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ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO FRENTE AO CASO JURÍDICO “FAMÍLIA SCHURMANN” INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como perspectiva apresentar os princípios que regem as relações contratuais, em especial os princípios da relatividade dos efeitos do contrato e da boa-fé que irá fundamentar a relação jurídica no caso exposto. No primeiro capítulo há a apresentação dos princípios, bem como, análise interpretativa da doutrina para com os quais, em seguida a exposição do caso “Família Schurmann”, manifesto no Recurso Especial nª 1.546.140, na observância da apreciação dos princípios no caso concreto. Posteriormente, apresenta-se pesquisas jurisprudenciais com intuito de salientar a posição da jurisprudência em relação à compreensão e interpretação dos princípios expostos, concluímos. DAS ORIGENS DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS O Contrato pode ser definido como o acordo de vontades destinado a produzir determinados efeitos jurídicos, isto é, adquirir, resguardar, transferir, conservar ou modificar direitos, esses que, são designados às partes contratantes. Camila ( 2011, p.78) diz, também, que, “o contrato é visto como instrumento de circulação de riquezas”. Essa ligação entre contrato e relação econômica é tamanha que Roppo chega afirmar que sem a operação econômica a figura do contrato resultaria em algo abstrato e vazio: “ (...) é contudo, igualmente verdade que aquela formalização jurídica nunca é construída ( com seus caracteres específico e peculiares) como fim em si mesma, mas sim com vista e em função da operação econômica, da qual, representa, por assim dizer, o invólucro ou a veste exterior, e prescindindo da qual resultaria vazia, abstrata” ( ROPPO, p.09 ) É de suma importância que, o desenvolvimento da teoria contratual também diz respeito ao desenvolvimento da própria sociedade, a revitalização dos princípios contratuais como função social do contrato, a boa-fé objetiva, e outros, são fundamentos para construção de uma sociedade em que as relações obrigacionais sejam efetivamente mais justas e não apenas teoricamente justas, o que evidenciamos muito na realidade. Em breves palavras, podemos sintetizar que o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos tem por base o fundamento de que terceiros não envolvidos na relação contratual não estão subordinados ao efeito deste (res inter alios acta neque prodest). Assim, a eficácia contratual só é aplicável às pessoas que dele participam, pactuam. Santiago (2005, p. 39) elucida que “o estudo da relatividade dos efeitos dos contratos envolve a questão dos efeitos contratuais do ponto de vista subjetivo, ou seja, em relação às pessoas que esses efeitos atingem, no sentido ativo, passivo ou quanto à oponibilidade”. Dessa forma só estão obrigadas as partes contratantes, que vincularam-se pelo pacto contratual, acordo de vontades. Caso a obrigação seja personalíssima, não se transmite aos seus sucessores, não os vinculando. O princípio, numa acepção tradicional, gera efeitos apenas às partes dele participantes, podendo, em via de exceção, produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros não inseridos no vínculo contratual. No direito romano clássico, a natureza do vínculo obrigatório, se consistia em algo extremamente pessoal, exigindo desde então a relatividade dos efeitos do contrato. (“res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet”). Naquela época, havia também a impossibilidade de cessão entre vivos das obrigações, pois entendia-se que, somente os sujeitos que participassem pessoalmente e ativamente das negociações criadoras da relação jurídica, é que poderiam estar vinculados aos efeitos do contrato, e portanto, não era possível determinar aos terceiros a cumprir obrigações pelas quais eles não tivessem se pronunciado. A partir da revolução burguesa do início do século XIX o contrato passou a ter importância na realização dos ideais de aquisição da propriedade e para outros fins, como na revolução industrial. A noção tanto de liberdade e de igualdade foram símbolos daquela época, onde todos nasciam livres, nasciam iguais, porém com o passar dos tempos, verificou-se que essa ideia não era verdadeira frente ao ideário e aos abusos do capitalismo, principalmente sobre as trabalhadoras e trabalhadores operários Com as constantes mudanças, que vieram desde as sociedades primitivas até a sociedade atual, aponta-se a construção de grandiosos desafios aos juristas e aos operadores do Direito, na manutenção da coerência e do equilíbrio do nosso ordenamento jurídico. Construir o “novo”, em matéria de direito contratual, não pode e não deve significar destruir o “velho” , devendo haver convivência e ponderação de princípios contratuais clássicos, tais como o da força obrigatória das convenções (pacta sunt servanda), da autonomia privada (antes denominado de autonomia da vontade) e da relatividade dos efeitos dos contratos, com os princípios contratuais modernos (denominados por alguns de sociais), tais como o da função social dos contratos, da boa-fé objetiva e da justiça contratual (também denominado de equilíbrio contratual ou de revisão judicial dos contratos). Assim, Otávio Rodrigues Junior compreende que : “... é indispensável afastar uma espécie de posição pseudocientífica sobre os institutos e princípios do direito tradicional, quase sempre criticados pelo simples fato de sua antigüidade, num exercício estéril e reducionista de contraposição entre o velho eo novo, colocando-se este sempre em preeminência sobre aquele, sob o frívolo argumento de que as rerum novarum são, por si mesmas, melhores que as coisas do passado” ( RODRIGUES JUNIOR, 2004, p. 80) O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE CONTRATUAL NA ATUALIDADE Os contratos nascem do consenso recíproco, do acordo de vontades dos contratantes, fruto do princípio da autonomia privada, que lhes proporciona auto regulamentar seus próprios interesses, tendo em vista que ninguém pode dispor de mais direito do que seja titular, tampouco de coisa alheia. Refoge, portanto, à lógica jurídica, que terceiros, que não manifestaram vontade de contratar, e efetivamente não contrataram, possam ser beneficiados ou prejudicados. Em sua essência, e em sua natureza jurídica, os contratos, salvo exceções, configura, em regra, mero “direito pessoal” entre os contratantes, como aponta Maria Helena Diniz: “Em relação ao objeto da obrigação, a eficácia do contrato é também relativa, pois somente dará origem a obrigações de dar, de fazer ou de não fazer. Portanto, seus efeitos são a esse respeito, puramente obrigacionais, uma vez que apenas criam obrigações, ficando os contraentes adstritos ao cumprimento delas. Clara estáa natureza pessoal do vínculo contratual”. ( DINIZ, 2007, p. 116 ). Neste contexto, afirma Cesare Massimo Bianca que o contrato tem força de lei entre as partes, e não produz efeito em relação à terceiro, salvo nos casos previstos em lei, sendo necessaŕio restringir seus efeitos para apenas e tão somente as partes. Para Silvio Rodrigues: “o princípio da relatividade das convenções contém a idéia de que os efeitos do contrato só se manifestam entre as partes, não aproveitando e nem prejudicando terceiros, visto que o vínculo contratual emana da vontade das partes, tornando-se natural que terceiros não possam ficar atados a uma relação jurídica que lhes não foi imposta pela lei e nem derivou de sua vontade”. (RODRIGUES, Silvio, 2002, p.17). Mesmo não contendo norma jurídica expressa, a lógica que tem nosso ordenamento jurídico vigente acolhe o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, enquanto princípio contratual clássico. Efetivamente, considerando-se que cada pessoa é titular e possuidora de um único patrimônio, não se revela possível que disponha daquilo que não lhe pertença, sendo assim, ninguém pode dispor, nem contratar, afetando o patrimônio de terceiros que não tenham participado, por si direta e pessoalmente, ou através de representante, estando aí a razão e o fundamento, ao que parece, do princípio contratual acima referido. De acordo com Maria Helena Diniz: “O princípio da relatividade dos efeitos do negócio jurídico, o contrato não prejudica e nem aproveita a terceiros, vinculando exclusivamente as partes que nele intervieram, pois o ato negocial deriva do acordo de vontade das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo eficácia em relação a terceiro”.(DINIZ, Maria Helena, 2002, p.39). Na visão de Orlando Gomes: “O princípio da relatividade dos contratos diz respeito à sua eficácia. O que significa que seus efeitos se produzem exclusivamente entre as partes, não aproveitando nem prejudicando a terceiros .Para torná-lo compreensível, é indispensável distinguir da existência do contrato os efeitos internos. A existência de um contrato é um fato que não pode ser indiferente a outras pessoas, às quais se toma oponível. (...) Os efeitos internos, isto é, os direitos e obrigações dos contratantes, a eles se limitam, reduzem -se, circunscrevem -se. Em regra, não é possível criar, mediante contrato, direitos e obrigações para outrem. Sua eficácia interna é relativa; seu campo de aplicação comporta, somente, partes. Em síntese, ninguém pode tomar -se credor ou devedor contra a vontade se dele depende o nascimento do crédito ou da dívida”. (GOMES Orlando,1984, p.46). O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ Um dos princípios fundamentais do direito privado é o da boa-fé objetiva, cuja função é estabelecer um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais. No entanto, a boa-fé não se esgota nesse campo do direito, ecoando por todo o ordenamento jurídico, vale ressaltar nesta inicial que a cláusula geral da boa-fé objetiva sempre esteve presente nos ordenamentos jurídicos das sociedades, dos primórdios à atualidade. No Brasil se destacou expressamente nos códigos de Defesa do Consumidor e com o advento do Novo Código Civil. Perpetua-se uma tarefa muito árdua de interpretação da boa-fé objetiva, tanto no ordenamento como em sua aplicação no caso concreto. Assim, reconhecer a boa-fé não é uma tarefa fácil para as cortes de direito, como relata ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins, em que na análise do caso concreto “para concluir se o sujeito estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito, completa o magistrado”. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. O reconhecimento da má-fé exige prova robusta de sua existência que não ficou configurada no caso dos autos, falamos em presunção da boa-fé pois falamos de um comportamento esperado pela parte, por todos naquele caso. Nas constantes análises da doutrina observamos as diversas percepções sobre este princípio, quase sempre explanada como uma regra de conduta, “um comportamento em determinada relação jurídica de cooperação” (PEREIRA, 2003, p.20). Miguel Reale, na obra "A boa-fé no Código Civil" definiu boa-fé objetiva como: “A boa-fé objetiva, portanto, é uma regra de conduta que abrange as relações jurídicas principalmente na relação contratual. A boa-fé objetiva assume a função social do contrato, esta que rege todo o ordenamento jurídico civil”. Para Paulo Lôbo: “A boa-fé objetiva é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam” Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adotada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objetiva (confiança). Em sentido semelhante, explana Fachin: “A valorização da confiança corresponde a dar primazia à pessoa que está criando vínculos jurídicos, e propicia verificar que desencadenado esse processo, a chegada à conclusão de um contrato pode ser exteriorizada através de diversos modos, não sendo exigível, necessariamente, a formulação escrita, bastando o consentimento por atos e mesmo omissões juridicamente relevantes, pois o próprio silêncio pode apresentar valor jurídico quando a parte privar-se do dever de falar”. ( FACHIN 1998). A partir destas perspectivas, do que é a boa-fé objetiva, podemos apresentar a interpretação do princípio da boa-fé objetiva procumbindo sobre suas funções. Pode-se indagar como primeira função básica a Boa-Fé objetiva, como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, criando-se desta forma os deveres anexos aos da prestação contratual. Na concreção das relações e na interpretação dos contratos é observado a função interpretadora, segunda, pois a única forma cabível de análise de qualquer relação negocial segue a ótica da boa-fé objetiva, possibilitando observar o todo, ou seja, o negócio jurídico, da forma como foi acertado pelas partes envolvidas. A terceira função básica do princípio da boa-fé objetiva é ser limitadora do exercício, antes lícito, hoje não mais aceito, reduzindo desta forma a liberdade das partes contratantes no momento de elaborar as cláusulas contratuais. Quando falamos de boa-fé, como já dito, estamos nos referindo a um comportamentoesperado. Nos dizeres de Anderson Schreiber, a tutela da confiança nas relações contratuais atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. Em suma, segundo o autor fluminense, o fundamento da vedação do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objetiva. Mesmo antes de constar expressamente na legislação brasileira, o princípio da boa-fé objetiva já vinha sendo utilizado amplamente pela jurisprudência, inclusive do STJ, para solução de casos em diversos ramos do direito. CASO FAMÍLIA SCHURMANN Trata – se de um recurso especial, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, tendo como partes: Vilfredo de Oliveira Schurmann e outros, Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, Editora Grupo I Ltda. O recurso foi impetrado no STJ, sob a fundamentação do artigo 105 da CF, III, “c”, qual define: ¨é de competência do Superior Tribunal de Justiça; III, julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios quando denegatória a decisão; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”. A origem da ação se conformou quando a Editora Grupo 1 LTDA entrou com ação contra a Família Schurmann e Distribuidora Record de Produtos de Imprensa, alegando exclusividade no cumprimento de contrato, de edição do livro “A Mágica Viagem dos Guapos” que retrata a viagem ao mundo da família Schurmann, no veleiro Guapo. O objeto inicial do contrato se tratava de obrigação de fazer, que consiste em descrever as experiências da viagem da Família Schurmann a bordo do veleiro Guapo, porém houve mais dois contratos realizados, em que explicitava nas cláusulas que o Sr. Vilfredo era o titular do acordo de produção e autoria, e que o objeto do contrato seria apenas a produção do livro “ A Mágica Viagem dos Guapo”. A editora Grupo 1 LTDA, então alegava que no contrato havia a tratativa de ação de não fazer e declaratória de direito de exclusividade e pediu ação combinada por perdas e danos. Os fatos: as narrativas originas foram entregues para a Editora Grupo I, no entanto, por entender que estava ocorrendo demora na entrega dos originais do livro, Vilfredo ajuizou ação ordinária de dissolução da sociedade, e promoveu ação cautelar de busca e apreensão para reaver os originais do livro. Durante o período de tramitação desse processo a editora Record, lançou um livro chamado “Dez anos no Mar, Diário de uma Aventura”, sob a autoria de Heloísa Carneiro Ribeiro Schurmann. A Editora Grupo I ajuizou medida cautelar para suspender o lançamento e a divulgação do livro, sob o argumento de que este, narrava os fatos da família da mesma viagem e que havia um contrato de exclusividade entre as partes. Foi deferida liminar proibindo o lançamento e novas edições do livro pela editora Record. Segundo o relator (STJ) o recurso especial interposto por Vilfredo de Oliveira Schurmann e outros merece prosperar em parte, tendo em vista o acolhimento de determinados pedidos e outros não, que serão fundamentados a seguir. Em relação à ofensa aos artigos aos arts. 165, 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, que diz respeito à fundamentação do juiz, ainda que de modo conciso, acerca da análise das questões de fato e de direito. E que quando a sentença for obscura, contraditória e haver omissão do juiz ou tribunal, caberá embargos de declaração. Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso. Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito. (CPC 1973). No que se refere à relação jurídica do direito autoral, do objeto e do alcance do contrato de edição firmado entre Vilfredo Schurmann e a editora Grupo I Ltda. é resguardado pela Constituição Federal como direito personalíssimo, e abarca todos os direitos inerentes à produção da individualidade, por isso o tribunal interpretou que o direito autoral tem caráter subjetivo e está integrado ao direito à liberdade ou o direito à privacidade. O tribunal aponta que os contratos realizados por Vilfredo o qualificou como autor e o caracterizou como titular dos direitos autorais, mas, no entanto, a partir do contrato assinado em 31.10.1991 se definiu o título da obra “A Mágica viagem dos Guapos”, criando, portanto, a individualização obrigacional e o objeto de direito autoral, resguardada pela lei 5988-73, 6° vigente na época. A referida lei determina ainda que a regulação de cessão total ou parcial de direitos autorais devem ser devidamente escrita e registrada. A qual formulou entendimento do STJ que o objeto contratado fora apenas a obra “A Mágica Viagem dos Guapos” e não outra obra qualquer que também narrou os fatos da mesma viagem. Dessa forma se concluiu que não há vinculação obrigacional entre a contratação da senhora Heloísa e Editora Grupo I com Vilfredo, e nem a sua obra literária se submete a cláusula de exclusividade acertada no contrato. A lei n°9610-98, dispõe no artigo 3° que se “interpretam restritivamente os negócios jurídicos com direitos autorais”, o artigo 11 da mesma lei diz que os “contratos que vinculam direitos autorais especificam que o autor é a pessoa física criadora da obra literária, artística ou científica” Em relação a suposta configuração de uma sociedade familiar despersonificada, o relator entende que o argumento da editora de que o acordo feito pelo Vilfredo, vincula todos os membros daquela família, não se sustenta, pois não se identifica a prática de atividade comercial ou empresarial. O relator aponta que o código civil de 2002, artigo 987, houve a intenção do legislador em demonstrar que as sociedades despersonificadas não possuem personalidade jurídica, estabelecendo o registro dos atos constitutivos das sociedades como requisito para a garantia de personalidade jurídica. Diante disso o relator EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA votou pelo parcial provimento ao recurso especial interposto por Vilfredo de Oliveira SCHÜRMANN e outros para afastar a responsabilidade por suposta violação do contrato firmado com a Editora Grupo 1. Além disso julgou prejudicado o recurso especial interposto pelo Grupo 1 LTDA e negou provimento ao recurso especial da Distribuidora Record. Princípioda relativização do efeito do contrato à luz da decisão proferida pelo relator. No caso concreto, o contrato realizado entre a família Schurmann e a Editora Grupo I, foi originado na vigência do código civil de 1916. Porém quando foi interposto recurso especial, já estava vigente o código Civil de 2002. O Tribunal Federal de Justiça, no entanto entendeu que como o contrato foi celebrado na vigência do código de 2016, o caso em questão somente poderia ser julgado sob a interpretação do referido código. O princípio da relatividade dos contratos em si abrange a não interferência jurídica para terceiro. Conforme o texto do artigo 135 do código civil de 1916: Art. 135: O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de transcrito no registro público. Na situação concreta os direitos e obrigações contratuais a partir da interpretação da relatividade subjetiva dos contratos, que corresponde em restringir os direitos e obrigações apenas para aqueles que o pactuaram, de forma que a condição de exclusividade se estende somente a Vilfredo, bem como a obrigação da relatividade objetiva que consiste na obrigação de fazer, ou seja, descrever a viagem a bordo, especificamente, na edição do livro “A mágica Viagem dos Guapos”, o qual foi o objeto do contrato. Princípio da boa-fé à luz da decisão proferida pelo relator O Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 inseriram expressamente nos textos das legislações o princípio da boa-fé, como valores éticos jurídicos. É como indica o art. 422/CC 02 “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. O relator usou o princípio da Boa-fé, para questionar a alegação feita à Sr.ª. Heloísa, sobre o uso da má-fé na conduta do processo, o que foi reconhecido como inexistente pelo dito relator, pois não houve nenhuma prova que comprovasse tal afirmativa. Mesmo Heloisa tendo conhecimento sobre o contrato que seu marido realizou com a Editora Grupo 1 LTDA e mesmo a referida tendo estabelecido contato direto com o proprietário da editora, não configura que Heloísa fazia parte do contrato, tendo em vista que o mesmo só vincula as partes envolvidas principalmente em questões de direito autoral. Por não haver exclusividade acerca da narrativa da viagem no contrato, correspondente a toda família Schurmann, não há que se dizer que houve comportamento contraditório realizado com a Editora Grupo 1. Dessa forma, o relator conclui que a conduta de Heloísa não se caracteriza como má fé, e que ela apenas agiu conforme o exercício regular do direito. AS ANÁLISES JURISPRUDENCIAIS E CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante o exposto, busca-se demonstrar através da jurisprudência brasileira o entendimento acerca da aplicabilidade dos princípios ora analisado. Se estender o olhar à história do direito e sua aplicação nos casos concretos, se notará que a concepção do contrato sofreu grande alteração ao longo dos anos. Isso graças às mudanças na sociedade, aliás, o contrato passou a constituir instituto jurídico ensejador de crescimento econômico social, na medida que enseja a produção e circulação de riqueza. Deste modo, não se pode ficar alheio ao fato de que o contrato não visa mais albergar única e exclusivamente interesses estritamente particulares e meramente particulares dos próprios contratantes. Nota-se que que suplanta tal desiderato, ampliando seus horizontes para lindes mais magnânimos e valores mais elevados que visam a beneficiar à sociedade como um todo. É inegável que o contrato possa surtir efeito para além das partes contratantes. Cabe analisar como se dá esses efeitos e até que ponto tal intervenção na esfera privada dos terceiros é lícita. O princípio contratual clássico da Relatividade dos Efeitos deve ser revisto e relido no contexto social atual, uma vez que se constata a superação da tese “res inter alios acta aliis non nocet nec prodest”, ou seja, aquilo que é ajustado entre uns a outros não prejudica nem aproveita. Como adiante se mostrará, a jurisprudência brasileira não mais considerada a supramencionada concepção como um dogma absoluto, admitindo sua relativização, flexibilização e temperamento, de acordo com cada caso concreto. Partindo desse pressuposto, observa-se que, na maioria das decisões dos Tribunais a extensão dos efeitos dos contratos aos terceiros é estudada minuciosamente, pois há um entendimento consolidado, com base nos Princípios da Relatividade dos Efeitos, Boa-fé Objetiva e Função Social do Contrato, de proteção aos seus interesses. Como exemplo da referida racionalidade, se usará o Recurso Especial 468.062 CE 2002/0121761-0, o qual será analisado a seguir: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - FCVS - CAUÇÃO DE TÍTULOS - QUITAÇÃO ANTECIPADA - EXONERAÇÃO DOS MUTUÁRIOS - COBRANÇA SUPERVENIENTE PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, SUCESSORA DO BNH - DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE - EFICÁCIA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS EM RELAÇÃO A TERCEIROS - OPONIBILIDADE - TUTELA DA CONFIANÇA. 1. CAUSA E CONTROVÉRSIA. 2. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO – DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE – TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO. 3. SITUAÇÃO DOS RECORRIDOS EM FACE DA CESSÃO DE POSIÇÕES CONTRATUAIS. (...) CONCLUSÃO Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento. Conforme o exposto, observa-se que tal racionalidade clássica quanto aos efeitos do contrato serve de proteção aos terceiros, mas que também se relativiza hodiernamente, pois uma vez firmado o contrato, ele se interpõe à terceiros obrigando-lhes a não interferirem na esfera jurídica por ele tutelada. Outra variável, porém, se traduz na dilatação negativa dos efeitos do contrato, onde os efeitos decorrentes do acordo de vontades das partes é danoso ou prejudicial a alguém que é alheio ao contrato, dentre outras. É a situação do caso citado. Entretanto, não encontram-se casos em que tais efeitos que se estendam a terceiros e lhe sejam desfavoráveis sejam amparados pela jurisprudência. De tal modo, se tem a busca por limitá-los, recorrendo a este princípio e sempre valendo-se da boa-fé presumida. Embora mude-se a modalidade de contrato, nota-se que o entendimento remanescente é o mesmo. Assim, ao retornar o caso da família Schürmann, não há uma manifestação dosdemais integrantes da família em participar da relação contratual. Em que se pese, o contrato de exclusividade, além de ser realizado apenas por Schurmann, não condicionava toda produção oriunda da viagem como pertence à Editora Grupo 1 LDTA, ou seja, fora o livro “A Mágica Viagem do Guapos” nada mais pertenceria a supracitada editora. Deste modo, se evidencia uma grande margem de produção aos demais membros da família, uma vez que todos participaram da aventura ao longo destes dez anos. Caso a decisão em apreço tivesse optado pela presunção de que os efeitos do contrato se estendesse a família toda, ocorreria a violação do princípio da livre iniciativa, uma vez os demais membros da família estariam proibidos de produzir suas próprias obras e comercializá-las livremente, culminando numa dilatação danosa dos efeitos do contrato inicial. O Princípio da Livre Iniciativa está previsto na Carta Magna no artigo 1º, inciso IV, e introduz um modelo econômico, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, sem exclusões nem discriminações. Segundo Celso Ribeiro Bastos, a livre iniciativa é uma manifestação dos direitos fundamentais, de modo que o homem não pode se realizar plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. A esse respeito, a jurisprudência brasileira mostra-se bastante fértil no sentido de estudar a sua aplicabilidade nos casos concretos, de forma a não violar os demais ditames do Estado Democrático de Direito, como por exemplo no caso a seguir: APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. ORDEM ECONÔMICA. Livre iniciativa. Direito de propriedade. Intervenção do poder público na ordem econômica. Suspensão de reajuste de valor de atividade privada pelo PROCON Campinas. A apelante alega ofensa ao princípio propriedade privada, livre concorrência e livre iniciativa. Admissibilidade. A ordem econômica se fundamenta na livre iniciativa e se baseia na livre concorrência e propriedade privada. Cabe ao Estado intervir na atividade econômica em caráter indicativo ao particular. Recurso provido. Desde que tal ato de livre iniciativa não configure um abuso ou violação ao direito dos demais cidadãos, ele não deve ser impedido. Desta breve análise da jurisprudência, levando-se em consideração os limites de acesso aos processos e casos referentes à temática, conclui-se que o entendimento adotado não é mais da absoluta aplicação de um dado princípio, mas sim do estudo do caso concreto e a forma em que o princípio incidirá naquele contexto. Os princípios da relatividade dos efeitos do contrato, da boa-fé objetiva e da livre iniciativa são aplicados no sentido de proteger os interesses dos terceiros, porém sem ignorar que os contratos atuais influenciam para além da esfera dos contratantes, podendo ter um efeito benéfico ou na pior das hipóteses, representando um malefício àqueles alheios à relação contratual. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. AZEVEDO, Antônio Junqueira. A boa-fé na formação dos contratos. Revista Direito do Consumidor, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais. 1992. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 16. BATALHA, Augusto Rafael. SECOMANDI, Milene Torres Godinho. Efeitos Ultrapartes dos Contratos - Terceiros. Revista do Curso de Direito da Universidade de Braz Cubas . Curitiba, v. 1, n. 1, mai. 2017. 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Apelante: CONDOMÍNIO CIVIL DO SHOPPING CENTER IGUATEMI CAMPINAS, e apelado DIRETOR DO PROCON DE CAMPINAS.<https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/121946193/apelacao-apl-52057620 118260114-sp-0005205-7620118260114> CERVO, Ferando Antonio Sacchetim. A livre iniciativa como princípio da ordem constitucional econômica. Análise do conteúdo e das limitações impostas pelo ordenamento jurídico. Artigos revista Jus.com.br. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26778/a-livre-iniciativa-como-principio-da-ordem-constitucional-e conomica> COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. v.3. FACHIN, Luiz Edson. O “aggiornamento” do direito civil brasileiro e a confiança negocial. Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Luiz Edson Fachin (coordenação): Carmen Lucia Silveira Ramos ... [et all]. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. 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