen: .(i) a busca do indivíduo por aceitação no grupo, i.e., a busca de aceitação pelo ´outro´; e como corolário, o sentimento de conforto que a estima obtida por esta aceitação fornece ao indivíduo; 16 .(ii) a condição de criticar e ser criticado/censurado, tendo como referência os hábitos implantados (as instituições) e/ou um eixo considerado de eficiência ou normalidade de como fazer as coisas, existente na comunidade. Esta condição cristaliza uma espécie de vigilância conservadora dos indivíduos sobre os hábitos existentes; uma espécie de neofobia; (fobia pelo novo) .(iii) a dedicação e a cooperação que o indivíduo oferece ao grupo, que Veblen, possivelmente reproduzindo as lições de McDougall, irá designar por ´parental bent´. Para Veblen, the parental bent é uma força tão poderosa quanto o instinct of workmanship. Chief among those instinctive disposition that conduce directly to the material well- being of the race, and therefore to its biological success, is perhaps the instinctive bias here spopken of as the sense of workmanship. The only other instinctive factor of human nature that could with any likelihood dispute this primacy would be the parental bent. Indeed, the two have much in common … Doubtless this parental bent … greatly reinforces that sentimental approval of economy and efficiency for the common good and disapproval of wasteful and useless living that prevails so generally. (Veblen 1937 [1914], 25) .(iv) a permanente atividade de imitação do ´outro´, e a correspondente comparação natural entre os indivíduos dos padrões de eficiência e de normalidade institucional como um todo. Esta quarta característica acima, ou seja, a imitação de padrões, a repetição, e a comparação habitual, sistemática, entre os indivíduos em todos os aspectos, e principalmente, do ponto de vista econômico, a comparação of one person with another in point of efficiency, é absolutamente importante para compreendermos a complexidade e a dinâmica do esquema teórico de Veblen. Senão vejamos. O instinct of workmanship atua ubiqua e permanentemente em todos os indivíduos e independente do quadro institucional. No processo dinâmico de imitação, o que é equivalente a dizer repetição (pois imitação é repetição ou reprodução dos atos ou processos a serem imitados), a ação do instinct of workmanship (A) sobre cada ´movimento´, isto é, sobre o instante da imitação-repetição, gera um sentimento e um comportamento que se designa propriamente por emulação (B) (sentimento ´competitivo´ que nos incita a igualar ou superar outrem, ou o objetivo desejado). Esta emulação (B) – sentimento natural e inevitável, [em função da fórmula irrevogável da atuação do instinct of workmanship sobre a imitação-repetição (IW + Imitação)] – poderá manifestar-se, entretanto, de duas formas: (i) Poderá ser uma emulação funcional ou impessoal (Bf), isto é, uma emulação que busca o aperfeiçoamento sucessivo do objeto ou do processo a ser melhorado, de forma objetiva, impessoal, opaca, sem intenções invejosas ou egoísticas. (De fato, é através deste tipo de emulação (emulação funcional – Bf), 17 de uma certa forma saudável e desejável, que ocorre o progresso espiritual e material, sem distorções, da humanidade. .(ii) Mas a emulação (B), principalmente no que tange às comparações em eficiência das questões materiais e econômicas, i.e., ´in point of efficiency´, dependendo das circunstâncias, pode derivar para uma emulação inter-subjetiva, hostil e invejosa (Bp) , i.e., uma competição hostil ininterrupta entre os indivíduos, e não propriamente focada no objetivo ostensivo (objeto da comparação), emulação esta que Veblen irá designar por ´emulação pecuniária´. Under the canon of conduct imposed by the instinct of workmanship, … [Man] contemplates his own conduct and that of his neighbors, and passes a judgment of complacency or of dispraise. The degree of effectiveness with which he lives up to the accepted standard of efficiency in great measure determines his contentment with himself and his situation. A wide or persistent discrepancy in this respect is a source of abounding spiritual discomfort. … Under the guidance of this taste for good work, men are compared with one another and with the accepted ideals of efficiency, and are rated and graded by the common sense of their fellows according to a conventional scheme of merit and demerit. The imputation of efficiency necessarily proceeds on evidence of efficiency. The visible achievement of one man is, therefore, compared with that of another, and the award of esteem comes habitually to rest on an invidious comparison of persons instead of on the immediate bearing of the given line of conduct upon the approved end of action. The ground of esteem in this way shifts from a direct appreciation of the expediency of conduct to a comparison of the abilities of different agents. Instead of a valuation of serviceability, there is a gauging of capability on the ground of visible success. And what comes to be compared in an invidious comparison of this kind between agents is the force which the agent is able to put forth, rather than the serviceability of the agent's conduct. So soon, therefore, and in so far, as the esteem awarded to serviceability passes into an invidious esteem of one agent as compared with another, the end sought in action will tend to change from naive expediency to the manifestation of capacity or force. It becomes the proximate end of effort to put forth evidence of power, rather than to achieve an impersonal end for its own sake, simply as an item of human use. So that, while in its more immediate expression the norm of economic taste stands out as an impulse to workmanship or a taste for serviceability and a distaste for futility, under given circumstances of associated life it comes in some degree to take on the character of an emulative demonstration of force. (Veblen 1934 [1898], 89, 91) A emulação sexual natural da espécie humana, como de muitas outras, pode contribuir colateralmente para a emulação pecuniária aqui em apreço. … Still, there was some emulation between individuals, even in the most indigent and most peaceable groups. … it seems probable that the proclivity to emulation must have been present also in the earlier days in sufficient force to assert itself to the extent to which the exigencies of the earlier life of the group would permit. But this emulation could not run in the direction of an individual, acquisition or accumulation of goods, or of a life consistently given to raids and tumults. It would be emulation such 18 as is found among the peaceable gregarious animals generally; that is to say, it was primarily and chiefly sexual emulation … (Veblen 1934 [1898], 89) Esta emulação pecuniária (competição entre os indivíduos, cuja réguada vitória é a quantidade de força dispendida, e não a qualidade ou o valor funcional para a plenitude da vida alcançada e/ou aumentada), deflexiona, deforma, diverte, e perverte os fins últimos da vida; e obstaculiza, encobre, subjuga e deforma, igualmente, o instinct of workmanship. Nestas condições, o instinct of workmanship (que jamais deixa de atuar) manifesta-se como um instinct of sportsmanship (IS) ou ´salesmanship´, uma espécie de bizarro do instinct of workmanship. Veblen observa, adicionalmente, em um genial desenvolvimento do raciocínio acima, que, como o instinct of workmanship atua permanente e irrevogavelmente, sempre haverá de manifestar-se um simulacro de funcionalidade e eficiência nas coisas e nos quadros culturais e econômicos pecuniários. Mesmo nas culturas mais predadoras!. DIAGRAM 3 Do exposto acima, surge uma conclusão de enormes conseqüências para a análise econômica e a dinâmica das culturas pecuniárias: os quadros deformados e bizarros destas culturas, incorporadores de significativos desperdícios e futilidades (para a emulação e a competição individual) incomodam psicologicamente os indivíduos, dada a repugnância inata que o desperdício provoca diante da atuação ubiqua do instinct of workmanship. Ocorrem então mudanças paradoxais ininterruptas: tanto para aumentar o desperdício, i.e., para elevar a competição entre os indivíduos, como para diminuí-lo, em função da repugnância essencial que o desperdício e a futilidade provocam. Em outras palavras, o instinct of workmanship atua ubiquamente tentando colocar os objetos e os processos grotescos e anti-econômicos em um eixo de eficiência; mas, como os valores competitivos e emulativos permanecem e predominam, novos ou 19 persistentes elementos de desperdício e futilidades incorporam-se aos novos objetos e processos, e assim sucessivamente. (ver Figura 7, página 27) E o instinct of workmanship deformado, atuando sobre o próprio desperdício, i.e., dando eficiência (deformada – quantitativa) à própria competição, tende a elevar mais ainda o desperdício e, paradoxalmente, a nossa própria repugnância (consciente ou inconsciente) pelo objeto ´inovado´, numa sucessão de quadros grotescos e de ineficiências econômicas (inclusive estéticas) que jamais são interrompidos. O instinct of workmanship pode ser igualmente obstaculizado ou deflexionado em função de um fenômeno bastante curioso de auto-contaminação da nossa constituição psicológica (quiçá fisiológica): o ´hábito´, inato à natureza humana, força a repetição, sem variação, dos atos, processos e comportamentos institucionalizados, pois ´fazemos melhor o que fazemos habitualmente´. E esta eficiência que o hábito propicia atende, portanto aos requisitos (igualmente inatos) do próprio instinct of workmanship. Assim, a repetição não inovadora (habitual), i.e., obstaculizando o instinct of workmanship e as ´novas possibilidades´, pode acabar sendo de alguma serventia, ao menos por algum tempo. Isto é o que Veblen designou por ´self-contamination of the instinct of workmanship ´. Pois … [´faço melhor mudando, mas também faço melhor repetindo, ao menos durante um tempo´ – MC] Segundo Plano – intermediário; peri-energético; condensação e adensamento das forças do primeiro plano (ver Diagrama 4). As forças deste 2º. plano manifestam-se como comportamentos, pensamentos e emoções, e possuem ´poder organizador´ para o terceiro Plano. As forças e as energias do primeiro Plano de organização das culturas pecuniárias, de grandes complexidades e muitas vezes paradoxais ou contraditórias, (mas certamente múltiplas e mutuamente interferentes), vistas acima, adensam-se, condensam-se, e direcionam-se para um segundo e importante plano de ordenamento social. Este segundo plano, ainda basicamente incorpóreo, mais perceptível vis-à-vis o primeiro plano, é composto basicamente por dois afluentes ou vetores: .(i) primeiro afluente - uma propensão à eficiência bruta, objetiva, manifesta, real, ostensiva, proveniente e co-extensiva do instinct of workmanship primordial (A); e .(ii) segundo afluente - uma proclividade para a emulação pecuniária, Bp, dominante. (ver Diagrama 4 abaixo) 20 Este segundo plano do esquema teórico de Veblen é uma espécie de molde (fôrma) dicotômico incorpóreo, para todas as manifestações, expressões, e objetivações da cultura pecuniária. Este molde dicotômico incorpóreo é, de fato, o ponto arquimediano de Veblen, pois é esta potência dicotômica, (as condensações das forças do primeiro Plano em dois afluentes divergentes, mas ambos presentes e atuantes), que irá orientar e conformar todas as expressões sociais do cotidiano econômico e cultural. Terceiro Plano – Plano material, corporal, formal, ou substancial; os objetos, produtos, expressões, configurações, organizações e manifestações concretas. Os objetos, os produtos, as expressões, as manifestações concretas das culturas pecuniárias são, assim, organizadas, moldadas e corporificadas pelas forças e vetores, propensões e sentimentos dos outros dois planos de impulsos e motivações vistos anteriormente, principalmente pela dicotomia das forças e motivações condensadas no segundo Plano (intermediário, A e Bp). E neste sentido, pela própria natureza da materialidade de suas manifestações, contém as características da estática do ´esquema geral´ de Veblen, vistas na 1ª. Parte deste ensaio.. ... Os bens são produzidos e consumidos visando a um desenvolvimento mais pleno da vida humana; e sua utilidade consiste, em primeiro lugar, em sua eficácia para conseguir esse fim. Primeiramente é esse fim a plenitude da vida do indivíduo encarada em termos absolutos. Mas a inclinação humana para a emulação se apossou do consumo de bens como instrumento de comparações invejosas, e em conseqüência revestiu os bens consumíveis com uma utilidade secundária; a prova da relativa habilidade para pagar. Esse uso indireto e secundário de bens de consumo empresta um caráter honorífico ao dito consumo, e, hoje em dia, também aos bens que melhor servem a esse fim emulativo de consumo. O consumo de bens dispendiosos é meritório, e são honoríficos os bens que possuem um apreciável elemento de custo em excesso daquilo que confere serventia à sua finalidade mecânica ostensiva. Os indícios de custos e dispêndios supérfluos nos bens são, portanto, índices de valia, de mérito ou de virtude, de grande eficiência para a finalidade indireta, invejosa, propiciada pelo seu consumo; e inversamente, os bens humilham, e são por isso pouco atraentes, se demonstram uma adaptação demasiado estrita ao fim mecânico buscado e não incluem uma margem de dispêndio onde se 21 basear uma complacente comparação emuladora. Essa utilidade indireta empresta muito de seu valor às “melhores” classes de bens. A fim de apelar ao senso educado de utilidade, um artigo deve possuir uma quantidade módica dessa utilidade indireta. (Veblen 1957 [1899], 111) Apesar de serem moldados sintética e essencialmente pelos dois afluentes do segundo plano teórico de organização vistos acima, analiticamente, todos os produtos e objetos das culturas pecuniárias são compostos por: 3 (três) elementos tangíveis; e 4 (quatro) forças incorpóreas. Os três elementos tangíveis serão aqui designados por B#, ´a´ e ´b´; e as quatro forças incorpóreas serão designadas por ´A´, Bp; A.1 e Bp.1. (ver Diagrama 5 acima) As explicações e as definições destas forças e elementos serão apresentadas, abaixo, utilizando-se diretamente um primeiro exemplo: um automóvel. 22 Exemplo n. 1: B# = um automóvel – O Novo ´vestuário´ (mecânico) do homem civilizado moderno B# A#B# = configuração material total do objeto; no caso, o automóvel em sua totalidade material. Em geral, nas configurações dos produtos e dos objetos das culturas pecuniárias, prodominam, claramente, os elementos emulativos, comerciais e pecuniários; por esta razão designo-os por B#. Se o predomínio formal e arquitetônico do objeto for funcional – como veio ocorrendo durante todo o século XX, por razões que escapam o escopo deste artigo, o objeto manifesta-se concretamente como A#, pois, conforme veremos adiante, apesar da funcionalidade formal, e mesmo substancial crescente de quase todos os produtos e objetos industriais do último século (XX), os sistemas de marcas e branding (em geral) continuam mantendo as intenções e os valores emulativos pecuniários. Para usarmos o mesmo exemplo deste item, um automóvel, o “the new volks beetle” (ver Figura A# acima) manifesta-se mais como A# do que como B# , isto é, possui uma configuração de eficiência dinâmica auto-motiva e mesmo mecânica enorme, embora continue a ser um objeto essencialmente pecuniário, isto é, a sua função primordial, manifesta (locomoção) provavelmente encontra-se deflexionada e subordinada à sua motivação latente, que é servir de objeto de ostentação. a = conjunto de elementos materiais concretos do automóvel que lhe permite operar a sua função manifesta, ostensiva e objetiva; são os elementos de serventia bruta material (brute material serviceability), ou seja a operação funcional do automóvel para movimentar pessoas, animais ou cargas (os pneus, os motores, as correias, etc.). b = conjunto de elementos materiais concretos do automóvel que indica reputação e status ao usuário ou ao proprietário. Tal conjunto de elementos fúteis e normalmente de desperdício conspícuo (material) explica-se pela norma do desperdício conspícuo e da reputação pecuniária, vistos anteriormente. São elementos de ´utility´ para o processo de emulação, competição, e obtenção de status (e não de prestação de serviços ou de crua e cândida ´serviceability´´) 23 A.1 = função manifesta do automóvel, isto é, o transporte. (o serviço, impessoal, a ser prestado); Bp.1 = motivação latente do automóvel, isto é, ostentar status e/ou demonstrar habilidade ou capacidade de pagar (a utilidade, privada, a ser usufruída); A = group-regarding-sentiments, ou (e.g.), o instinct of workmanship; (instintos e forças) provenientes dos planos espirituais, motivacionais e psicológicos que buscaram, objetivamente, ao longo da História e da evolução, facilitar a movimentação e o transporte dos Homens ou cargas (ou a adaptação ao meio; ou o ´sucesso biológico´); São estas forças instintivas que organizam os elementos A.1 e ´a´ do objeto; (nos planos mais ´concretos´) Bp = self-regarding-sentiments, ou (e.g.) a propensão à emulação predatória (dominante em culturas pecuniárias); São estas energias (deformadas de uma vital motivação de perpetuação, valorização e self esteem do indivíduo) que organizam os elementos B.1 e ´b´ dos objetos. Em resumo, podemos compactar as forças e os elementos acima, e afirmar que todos os objetos, em culturas pecuniárias, possuem: .(i) uma família de forças, propensões, instintos e elementos econômicos e industriais; elementos de serventia e eficiência brutas, funcionais para a plenitude da vida do indivíduo e do grupo; serviços a serem prestados; possuem uma ´utility in the first instance´. [ A ----> (A.1 e a) ] .(ii) uma família de energias, proclividades, inclinações e elementos comerciais, de utilidade circunscrita para o processo de emulação pecuniária, obtenção, elevação ou manutenção de reputação, status e apreciação individual; ´indirect or secondary use´; uma ´secondary utility´, que é precisamente a demonstração da capacidade de pagar. (ability to pay). [ Bp ----> (B.1 e b) ] 24 Exemplo n. 2: B# = Um Vestido de Baile B# B# = o vestido em si (na sua totalidade); a = elementos materiais concretos do vestido que fornecem funcionalidade, para a sua função manifesta (proteção e/ou conforto no vestir-se); b = elementos materiais concretos do vestido que visam demonstrar ´força pecuniária´, isto é, capacidade de pagar; A.1 = função manifesta do vestido de baile (o serviço a ser prestado; certamente bem reduzido) (ver ´a´ acima); Bp.1 = motivação latente do vestido de baile (utilidade a ser usufruída; certamente a quase totalidade do ´apparel´) (ver ´b´ acima); A = conjunto das forças tecnológicas históricas que moldaram a confecção e a tecelagem para a serventia humana; 25 Bp = conjunto de energias históricas (e de estoque de desperdícios e/ou futilidades atenciosamente elaborados e apreciados, que moldaram a confecção e a tecelagem para utilidade no processo emulativo e de elevação da reputação do usuário; hoje diríamos ... ´the Fashion Industry´; In human apparel the element of dress is readily distinguishable from that of clothing. The two functions - of dress and of clothing the person - are to a great extent subserved by the same material goods, although the extent to which the same material serves both purposes will appear very much slighter on second thought than it does at first glance. (Veblen 1998 [1894], 65 Ed. S.Bowman) Considerações Adicionais sobre o Vestuário como Expressão das Culturas Pecuniárias e a ´moderna´ Teoria das Marcas Comerciais, Branding, etc. Assim como muitos outros antropólogos, psicólogos, e teóricos sociais da época, Veblen estudou minuciosamente o vestuário, e a indumentária como um todo. Por exemplo, o capítulo VII (Dress as an Expression of the Pecuniary Culture) de seu mais famoso livro (The Theory of the Leisure Class - 1899), reproduz, e amplia, as reflexões de seu importante artigo de 1894 (The Economic Theory of Woman´s Dress). Porém, não foi curiosidade aleatória de Veblen a escolha do vestuário como objeto de atenção para a teoria econômica. O vestuário, como ele mesmo indica, sendo uma ´linguagem não verbal´, coloca em evidência, prima facie, as simbólicas ou reais condições pecuniárias do indivíduo. ... Outros modos de por em evidência a nossa situação pecuniária servem a seus fins com eficácia, e há muitos em voga, sempre e por toda a parte; mas o dispêndio com o vestuário leva vantagem sobre a maioria, pois o nosso traje está sempre em evidência e proporciona logo à primeira vista uma indicação da nossa situação pecuniária a todos quantos nos observam. (Veblen 1957 [1899],118-119; Ed. S.Bowman) Nestes trabalhos, Veblen apresenta, entre outras questões, três princípios que orientam o trajar-se adornadamente (dress formally), princípios estes coerentes com a sua norma do desperdício conspícuo e da reputação pecuniária: (i) conspicuous expensiveness (‘apparel must afford evidence of the ability of the wearer’s economic group to pay for things that are in themselves of no use to any one concerned’); (ii) ineptitude (”dress should not only be expensive, but it should also make plain to all observers that the wearer is not engaged in any kind of productive labor.” (Veblen 1957 [1899], 120); e (iii) novelty (“o vestuário não apenas deve ser conspicuamente dispendioso e incômodo; deve, ao mesmo tempo, estar na moda. …” (Veblen 1957 [1899], 122). 26 Tanto nos objetos como um todo, como no vestuário em particular, ´We find things beautiful, as well as serviceable, somewhat in proportion as they are costly´; ou, visto de outro ângulo, ´in order to be reputable it must be wasteful´. O que é importante ressaltar é que Veblen apresenta, em sociologia e em economia, a primeira teoria (coerente) acerca das mudanças das modas e dos estilos no vestir-se; e tal teoria é de suma importância para explicar nãoapenas a efemeridade essencial das modas e dos estilos, mas também todas as mudanças (inclusive tecnológicas) do sistema capitalista industrial moderno. (explicação esta válida, inclusive, para muitas ´mudanças´ das demais etapas da cultura predatória) Toda mudança de estilo, da moda, e dos demais aparatos do vestuário, encontra- se sob a vigilância e a orientação inevitável da norma do desperdício conspícuo e da reputação pecuniária. Assim, a busca de novidades sucessivas (como corolário da conspicuous expensiveness das culturas pecuniárias, isto é, a depreciação cerimonial acelerada das modas e das peças do vestuário, (para demonstrar capacidade de pagar), atrelada à instintiva propensão à eficiência (ou instinct of workmanship) que acompanha o Homem incessantemente, conduz a moda, os estilos, e as configurações em geral, para a sua essencial efemeridade. Isto porque os estilos e a moda, apesar de serem empurrados para um eixo de eficiência (ver Diagrama 7 abaixo), não permanecem ´jamais´ neste eixo, uma vez que a reputação pecuniária, condição essencial de apreciação social do indivíduo no grupo – continua prevalecendo e policiando qualquer desvio na direção de uma cândida funcionalidade; e logo então o novo estilo irá domiciliar-se em uma configuração que só aparentemente mostra-se como funcional, prática ou objetiva. O Diagrama 7, abaixo, mostra esta dinâmica cíclica paradoxal das sucessões dos estilos e das modas, em torno de um eixo de funcionalidade (absoluta) ´jamais alcançado´. 27 Além do processo cíclico das sucessões de estilos e modas, é interessante notar que, durante a vigência, aceitação, e disseminação de um certo ´estilo´ (que é a própria moda), o processo competitivo entre os indivíduos para a ostentação crescente dos caracteres que definem e compõem o estilo, leva a moda a manifestar-se cada vez mais como uma coleção de extravagâncias e barrocos; e o estilo, então, dado o grotesco explícito de suas manifestações, degenera e começa a desaparecer. Um dos princípios da moda parece ser o de que, uma vez aceito o exagero, ele se torna cada vez maior. (Laver, 1969-1982, 179) Para um motivo criador, capaz de servir como motivo de invenção e inovação no campo da moda, pode-se afirmar, de modo geral, que cada inovação sucessiva no setor da moda constitui um esforço para alcançar alguma forma de exibição mais aceitável ao nosso sentido de forma, cor ou eficiência – mais aceitável do que aquela que ela desloca.; ... mas como cada inovação está sujeita à ação seletiva da norma do desperdício conspícuo, o âmbito no qual essa inovação se pode efetuar é algo restrito. A inovação não só tem de ser mais bela, ou, talvez, menos freqüentemente chocante do que a inovação substituída (i.e., anterior), mas precisa igualmente ficar à altura do padrão perdulário e de dispêndio aceitável. Pareceria à primeira vista que o resultado de semelhante luta implacável para atingir o belo em questão de vestuário deveria ser uma aproximação gradual da perfeição artística. ... ou a forma humana. O padrão de respeitabilidade pecuniária requer uma demonstração de dispêndio supérfluo; mas todo desperdício repugna ao gosto inato. Já se indicou aqui a lei psicológica de que todos os homens ... e mulheres, detestam a futilidade, seja no esforço ou nos gastos ... Mas o princípio de desperdício conspícuo requer gastos evidentemente fúteis; e o dispêndio perdulário conspícuo resultante no vestuário é, portanto, intrinsecamente feio. Daí que, em todas as inovações de vestuário, cada detalhe acrescentado ou alterado se esforce por evitar uma imediata condenação, mediante a exibição de algum propósito ostensivo, ao mesmo tempo que a exigência do desperdício conspícuo impede que a finalidade dessas inovações se torne outra coisa que não um certo pretexto transparente. Até mesmo em seus vôos mais livres, raramente a moda se furta à simulação de alguma utilidade ostensiva. A utilidade ostensiva dos pormenores elegantes do vestuário é, entretanto um fingimento tão transparente e sua futilidade substancial em breve nos chama tão cruamente a atenção, que logo ele se nos afigura intolerável e, em conseqüência, buscamos refúgio em um novo estilo. Mas o novo estilo tem igualmente de se conformar com a exigência do desperdício e da futilidade bem conceituados. Essa, porém, se torna em breve tão odiosa como a do seu antecessor; e o único remédio que a lei do desperdício nos permite é procurar alívio em uma nova criação igualmente fútil e igualmente insustentável. Daí a feiúra essencial e a incessante mudança da moda em questões de vestuário. (Veblen 1957 [1899}, 122- 124) 28 A Pioneira Contribuição de Veblen para uma Moderna Teoria das Marcas, Brand-Names, etc. – Além de uma criativa e mesmo genial teoria da mudança tecnológica e dos produtos, Veblen forneceu as bases para uma complexa teoria das modernas marcas de comércio, indústria, e demais signos distintivos cobertos pela propriedade industrial. A propósito, embora não seja objeto explícito deste artigo, é importante ressaltar que o papel da propriedade industrial (principalmente das marcas e patentes) na teoria de Veblen é essencial; e, curiosamente, a expressão ´propriedade industrial´, sintetiza as duas forças divergentes de seu ´esquema´ teórico. Ou, como visto acima, [Veblen] argued that [modern capitalism] was inherently wasteful and his ideal was the exact opposite of the current society in which “the ulterior end sought is an increase of ownership, not industrial serviceability. (Edgell 2001, 8) Veblen percebeu que a exposição conspícua de elementos materiais (´b´) para a emulação estava sofrendo uma transformação importante em sua época (e no século XX); e de fato nos próprios estilos de vestuário, da moda, e nos demais produtos industriais e de consumo. Supunha Veblen que o instinct of workmanship, esta irrevogável força para a eficiência econômica bruta, estaria forçando uma economicidade e funcionalidade ´formal´, e mesmo substancial, nos objetos e processos, e que tal tendência faria com que os índices e indicadores de ostentação iriam ou poderiam domiciliar-se em outros ´lugares´ ou em outras expressões e práticas sociais (além da exposição habitual de enormes cabedais de desperdícios materiais). Estes ´novos´ índices ou indicadores, em linguagem simples e direta, podemos concluir, são as marcas de comércio e indústria, e demais signos que estariam indicando o good.will do objeto portado. E, por contaminação, elevando o good.will ou a reputação do usuário, e.g., de uma peça de vestuário. 29 A reputação (ou good.will) que o desperdício material (quantitativo) oferecia ao usuário, pela exposição conspícua da sua capacidade de comandar importantes quantidades de ´recursos econômicos´ materiais, logo dispendiosos, (isto é, seu capital [cabedal] tangível) concentrar-se-á, doravante, em um ´pequeno´ e sutil, quase incorpóreo, índice de força pecuniária: a marca de comércio ou brand name. Entretanto, este pequeníssimo índice de força comercial pode significar um imenso capital intangível, tanto para o indivíduo, como para as empresas comerciais, desde que concentre um estoque e uma potência pecuniária significativos. O importante para Veblen sempre foi explicar que o indivíduo, em culturas pecuniárias, necessita demonstrar, prioritariamente, força ou habilidade de pagar (e, adicionalmente, indicar que suas atividades associam-se ao processo ´aquisitivo – pecuniário – comercial´, e não ao processo ´produtivo ou econômico´ stricto sensu). Se esta indicação provém do ócio conspícuo, do consumo conspícuo de bens, da exposição de dispêndio conspícuo de elementos materiais que porta ou carrega consigo, ou de um índice ou marca absolutamente sutilde indicação daquela habilidade (desde que acompanhada de inerente prestígio pecuniário), a função latente deste comportamento ou exposição estaria operando em plenitude, i.e., a elevação de status e a comercialização do bom nome, sem a necessidade de excessos grotescos evidentes. Veblen sempre deixou claro que os indivíduos buscam não o desperdício em si, mas o índice que este desperdício opera na sociedade. It is not that the wearers or the buyers of these wasteful goods desire the waste. They desire to make manifest their ability to pay. (Veblen 1998 [1894], 70) E é exatamente isto o que as modernas marcas de comércio e indústria ´fazem´: indicam – não prioritariamente a funcionalidade do objeto ou processo, que é secundário, e nem mesmo a ´origem´ dos mesmos – mas sim a capacidade pecuniária do portador. É o prestígio e o good.will colados na ´Marca´ ´cara´ (dispendiosa) que é buscado pelo usuário-consumidor, i.e., o que o consumidor busca é transferir o good.will da marca/produto para si, e desfrutar, por contaminação e infecção, deste good.will, ostentando-o para os demais indivíduos do grupo. O Figura abaixo abaixo indica, então, esta novíssima e importantíssima função das marcas nas culturas pecuniárias. Notar, como visto acima, que o ´antigo´ aparato de desperdícios, de excessos materiais dos artigos de vestuário (e de inúmeros outros produtos) concentram-se (urbanizam-se), ´agora´, na marca (moderna). 30 Nos últimos cem anos, tem havido uma tendência perceptível, ... de abandonar os métodos de dispêndio e o uso de símbolos de ociosidade que seriam desagradáveis – símbolos que, em seu tempo, teriam servido para algum fim, mas cuja continuação nas classes mais altas da sociedade atual seria um trabalho supérfluo; ... Esses indices e outros, que se lhe assemelham na audácia com que apontam aos observadores a inutilidade habitual das pessoas que os adotam, foram substituídos por muitos outros, por métodos mais delicados ao exprimir um fato idêntico; métodos que não são menos evidentes ao olhar experimentado daquele círculo seleto cujo bom conceito é principalmente desejado. O método primitivo e mais cru da propaganda se manteve firme todo o tempo em que o público, ao qual o empresário ou exibidor tinha de apelar, compreendia vastas parcelas da comunidade não adestradas em captar as delicadas variações nas provas de riqueza e ócio. O método de propaganda sofre um requintamento sempre que uma classe rica e suficientemente vasta evolui – classe essa que goza de lazeres para adquirir perícia na interpretação dos indícios mais sutis de dispêndio. O vestuário “berrante” torna-se ofensivo a pessoa de gosto, evidência que ele é proveniente do desejo indevido de atingir e impressionar as sensibilidades deseducadas do vulgo. Para o indivíduo bem educado, o que importa é a estima honorífica que lhe é concedida pelo gosto cultivado dos membros de sua própria classe superior. Uma vez que a classe rica tanto se ampliou, ou que o contato do individuo da classe ociosa com os membros de sua própria classe se tornou tão vasto, de modo a constituir uma ambiência humana suficiente para as finalidades honoríficas, nasce uma tendência a excluir dela os elementos mais baixos da população, até mesmo na mera qualidade de espectadores cujo aplauso ou censura deveriam ser buscados. O resultado de tudo isso é um refinamento de métodos, uma utilização de dispositivos mais sutis, e uma espiritualização do esquema simbólico do vestuário. À medida em que a comunidade avança em cultura e riqueza, a ´habilidade para pagar´ é posta em evidência por meios que requerem progressivamente uma melhor discriminação do observador. Essa melhor discriminação entre os veículos de propaganda é com efeito um elemento da cultura pecuniária mais alta. (Veblen 1957 [1899], 130-131) 31 Assim, e como veremos com mais detalhes adiante, uma parte dos investimentos prioritários das empresas modernas ocorre em marketing, propaganda, ou qualquer outro artifício de exposição conspícua da imagem da empresa (até os mais sórditos, e.g. as campanhas de marketing da ´Red Bull´), i.e. nestas “fábricas organizadas de convencimento” (organized fabrication of popular convictions). O objetivo sistemático da estratégia empresarial moderna, portanto, como veremos no próximo item, é a elevação do goodwill como um todo (um dos itens mais importantes, senão o mais importante, de seu capital intangível), mais do que qualquer esforço de investimento na inovação tecnológica funcional. ! A B C D 32 Terceira Parte O Esquema de Veblen na Organização da Produção O Moderno Sistema Industrial (O Capitalismo Corporativo Financeiro) ...´mantendo ´buracos enlameados´ com a finalidade de cobrar dos demais para retirá-los dos mesmos.` Veblen foi o primeiro economista a fornecer uma teoria consistente sobre o funcionamento do moderno capitalismo financeiro (o moderno sistema industrial, como designou). Seu segundo livro, The Theory of Business Enterprise (TBE), de 1904, é um dos livros mais importantes de economia do século XX, e, juntamente com os dois artigos On the Nature of Capital (I e II), 1908, e seu último livro Absentee Ownership. The Case of América, de 1923, formam o conjunto essencial de reflexão de Veblen sobre o funcionamento das modernas corporações e o papel hegemônico destas nos destinos da civilização contemporânea. O objetivo deste item, entretanto, não é apresentar a imensa riqueza dos detalhes e conclusões contidos em TBE, mas unicamente demonstrar que toda a teoria de Veblen acerca das modernas empresas (business enterprises) segue, fielmente, seu ´esquema geral´ dicotômico. As grandes empresas produtivas modernas (as corporações, ou limited liability companies) possuem uma estrutura dicotômica em todos os seus principais aspectos. O aspecto industrial e produtivo ostensivo das mesmas encontra-se subordinado aos interesses comerciais e pecuniários dos Homens de Negócio Ausentes – os grandes e médios acionistas, que compõem, com outros estamentos ociosos da sociedade, uma kept class divertida, cuja atividade precípua é a acumulação de propriedades e não a produção de itens de serventia. Ou seja, os elementos funcionais e ostensivos das key enterprises modernas encontram-se subordinados (overlaid) aos elementos comerciais e às forças pecuniárias. Isto faz com que uma corporação moderna seja, essencialmente, uma business enterprise ou going concern, isto é, uma instituição onde os interesses financeiros são preponderantes. Uma típica corporação moderna possui a configuração (organizacional, jurídica, acionária, valorativa e produtiva) descrita no diagrama 8 a seguir, e a semalhança deste diagrama com o diagrama 1 (ver página 9) não é casual. 33 Capital nominal e Capital Efetivo - O capital de uma moderna corporação é um fundo de valores monetários, e compõe-se de 2 partes: (1) o capital nominal, ou patrimonial (cap), de interesse provisório para os objetivos últimos da corporação; e (2) o capital efetivo, ou business capital (cap^), que é o valor total que as ações da corporação atinge nas Bolsas de Valores ou nos mercados de capitais; também designado por ´market cap´. .(1) O valor do capital patrimonial ou nominal de uma corporação (cap) é um valor relativamente fácil de identificação e possui relativa estabilidade, pois vincula-se, majoritariamente, ao cabedal tangível das mesmas, e, de jure são os valores lançados nos balanços contábeis (patrimoniais). Porém, certos itens intangíveispodem ser contabilizados (conferidos ao balanço) por serem itens proprietários exclusivos, (isto é, exeqüíveis e penhoráveis). .(2) Por outro lado, o valor comercial das corporações (cap^), business capital, é um valor essencialmente instável, volátil, especulativo, fortemente vinculado aos ativos intangíveis das mesmas, principalmente ao goodwill, como veremos adiante. O capital de uma determinada corporação é ..., de jure uma magnitude estabelecida no passado por uma escritura de organização da companhia, ou pela emissão de títulos da companhia nos termos de sua escritura ... Porém, essa capitalização de jure é apenas nominal, e são raros os casos, se é que existem, em que o capital efetivo da companhia coincide com o seu capital de jure. Este seria o caso em que os títulos que representam o capital da companhia fossem cotados ao par na Bolsa. A efetiva capitalização de qualquer companhia moderna, quer dizer, a capitalização efetiva para efeitos comerciais correntes em contraposição aos requisitos formais do contrato de organização, é fornecido pelas cotações dos títulos da companhia, ou por qualquer avaliação similar, porém menos oficial no caso em que o capital da companhia não seja cotado na Bolsa. A capitalização efetiva (comercial) em contraste com a capitalização de jure, não é fixada, permanente e inflexivelmente, por uma escritura de incorporação ou de emissão de títulos. É fixada apenas provisoriamente, por uma constante reavaliação das propriedades da companhia, tangíveis e intangíveis, sobre a base de sua ´capacidade de rendimento´ (the earning capacity). (Veblen 1958 [1904], 70) 34 Este capital efetivo (business capital) cap^ é função de 3 variáveis: (1) (ea^) = a rentabilidade (lucro) total projetada do empreendimento (do going concern), isto é, a earning capacity of the going concern; e que significa, de fato, a capacidade putativa (suposed, reputed) da corporação de gerar lucros como um todo. Esta ea^ encontra-se apenas indiretamente relacionada à lucratividade industrial e operacional da empresa, podendo mesmo variar inversamente à lucratividade operacional, como e.g. no caso, de alguns anos atrás, da empresa Amazon.com, que manteve sucessivos ´prejuízos´ operacionais, mas ´excelente´ rentabilidade pecuniária e valor financeiro ou comercial; O valor de qualquer bloco de capital gira em torno de sua rentabilidade; ... e não de seu custo original ou de sua eficiência mecânica. É só de maneira mais remota, e por intermédio da capacidade de rendimento, que estes últimos fatores mencionados afetam de maneira sensível o valor do capital. Esta capacidade de rendimento do capital depende, por sua vez, não tanto da eficiência mecânica dos itens adquiridos e vendidos no mercado do capital, como da “tensão” do mercado por mercadorias. ... a questão da capacidade de rendimento do capital se relaciona primacialmente com sua eficácia para fins de ´vendibilidade´, e só secundariamente com sua eficácia no tocante aos seus préstimos materiais. Porém a rentabilidade que, por esse meio, fornece base para a cotação do capital negociável (ou para a capitalização em Bolsa dos títulos negociados) não é constituída pela sua rentabilidade passada ou atual, mas, antes, pela sua suposta e futura rentabilidade; de maneira que as oscilações do capital na Bolsa – a variável capitalização dos títulos em Bolsa – gira em torno de futuros acontecimentos imaginados. Todo capital lançado no mercado é por esse meio sujeito a intermináveis processos de valorização e revalorização – isto é, de capitalização e recapitalização – baseados em sua presumível capacidade de rendimento, por onde ele assume mais ou menos um caráter de intangibilidade. Porém os mais indefiníveis e intangíveis itens desse capital negociável são, ... os itens constituídos pelo “goodwill” capitalizado, já que estes representam ativos intangíveis desde o princípio até o fim. É sobre esse fator, o “goodwill” do capital, que incide de maneira mais imediata, a variação da presumível capacidade de rendimento, e este elemento apresenta as mais amplas e livres oscilações do mercado. As variações, no ativo capitalizado, do “goodwill” negociável são relativamente grandes e inconstantes, como o demonstram as oscilações das cotações das ações ordinárias. (Veblen 1958 [1904], 76) (2) (i) = a taxa de juros básica mínima da economia; e (3) (j) = um elemento especulativo fortemente presente. Assim, cap^ = f [ ea^, (i), (j) ] e calcula-se cap^ como: cap^ = ea^ / (i) 35 Por exemplo: se a taxa de juros mínima da economia for 0,05, e a rentabilidade projetada de uma corporação ea^ for $ 100.00, o valor pecuniário desta empresa cap^, isto é, o capital efetivo (business capital) da corporação, naquele ´instante´, no mercado, alcança, ficticiamente, o valor de $ 2.000,00 = [100,00/0,05]. Simplificadamente, isto equivale a dizer que o valor total das ações desta corporação ´alcança´, neste instante, o montante de $ 2.000,00 (pois 100,00 é a ´renda´ obtida (ou os ´juros´ obtidos) pela aplicação de um capital (fictício) à taxa de 0,05. Qualquer variação (real ou imaginária, ou manipulada) em ea^, em (i), ou nos ânimos dos jogadores, modifica, instantaneamente, o valor do capital efetivo da empresa cap^. Por exemplo, se ea^ agora projeta uma rentabilidade de $ 200,00, à mesma taxa de juros (i) de 0,05, o capital comercial da corporação cap^ eleva-se (i.e., dobra) para $ 4.000,00 = [200,00/0,05]; sem que tenha havido qualquer alteração, a princípio, nas operações industriais ostensivas da empresa. Ainda, se ea^ = $ 100,00, mas a taxa de juros (i) cai para 0,025, o valor pecuniário da empresa cap^ alcança os mesmos $ 4.000,00 A conclusão importante dos exemplos numéricos acima (os de maior simplicidade possível, e com algumas lacunas) é que as corporações modernas são avaliadas unicamente como unidades pecuniárias (aliás, assim como os ´indivíduos´), e quaisquer variações na taxa de juros (i), ou nas expectativas de rentabilidade ea^ (expectativas estas que incluem manipulações, contra-informações, e outros expedientes táticos profissionais dos captain of finance e demais players), modificam os valores pecuniários e/ou comerciais das corporações, sem qualquer indicação de variação, por exemplo, na serventia ou na eficiência industrial das mesmas; e, complementarmente, sem qualquer variação no capital (nominal) patrimonial (cap). Aliás, ´todas as coisas´ em culturas pecuniárias, são, então, apreciadas por suas perdas e/ou ganhos numéricos (quantitativos), e não avaliadas objetivamente pela serventia (bruta, impessoal) à vida ou ao bem estar econômico. A Capacidade de Rendimentos e o goodwill - O lucro projetado ea^ das corporações, por sua vez, é função, basicamente, das assimetrias empresariais obtidas ou comandadas, isto é, em essência, o goodwill lato sensu da empresa (GW). Em outras palavras, ea^ é função do ´grau de monopólio´ que a corporação possui e/ou exerce sobre o mercado, representado por propriedades e/ou posses de vantagens competitivas ou posições privilegiadas; sendo que os ´direitos exclusivos´ (totais ou parciais) ao mercado (a propriedade industrial e/ou comercial) são poderosas vantagens competitivas (e.g., concessões públicas, marcas, patentes, copyrights, etc.). Simbolicamente: ea^ = g [ vantagens diferenciais obtidas (exclusivas ou não) = intangible assets] 36 Em última instância: ea^ = g ( goodwill ), ou ea^ = g (GW) Nessa capitalização da rentabilidade, o núcleo da capitalização não consiste no custo da instalação, porém no ´goodwill´ do estabelecimento ... Goodwill é um termo bastante extensivo e, ultimamente, adquiriu significado mais amplo do que outrora ... Vários itens ... são geralmente incluídos sob o título
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