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Sonia Viegas Cidade Grega

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\
1
1
T
dad grega'
1 Il [um i lntrlgar 0 historiador 0 fato de que as cidades da antiga Grécia, frâgeis e
111\ Il \ III rias rn comparaçâo corn os grandes impérios da antigüidade, tenham
111\ K ill guardar tanta significaçâo cultural, constituindo 0 primeiro mornen-
hl 11\1 lJl 1 ncia histôrica do homem ocidental. Uma ligeira comparaçâo entre a
Id iii ri . < arcaica e um grande império da antigüidade, 0 egipcio, é suficiente
Il 'l'ir sua diferença radical. Ao contrario do povo egipcio, os gregos nâo
111'1" l'am pela monumentalidade, mas pela capacidade de traçar as linhas
.\1 mtlrlam 0 movimento histôrico de sua cultura, corn base numa progres-
11111 tizaçâo dos valores humanos que ela expressava. Na Grécia antiga, a
IIlt Il l ,( de pequenas cidades, cuja expansâo acarretava sérios problemas
âo social e politica, se fundava, inicialmente, ao tempo das realezas
impossibilidade de se ampliar a base religiosa familiar para uma co-
hl.liI 1 'Ill ultrapassasse as relaçôes tribais de parentesco. Esse fator contri-
a evoluçâo da cidade grega se orientasse no sentido de emancipar a
1 1 11i.1 t 1 do dorninio religioso- familiar, inserindo-se a polis num universo
1 gitimado pela razâo, A base religiosa da cidade-Estado grega clâssica
• d ssa forma, essencialmente diferente da base religiosa familiar; nâo
III 1 tulu omo ampliaçâo desta, mas como efetivaçâo, a nivel social, de um
1.. 1 ) pelo quaI a cidade deveria responder enquanto comunidade politi-
1 clâssica, a estrutura juridica da polis revelou-se capaz de inserir a
IIIhlllll(1politica na totalidade harmoniosa do real. Nâo foi a grandiosidade
1 Ii ,ilL mento das formas de poder, tampouco a ampliaçâo da dominaçâo
1'111I f' z da polis uma comunidade universal, mas a sua natureza de micro-
1 III nt nia e integrado corn 0 macrocosmo. Se a Grécia antiga nâo se con-
1111111111 mpério poderoso e unitario, edificou, em contrapartida, um sentido
Ilti il dl vida politica capaz de conferir à condiçâo humana uma razâo de ser
.tli llil vista Kriterion 71 (1978) p. 20-44.
91
92 Sônia Viegas. Escritos . Pilosofu: V/VII
no mundo (razâo que nossas megalopolis vêm progressivamente desfigurando,
des de que passaram a predominar, nas sociedades modernas, as relaçôes huma-
nas movidas pela troca de interesses).
Quanto ao império egipcio, apresentava uma estrutura politica fundada
em alicerces mitico-religiosos que penetravam muito fundo no espirito coletivo.
Sem submeter-se às particularizaçôes dos cultos familiares, coma acontecia na
Grécia antiga, a religiosidade estatal do império egipcio nâo se libertou, toda-
via, do esquema religioso familiar, constituindo sua gigantesca ampliaçâo: era
uma espécie de grande e indiferenciada farnilia, corn seu cuIto preponderante
destinado a um ùnico pai, simuItaneamente chefe politico e divindade religio-
sa. 0 faraé, identificado corn 0 deus (e, posteriormente, corn 0 filho predileto
do deus), conseguia personificar a força imperial e a hegemonia do Estado que
comandava. Sua natureza divina, qualitativamente diferente da de seus suditos
marais, era solidamente assegurada pelo poder militar e religioso do Estado,
Uma ordem social estâtica descansava sobre uma descontinuidade insolüvel do
poder e do saber entre a populaçâo. E, precisamente, na riqueza, no poder e no
saber centralizava-se a força organizadora do Estado, que era comandado por
uma pequena casta e materialmente mantido por toda a populaçâo. A unidade
estatal do império egipcio fundava-se, dessa maneira, na distinçâo qualitativa
entre a classe dominante, divina, e a classe dominada, submetida à força da na-
tureza e à humana imperfeiçâo da marte.
Roger Labrousse nos traz oportunos esclarecimentos a respeito da figura
do faraé, no império egipcio: "trata-se - diz ele - de um rei mago, de um deus
encarnado no quaI se concentram todas as forças sobrenaturais que animam os
homens e as coisas do Egito, as que ligam 0 pobre fellah aos espiritos bons e maus
e as que provocam as enchentes do rio. Isto explica a importância e a eficacia,
sobre todo 0 povo egipcio, da natureza mâgica dos ritos de regeneraçâo e de imo
laçâo simb6licas do soberano. Dai a dependência radical dos sùditos ao princip "
pois que é um individuo comum frente a este ser divino?" 2 A monarquia egip
, LABROUSSE, R. lntroducciôn a lafilosofia politica. Buenos Aires: Editorial Sudamerica 1111,
1953, p. 19-20.
1. 111, LubrotJss a
) < pr S nln OS IUlls '111'0 ~ \d!.rtl '.
il 1 Ivll/zo antigas' hier . _ a malCantes do lIniverso social
. arqlJlzaçao e lradicionali .
fllii 11111 nt magico-r 1" . smo. Revesbdas, porérn, do
e IglOso, tornam-se no impe" ,.
1 Il 0 \ d 'fi 'no eglpclO fonte d A bili, unr lcaçao estatal "A h·. 'e esta 1 1-
. lerarqUla descansa n d' Sl:- . .
1 III 'rp e entre 0 gove a 1 ancla mfinita que
rnante sobre-humano e 0
111"1111 lad ; a autoridad d . . governado proSl:rado em sua
e 0 pnmelro se funda ern 1
1 IIlldo. Algo que vern. a go que nâo é a vontade do
a ser, preCIsamente a tradi - .l'. 0 l " al deriva de seu 'lçao, pOIS0 caniter divino da
parentes co corn os deuses" 3 0 . ,.
1111 d Id garantidaenquanto' . Impeno egipcio teve Sua
se mantIveram unidos 0 od
111111 nvnrn apequen 'Sl: '. P er e o sabermagicos que
a an ocracia dlvinizada ern estreita r _
111I.d, 1\ de integraçâo d' '. elaçao corn 0 sobrena-
o Impeno acompanhara a .
1111 ,,' )IJ dïvinos.- progresslVa vulgarizaçâo dos
fin ntram-se e id, VI entemente na G ' . .
l ' recia antIga efi" 1/ los, de discrim' _. ' squemas de dominaçâo
maçao social e luta de poder Sob '
, 1111111111 11.0 se ausentou d id 1 . , . esse aspeéto, a miséria
01 ea de eqUlhbrio e de' Sl:'
111\, Il d 1pâlis, Mas nâo d' }U iça que moyeu a conSl:i-
se po e dizer que esses fat d .l'" Il,, d da cidade grega, 1 ores etermmaram a evoluçâo
, ne a comparecem corno um' .""1 mllavel pela Iing' reslduo de lrracionaIida_
uagem ullIversal das leis e dos valores » .
l"do na luta entre os l·nt. a ores eticos, centradoseresses mdiv'd' . '
,. 1111r mos moSl: ' 1 uars e os mteresses do ESl:ado.
rar, atraves de uma ra ida e . -
., HIt' ,como nos p p Xposlçao sobre a evoluçâo da
, equenos centros urbanos da Gr' . .
vu/neraveis, foram se A', ecia antlga, des centra-
con~Lltumdo valore l' .
Il Il 1 tint graçâo corn 1 hi s po iticos capazes de eSl:abe-
p exa e lSl:oncamente fértil entre _,
1 III,t 1 universo cult 1d . os tres polos fun-
ura 0 oCIdente: a esfera da id . '.
,II do 'valores mora' VI a mdlVldual, a esfera
ISe 0 mundo da natureza E
III. 11f{ido à sobrevivência b' . . m outras palavras: 0 pIano
asrca, 0 pIano espiritual1., dOI~valores cultural 1 b ' que traduz a efetivida-
mente e a orados' 0 1 d'
III 1/ 0 dado e que dey l ' P ano a mserçâo do homem
e ser cu turalmente reelaborad
'". ut, 0 processo huma d' 0 a firn de que 0 fazer
no e contmua auto-inven -
çao, possa harmonizar-se
1111, H, 1 53, p. 20.
, 1111 'II
" t 53, p. 20-21.
94 Sônia Viegas ' Escritos ' Filosofia Viva
com um todo cuja regularidade e coerência interior independem da presença do
homem no mundo
No principio, como todas as cidades primitivas, a cidade grega se conShtuia
através da formaçao de clâs. de grupOS familiares, onde dominava a figura do pai
e que se mantinha, sobretudo pela preservaçao dos vinculos de parentesco, As pri-
mitivas hordas dos povos aqueus, que chegaram à regiao da Grécia por volta do sé-
culo vinte antes de Cristo; os povos originarios dessa regiâo, os pelasgos, de cultura
rudimentar e em fase neolitica, que foram dominados pelos aqueus; a civilizaçao
cretense, que se expandiu pela Grécia e teve seu apogeu por volta de 175
0
-
1
45
0
antes
de Cristo, quando foi dominada peles aqueus; os imigrantes d6ricos, que domina-
ram a civilizaçao aquéia, por volta de1200 antes de Cristo, provocando a fug
a
de
realezas aquéias para a Asia Mener, através do Mar Egeu; todos esses povos que
contribuiram para a formaçao do povo grego e que constituiram as primeiras rea-
lezas. distribuindo-se pela Grécia continental e pelo litoral da Asia Menor. tinham,
na base de sua sociedade, a estrutura familiar fortemente estabelecida e patriarcal.
A cidade grega arcaica se constituia, pois, corn base nos vinculos de sangue: peque-
nos clâs familiares, cuja multiplicaçao se aglomerava em jratr{as e, finalmente, nas
tribos, onde dominava a aristocracia de sangue e de propriedade.
Nessa estrutura familiar, 0 culto dos mortos vai desempenhar um papei fun-
damental. Através dele, a existência aprisionada no imediato das necessidades e
no quinhao individual de vida, particularizada pelos interesses que se desdobram
no reduzido espaço das relaçoes afetivas, podera filtrar um sentido ético que es-
tabeleça uma continuidade e uma regularidade para a presença do homem grego
nomundo,Num certo sentido, a consciência da morte, da finitude da vida, identifica-s
com a autoconsciência que 0 ser humano desenvolve a partir de seu confronlO
com 0 mundo, ou seia. a consciência de que constitui um ser diferente da totalida·
de que 0 rodeia, cuja realidade se inscreve num tempo limitado e que nâo se reduz
a um momento do processo ciclico natural. Sob esse aspeéto, a crença na imor
talidade constitui, basicamente, uma tentativa de sobrepor à dimensao natura\ l'
fàtica da existência humana uma dimensao religiosa, a partir da quai a identidad '
do h rn m P ssa set assegllrada para além dos limit s imp S\. peles reCllrsO
Ia.Em todas as culturas, 0 ernbate c
a para a sobrevivência n_ om a morte é 0 desafio
, ao apenas fisica b
Il r (liais da humanidade ' ' mas, so retudo espiritual e
mais remota revelam h '
1 lude de sobrevivência cultural ' b 'l' que 0 omem sempre teve neces-
1
' SIm 0 ICa.Esta nec id d '
l' \110 da vida social nâo eSSI a e situa 0 humano no
, enquanto agregaçâo insti '
IIIIl z de conferir autonomi imb _ ntrva, mas enquanto entidade
l '1 a aos SIm olos. E nesse co t d
III que 0 culto dos mortos "" b 1 n exto e sobrevivência sim-
esta e eeeu nas s . d d
tlllltinuidade do humano A . b .' ocre a es gregas primitivas, uma
. SIm ologia ligada .,
l'tll homem grego a pri ' fi aos rituais funebres constituiu
, merra orma de situar-se num '
I"' ber-se como portador d 1 processo evolutivo, de
e va ores culturais .
11I11111 nto historico. mars amplos que 0 seu pr6prio
NaG' ' .recta arcaica, OSrituais funebres Ii ad '
IlIhl, eram fundamental te' , ' g os a crença na imortalidade da
men e familiares. Fustel de C 1
f IIIll1a grega era uma entid d li ou anges- mostra como a
a e re 19losa, autônom ' ,
1" l' pressavam seu peque ' , . a no que dizia respeito às leis
no umverso ètico ond l' d
1111 1 r rir, "0 pontifiee d R ' e as ers a cidade nâo poderiam
e oma ou 0 arconte de At '
1IIIIIIItn certificar-se se 0 pai d [; " enas - diz 0 referido autor -
_ e arnilia cumpria com t d '
1 • Ille Snao tinham 0 direito d Ih 0 os os seus ntos religio-
e e ordenarem a mais Ii .
1 domésticas de religiâo" "C d ". gelra alteraçâo nas suas
. a a familia tinha as suas ceri A •
pl ln , e do mesmo modo fi nmomas, que Ihe eram
as suas estas part' 1
1 cu hinos. S6 0 pai ùnico i t' ICUares, as suas f6rmulas de oraçâo
1
' rn erprete e unico po t'fi d
l' 0 poder de ensinâ-la n 1 ee a sua religiâo, é que
, e somente a seu filho, e nin' ,
1110 nas reg ras da sua reli __, guem mais podia ser ins-
19lao caseira, Os ritos, as alavr r
IlIIl s, tudo isso preenche d ,P as propnas da oraçâo,
, n 0 a parte essen cial desta li - ,
nIO,propriedade sagrada c' , re 19lao doméstica, era
que a familia com nin' ,
11\ smo proibido revela l "" guem partilhava, sendo
- os a estranhos","
lJm estreito vinculo ligava a fa l' . --1 ml la, a religiâo e a p ied
0, () oîkos (casa) grego era uma i , ,_ ropne ade. Sob esse as-
a instituiçâo religiosa fechada e est 't'a ICa,na quai
11'1.DE COULANGES A id d '
1 (
,CI a e antlga T d F
t Il ra,1971. ' ra . ernando de Aguiar Lisb L'. oa: rvr. Chis-
Il L E COULANGES , 1971, p. 41-42,
96 Sônia Viegas . Escritos . Pilosofia Viva
o culto dos antepassados se relacionava com 0 culto do fogo sagrado - 0 lar .,
simbolo da identidade moral e religiosa da familia, e com 0 enraizamento ddhl
na terra que recebia os corpos daqueles que encarnavam toda a tradiçao familiar.
Nessa organizaçao exclusiviSta, a religiao se transmitia de geraçao a geraçao. 0
pai, esclarece FuStel de Coulanges, "dando a vida, a seu filho. transmitia-lhe, do
mesmo passo, com a vida, a sua crença, 0 seu culto. 0 direito de manter 0 lar,
de oferecer 0 repaSto funebre, de pronunciar as formulas da oraçao. A geraçao
eStabelecia esse vinculo miSterioso entre 0 filho que nascia para a vida e todos
os deuses da familia. EStes denses eram a sua prôpria "Familia, theoi égg
eneis
;
eram 0 seu sangue, theoi ounaimoi. A criança ficava portadora, logo ao nascer,
da obrigaçao de adorâ-los e de lhes oferecer os sacrificios, assim como também,
mais tarde, quando a morte a tivesse divinizado, eStaria, ela pr6pria, por sua vez,
contada entre 0 numero dos deuses da familia",7 Lar, 0 fogo sagrado, evoluiu para
a deusa VeSta (heftia), que presidia 0 altar familiar, e que é uma personificaçao,
jâ baStante depurada, da dimensao religiosa e moral da identidade familiar sob a
égide da permanência: heftia "é 0 simbolo da vida sedentâria"; essa palavra, se liga
ao verbo grego hiftemi, que significa permanecer. "0 deus da familia - conclui
FuStel de Coulanges - quer ter morada fixa"."
É fàcil perceber que a base familiar da cidade grega arcaica conStituia urn
obStâculo à expansao da vida social. Os principios de tradicionalismo e hierar-
quia ai aparecem vinculados aos nucleos familiares, dos quais, como jà dissemos,
emergiram as realezas patriarcais com uma identidade ético-religios
a
similar-
mente fechada e exclusiviSta. Roger Labrousse chama a atençao para 0 fato de, na
antiga Grécia, 0 eStrangeiro ser considerado sobretudo, como um profano: urn
elemento externo ao corpo social que profanizava, com sua presença, a eStrutura
ético-religiosa da tribo, cuja organizaçao se fundava no culto dos antepassados
do lugar. "0 sisteme gentilico - diz Labrousse - é um circulo fechado ao quai
se acede apenas pelo direito de sarigue: eupâtridas ou patricios (os que têm pai)
se sucedem nas mesmas funç6es sagradas e repetem os mesmos atos rituais. 0
1 Ii S'l'{l.L TI ULANGES, 1971, p. 42.
"" S'l'HI. 1 11. l.ANES, 1971, p. 71.
o strangelro, é 0 profane: e 0 civismo é abso l'vente porque~II 1\ ho 01<\ 1$ qu
1 1 1-110 (»).~
N \ n'élida em que a realeza da G é . .,1 1 r cia arcaica e um l'-
IIIIII 1\ l' l'ri vada, sua expansâ . a amp iaçao da estruturao ameaçara os valores r l' .
1IIIIIUli que comandam a un' d d d e IglOSOS,a tradiçâo e a hie-
1 a e e parentesco Out [;
III l' politica deverâo pois t lb . . ros atores de consolidaçâo
, , con n uir para qu 1
dlhll no m mento em ti e as rea ezas garantam sua uni-
que iram sua substância de
1'1" «lo almente, tornar-se- . um elemento integrador que,
a, corn 0 tempo um obst ' 1
lill Il: l esfera da vida privada. ' acu 0 para a sua autonomia
I\s im vejamos: -. a congregaçao de varias familias f,
1111110 ci fratrias resuIt . _ ormou e fratria, e 0 con-
ou na associaçao tribal A f, -
1111 Iltulu a primeira forma de cid d _ . con ederaçao de varias tribos
l
a e. Nao se tratava de
fil 1 um sistema de co f, d _ um processo de fusâo,
n e eraçao, onde os cuItos e 1-
1111111 ciam diferenciados "A . as re açoes de parentesco
. SSlm como muitas fratrias st .
III hl 1 l'ibo _ esclarece F st 1d e avam unidas em1 u e e Coulanges -,muitas tribos d
Il Il cndiçâo de 0 cuIto de cad pu eram associar-se,
. a uma delas ser respeitado No di
Il 1 aliança, nasceu a cidade" 10 Pli . a em que nas-. ara e amente às reli . - c.
, III ularizadas um cult' 19lOesfamiliares e tribais
, 0 e um ntual mais abran d .Il III 'a confederaçâo a fi d gente evenam acabar surgin-
, m e expressar a vida co . . .
nlmnvem, mesmo que . munitaria e os ide ais que a
uma causa circunstancial (um d ..
Il K'rnplo) estivesse na' d po eroso inimigo comum,
ongem e sua constit . -
Il III Ils inspirada que f, C 1uiçao. Essa religiâo da cidade
osse na fechada religiosidade f l' '
l' lorma especifica de . _ arm iar, deveria apresentar
. . emanClpaçao do homem corn rela - ,
1 Il IIIniliar jâ constitui çao a natureza. Se a re-
lUuma transfiguraçâo ética dos .
Hl' de uma confederaçâo trib l' l' vmculos naturais, 0 que
a e a go mais que t
Il.1 Id de fato da existé . h a ransmutaçâo simbôlica da
encra umana, visto que 0 valor u 1
rem em associaç6es m' b q e eva os homens a se
ais a rangentes que as d t .
IIIrcntesco sugere uma f d ., A e errninadas por vinculos
orma e corisciência grupall , l' de natureza. sem qualquer similar nas
1 1III!) SE, 1971, p. 24·
III ,'HLDECOULANGES , 1971, p. 151.
A literatura grega dos séculos IX e VIII antes d risto" nos forn e ile
mentos para perceber coma a mediaçâo entre 0 universo religioso da famllia l'
o universo da vida politica se realizou, na Grécia arcaica, de modo a perrnitir
que a autonomia da cidade fosse garantida no momento em que as confedera
çôes tiravam ainda sua seiva das relaçôes particulares. Para tanto, a religiâo ligada
aos deus es da natureza fisica desempenhou papel fundamental. Paralelamente à
religiâo familiar, expressa no culto do fogo sagrado e no dos heréis, calcada no
mistério da morte, na preservaçâo da meméria dos antepassados e no enraiza-
mento ao solo, uma outra religiâo existia na Grécia, ligada ao rnistério da tota-
lidade do real, inspirada na luta incessante dos elementos naturais. Sua herança
mitica integrava a tradiçâo oral do povo grego desde tempos bastante remotos,
corn origem nas mais diversas culturas - cretense, egipcia, asiâticas - que contri-
buiram para a forrnaçâo do povo grego ou que corn ele mantiveram contato, No
processo evolutivo das confederaçôes tribais, dificil de precisar em termos crono-
lôgicos, os deuses da natureza fisica foram sendo progressivamente assimilados
pela organizaçâo tribal, tornando-se simbolos da vida coletiva. Ao contrario dos
deuses lares, libertaram-se do dominio particular de cada génos, adquirindo uma
estatura ética universal.
Um fator decisivo para a conquista dessa dimensâo univers al da religiào na
Grécia foi 0 caràter antropomorfico dos deuses da natureza fisica. Nâo se sabe se
o antropomorfismo religioso foi herdado junto corn os deuses mais antigos que
aparecem na tradiçâo grega ou se foi uma inovaçâo da cultura que os sistematizou.
n Cf. Homero (poeta jônio do sée. IX a.c.) e Hesiodo (poeta be6cio do sée. VIII a,C,), os dois
primeiros grandes representantes da literatura grega arcaica. A poesia grega funcionarâ
como linguagem capaz de sisternatizar 0 que é transit6rio e diversificado numa estrutu-
ra coerente e unitària. Através de uma narrativa magico-simbôlica, a poesia encaminha 0
mundo natural e 0 social para um sentido de totalidade. As poesias de Homero e Hesiodo
constituern as primeiras grandes tentativas de documentaçâo escrita da vida e dos simbolos
do povo grego; sâo manifestaçôes decisivas do momento em que esse povo, começando a
se pensar coma coletividade, revela a necessidade de unificar culturalmente as situaçôes
existenciais particularizadas e sem vinculo aparente entre si. Para a compreensâo da impor-
tância de Homero e Hesiodo, cf. SCHAERER, R. L'homme antique et la struâure du monde
intérieur. Paris: Payot, 1958; JAEGER, W. Paideia. A [ormaçâo do homem grego. Trad. A. M.
Parreira. Sâo Paulo: Herder, s.d.
, III pr d n inava, entre os r '111010 1 III 'US, urn politel mo naturallsl I,
III1 JO ipnr iarn os nomes de Z us, Il 'l'a, I\r' S, et . E se politeisrno se urique
\1 om 11vos deuses, provenientes das r ligiôes da Creta min6ica, da Aslu un
111101'\ lvllizaçâo grega, do Egito, das divindades subterrâneas pelasgas, Ii rnd:IH
III ultos agrarios. Um historiador da Grécia antiga, Maurice Croiset, consld 'fil
.luv loso que, nessa época remota, jâ fossem os deuses gregos tao nitidarn .ntc
IIllrIII morficos coma mais tarde se revelariam. "Sabemos - diz 0 autor -, por
'1 \ n unhas e por representaçôes figuradas, que as homenagens dos fiéis at os
"II mo t mpos do periodo aqueu se ligavam geralmente a objetos materiais, pc
dl l .pllares, arvores sagradas. 0 pilar duplo que se ergue à porta de Micenas, n-
III lois leôes, é significativo a esse respeito. Tais fatos nos dao a pensar que, pa ru
Il Il HU ns daquele tempo, a noçâo de divindade era, sobretudo, a de uma pot n·
, nvisrvel, sem forma definida, que podia residir em objetos deterrninados, s 111
1 onfundir corn eles"." Era, de qualquer forma, diz ainda Croiset, uma, religlt o
l'II1lb.l'bara que os gregos foram progressivamente aperfeiçoando. 0 que se sab "
1 IIIi\ rteza, é que a personificaçâo dos deus es gregos constituiu, a partir d s'
11111 milênio antes de Cristo, um fator peculiarmente decisivo, que contribulu
1'1"1 que as di fusas potências invisiveis, isoladas e confusamente materializad lN
III '1 mentos monstruosos ou em forças naturais, se congregassem numa grand'
""i\(liai esse agrupamento refletia, no piano ético-religioso, a sistematizaçâc do
'" rn ,cujas forças representavam. Gradativamente, passaram a simbolizar um
1111ver 0 de valores, transcendente ao homem e ao seu destine, cuja lei moral ru
1111i ntemente ampla para abranger a ordem (justiça) da natureza e a ordem d
1 Id 1 1 . Do politeismo naturalista da religiâo aquéia à configuraçâo do Olimpo
he 1 ni 0, vemos a força invisivel transformar-se em lei moral, expressando urn
ntldo de ordem e de justiça cada vez mais vinculado à exigência de encontrar
1I1111ugarpara a cidade no seio da harmonia universal."
1 1:1 ISET,M. La civilisation de la Grèce antique. Paris: Payot, 1943, p. 24.
" 1) P emas de Hesiodo exercera rn, sob esse aspecto, um decisivo papel. A Teogonia de Il
1010constitui a primeira grande sistematizaçâo dos mitos cosmogônicos. Como 0 prôprlo
nnrne 0 indica ttheo-gonia, de génesis) a Teogonia é uma genealogia dos deuses. He lodo
Il olhe os mitos da tradiçâo grega e os sintetiza numa unidade coerente que constüul o
100 Sônia Viegas. Escritos . Ptlosofia V/va
A beleza da religiâo grega ligada aos deuses da natureza fisica reside, a nosso
ver, nesse aspecto aparentemente paradoxal: constituiu uma forma de libertaçâo
dos vinculos de sangue, encampados pelas relaçôes familiares, no momento em
que tentava encontrar para a cidade uma integraçâo corn a natureza. 0 universo
simbôlico, transcendente ao homem, que ela constituiu, foi 0 primeiro passo para
a configuraçâo do sistema de normas e valores (éthos) que seria encarnado pela
cidade, nâo enquanto mera agregaçâo de tribos, mas enquanto corpo social uni-
ficado, dentro do qual cada homem encontrava sua identidade politica. A religiâo
ligada aos deuses da natureza fisica permitiu a transferência, para a mernéria co-
letiva, do espirito religioso que, nos cultos familiares, funcionava coma elemento
de eternizaçâo das relaçôes de parentesco. Do ponto de vista da cidade, 0 culto re-
ligioso significava, pois, algo mais que a preservaçâo dos vinculos de sangue. Sig-
nificava a preservaçâo de valores pelos quais cada homem arriscava sua prépria
vida, e. para 0 grego, um valor pelo qual yale a pena morrer possui uma natureza
eterna. Em face da precariedade da existência humana que 0 defende, esse valor
se alça a umadimensâo transcendente, encontrando sua morada na harmonia
univers al, no k6smos. Inserida no ponto de convergência entre a ordem universal,
representada pela religiâo da natureza, e a ordem particular de existência huma-
na, representada pela exotérica religiâo familiar, a cidade ganharâ sua prépria
fisionomia na medida em que conseguir encarnar a ordem universal, elevando
até ela 0 cidadâo, Essa posiçâo espiritual da cidade é decisiva para a compreensâo
do que a historia consagrou corn 0 nome de "milagre grego", e que constituiu,
basicamente, a conquista de uma realidade cultural inspirada numa legalidade
panorama geral do Olimpo, do mundo divino, onde a comunidade grega encontrava os
fundamentos eternos de seus valores ético-religiosos. Na Teogonia, a dimensâo poética a
que sâo submetidos os mitos os liberta de sua temàtica explicita (historias da vida dos deu-
ses) e os eleva a representaçâo simbélica de uma segunda mensagem, 0 reconhecimento
de uma legalidade interior ao cosmos. Sob a genealogia dos deuses, a Teogonia indica 0
mundo exterior, e é ele, na verdade, que eSta tentando organizar. Elaborando uma poética
do cosmos, Hesiodo delineia a espiritualidade que emana do mundo natural e configura 0
lugar dos valores capazes de justificar tanto as forças naturais quanto a existência humana.
Em seu poema, 0 cosmos aparece como um grande sistema em ebuliçâo, onde 0 equilfbrio
e a unidade se depuram e, finalmente, se libertam para servir de modelo espiritual (dike:
justiça) para 0 novo cosmos que ernergirâ do trabalho do homem: a polis.
A {'ltllltltiS/VIlII J 1
IIIlIv 1 Il ' ra 10/11\1. r 1 através da 1/1$ r t da sua c1dade numa grande ordem
Il III1 l, 'IL'> on~~Jtuia lima totalidade eterna e harmoniosa, que 0 povo grego
rrulv ·,'N )II~ u as lets de seu estado juridico.
L 1/1 arem os mao de esquemas para explicar a relaçâo que se estabeleceu en-
Il 0 h imem, 0 Estado e a natureza, na Grécia antiga, tentando acompanhar a evo-
III, 0 d idade grega. Um primeiro esquema, genérico, expressaria 0 vinculo es-
1 1 tu 1 ntre aphysis (natureza), ap6lis (cidade) e 0 éthos (valor transcendente):
ÉTHOS
(lei eterna no seio do real)
/ ~
PÛLIS PHYSIS
~KÛSMOS/
(harmonia)
fi polis e aphysis sâo os dois elementos que polarizam 0 éthos (transcendente).
1J .1111 ,em geral, a palavra 'transcendente' para expressar algo que estâ fora do
IIlhllt> da realidade concreta. Usamo-la, aqui, para expressar 0 que 0 grego enten-
.11i l'or 1 ieterna, imutâvel. Nâo uma lei que reside fora, mas no seio do real, dentro
1 unlureza, que ë concebida, pela grego, coma uma ordem racional,« Esta lei é
111111 ndente no sentido de que pré-existe ao homem. Estâ fora do homem, mas
Il Il do rnundo. 0 k6smos é harmonia, entendida coma todo 0 real. Dessa harmonia
l' III l, a aphysis, corn sua legalidade eterna, corn sua eterna regularidade. A polis
Il'"tUr também participar do kôsmos, e, nesse sentido, 0 grego procurarâ fazer da
"II um reflexo da physis. É preciso que apolis seja tao acolhedora para os valores
1 IIUIH quanto a natureza. A cidade, porém, tera de ser construïda, ao contrario da
Il IllIt zn, que jà esta dada. 0 homem grego sente dentro de si forças conflitantes,
1 liN ('N que germinam e violentam seu desejo de racionalidade e de harmonia e,
Il '1 sidade de justificaçâo da propria existência em face do universo vai de en-
1111110Il seu dilaceramento interior. A cidade buscara evitar que suas contradiç6es
l' l'Id, am e quebrem a harmonia que a realidade lhe demonstra existir,
Il,1 la arcaica, essa ordem é ainda sustentada pelo arbitrio dos deuses. A partir do séc.
1 1 ., vemos um esforço de se justificar racionalmente a legalidade do cosmos.
J02 Sil/lill v icgas . lisa//(}s . /://osojil/ V/VII
Vejamos, num segundo esquema, coma essa busca de universalidade se re-
alizava na Grécia arcaica:
UNIVERSAL
(mundo das virtudes)
~ _ Id~
TRADIÇAO - POLIS ~t Real
PARTICULAR
(mundo das necessidades)
COSTUMES E LElS
(éthos)
INTERESSES E DESEjOS
(physis)
A vida huma na é 0 ponto de encontro e de contradiçâe entre a esfera univer-
sal dos valores, a que 0 grego chamarâ éthos, e a esfera particular da exiStência,
confinada na vida familiar, onde germina 0 pathos. Ao contrârio do éthos, que
implica uma açâo de valor moral universal, 0 pathos implica uma açâo mergulha-
da na contingência. Pathos significa sentimento, paixào, sofrimento. Através da
linguagem universal da razâo. 0 homem dialoga com todos os homens. Através
de seu pathos, permanece incomunicâvel, mesmo que, a nivel familiar, consiga
normatizar sua afetividade. 0 grego percebeu 0 quanto uma profunda dor mo-
ral torna 0 homem solitârio e injuStificado na sua açâo. A dor somente dialoga
com outra dor, mas nâo se trata de um diâlogo onde prevaleça uma identidade
cornum, mas uma radical diferença. 0 fato de 0 hornem ser um ser patético, um
ser que sofre e tem consciência de sua dor, desloca sua linguagem do âmbito da
universalidade e a reconduz para 0 âmbito da particularidade, para 0 mundo da
solidâo subjetiva, onde apenas 0 individuo que sofre tem de haver-se com sua dor.
o grego percebeu que estava dividido entre esses dois mundos, 0 ético e 0 paté-
tico, 0 universal e 0 particular; entre uma exigência e uma situaçâo de fato, entre
um ideal e uma contingência. Nascida das confederaç6es tribais onde 0 espinto
comunitârio jâ se fazia predominar, a cidade grega arcaica, sobretudo a partir do
sée. VIII a.C; tentarâ reunir esses dois polos antitéticos, transfigurando a huma-
na condiçâo numa vida politica onde se efetivarâ um éthos.
A cidade tentarâ eStabelecer a conciliaçâo e, simultaneamente, a indepen-
dência entre os dois polos mencionados. A conciliaçâo. através da transfiguraçao
do pathos no éthos. A independência, através da rigorosa dtstrïbuiçâo da vida e
Il lass S S l, is. A ut nornla da famflla, om suas grandes propriedades, con-
tl'lluir. para que 0 mundo das necessidades se restrinja ao universo familiar, im-
p 'd 1ndo, dessa forma, que perturbe a isençâo e a universalidade da vida polîtica.
, l fam Ilia que cuidarâ da vida econômica; em seus latifùndios, os patriarcas têm
\ S gurada sua sobrevivência, e os escravos que trabalham em seus dominios,
d 'dl ando a existência à satisfaçâo de suas necessidades bâsicas e à de seus senho-
l' S, Jamais conseguirâo tornar-se cidadâos. A esfera econômica é restrita, dessa
h rrna, ao dominio familiar, à lei tnômos; da casa (oîkos).
e a familia encampa a esfera dos interesses e se, nessa mesma esfera, situa-
,'1 xistência particularizada, coma podera 0 patriarca ascender até a esfera dos
V Il r s polîticos? Em outras palavras: coma se fara a mediaçâo do patriarca no
1 Id dao, na realeza grega arcaica?
A primeira rnediaçâo se darà através da funçâo polîtica do patriarca. 0 chefe
d,' da da participa do governO da cidade, formando 0 grupo de senadores que,
111111 corn 0 rei, dirigem a vida püblica. Numa situaçâo de guerra, por exemplo, a
Id, ntidade politica do patriarca se tornarà mais relevante que sua identidade fa-
III Il, r. Ele transmitirâ ao Estado a força religiosa que alimenta seu da. 0 culto
,III intepassados, fechado dentro do impermeâvel mundo de cada familia, trans-
1"1 1 ir-se-a para a cidade, sob a forma do culto dos herois; constituirà um fator de
1'1'\ rvaçâo da vida coletiva, na medida em que 0 antepassado morreu em defesa
hl 1 clade.A religiosidade da cidade grega arcaica nâo funda, portanto, uma relaçâo
1 d! minaçâo arbitrâria ou mâgica. Éna mernôria coletiva que 0 ideal comunitârio
1lin olidarà, e a funçâo dos governantes nâo consiste em personificar a lei, mas
III 1/.1ministrar um bem publiee garantido por um éthos comum, cujo aval é asse-
"llld pelos elementos mediadores entre a famîlia e a coletividade: a tradiçâo oral,
IIflura do heréi e a possibilidade, para0 individuo, de imortalizar~se na tradiçâo,
111'"1 .ndo em defesa de sua pàtria. Garantida pelo culto familiar, a imortalidade do
IIIh pnssado estende-se ao Estado, universaliza-se no nômos e no éthos do povo.
herôi, a principio, configura-se coma 0 portador da virtude, a que os gre-
Il 1 hnrnavam areté. É a força do herôi, sua capacidade de encarnar a virtude que
1 1lvura, na consciência popular, a lei transmitida oralmente. No sée, IX-antes de
Il 10, s poemas homéricos expressam a força simbôlica do herôi para a cole-
104 S()IIIII vicgu«, HSI'I'I/os. Ill/oSO/JII VIIIII
tividade que 0 cultuava. Podemos dizer, corn Iaeger, que "Homero é 0 represen-
tante da cultura grega primitiva"." No momento em que 0 universo politico nâo
possuia ainda uma autonomia jurîdica e os valores da coletividade precisavam, de
alguma maneira, emancipar-se do fechado mundo dos clâs, a linguagem poética
de Homero oferece os elementos para a transfiguraçâo do pathos no éthos.
A Iliada tem coma enredo a guerra de Trôia. Independentemente da vera-
cidade hlstôrica dessa famosa batalha, a narrativa homérica coloca em cena os
costumes e 0 constante ambiente de guerra da Grécia arcaica. Homero descreve a
vida da aristocracia grega, e 0 sentido de honra e virtude (areté) que se depreende
de seus versos esta muito vinculado à honra do patriarca que abandonava seu clâ
para lutar pelos Interesses de sua pâtria. A importância de Homero coma educa-
dor advém, exatamente, do fato de haver realçado a significaçâo politica do herôi,
estabelecendo, sob forma poética, a mediaçâo entre a aristocracia de sangue e a
aristocracia da virtude. Na epopéia homérica, a aristéia (nobreza) traduz primor-
dialmente um Ideal moral. 0 heréi épico se destaca pela coragem, honra e justiça
que revela em suas açôes. Nesse sentido, a rnediaçâo poética, estabelecida através
da figura do herôi, depura a significaçâo de nobreza corn uma conotaçâo ética: 0
arisiôs nâo é nobre porque pertence a uma aristocracia Iatffundiâria, mas porque
conquistou um ideal de virtude, tornando-se "0 melhor dentre os melhores", É
enquanto tal que pas sara à posteridade, eternizado pelo canto do poeta."
Iaeger chama a atençâo para a raiz comum das palavras areté e arisiéia. Areté
significa honra e virtude, corn uma acepçâo inicial de habilidade fîsica. Aquiles
possui areté porque maneja bem seu escudo, é agil e certeiro no arco, bem pro-
porcionado e incansàvel na luta. Nâo reduzamos, porém, 0 sentido dessa virtude
às qualidades fîsicas do guerreiro épico. Estas se encontram na base de uma con-
duta justa e honrosa. Se 0 homem é falivel, débil, peredvel, deve aperfeiçoar ao
màximo sua capacidade de luta, a fim de merecer encarnar 0 ideal de virtude. 0
guerreiro é nobre na medida em que revela aptidôes fîsicas e morais para elevar-
" JAEGER, s.d, p. 60. Remetemos 0 leitor às paginas clàssicas de Iaeger sobre a funçâo edu-
cadora de Homero.
I~ JAIl ER, s.d. "Nobreza e areté".
A c/r/;,r/· SfCgll
1 urnn dlmensâo exemplar, digna da exemplaridade dos valores que defende.
l, nn n l'ci Ida 111que 0 her6i encarna, mediante um esforço que sera reconhecido
1111' Ioda a oletividade, um ideal de honra e de justiça, que se estabelece a sintese
11111" a miséria humana, 0 pathos mergulhado numa vida peredvel e angustiada,
1 Il Ih05 imortal e inquestlonavel,
J1 assim que,numa epopéia como a Iliada, podemos distinguir dois pianos
dl r alldade, que caraéterizam a oposiçâo Pathos / éthos (familia/Estado, paixâo/
Il 'v l', particularidade/universalidade) que deve ser unifie ad a no espirito da co-
li 1vldade. Num primeiro piano, situa-se a luta entre os dois povos - gregos e
III) III s. Num segundo, insinua-se uma luta mais sutil e mais conflituosa, entre
Il ul solo das paixôes e 0mundo do dever e da honra. Os dois pianos convergem
1',11 1 aûgura do heréi, e temos, na personalidade de Aquiles, sua representaçâo
1111 ( l'. A célera de Aquiles contra Agaménon, sua màgoa porque lhe fora recusa-
dll 1Il nra que julgava merecer, a angùstia desse grande guerreiro em face de sua
1 1IIId 1 1\0 de ser mortal quando deve arriscar a vida em defesa de ideais que nem
1Il '1 l' Ihe trazem glôrias visiveis, eis 0 subsolo que colore a açâo heroica de Aqui-
1 Il) longo da Iliada. Por outro lado, 0 sentimento do dever, a remincia à vida do-
1111 Il a, 0 constante embate corn a morte compôem a superestrutura que define 0
1111111 ortamento de Aquiles na sua dimensâo politica, enquanto existência votada
1Il 1 ificio. Em nenhum momento vemos 0 narrador da Iliada aventar um juizo
111111''' om relaçâo à vaidade, ao orgulho, ao arrebatamento de Aquiles. Homero
Il IKI\ que 0 proprio curso da vida do heréi se incumba de designar 0 sentido e a
IllIpOl'tância que suas caracteristicas pessoais terâo no conjunto de sua persona-
Ildlltl \ épica. A isençâo do narrador nos permite conduir que 0 teor moral de sua
nlu u Il,0 implica no repudio da imperfeiçào humana, mas, ao contrario, dela faz
11111 do elementos do binômio paixâo-dever, indispensâvel para que a realidade
lununna seja elevada a uma verdadeira dimensâo moral.
1 capitulando, podemos dizer que a epopéia exerceu um papel fundamental
Il medlaçâo entre 0 mundo familiar dos clâs e 0 mundo politico que começava a
IlilIIIg irar-se na Grécia arcaica. Sua narrativa exerce, a nivel màgico-simbôlico, a
Il \1 dl \ âo entre a existência particularizada e os valores eternos. Através da figura
d" 1I1'I'6i, nem a existência concreta se ausenta da p6lis, nem os valores politicos
1 6 S{)/IIII v,,"g/ls. uscrttos . fll/ost/jl/l V/V/I
permanecem abstratos e inacessîveis à imperfeita condiçâo humana. No itinerà-
rio épico do herôi jâ se delineia um sentido de destine, pelo qual somente a vida
politica poderâ resbonder, em ültima instância:
Visto através de um esquema vertical, 0 itinerârio épico do herôi aparece,
mais claramente, na sua dimensâo educadora e polîtica:
PLANa DA REALIDADE:
Esfera politica
(ESlado encarnando
valores universais)
Elemento mediador
Esfera familiar
(clâs, encarnando os vinculos de san-
gue e 0 mundo da necessidade)
PLANa DA POESIA ÊPICA:
Teor moral: (traduz a universalidade dos valores, reco-
nhecendo-os, através da açâo do heréi, na vida do povo)
t
Herôi (emerge do seio do povo, como seu representante
imortalizado, e eleva 0 povo até 0 mundo dos valores)
Historia (traduz as peripécias, emoçôes e circunSlâncias
da vida do povo).
Mas a pequena realeza evolui. A expansâo do comércio, as conSl:antes rela-
çôes corn outros povos, a impossibilidade cada vez maior de se impedir a entrada
de eSl:rangeiros dentro da confederaçâo tribal, tudo isso torna difîcil 0 controle
das flutuaçôes sociais, provocadas pelo surgimento de classes intermediârias de
comerciantes, marinheiros, aventureiros sem tradiçâo nem propriedade. A estru-
tura familiar que alicerçava a aristocracia politica vai se revelando insuficiente
para garantir a eSl:abilidade da vida social. As leis deverâo tornar-se impessoais,
libertando-se da tradiçâo, a fim de abrangerem a diversidade social que come ça a
verificar-se na cidade. Os valores eternos, que garantem 0 sentido politico da vida,
deverâo encontrar uma base social mais [ustificâvel que a aristocracia patriarcal
sobre a qual descansava 0 espîrito da nobreza da virtude. 0 universo dos valores
deverâ adquirir uma certa autonomia, tornando-se capaz de se autofundamentar.
A partir dos séculos VIII, VII antes de Cristo, 0 nômos da tradiçâo transformar-
se-à, pouco a pouco, no nômos juridico: a tradiçâo oral, vivificada pelo culto dos
A cldad« grogll 1 7
1111'P 1 N \ los pclo sentimento heroico, cede gradativamente lugar à lei escrita,
1IIIIdId 1110l'a i nalidade que a torna uma norma universal.
1 1 1 rsonificaçâo dos deus es que simbolizavam os valoresque regiam a
III Il III ésm ica univers al, espelho da ordem da cidade arcaica, à impessoalidade
Iii1VI lor xpresso na lei escrita, na palavra-fundamento (logos), eis 0 trajeto que
Il 1\ \ 1 1 grego deverâ realizar, a fim de conseguir a perfeita autonomia do mun-
dll poilU , ùnico capaz de garantir para 0 homem sua verdadeira moradia, que
Il 1 1lavra." "0 que implica 0 sistema da polis - diz Vernant - é primeiramente
11111l .xtraordinâria preeminência da palavra sobre todos os outros instrumen-
11\ do poder. Torna-se 0 instrumente polîtico por excelência, a chave de toda
1II1111'1cladeno Estado, 0 meio de comando e de dominio sobre outrern". "Era
Il fi Il ivra que formava, no quadro da cidade, 0 instrumente da vida politica,
Il 1 rita que vai fornecer, no plano propriamente inteleétual, 0 meio de uma
1111111'comum e permitir uma completa divulgaçâo de conhecimentos previa-
1111 lit ' re ervados ou interdites". "As mais antigas inscriçôes em alfabeto grega
'1"1 onheciamos mostrarn que, desde a século VIII, nâo se trata mais de um
,hl'I specializada, reservado a escribas, mas de uma técnica de amplo usa,
Il Il rn nte difundida no pùblico"."
1 %. H. "Antropologia e direitos humanos", Revista Eclesiâstica Brasileira 37 (1957) p. 17.
Il 11111r lembra uma passagem de Aristôteles a respeito da importância da palavra para a
• 1 Il, de uma esfera politica universal, na cultura grega: "( ...) nâo é a particularidade do
11i1I1I~'mcoma ser fisico ou coma ser biol6gico que se submete ao movimento de passagem à
1111 V rsalidade da existência politica. Numa pagina célebre da sua Politica, Aristôteles defi-
1111111 lrniravelmente 0 terreno no quai tem lugar esse movimento de universalizaçâo: 'Fica
.1., 1 t. pois, a razâo pela quai 0 homem é um animal politico em medida superior a qualquer
,llIlha. ou qualquer animal gregario. Dizemos, corn efeito, que a natureza nada faz em vâo,
11111, mtre os animais, apenas 0 homem possui a palavra (logos). É certo que a voz é sinal da
I" 1lit do prazer e por isso se en contra nos outros animais (pois a sua natureza se desenvol-
III III 0 ponto de ter a sensaçâo da pena e do prazer e de poder significa-la uns aos outros),
Il lit Il palavra é apta para significar 0 conveniente e 0 danoso e, portanto, 0 juste e 0 injusto.
1 tl 11propriedade peculiar do homem que 0 distingue dos outros animais: somente ele tem
'1" 1 pçâo do bem e do mal, do juste e do injuste e de outras qualidades desse gênero. ara,
Il -r- rn-comum de tais qualidades que constitui a sociedade dornéstica e a cidade".
'IUlNANT, J-P. As origens do pensamento grego. Trad. Îsis Lana Borges. Sâo Paulo: Difusâo
1111111éia do Livra, 1972, p. 34-36.
108 Sôuia vtegas . Escrttos . .fIllosoJia Vlvr/
Solon é a figura mais notavel dessa fase de transiçâo da realeza arcaiea para a
polis clâssica. No século VI antes de Cristo, empreendeu uma revisâo das leis are-
nienses onde tentou, nâo apenas fundar juridicamente 0 Estado corn base demo-
crâtica, mas também alicerçar 0 destine da polis na responsabilidade do homem.
Leitura indispensâvel para a compreensâo do alcance das idéias politicas de Solon
é a Paideia, de Iaeger,? Dela transcrevemos um pequeno trecho: "0 conhecimen-
to universal duma legalidade politica dos homens acarreta um dever de açâo, 0
mundo em que Solon vive jâ nâo deixa ao arbitrio dos deuses a extensâo que lhe
deixavam as crenças da Ilfada. Impera neste mundo uma ordem juridica estrita.
Assim, Solon tem de atribuir às culpas dos homens uma boa parte do destine que
o homem homérico aceitava passivamente das mâos dos deuses. Deste modo, os
deuses sâo meros executores da ordem moral, que por sua vez é identificada corn a
vontade dos deuses. Em vez de se limitar a soltar resignados lamentos sobre 0 des-
tino do Bornem e sua inexorabilidade, coma os liricos jônicos de seu tempo, que
corn nâo menos profundidade sentiram 0 problema da dor no mundo, Solon diri-
ge aos homens um apelo para ganharem consciência da responsabilidade na açâo,
e corn a sua conduta politica e moral oferece um modelo deste tipo de açâo, vigo-
rosa testemunho da inesgotâvel força vital e da seriedade ética do carâter atico","
Corn base na trilogia natureza-existência-valor, a partir da quai temos acom-
panhado a evoluçâo da cidade grega, tentaremos esquematizar a relaçâo entre
esses três referenciais da conduta do homem na polis clàssica:
POLIS (apogeu: sée. v s.c.»
ESTADO JURIDICO LOGOS (ciência politica)
Bias politikôs -, Kosmas/
NATUREZA LOGOS (ciência da natureza)
'. JAEGER, s.d, p. 161-175.
'0 JAEGER, s.d, p. 169.
1\ ('Ir/I/rll' }/r1'J1I/ 1
P l' b rnos, através do squ mo, 11 Idad l' allzando plenarnente 0 16gos.
un 10 11 ci finiçâo anstotéltca, h mem é zoôn politik6n (animal politico),
l' nuo d onv rgência entre uma ordem dada e uma ordem construida, A dialé-
Il 1do xtstência humana esté implicita na definiçâo aristotélica: 0 homem é poli-
1 1 1) P r natureza, 0 que nâo significa dizer que a cidade é natural, mas que é uma
Il '1 0 ,0 cuja .harmonia se enraiza no lugar por excelência do equilibrio, que é
1 pit' 1 . A vida politica faz 0 valor corn 0 fa ta de sua natureza politica. É coma
lit s ssemos: 0 homem é livre por natureza, mas 0 exercicio de sua liberdade
111111)· independente da ordem natural. A autonomia politica lhe permite exer-
Il 1 o principio da harmonia que traz dentro de si, através da palavra socializante
uulv rsal que é a lei, libertando-se, dessa forma, do dominio da necessidade e da
l'III Il ularidade a que esta confinado enquanto mero individuo,
A p6lis clàssica vai produzir uma ciência politica e uma ciência da nature-
III, unbas voltadas para 0 sentido de harmonia que, agora, pertence ao macro e
Il' ml rocosmo iphysis e polis). Uma fundamentara a outra, na medida em que
dl/l m r speito a um mesmo logos fundador. A ciência politica buscara justifi-
III \ 1 galidade da polis na legalidade natural, vista pela razâo coma unidade
11111 III a, onde cada elemento tem seu juste lugar no todo e 0 todo se reflete em
"il 1 1 mento. Por outro lado, a ciência da natureza sistematiza racionalmente
,,1/ '~Ina exata medida em que 0 logos fundador se efetiva na racionalidade da
l" Il , SIntese de natureza e cultura, detentor da palavra que traduz, em linguagem
uutvcr al iepistéme, ciência) a harmonia real que pode ser contemplada (physis)
,1 Il rrmonia Ideal que deve ser exercida (polis), 0 homem reencontra seu lugar,
11111 il lm nte perdido, na legalidade côsmica universal.
A p6lis sobreviverà na medida em que fizer valer a força dialogante da pa-
III, Ir, nsfigurando a individualidade do hornem-na comunidade politica uni-
1 III, Inicia-se a decadência quando os Interesses particulares nâo mais con-
1 «Ill para a unidade desse logos politieo. Num contexto em que a significaçâo
ututnrdial do sujeito é a social, 0 individualismo é, coma diz Platâo, um fator
1 uurupçâo, Os Interesses particulares minam a estrutura desse microcosmo
I" 1\ p6lis, e as tentativas platôniea e aristotélica de salvaguardar a substância
Il Il do social se revelam infrutiferas. Esvaziada de sua efetividade, a polis se
110 Sn,,11I Vll'}:(I;. t'scritns . 1,'J/osoJl(1 vlvn
distanciarà do modelo de natureza e do modelo de racionalidade que lhe davam
a justificaçâo e a universalidade, e 0 homem ficarâ à mercê de seu tràglco dila-
ceramento entre 0 plano real e 0 ideal, 0 fato e a exigência, 0 pâthos e 0 éthos. 0
divércio entre ap6lis e aphysis acarreta a dissociaçâo entre a ciência da natureza e
a ciência politica. Entre os dois mundos, 0 homem é um ser expatriado, que busca
seu exilio no plano exclusivamente ideal (Platâo) ou no seio da natureza (estôicos).
Ao fim do século V a.C; os sofistas enfatizam a decadência da polis, corn a tese
de que a ordem artificial da cidade, fruto da relatividade do conhecimento e dosvalores humanos, nâo expressa a verdade do homem, nem 0 conduz a qualquer
felicidade, impondo-se, ao contrario, tiranicamente sobre a lei da natureza e vio-
lentando os vinculos e tendências naturais, mascarando as diferenças e oposiçôes
que estas tendências impôern aos individuos, Sôcrates buscou, no daimon interior
do individuo, os prindpios morais que pudessem responder pela universalidade
da lei que a vida da cidade começava a desmentir."
Nâo obstante, as grandes sistematizaçôes da vida espiritual da p6lis se ve-
rificam no momento em que a realidade social evidenciava os obstaculos para
a efetivaçâo da sintese dialética - bios politik6s - que constitui a razâo de ser do
pensamento politico de Aristoteles. Sâo os sofistas os responsàveis pOl' toda uma
reflexâo filosôfica sobre a educaçâo, a cultura, a democracia que, até hoje, repercu-
te em nossa consciência histérica." Através dos grandes sistemas de pensamento
platônico e aristotélico, a civilizaçâo grega se incorporou definitivamente à nossa
cultura. Se, portanto, a consciência que a cultura grega revelou de si mesma, no
momento de desintegraçâo de sua estrutura politica, nâo conseguiu salvaguardar
a pôlis, nem pOl'isso 0 ideal politico da Grécia clàssica revelou-se menos verdadei-
l'O.A finitude do labor humano que edificou a p6lis nâo desmentiu a universali-
" LABROUSSE, 1953, p. 56-60. "A reforma da polis deve começar corn a reforma moral do
individuo e esta, pelo cultivo da razâo". "Aprédica socràtica, realizada nas ruas e sob os pér-
ticos de Atenas, sô pretende fazer sentir ao interlocutor que os elementos desta ciência da
vida [phronesis: sabedoria prâtica] ja se encontram inscritos em sua alma." "0 reforrnador
da polis concebe algo mais alto ainda que esta, a justiça, e por isso mesmo Sécrates acirra a
crise espiritual de seu tempo no momento em que pretende resolvê-Ia. 0 individualismo pe-
netrava na cidade pela porta do egoismo; agora se introduz também pela porta da virtude".
" JAEGER, s.d. P.3U-357.
lit/titille ~rc}:tt III
lude l' sun pl' SS< l'a lonal. 6 fez ante lpar a dlmensâo hlstorica que 0 16gos
nharta, na maturidade do pensamento politico moderno, quando 0 homem
Il '1' b u qu a razâo caminha no tempo, e sua trajetôria se compôe à medida que
-" avança além dos passos ja vencidos.

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