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Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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UNIDADE I – PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO CONTRATUAL 
 
1. INTRÓITO 
2. PRINCIPIOLOGIA CLÁSSICA DO DIREITO CONTRATUAL 
2.1 PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO OU DA AUTONOMIA DA VONTADE 
2.2. PRINCÍPO DA LIBERDADE CONTRATUAL 
2.3. PACTA SUNT SERVANDA OU FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS 
2.4. RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATUAL 
3. A REPERSONALIZAÇÃO OU A DESPATRIMONIALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL. 
4. PRINCÍPIOS SOCIAIS DOS CONTRATOS 
4.1. PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA MATERIAL 
4.2 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. 
4.3 PRINCÍPO DA BOA-FÉ OBJETIVA 
 
1. INTRÓITO 
 
O Estado Liberal clássico, predominante ao longo dos séculos XVIII e XIX, impulsionado 
em razão do desenvolvimento do comércio e da ascensão da classe burguesa, teve seus ideais 
refletidos na concepção dos contratos e justamente nesse contexto foi concebido aquilo que se 
convencionou denominar de principiologia contratual clássica. 
 
Contextualizando o tema, RODRIGUES (2014, p. 548) observa que foi a Revolução 
Francesa que marcou o inicio do Estado Liberal, o que se deu pelo enfraquecimento do 
feudalismo e, num aspecto sensivelmente privado, pela extinção da propriedade parcelada 
(domínio direto e domínio útil), sua marca na relação vassalo-senhor feudal, fazendo surgir um 
novo modelo de relação privada liberal-individual, cujas raízes são encontradas no jusnaturalismo 
racionalista e na filosofia liberal. 
A preconização de uma igualdade meramente formal, o individualismo, o acentuado – 
porém não absoluto – abstencionismo estatal, além do reconhecimento da propriedade privada, 
da livre iniciativa empresarial e uma cultura favorável a uma economia de mercado, marcaram 
fortemente a compreensão jurídica do contrato nesta fase histórica. 
 
Referindo-se à ideologia jurídica do período histórico em comento, especificamente em 
relação ao individualismo a que se deu destaque linhas atrás, José de Oliveira Ascenção (2010, 
p.21) explica que a satisfação individual era motivação suficiente. Os prejuízos que eventualmente 
se trouxessem a terceiros e o desequilíbrio das posições eram em geral relevados sob a alegação 
de uma teórica igualdade de oportunidades, de tal modo que somente os atos emulativos foram 
condenados, com a formulação subsequente da teoria do abuso do direito. 
 
Anota Paulo Lobo (2011, p.39), que os Estados liberais, notadamente a partir das 
revoluções americana e francesa, incorporaram em suas constituições o ideário liberal burguês, 
pregando a plenitude da autodeterminação individual e a ausência de controle da atividade 
econômica por parte do Estado, inclusive em relação às atividades contratuais privadas. A 
ausência de previsão constitucional sobre a liberdade contratual correspondia, pois, à concepção 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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de que “a mão invisível” do mercado daria conta do equilíbrio dos interesses privados, sendo 
despicienda a interferência do Estado, de tal sorte que a minimização deste e a maximização da 
liberdade individual e contratual passaram a ser lugares-comuns. 
 
No mesmo sentido, Fayga Bedê (2004, p. 36) explica que, na concepção liberal do Estado, 
ainda sob o ponto de vista econômico, tem-se como nociva a ingerência exacerbada do Estado 
no domínio econômico, posto que contrária à natureza das coisas. A autora prossegue 
destacando que, em resumo, o Estado Liberal está assentado sobre: i) o princípio da limitação da 
intervenção estatal; ii) a liberdade do indivíduo e iii) a crença na superioridade da regulação 
espontânea da sociedade, cabendo ao Estado exercer tão somente o papel de um protetor de 
direitos que se vale do monopólio dos meios de violência física (exército e polícia) e do poder 
jurídico (direito e justiça). Por fim, conclui o seu raciocínio observando que, a desnecessidade de 
se chamar o Estado a intervir nas relações entre particulares, decorria logicamente do pressuposto 
da igualdade entre os indivíduos. 
 
Assim, ao Estado competia tão somente velar pela segurança das pessoas e proteger a 
propriedade, não lhe sendo dado intervir nas relações travadas no âmbito social, nas quais se 
supunha que indivíduos formalmente iguais perseguiriam seus interesses privados, celebrando 
negócios jurídicos (SOUZA NETO e SARMENTO, 2012, p. 78). A atuação do Estado nas 
relações econômicas privadas se dava, pois, de modo limitado e seu papel, no que pertine à 
regulação das relações privadas por meio do Direito, traduzia-se na criação de condições mínimas 
e essenciais ao exercício pleno da liberdade econômica, que encontrava limites, porém, no 
exercício da liberdade dos outros. 
 
Ademais, a expansão do comércio e da indústria colaborou para o amadurecimento da 
concepção de produtivismo ou de patrimonialismo, que passou a ser um valor marcante nas 
relações privadas e, para que os indivíduos cumprissem seu papel, colaborando para a evolução 
da sociedade e da economia, o cenário de liberal acima descrito apresentava-se como o ambiente 
ideal. 
 
Nesse sentido, o enfoque do Direito recaiu naturalmente sobre o objeto da relação jurídica 
em detrimento dos sujeitos que a compõem. A prioridade passou a ser, pois, a satisfação da 
prestação obrigacional, não havendo maiores preocupações com a preservação daquilo que 
posteriormente passou a ser denominado de direitos da personalidade. O enfoque no 
cumprimento das obrigações livremente pactuadas e, portanto, quase absolutamente obrigatórias, 
mostrava-se oportuno para o momento histórico, na medida em que ia ao encontro da ideia de 
segurança jurídica invocada pelo positivismo que então imperava. 
 
Explica TIMM (2015, p.82) que o modelo de contrato clássico, fundado na 
autodeterminação ou liberdade individual, entendia os contratantes como essencialmente iguais 
no plano formal, harmonizava-se com a teoria do Direito Subjetivo – aqui compreendida como 
poder do indivíduo de fazer ou deixar de fazer algo – que, por sua vez, se entrelaçava à ideia de 
direito de propriedade que, nesse contexto, era concebida igualmente livre. Logo, se o homem é 
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David Accioly de Carvalho 
 
 
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livre para dispor de sua propriedade, por óbvio havia de ser livre para contratar, visto que o 
contrato é mecanismo de circulação de bens e serviços por excelência. 
 
Na síntese de TIMM (2015, p.71) o modelo liberal de contrato é orientado pelo padrão 
seguinte: i) regulação da oferta e da aceitação por meio do consenso; ii) concebido como ato de 
vontade; iii) flexibilidade quanto aos requisitos formais para a formação do vínculo; iv) ausência 
de controle de conteúdo do contrato, salvo referência às cláusulas gerais, como bons costumes e 
ordem pública; v) previsão de anulação do negócio por vícios do consentimento ou socais; vi) 
ausência de mecanismos de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato ou 
qualquer outra forma de revisão judicial dos pactos. 
 
2. PRINCIPIOLOGIA CLÁSSICA DO DIREITO CONTRATUAL 
 
Dentre os princípios que nortearam as relações contratuais no momento histórico de 
predomínio do Estado Liberal, destacam-se três: a liberdade contratual; a força obrigatória dos 
contratos e relatividade dos efeitos dos contratos, os quais serão analisados adiante. Antes, 
porém, algumas considerações acerca da autonomia da vontade. 
 
2.1 PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO OU DA AUTONOMIA DA VONTADE 
 
Realizando-se uma análise etimológica, observa-se que autonomia é expressão de origem 
grega, equivalente à αὐτονομία, é formada por αὐτος, que significa próprio ou si mesmo, e νόμος 
que significa lei, norma ou regra, podendo ser traduzida, assim, como norma própria derivada da 
vontade. 
 
Clóvis do Couto e Silva (2007, p. 24), em sua tese de livre-docência pela Faculdade deDireito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, originalmente apresentada em 1964, 
confere à autonomia da vontade, sentido lato, enxergando nela a essência mesma da formação de 
toda a ordem privada, conforme se depreende do trecho abaixo destacado: 
 
Entende-se por autonomia da vontade a facultas, a possibilidade, embora não 
ilimitada, que possuem os particulares para resolver seus conflitos de 
interesses, criar associações, efetuar o escambo dos bens e dinamizar, enfim, a 
vida em sociedade. Para a realização desses objetivos, as pessoas vinculam-se, e 
vinculam-se juridicamente, através de sua vontade. [...] No Estado liberal, com 
a nítida separação entre o Estado e a sociedade, assumiu extraordinário relevo 
a autonomia dos particulares, sendo-lhes deferida quase totalmente a formação 
da ordem privada. [...]. 
 
Não obstante a discussão que se possa travar em torno do conteúdo da autonomia da 
vontade, o fato é que para a Ciência Jurídica, trata-se de princípio essencial, podendo-se afirmar, 
com fundamento na doutrina de Karl Larenz (apud, PRATA, p. 15), estar, o mesmo, diretamente 
relacionado à personalidade do homem: 
 
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David Accioly de Carvalho 
 
 
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O indivíduo só pode existir socialmente como personalidade quando lhe seja 
reconhecida pelos outros não apenas a sua esfera da personalidade e da 
propriedade, mas também quando, além disso, possa em princípio regular por 
si mesmo as suas questões pessoais e, na medida em que com isso seja afectada 
outra pessoa, possa regulamentar as suas relações com ela com carácter 
juridicamente obrigatório mediante um acordo livremente estabelecido. 
 
A essencialidade da questão foi igualmente reconhecida por Miguel Reale (2000, p.179), 
para quem: 
 
Reconhece-se, em última análise, como uma conquista impostergável da 
civilização o que, técnica e tradicionalmente, se denomina autonomia da 
vontade, isto é, o poder que tem cada homem de ser, de agir e de omitir-se nos 
limites das leis em vigor, tendo por fim alcançar algo de seu interesse e que, 
situado no âmbito da relação jurídica, se denomina bem jurídico. 
 
A autonomia da vontade possui, assim, segundo a doutrina de Reale, tripla dimensão, na 
medida em que pertine ao poder do indivíduo de ser, de agir e de não agir, valendo destacar o 
caráter relativo dessa questão, posto que limitada a um dado ordenamento jurídico vigente. 
 
Não obstante parte da doutrina faça coincidir as expressões autonomia privada e 
autonomia da vontade, não adentrando no mérito da questão da distinção existente entre ambas, 
o fato é que se pode realizar tal diferenciação, conforme abordagem adiante formulada. 
 
Em obra intitulada L’autonomia privata, Luigi Ferri, demonstrando salutar lucidez acadêmica, 
propôs distinção em torno dos conceitos de autonomia privada e autonomia da vontade. A 
respeito dessa distinção, Rosa Maria de Andrade Nery (2008, p.238) leciona que, a partir da visão 
do autor: 
 
[...] a ideia de autonomia da vontade liga-se à vontade real ou psicológica dos 
sujeitos, no exercício pleno da liberdade própria de sua dignidade humana, que 
é a liberdade de agir, ou seja, a raiz ou a causa de efeitos jurídicos. Respeita, 
portanto, à relação entre vontade e declaração e é um desdobramento da 
dignidade da pessoa humana, porque destaca a liberdade de agir da pessoa, 
sujeito de direito. [...] A autonomia privada é outra coisa. É princípio específico 
de direito privado. Situa-se em outro plano, ligada à ideia de poder o sujeito de 
direito criar normas jurídicas particulares que regerão seus atos. 
 
Há autores como Ana Prata, ainda, que distinguem autonomia privada de liberdade jurídica 
privada, compreendendo, esta, como um fenômeno mais amplo: “Autonomia privada não abarca 
toda a liberdade humana, refletindo apenas a liberdade negocial que é um aspecto da liberdade 
jurídica privada, ou seja, abrange somente situações que exprimam conteúdo patrimonial.” 
(PRATA, 1982, p.13). Dessa maneira, na visão da autora, a autonomia privada seria uma categoria 
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ou uma aspecto, se assim se preferir, daquilo que convencionou chamar de liberdade jurídica 
privada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Portanto, três conceitos foram apresentados até aqui: autonomia da vontade, autonomia 
privada e liberdade jurídica privada. Tais conceitos são academicamente relevantes e conferem 
maior rigor técnico a eventuais argumentações, devendo, pois, serem observados. 
 
Superada a etapa de delimitação conceitual proposta, será abordado a seguir o princípio da 
liberdade contratual o qual é apresentado como uma especificação dos temas anteriormente 
abordados. 
 
2.2. PRINCÍPO DA LIBERDADE CONTRATUAL 
 
Segundo esse principio, podem as partes optar por contratar ou não, elegendo um parceiro 
e definindo livremente o seu conteúdo. Por tal razão, a liberdade contratual pode ser 
desmembrada em: i) liberdade de contratar propriamente dita; ii) liberdade de escolher com 
quem contratar e iii) liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato, liberdades essas todas 
exercidas com vistas a uma finalidade, a saber, a disposição da propriedade privada que, no dizer 
de Vera Helena de Mello Franco, constitui o fundamento mesmo da autonomia privada (2011, p. 
44). 
 
Eros Roberto Grau (2012, p. 92) não se distancia dessa compreensão, no entanto, 
apresenta uma classificação particular. Segundo o autor, a liberdade contratual decompõe-se em: 
i) liberdade de contratar ou de abster-se de contratar e em ii) liberdade de configuração interna 
dos contratos. 
Kleber Luiz Zanchim (2008, p. 254), tecendo comentários a respeito do tema, apresenta a 
liberdade como o primeiro valor de cunho individual dos contratos, os quais são dotados desse 
LIBERDADE JURÍDICA 
PRIVADA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AUTONOMIA 
PRIVADA OU 
LIBERDADE 
NEGOCIAL 
 
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David Accioly de Carvalho 
 
 
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valor porque pressupõem a possibilidade de um sujeito integrar, por livre vontade, relações 
obrigacionais. 
 
Orlando Gomes (2001, p.22), por sua vez, expressa o entendimento de que a liberdade 
contratual é, em verdade, uma particularidade da autonomia da vontade, significando o poder dos 
indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. A 
liberdade de contratar abrange, segundo o autor citado, os poderes de: i) autorregência de 
interesses; ii) de livre discussão das condições contratuais e, por fim, iii) de escolha do tipo de 
contrato conveniente à atuação da vontade. 
 
Importa observar desde logo, que a doutrina é unânime em reconhecer que a liberdade 
contratual nunca foi exercida de modo absoluto, sempre encontrando limites assim na lei, como 
nos costumes, na Moral e na ordem pública, de tal modo que, quando se afirmou o menor grau 
de intervenção nas relações econômicas como uma característica do Estado Liberal, não se disse, 
por óbvio, que tal intervenção era nula. Assim, mesmo no período liberal, o Estado interveio nas 
relações contratuais, contudo de modo menos acentuado. 
 
Nesse sentido, Eros Roberto Grau (2012, p. 21) leciona que “ainda ao tempo do 
liberalismo o Estado era, seguidas vezes, sempre no interesse do capital, chamado a intervir na 
economia”. No mesmo sentido, Orlando Gomes (2001, p.24) – buscando inspiração na obra de 
Henri de Page, para quem as limitações à liberdade de contratar inspiram-se em razão de utilidade 
social – observa que duas limitações de caráter geral sempre confinaram liberdade contratual, a 
saber: i) a ordem pública e ii) os bons costumes. 
 
Clóvis do Couto e Silva (2007, p.25), a respeito disso, observa ser evidente que a autonomia 
da vontade não designao poder de criar efeitos jurídicos, baseado somente na vontade de uma ou 
mais partes, fora de toda habilitação jurídica, sendo igualmente certo que, sobre a faculdade 
dispositiva das partes, existe o ordenamento jurídico, o qual, mediante a incidência da norma, 
confere efeitos aos atos dos particulares. Assim, com relação à faculdade de regramento que 
possuem os indivíduos, a função do ordenamento jurídico é meramente negativa e limitadora, 
competindo às partes constituir e determinar o conteúdo do negócio jurídico. 
 
Observa-se, no âmbito do ordenamento jurídico pátrio que, mesmo o Código Civil 
Brasileiro de 1916, legislação inspirada nos ideais liberais, além de exigir certos requisitos para a 
validade do ato jurídico, a saber, a capacidade do agente, objeto idôneo e forma prescrita ou não 
defesa em lei, estabelecia no Capítulo II de seu Livro III as consequências dos defeitos dos atos 
jurídicos, reputando-os anuláveis quando eivados de vícios como o erro, o dolo, a coação, a 
fraude contra credores e a simulação. Ademais, destinou seu Título IV a uma teoria geral dos 
contratos e o seguinte aos contratos em espécie, sendo evidente as limitações impostas à 
liberdade contratual. 
 
2.3. PACTA SUNT SERVANDA OU FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS 
 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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Tal princípio, “consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado 
que seja, com observância de todos pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser 
executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos”. (GOMES, 
2001, p. 36). 
Consequentemente, à luz do princípio em questão, os contratos são imodificáveis, 
imexíveis, por assim dizer, não admitindo que as partes, de forma unilateral, ou o juiz, a pedido 
destas, alterarem a vontade inicial, comprometendo-a, raciocínio que se impõe em homenagem à 
ideia de segurança do comércio jurídico. 
 
Quando estudado em conjunto com a liberdade contratual e temas correlatos 
anteriormente abordados, a força obrigatória dos contratos, consagrada na expressão latina pacta 
sunt servanda, assume caráter instrumental e derivado, podendo ser compreendido como um 
desdobramento da autonomia da vontade a cuja preservação se destina. 
 
Inclusive, Orlando Gomes (2001, p.36), ao abordar a questão, assevera: “Justifica-se, 
ademais, como decorrência do próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a 
possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, 
ferindo a liberdade de contratar”. 
 
Jurisprudência Relacionada 
 
LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO POR 
FALTA DE PAGAMENTO. CLÁUSULA CONTRATUAL 
RESOLUTIVA. OBSERVÂNCIA. PRINCÍPIO PACTA SUNT 
SERVANDA. ALUGUERES. DESCUMPRIMENTO PELA 
LOCATÁRIA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 
283/STF. INCIDÊNCIA. 
1. O locatário, durante o prazo determinado, poderá devolver o imóvel 
alugado mediante o pagamento da multa pactuada, ex vi do disposto no 
art. 4º da Lei n. 8.245/91. Por sua vez, o art. 56 da referida norma legal, 
dispõe que "o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, 
findo prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso". 
2. Havendo previsão contratual de liberação de eventuais ônus da 
rescisão em face da natureza do negócio avençado, este deve ser 
respeitado, em homenagem ao princípio pacta sunt servanda. 
3. Embora o Tribunal estadual tenha consignado que, durante a vigência 
do contrato, houve descumprimento da cláusula quarta pela recorrente, 
esta deixou de enfrentar o tema em suas razões. 
Incidência da Súmula n. 283/STF. 
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1277790/SP, Rel. 
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2010, 
DJe 13/12/2010) 
 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - RECURSO 
ESPECIAL - CONTRATO ADMINISTRATIVO - HONORÁRIOS 
ADVOCATÍCIOS - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - 
SÚMULA 211/STJ - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 
535 DO CPC - PAGAMENTOS EFETUADOS COM ATRASO - 
DIREITO À CORREÇÃO MONETÁRIA - EXCEÇÃO A 
DETERMINADO PERÍODO, POR FORÇA DE PREVISÃO 
CONTRATUAL - INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA 
CONTRATUAL - SÚMULA 5/STJ - OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA - 
JUROS MORATÓRIOS DEVIDOS A PARTIR DA CITAÇÃO. 
1. Não se admite recurso especial quanto à questão que, a despeito da 
oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a 
quo. Súmula 211/STJ. 
2. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem 
decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da 
lide. 
3. Esta Corte tem pacífico entendimento no sentido de ser devida a 
correção monetária em razão do pagamento de parcelas em atraso pela 
Administração, independente de expressa previsão contratual nesse 
sentido. 
4. Havendo expressa previsão contratual afastando a correção 
monetária decorrente de atraso no pagamento para determinado 
período, por livre acertamento entre as partes, torna-se impositiva 
a aplicação do princípio pacta sunt servanda. 
5. É inviável o conhecimento do recurso especial quando o acolhimento 
da pretensão depender da interpretação de cláusulas contratuais. 
Incidência da Súmula 5/STJ. 
6. Os juros moratórios, em se tratando de obrigação ilíquida, devem 
incidir a partir da citação. 
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. 
(REsp 1178903/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA 
TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 03/05/2010) 
 
Conforme será abordado noutro momento, tal princípio, não obstante válido e plenamente 
vigente, é mitigado ou flexibilizado em razão de outros princípios, não assumindo, pois, caráter 
absoluto, o que, aliás, não pode ser afirmado em conhecimento científico. Nesse sentido, Vera 
Helena de Melo Franco (2011, p. 93): 
 
[...] no direito moderno, embora o princípio da obrigatoriedade do 
pactuado se mantenha em sua inteireza, admite-se possa não só o 
contrato ser revisto pelo Juízo, assim na situação prevista na norma do 
art. 317 CC 2002 como ainda, faculta-se ao Juiz ordenar a resolução do 
contrato quando se torne excessivamente oneroso (arts. 478-480 CC 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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2002) e, inclusive, trazer para o conteúdo do contrato consequências não 
previstas pelas partes, como ocorre mediante a integração contratual. 
 
 
 
 
Jurisprudência Relacionada 
 
PROCESSO CIVIL. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. NOVAÇÃO. 
POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO NEGÓCIO JURÍDICO 
ANTECEDENTE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT 
SERVANDA. SÚMULA 286 DO STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO 
CPC CONFIGURADA. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL 
DE ORIGEM. 
1. [...] 
2. A novação, conquanto modalidade de extinção de obrigação em 
virtude da constituição de nova obrigação substitutiva da 
originária, não tem o condão de impedir a revisão dos negócios 
jurídicos antecedentes, máxime diante da relativização do 
princípio do pacta sunt servanda, engendrada pela nova concepção 
do Direito Civil, que impõe o diálogo entre a autonomia privada, a 
boa-fé e a função social do contrato. Inteligência da Súmula 286 do 
STJ. 
3. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos ao 
Tribunal de origem. (REsp 866.343/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE 
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2011, DJe 
14/06/2011) 
________________________________ 
 
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO 
DE LIMINAR ANTECIPATÓRIA DOS EFEITOS DA TUTELA 
JURISDICIONAL. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. 
PRESENÇA DA APARÊNCIA DO BOM DIREITO E DO PERIGO 
DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. 
DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. - A PAR DO 
PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS, 
O ORDENAMENTO JURÍDICO CONVIVE HOJE COM 
SITUAÇÕES QUECAUSAM NA RELAÇÃO JURÍDICA 
CONTRATUAL SUBSTANCIAIS MODIFICAÇÕES E QUE, 
EM MUITOS CASOS, ALTERAM 
DESPROPORCIONALMENTE A INICIAL EQUAÇÃO 
FINANCEIRA, TORNANDO O PACTO EXCESSIVAMENTE 
ONEROSO PARA UMA PARTE EM BENEFÍCIO DA OUTRA, 
CAUSANDO DESEQUILÍBRIO ANTES NÃO EXISTENTE. 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
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EIS QUE, ASSIM, O CONTRATO NÃO MAIS É INTOCÁVEL 
EM VIRTUDE DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. 
NESSE DIAPASÃO, LEGÍTIMA É A POSSIBILIDADE DE 
REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE 
IMPLICARAM EM ÔNUS EXCESSIVO À PARTE, 
SOBRETUDO EM SE TRATANDO DE INSTRUMENTOS 
REPUDIADOS PELA DOUTRINA E PELA JURISPRUDÊNCIA 
COMO A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, A CUMULAÇÃO DE 
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM CORREÇÃO 
MONETÁRIA, ETC. NESSE ASPECTO, RESIDE A APARÊNCIA 
DO BOM DIREITO. - A MANUTENÇÃO DO AGRAVADO NA 
POSSE DO BEM ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA DEMANDA 
É MEDIDA QUE SE COMPATIBILIZA, INCLUSIVE, COM O 
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, QUE PROÍBE A TOMADA 
DE DECISÕES BIZARRAS, DESPROVIDAS DE CONTEÚDO E, 
PORTANTO, LESIVAS À PARTE, TENDO-SE EM MENTE, 
AINDA, QUE NÃO SERIA RAZOÁVEL DESPRENDER O 
AGRAVADO DA POSSE DO IMÓVEL OBJETO DO CONTRATO, 
SOB PENA DE NÃO SE PODER ASSEGURAR O RESULTADO 
PRÁTICO DE EVENTUAL PROCEDÊNCIA DA DEMANDA DE 
REVISÃO CONTRATUAL OBJETO DA AÇÃO PRINCIPAL. EIS 
AÍ O PERICULUM IN MORA. - AGRAVO DE INSTRUMENTO 
IMPROVIDO E AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. (AG 
200105000322356, Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, 
TRF5 - Primeira Turma, 04/04/2003) 
 
2.4. RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO 
 
Como sugere seu enunciado, o princípio em questão tutela a amplitude dos efeitos 
contratuais estabelecendo limites subjetivos – é dizer, relacionados aos sujeitos contratantes – e 
objetivos ou relacionados ao objeto contratado. 
 
Tal princípio está relacionado à ideia de que, a rigor, os contratos somente geram efeitos 
entre as partes contratantes, motivo porque se diz que sua oponibilidade não é absoluta ou erga 
omnes, mas, tão somente, relativa. 
 
De fato, segundo a Teoria Geral do Direito Obrigacional, uma das características das 
obrigações é sua relatividade, no sentido de que o seu cumprimento somente pode ser exigido do 
devedor, diferentemente do que ocorre com as obrigações reais, cuja oponibilidade é absoluta. 
 
Dessa forma, os efeitos internos do contrato não aproveitam ou prejudicam os interesses 
de terceiros, segundo a máxima res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest, podendo-se concluir, 
com Orlando Gomes (2001, p.43), em arremate, que “[...] os efeitos internos, isto é, os direitos e 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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obrigações dos contratantes, a eles se limitam, reduzem-se, circunscrevem-se”, não sendo 
possível “[...] criar, mediante contrato, direitos e obrigações para outrem”. 
 
Convém observar, por fim, que conforme foi assinalado inicialmente, o presente princípio 
incide, igualmente, sobre o aspecto objetivo da relação contratual, de tal modo que os efeitos do 
contrato respeitam, a rigor, àquilo que compõe sua prestação, não atingindo objetos diversos 
daquele contratado. 
Tal como ocorre em relação ao princípio da força obrigatória dos contratos, não é 
compreendido uma verdade absoluta, devendo ser considerado num raciocínio apriorístico, é 
dizer, numa análise inicial de um problema, pois o contrato pode gerar efeitos para além das 
partes contratantes. Basta que se imagine a fusão de duas grandes empresas, criando uma espécie 
de monopólio; a construção de uma grande obra que afete o meio ambiente; a anulação de uma 
cláusula contratual em decorrência de atuação judicial do Ministério Público em defesa do 
consumidor (art. 51, §4º, CDC)1, entre outras situações que envolvam a tutela de direitos 
coletivos lato sensu. 
 
3. A REPERSONALIZAÇÃO OU A DESPATRIMONIALIZAÇÃO DO DIREITO 
CIVIL 
 
O tema sugerido para este tópico evidencia em sua composição terminológica a prevalência 
dos valores relativos à personalidade humana sobre aqueles de ordem puramente patrimonial, 
refletindo, assim, uma mudança valorativa em todo um sistema jurídico. 
 
Sobre a despatrimonialização, Pietro Perlingieri (1999, p. 33) explica que: 
 
Com o termo, certamente não elegante [...] individua-se uma tendência 
normativo cultural; se evidencia que no ordenamento se operou uma 
opção, que, lentamente, se vai concretizando, entre o personalismo 
(superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da 
patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do 
consumismo, depois, como valores). Com isso não se projeta a expulsão 
e a “redução”quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema jurídico e 
naquele civilístico em especial; o momento econômico, como aspecto da 
realidade social organizada, não é eliminável. 
 
Portanto, a repersonalização do Direito Civil não induz ao abandono completo das 
questões econômicas ou patrimoniais das relações jurídicas, não significando a antítese perfeita 
do patrimonialismo. A despatrimonialização do Direito Civil propõe tão somente uma releitura 
dos clássicos institutos patrimoniais – dentre estes os contratos – a partir de novos axiomas, ou 
valores existenciais. 
 
1
 
Art. 51. Caput.[...] 
§4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a 
competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de 
qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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Seguindo essa tendência, autores como Rosa Maria de Andrade Nery, incluem a dignidade 
da pessoa humana como um princípio do Direito Privado, partindo da “consideração primordial e 
fundamental de que o homem é sujeito de direito, e nunca objeto de direito” (2008, p. 234). 
 
Pois bem. Ao longo do SEC. XX houve uma necessidade de releitura dos princípios 
contratuais clássicos, especialmente para adequá-los ao valor da dignidade da pessoa humana, na 
medida em que se percebeu o óbvio: aqueles que contratam são pessoas e, portanto, portadoras 
de dignidade. 
 
Observou-se que em uma sociedade de massa, em que as negociações tendem a ser 
impessoais e a ser instrumentalizadas por meio de contratos de adesão – deixando de ser 
paritários, pois – o sujeito economicamente mais forte tende a oprimir o hipossuficiente, de 
modo que os contratos garantem apenas uma igualdade formal. 
 
Assim, difundiu-se a ideia da necessidade de se defender um intervencionismo estatal, a fim 
de se garantir uma igualdade material, ou seja, a isonomia, entre os contratantes, condicionando a 
autonomia da vontade a normas de ordem pública. 
 
Amadureceu-se, por essa razão, o conceito de dirigismo contratual, isto é, de uma 
intervenção do Estado nas relações contratuais privadas, a fim de que seja preservada a dignidade 
da pessoa humana, que se assegure a igualdade material e que se evitem abusos quando da 
estipulação unilateral dos contratos. 
 
A seguir, alguns exemplos do intervencionismo do Estado nas relações contratuais: 
 
a) A Tipificação dos contratos; 
b) Os requisitos de validade dos negócios jurídicos; 
c) Os limites impostos às doações (não se pode doar de modo a comprometer a própria 
subsistência; se tiver herdeiros é preciso se preservar a legítima); 
d) A proibição de o preço estar subordinado exclusivamente à vontade de uma das partes; 
e) A regra que determina que as seguradoras somente podem funcionar com autorização 
do Banco Central, se submete à fiscalização da SUSEP, pois se equipara a instituição 
financeira; vedação, ao casado sob o regime da comunhão parcial de bens, de prestar 
fiançasem a anuência do cônjuge. Enfim, o Estado intervém nas relações privadas. 
 
4. PRINCÍPIOS SOCIAIS DOS CONTRATOS 
 
Pois bem. Nesse contexto de novos valores, os limites da atuação dos indivíduos nas 
relações privadas foram revistos e outros princípios contratuais foram afirmados. Tais princípios, 
por relativizarem aqueles ideais preconizados pelo Estado Liberal e enfatizarem aqueles 
reconhecidos pelo Estado Social de Direito, passaram a definir uma categoria específica de 
princípios, a saber, os princípios sociais do Direito Contratual. 
 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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Essa temática refletiu fortemente na Codificação Civil vigente, valendo destacar a 
observação feita por Miguel Reale a esse respeito na Exposição de Motivos do Código Civil 
Brasileiro. Segundo o autor, firme consciência ética da realidade socioeconômica norteia a revisão 
das regras gerais sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução equitativa, bem 
como as regras sobre resolução dos negócios jurídicos em virtude de onerosidade excessiva, às 
quais vários dispositivos expressamente se reportam, dando a medida do propósito de conferir 
aos contratos estrutura e finalidade sociais. Nisto reside um dos tantos exemplos de atendimento 
à diretriz da “socialidade” do Direito. 
 
Não se afirme, porém, que a principiologia social de que se ocupará a partir deste instante 
promova a revogação daquela que se pode denominar de principiologia clássica. Paulo Lobo 
(online), ao tecer comentários acerca da moderna principiologia social dos contratos, assevera que 
esta não elimina os princípios liberais (ou que predominaram no Estado liberal), mas limita 
profundamente seu alcance e seu conteúdo. 
 
No mesmo sentido, Aline Terra e Helen Orleans (2014, p. 122) após observarem que 
limites à autonomia privada não são mais externos e excepcionais, mas internos, expressão direta 
do ato e do seu significado constitucional, explicam que os novos princípios fundamentais da 
teoria contratual interagem com os princípios clássicos, mitigam seus contornos e alteram sua 
essência, delineando uma dogmática contratual renovada, na medida em que comprometida com 
a realização dos valores constitucionais. A alteração não é, portanto, apenas quantitativa, mas 
qualitativa. 
 
Assim destacam-se como princípios sociais do Direito Contratual: i) a Equivalência 
Material; ii) a Função Social dos Contratos e iii) a Boa-fé Objetiva, os quais serão abordados 
adiante nesta ordem. 
 
4.1. PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA MATERIAL 
 
O princípio a que se refere o presente tópico parte da ideia central de equilíbrio real, 
sugerindo a superação da igualdade meramente formal para atingir a igualdade material, i.e, a 
isonomia que propõe sejam tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida 
das suas desigualdades. Sugere, pois, a busca por uma proporcionalidade entre direitos e deveres 
na relação jurídica contratual, de modo a evitar vantagens e desvantagens excessivas. 
 
A respeito do tema, Paulo Lobo (online) esclarece: 
 
O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real 
de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para 
harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo 
equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e 
obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco 
importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O 
que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta 
vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, 
aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. 
 
O contrato, em sua essência, admite certo desequilíbrio entre direitos e obrigações, tendo 
em vista que é da natureza da relação contratual a verificação de vantagens e desvantagens 
recíprocas. Dito de outro modo: é natural que em dada relação contratual uma das partes obtenha 
vantagem em relação à outra, não havendo nisso qualquer inconveniente, afinal de contas, 
ninguém em sã consciência contrata apenas por contratar ou para sofrer um prejuízo material, 
fazendo-o sempre movido por uma justa expectativa de obtenção de um resultado positivo. 
 
O que o princípio em questão obsta, portanto, é a desproporção exagerada, a vantagem 
excessiva que desequilibra a relação contratual e a torna injusta, prejudicando um dos seus 
integrantes e contrariando, assim, o papel de promoção do bem estar que se atribui ao contrato 
na contemporaneidade. 
 
Importa observar, contudo, que a boa técnica jurídica exige a verificação de requisitos para 
a sua aplicação, é dizer, pressupostos que devem ser constatados para se poder invocar os efeitos 
decorrentes do principio da equivalência material. Tais requisitos são, segundo Paulo Lobo (2011, 
p. 72): a) a efetiva desproporção manifesta entre os direitos e as obrigações pactuadas ou, dito de 
outro modo, a desproporção entre a prestação e a contraprestação contratuais; b) a constatação 
da existência de desigualdade entre os poderes negociais dos contratantes, o que significa que, 
pelo menos em um raciocínio inicial, tal princípio não incide em uma relação contratual paritária, 
valendo ressalvar a possibilidade de desequilíbrios serem provocados por força de fatos 
supervenientes à conclusão do contrato, hipótese em que, a natureza paritária da relação não 
constituirá empecilho à aplicação do princípio; e c) o reconhecimento jurídico da vulnerabilidade 
do contratante prejudicado. 
 
Da explicação acima sobressaem entendimentos importantes. A simples existência de 
desproporção entre os direitos e obrigações pactuados, de per si, não justifica a incidência do 
princípio, assim como o fato de se tratar de uma relação não paritária ou de um dos contratantes 
ser presumidamente hipossuficiente não implica na possibilidade de revisão ou de 
reconhecimento da invalidade do contrato. 
 
Sendo assim, qualquer pretensão jurídica fundada no princípio em questão exige, 
necessariamente, a demonstração dos três requisitos acima, sob pena implicar em ofensa 
intolerável à autonomia privada. Isso se dá porque a desproporção entre as prestações 
contratadas pode ocorrer de modo voluntário em uma relação paritária; ou porque em uma 
relação caracterizada pela desigualdade dos poderes negociais pode inexistir material 
desproporção obrigacional; ou mesmo porque pode haver relação jurídica em que essa 
desproporção seja evidente, mas o sujeito teoricamente prejudicado não seja vulnerável em 
relação ao outro contratante. Essas são algumas situações que não atraem a aplicação do princípio 
da equivalência material. 
 
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Diversamente, presentes todos os requisitos ou pressupostos destacados, a relação 
contratual poderá ser atingida em seu plano de validade com o reconhecimento de sua nulidade 
absoluta ou em seu plano de eficácia, em virtude de sua revisão judicial. 
 
É perceptível a aproximação do princípio em questão com a ideia de proibição de conduta 
manifestamente violadora do senso comum que constitui a essência do princípio da 
razoabilidade, consagrado como um princípio constitucional implícito. De fato, qualquer 
discussão jurídica em torno de regras contratuais há de perquirir a falta de razoabilidade destas 
que, uma vez detectada, impõe a adoção de medidas intervencionistas, por serem consideradas 
abusivas e, portanto, ilícitas, nos termos do art. 187 do Código Civil Brasileiro. Nesse sentido, 
inclusive, já decidiu a Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça que não pode a estipulação 
contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o faz, comete abusividade. 
 
A razoabilidade, assim, não se presta apenas à orientação dos atos e decisões da 
Administração Pública. Não se trata de princípio inerente apenas à esfera publicista do Direito. 
Diferentemente, espraia-se sobre todo ele, servindo de baliza para qualquer ato volitivo que, 
assim, deve considera-la como parâmetro. 
 
4.1.1. ASPECTOS LEGAIS: 
 
Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC: 
 
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 
[...] 
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações 
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as 
tornem excessivamente onerosas; 
 
CCB: 
 
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou 
contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao 
aderente. 
 
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a 
renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do 
negócio. 
 
4.1.2. ELEMENTOS OBJETIVOS: Devem estar presentes para que se possa invocar a 
proteção oferecida por esse princípio. 
 
a) Desproporção entre direitos e deveres na relação contratual; 
b) Desigualdade dos poderes negociais das partes envolvidas; 
c) Vulnerabilidade de uma das partes em relação à outra. 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
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4.1.3. CONSEQUÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO DO P. DA EQUIVALÊNCIA 
MATERIAL: 
 
a) Declaração da nulidade total ou parcial do contrato, como retorno ao status quo ante; ou 
b) Manutenção da relação contratual, com a indicação da interpretação válida. 
4.2 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. 
 
Desde que o contrato é mecanismo ou instrumento de circulação de riquezas, leia-se 
propriedade, e desde que se reconhece, notadamente em nível constitucional, a função social 
desta, forçoso é concluir pela conexão da função social de ambos os institutos. De fato, como 
assevera Rosa Maria de Andrade Nery (2008, p. 249), já não é mais possível preservar a ideia de 
que o contrato opera efeitos apenas entre as partes que o celebraram, pois há na compreensão 
moderna do contrato e da propriedade privada um sentido funcional de promoção social que 
ultrapassa os limites da funcionalidade do ato e do negócio, como mera experiência particular de 
um sujeito, motivo porque o contrato, expressão jurídica máxima da liberdade contratual, deve 
ser estudado não apenas sob o ponto de vista de sua base subjetiva, ou seja, da manifestação da 
liberdade negocial das partes, mas também, e principalmente, sob o ponto de vista de sua base 
objetiva e, por que não dizer, de sua função social. 
 
Assim, todos os princípios clássicos restam mitigados pelo princípio ora apreciado, que 
impõe uma releitura desses, não mais a partir do prisma individual, limitado aos interesses estritos 
das partes contratantes, mas a partir de outro que leva em consideração os efeitos provocados 
pelo contrato na sociedade em que inseridos os sujeitos contratantes. Eis uma constatação 
fundamental: os sujeitos contratantes estão inseridos em dada sociedade, é dizer, relacionam-se 
com inestimável número de pessoas que sofrem de modo mais ou menos intenso, os efeitos dos 
negócios jurídicos firmados por aqueles. 
 
Na síntese de Gustavo Tepedino (online), constante do artigo intitulado Notas sobre a 
Função Social dos Contratos, a rigor, a função social do contrato deve ser entendida como 
princípio que, informado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, 
III), do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV) – fundamentos da República – e da igualdade 
substancial (art. 3o, III) e da solidariedade social (art. 3o, I) – objetivos da República – impõe às 
partes o dever de perseguir, ao lado de seus interesses individuais, a interesses extracontratuais 
socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele 
atingidos. Pra o autor, nos termos do art. 421 do Código Civil, toda situação jurídica patrimonial, 
integrada a uma relação contratual, deve ser considerada originariamente justificada e estruturada 
em razão de sua função social. Como ocorrido em relação à propriedade, opera-se a 
transformação qualitativa do contrato, que passa a consubstanciar instrumento para a 
concretização das finalidades constitucionais. Assim, definitivamente, a função social – elemento 
interno do contrato – impõe aos contratantes a obrigação de perseguir, ao lado de seus interesses 
privados, interesses extracontratuais socialmente relevantes, assim considerados pelo legislador 
constitucional, sob pena de não merecimento de tutela do exercício da liberdade de contratar. 
 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
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Outra não é a opinião de Vera Helena de Mello Franco (2011, p.109), para quem, quando 
se tem em vista a função social dos contratos, vê-se que interessa ao Direito não somente seus 
efeitos no âmbito das relações entre as partes, mas, igualmente seus reflexos sobre a sociedade. 
De fato, uma constatação essencial é a de que os contratos, mais do que servirem de instrumento 
para a circulação de bens e serviços no mercado, constituem o principal mecanismo de 
crescimento e desenvolvimento social, na medida em que, a partir deles, inúmeros 
empreendimentos são idealizados e normatizados de modo particular, fato que justifica a revisão 
daquela compreensão determinada pelo pensamento liberal. 
 
Por essa razão é que o legislador do Código Civil Brasileiro de 2002, atento a essa questão, 
optou por positivar o princípio da função social dos contratos, o que fez por meio de seu art. 
421, cuja redação é a seguinte: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da 
função social do contrato”. 
 
É interessante observar que, nos termos em que foi positivada, a função social dos 
contratos assumiu duplo caráter. Um finalístico, perceptível a partir da expressão “em razão” 
utilizada pelo legislador e outro limitativo já que, de acordo com o texto legal destacado, os 
sujeitos, ao contratar, devem fazê-lo nos limites da função social. 
 
A respeito do segundo caráter apontado acima, afirma Luís Gustavo Haddad (2013) que as 
propostas de análise funcional e os esforços de identificação das funções sociais dos institutos de 
direito privado (em especial a propriedade e o contrato) têm um elemento comum. Ambas 
intentam apreender os influxos no direito de um fenômeno característico do século XX, que 
corresponde à maior intervenção do Estado no domínio da economia e da sociedade, ganhando 
destaque a elaboração das figuras jurídicas que visam à proteção da coletividade, em oposição às 
construções tidas como de índole individualista, característica do direito produzido pelo Estado, 
principalmente no século XIX. Segundo o autor, esse projeto pretende justificar, mediante o 
recurso a ideias como a promoção da solidariedade social e a sociabilidade do direito, por 
definição contraposta ao individualismo que se convencionou atribuir ao Código Civil brasileiro 
de 1916. 
 
Aqui parece coincidir a concepção normativa da função social com aquela expressa na 
doutrina de Emilio Betti, para quem a função social é considerada como causa ou razão de ser do 
contrato, vinculada ao seu conteúdo, causa essa considerada como a “função de interesse social 
da autonomia privada” interesse que, por sua vez “determina a própria vontade, um elemento, 
em suma, do próprio processo volitivo, e até o seu elemento principal e normal” (ZANCHIM, 
2008, p.265). 
 
O mesmo Kleber Luiz Zanchin (2008, p.264) realiza uma distinção entre valor social do 
contrato e sua função social, que favorece a compreensão do tema. Segundo o autor: ao se 
associar funçãosocial e valor social, verifica-se que este é anterior àquela e a define. Ele é externo 
ao contrato e é coletivo, ao passo que ela é interna e individual. Em outras palavras, se a função 
(o programa) de determinado contrato tiver valor social, pode-se falar em função social desse 
contrato. Por isso, entende o autor ser pertinente separar as palavras que compõem a expressão: 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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“função” é a finalidade concreta programada pelas partes no contrato; “social” é o valor atribuído 
pela sociedade a essa função. 
 
Há de se fazer, contudo, uma ponderação acerca do que foi dito acima. É que a relação 
contratual destina-se, antes de tudo, à satisfação de interesses patrimoniais particulares daqueles 
indivíduos que, com base na autonomia de suas vontades, decidiram vincular-se 
obrigacionalmente, de tal modo que não parecer ser razoável a ideia de que o Princípio da 
Função Social dos contratos impõe a persecução prioritária de interesses sociais ou coletivos, 
ainda que qualificados como relevantes. Certamente tal categoria de interesses merece ser 
preservada. Evidentemente relação contratual qualquer deve, necessariamente, desenvolver-se 
sem atingir negativamente a sociedade no seio da qual foi concebida. Não parece lógico, contudo, 
inverter a ordem das coisas, para imaginar que aquele que contrata a compra e venda de um 
celular, por exemplo, o faz em prol dos interesses sociais anteriormente referenciados. 
 
No mesmo sentido, BRANCO (2007) entende que o fato de o contrato ter um caráter 
instrumental e de o princípio da socialidade incidir sobre as relações contratuais não transforma o 
contrato em um servo dos interesses sociais exteriores à liberdade de contratar, tal qual ocorreu 
nas experiências totalitárias do século XX (interesses da comunidade). Segundo o autor, o 
contrato não serve como instrumento de distribuição de renda, de realização de justiça social ou 
de promoção de fins típicos do Estado. Em verdade o contrato é instrumento da autonomia 
privada, condicionado ao cumprimento dos fins sociais da liberdade de contratar. 
 
Importa observar, ainda, que a função social dos contratos não implica apenas na vedação 
imposta aos contratantes de não atingirem negativamente aqueles que estão fora da relação 
contratual. O efeito contrário também se verifica. Norma que é, o contrato também reflete 
genericamente, impondo a terceiros, alheios à relação contratual, o dever de não ofender os 
legítimos interesses imbricados em dado contrato. A Função social do contrato verifica-se, 
portanto, numa via de mão dupla. 
 
Assim, em razão do princípio ora estudado é que se verifica, assim no Código Civil como 
na legislação civil extravagante, dispositivos que limitam a atuação contratual, em consideração 
aos aspectos mencionados ao longo do presente tópico, à semelhança daqueles que 
regulamentam a fraude contra credores (art. 158 e ss. CCB); a tutela da coação exercida por 
terceiro (art. 154, CCB); a ressalva aos direitos de terceiros de boa-fé e a punição das condutas 
praticadas por terceiros de má-fé (arts. 161; 167,§º; 172; 191; 298, 359; 380; 385; 523; 563; 673; 
814 etc); a figura do terceiro interessado ou não interessado prevista na teoria geral do pagamento 
(art. 304 e seguintes do CCB); a tutela do terceiro prejudicado nos contratos de seguro (arts. 206, 
§1º, II, a e §3º, IX; 787, §§2º e 4º; 788, CCB); a possibilidade de responsabilização do fabricante e 
do fornecedor, não obstante este não tenha participado do negócio celebrado com o consumidor 
vítima de fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC); além de outros tantos exemplos 
que não serão citados por uma questão de conveniência acadêmica. 
 
À guisa de conclusão, destaca-se o entendimento de Miguel Reale, em artigo intitulado “A 
Função Social do Contrato”, em que explica, com a propriedade que lhe é peculiar: 
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O que o imperativo da “função social do contrato” estatui é que este não pode 
ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano 
à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do art. 187, “também 
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede 
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela 
boa-fé ou pelos bons costumes”. Não há razão alguma para se sustentar que o 
contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, 
porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao 
poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da 
jurisprudencial e da consuetudinária. O ato de contratar corresponde ao valor 
da livre iniciativa, erigida pela Constituição de 1988 a um dos fundamentos do 
Estado Democrático do Direito, logo no Inciso IV do Art. 1º, de caráter 
manifestamente preambular. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato 
uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos 
contratantes sem conflito com o interesse público. [...] Como se vê, a 
atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas 
naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a realização dos 
mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo de vontades não 
se verifique em detrimento da coletividade, mas represente um dos seus meios 
primordiais de afirmação e desenvolvimento. 
 
O princípio da função social mitiga os princípios contratuais clássicos [e não os anula], 
notadamente o da relatividade contratual, na medida em que, além de promover a superação da 
visão individualista e restrita aos interesses dos sujeitos contratantes – conforme a concepção 
liberal – lança também um novo olhar sobre os efeitos derivados do contrato, que se espraiam e 
comprometem também a terceiros, carreando a todos estes o dever geral de respeitar os 
interesses daqueles envolvidos numa relação contratual. Inclusive, nesse sentido, o Enunciado n. 
23, aprovado na I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ. Vejamos: 
 
Enunciado n. 23. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo 
Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou 
reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou 
interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. 
 
Tal princípio, segundo STOLZE e PAMPLONA FILHO, manifesta-se em dois níveis: 
 
a) Intrínseco: Contrato visto a partir da relação jurídica intersubjetiva, em que as partes devem 
agir conforme a BFO, para atingir um equilíbrio material; 
 
b) Extrínseco: Contrato considerado em face de toda a coletividade, isto é, considerando sua 
importância e seus efeitos perante toda a sociedade; 
 
 No CCB vigente o princípio foi positivado: 
 
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Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão [caráter finalístico] 
e nos limites [caráter limitativo] da função social do contrato. (sem 
destaques no original) 
 
 
Destaquem-se o caráter finalístico e limitativo o princípio. Os contratos 
em última análise devem ser firmados para a consecução de interesses sociais 
que também lhes servem de limites. 
 
A respeito do tema, o enunciado 431 da V Jornada de Direito Civil 
promovido pelo CJF: 
 
A violação do art. 421 conduz à invalidade ou à ineficácia do contrato ou de cláusulas 
contratuais. 
 
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes 
da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, 
referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste 
Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas 
partes determinadaforma de execução. 
 
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de 
ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a 
função social da propriedade e dos contratos. 
 
 Segundo STOLZE e PAMPLONA FILHO, para haver efetivo respeito à função social do 
contrato, é preciso: 
 
a) Respeitar a dignidade da pessoa humana e, em última análise, os direitos e garantias 
fundamentais; 
b) Admitir a relativização do principio da igualdade das partes, reconhecendo suas 
desigualdades e permitindo a adoção de medidas para reduzí-las; 
c) Consagrar uma cláusula implícita de boa-fé objetiva; 
d) Respeitar o meio ambiente; 
e) Respeitar o valor social do trabalho. 
 
 Importa destacar o teor do Enunciado n. 431 aprovado na V Jornada de Direito Civil do 
CJF/STJ. Vejamos: 
 
431. Art. 421. A violação do art. 421 conduz à invalidade ou à ineficácia do 
contrato ou de cláusulas contratuais. 
 
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David Accioly de Carvalho 
 
 
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 Portanto, o desrespeito a quaisquer dos bens jurídicos acima, importará em ofensa ao 
princípio da função social do contrato, fato que poderá implicar na invalidade ou ineficácia 
total ou parcial do contrato. 
 
4.3 PRINCÍPO DA BOA-FÉ OBJETIVA 
 
4.3.1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS 
Dentro dos limites e fins do presente estudo, não se examina a Boa-fé Objetiva em sua 
verticalidade, indicando-se para tanto os trabalhos de Judith Martins Costa e Antônio Menezes 
Cordeiro . Dessa forma, cumpre o presente texto com a tarefa de apresentar a Boa-Fé Objetiva 
como um dos princípios sociais do Direito Contratual, demonstrando os efeitos do seu 
reconhecimento no ordenamento jurídico pátrio. 
 
Inicialmente cumpre atentar para a modificação profunda do método legislativo utilizado 
pelo legislador do Código Civil Brasileiro de 2002, em relação ao código anterior. O legislador do 
Código Civil de 1916, inspirado pelo ideal positivista, bem como pela concepção do Estado 
Liberal, valeu-se predominantemente da denominada técnica legislativa regulamentar, própria do 
sistema da subsunção ou exegese, em que o fato é levado ao juiz que lhe aplica a norma para 
produzir uma sentença. Nesse contexto, ao juiz não incumbia a tarefa de valorar a norma. De 
acordo com essa técnica legislativa, de rigor, não havia espaço para que ele pudesse trazer para a 
decisão novos valores sociais. O reconhecimento de novos valores estava subordinado à prévia 
estipulação em lei, por obra do legislador. 
 
Atualmente, segundo a concepção pós-positivista, não mais se admite o quadro acima, por 
inviabilizar o ideal de justiça social consagrado na Constituição Federal, que possibilitou a 
abertura do sistema legal, hoje permeado por cláusulas gerais, o que significa dizer que, além dos 
fatos e das normas, o juiz pode buscar valores vigentes na sociedade, desde que refletidos na 
Constituição Federal, para elaborar suas decisões. 
 
Com o Código Civil vigente, uma nova técnica legislativa veio coadjuvar – não substituir – 
a técnica regulamentar. Trata-se da técnica legislativa das cláusulas gerais, através da qual o 
legislador, de forma intencional, elabora a norma com certa vagueza semântica (de conteúdo), 
para que o julgador, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, possa definir o seu 
conteúdo, atendendo, ainda, aos valores vigentes na sociedade, os quais, normalmente, estarão 
reconhecidos pela Constituição. 
 
Por esta técnica, além de se permitir o alcance de uma solução mais justa, permite-se que o 
julgador possa exercer uma atividade criativa, atento aos novos valores da sociedade, tendo sido 
bastante utilizada pelo legislador quando da inserção dos novos princípios contratuais. Sobre a 
questão, Judith Martins Costa (1999, p. 33) explica que a modificação da técnica legislativa, na 
formulação das normas jurídicas, que passam ser fundadas em termos dotados de ampla vagueza 
semântica, o que se dá pela inserção de um grande número de princípios valorativos nas 
Constituições e nas leis, altera substancialmente o tipo de raciocínio hábil à aplicação do direito, 
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David Accioly de Carvalho 
 
 
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exigindo a convivência do tradicional raciocínio lógico-subsuntivo com a chamada concreção ou 
concretização das normas, com o que se tem um método de raciocínio produtivo. 
 
Contudo, a principal nota característica das referidas cláusulas gerais reside em que a norma 
não se digna a estabelecer de modo taxativo os seus efeitos, atribuindo, ao responsável por sua 
aplicação, a tarefa de definir a solução que entender mais adequada ao caso concreto para resolver 
o litígio segundo o ideal de justiça social. 
 
Pois bem, a Boa-Fé objetiva foi introduzida no Código Civil Brasileiro de 2002 a título de 
cláusula geral, é dizer, sem a preocupação com a definição de seu conteúdo, conforme se 
depreende da leitura do art. 422, segundo o qual: “os contratantes são obrigados a guardar, assim 
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. 
 
No entanto, o fato de ter sido positivado no referido código, não significa, propriamente, 
que a Boa-Fé Objetiva constitua uma novidade para o ordenamento jurídico pátrio, valendo 
anotar, juntamente com Flávio Tartuce (online) que diferentemente do que muitos podem 
imaginar, já existia previsão expressa quanto à boa-fé objetiva, de cunho contratual, no 
ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 131, I, do Código Comercial de 1850 – constante na 
parte que foi revogada pelo Novo Código Civil – estabelecia literalmente que: “A inteligência 
simples e adequada que for mais conforme a boa-fé e ao verdadeiro espírito e natureza do 
contrato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras”. 
 
Miguel Reale, em artigo intitulado A Boa-Fé no Código Civil, destaca a relevância do tema 
para a ordem jurídica: 
 
É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da 
qual destaco dois artigos complementares, o de nº 113, segundo o qual “os 
negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do 
lugar de sua celebração”, e o Art. 422 que determina: “os contratantes são 
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, 
os princípios de probidade e boa-fé”. Como se vê, a boa-fé não constitui um 
imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a 
experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das 
cláusulas contratuais até as suas últimas consequências. Daí a necessidade de 
ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo 
da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, 
consuetudinária, jurisdicional e negocial. 
 
Não obstante vagueza semântica de que se falou alhures, Álvaro Villaça (2002, p. 26), 
realiza um delineamento essencial em torno do conteúdo da boa-fé objetiva que, para ele, implica 
em um estado de espírito, que leva o sujeito a praticar um negócio em clima de aparente 
segurança, de tal sorte que, desde o início, devem os contratantes manter seu espírito de lealdade, 
esclarecendo os fatos relevantes e as situações atinentes à contratação, procurando equilibrar com 
base na razoabilidade as prestações, expressando-se com clareza e esclarecendo o conteúdo do 
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contrato, evitando eventuais interpretações divergentes, bem como cláusulas leoninas, só em 
favor de um dos contratantes, cumprindo suas obrigações nos moldes pactuados e objetivando a 
realização dos fins econômicos e sociais do contratado, tudo para que a extinção do contrato não 
provoque resíduos ou situações de enriquecimento indevido, sem causa. 
 
Comportamentos éticosconstituem, pois, o ponto de partida para o desenvolvimento de 
qualquer raciocínio em torno desse princípio, de tal sorte que atuar conforme a boa-fé objetiva 
significa manter um comportamento ético nas relações privadas que venham a se estabelecer. 
Assim, na seara dos contratos, impõe-se às partes o respeito mútuo, a atenção às expectativas da 
outra e a adoção de comportamentos transparentes, que preservem a confiança entre elas. 
Determina, pois, um padrão de comportamento com embasamento naquilo que a doutrina de um 
modo geral convencionou denominar de tutela da confiança. 
 
Antes de prosseguir, vale anotar, juntamente com Flávio Tartuce que: 
 
Ao contrário do que muitos podem imaginar, já existia previsão expressa 
quanto à boa-fé objetiva, de cunho contratual, em nosso ordenamento jurídico. 
Com efeito, esta era a previsão do artigo 131, I, do Código Comercial de 1.850, 
constante na parte que foi revogada pelo Novo Código Civil: “A inteligência 
simples e adequada que for mais conforme a boa-fé e ao verdadeiro espírito e 
natureza do contrato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação 
das palavras”. (Trecho retirado do artigo intitulado: O princípio da boa-fé 
objetiva em matéria contratual. Apontamentos em relação ao novo Código 
Civil e visão do projeto nº 6.960/02). 
 
4.3.2 BOA-FÉ SUBJETIVA 
 
 Significa a boa-fé no estado psicológico, no estado anímico, que se contrapõe ao agir de 
má-fé. 
 
 As expressões “estar de boa-fé” ou “agir de boa-fé”, se referem à boa-fé subjetiva, que 
significa a boa-fé crença ou boa-fé ignorância, ou seja, aquele comportamento que 
ignora a existência de vícios. 
 
 Conforme destacado por Vera Helena de Melo Franco2, ao citar José Luiz de Los Mozos: O 
fundamental aqui é a convicção de não estar “prejudicando um interesse alheio tutelado pelo 
direito”. 
 
 Portanto, não é correta a expressão “má-fé objetiva”, pois, na verdade, a má-fé é 
sempre subjetiva, pois é o oposto da boa-fé subjetiva. 
 
QUESTÃO: Que distinção pode ser feita entre os efeitos da violação à boa-fé 
 
2 In. Teoria Geral do Contrato: Confronto com o direito europeu futuro. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 83. 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
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subjetiva e ao princípio da boa-fé objetiva? 
 
Resp. Os efeitos do descumprimento da BFO dependerão da concepção do juiz, da sua 
valoração e da fundamentação contida na decisão. Isso por se tratar de cláusula geral. Já a 
consequência da violação da boa-fé subjetiva, ou seja, da má-fé, está prescrita na lei, por se 
tratar de CJI (técnica regulamentar). Exemplo: 
 
CCB, Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo 
incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o 
direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. 
 
Esse é um caso de violação à boa-fé subjetiva, pois, como se pode ver, as consequências 
estão previstas no próprio dispositivo legal. 
 
4.3.3 FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA BFO 
 
O princípio em questão, segundo Judith Martins Costa (1999, p. 427) realiza três funções 
distintas no contexto jurídico, a saber: i) a de cânone hermenêutico integrativo; ii) a de norma de 
criação de deveres jurídicos e iii) a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos. 
 
A função interpretativa a que se refere a autora encontra-se, atualmente, expressa no art. 
113 do Código Civil, cuja redação é a seguinte: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados 
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. A Boa-Fé Objetiva foi indicada pelo 
legislador, portanto, como critério subsidiário para a interpretação dos negócios jurídicos. Assim, 
sempre que o juiz não conseguir chegar à conclusão sobre qual era a real intenção das partes 
através de suas declarações, a Boa-Fé Objetiva será fator coadjuvante nessa busca, assim como os 
usos do lugar da celebração do negócio. 
 
Relativamente à função de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos, a autora 
associa a boa-fé às figuras do abuso do direito e da exceptio doli ou exceção dolosa. Segundo a 
autora (1999, p. 456), se é certo que o domínio da boa-fé objetiva é o direito das obrigações, 
especialmente o dos contratos, impõe insistir na constatação de que diferentemente do que 
ocorria no passado, o contrato, instrumento por excelência da relação obrigacional e veículo 
jurídico de operações econômicas de circulação de riquezas, não é mais perspectivado desde uma 
ótica informada unicamente pelo dogma da autonomia da vontade. O contrato traduz uma 
relação obrigacional que é marcada pela noção de cooperação entre as partes que, antes de tudo, 
almejam um mesmo fim, a saber, o seu natural e perfeito cumprimento, de tal modo que, sob esta 
ótica, a boa-fé se apresenta como norma que não admite condutas que contrariem o mandamento 
de agir com lealdade e correção. 
 
Por fim, no que pertine à função de norma de criação de deveres jurídicos, a autora (1999, 
p. 438) faz alusão aos denominados deveres anexos, laterais, acessórios de conduta, ou de tutela, 
reconhecidos pela doutrina alemã como nebenpflichten, assim denominados “por não estarem 
orientados diretamente ao cumprimento da prestação ou dos deveres principais, estando, antes, 
Apontamentos sobre a Teoria Geral dos Contratos 
David Accioly de Carvalho 
 
 
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referidos ao exato processamento da relação obrigacional, isto é, á satisfação dos interesses 
globais envolvidos, em atenção a uma identidade finalística” (1999, p.440). 
 
De fato, a BFO faz nascer entre as partes contratantes novos deveres para além dos 
principais (dar, fazer e não fazer), que, de certa forma, os permeiam, preenchendo, por assim 
dizer, espaços vazios da norma privada (contratual). Estes deveres são comumente conhecidos 
como deveres anexos ou laterais, os quais não foram fixados na lei. 
 
Em síntese, os deveres acessórios de conduta apontados pela autora são os seguintes: 
 
a) deveres de cuidado, previdência e segurança; 
b) deveres de aviso e esclarecimento; 
c) deveres de informação; 
d) deveres de colaboração e cooperação; 
e) deveres de proteção e cuidado; e 
f) deveres de omissão e segredo, os quais não serão aprofundados no presente trabalho por 
conveniência acadêmica, motivo porque, fica o leito convidado a aprofundar o assunto, 
a partir da leitura da fonte doutrinária aqui citada. 
 
Cada autor é livre para criar a sua própria classificação. Por essa razão, o aluno pode se 
deparar com inúmeras exposições a respeito do tema. Por uma questão didática, propõe-se a 
seguinte classificação dos deveres anexos. Para memorizar as classes de deveres anexos, basta 
lembrar da sigla: C P I, que se refere às iniciais da denominação dada a cada um desses deveres, 
que são os seguintes: 
 
a) COOPERAÇÃO ou colaboração; 
b) PROTEÇÃO ou cuidado e 
c) INFORMAÇÃO ou transparência 
 
 
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O ASSUNTO 
 
DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADO 
ININTERRUPTAMENTE POR DIVERSOS ANOS. CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS 
PELA SEGURADORA, MEDIANTE A ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO 
ATUARIAL. NOTIFICAÇÃO, DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA INTENÇÃO DA 
SEGURADORA DE NÃO RENOVAR O CONTRATO, OFERECENDO-SE A ELE 
DIVERSAS OPÇÕES DE NOVOS SEGUROS, TODAS MAIS ONEROSAS. 
CONTRATOS RELACIONAIS. DIREITOS E DEVERES ANEXOS. LEALDADE, 
COOPERAÇÃO, PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA FÉ OBJETIVA. 
MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO NOS TERMOS ORIGINALMENTE 
PREVISTOS. RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO, 
PELA SEGURADORA, MEDIANTE A APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSO 
CRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS SÃO APRESENTADOS DE MANEIRA 
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SUAVE E ESCALONADA. 
1. Nomoderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos 
descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas 
estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes. 
2. Se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e 
se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a 
pretensão da seguradora de modificar abrutamente as condições do seguro, não 
renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da 
confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam 
relações de consumo. 
3. Constatado prejuízos pela seguradora e identificada a necessidade de modificação da carteira 
de seguros em decorrência de novo cálculo atuarial, compete a ela ver o consumidor como um 
colaborador, um parceiro que a tem acompanhado ao longo dos anos. Assim, os aumentos 
necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, 
mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. 
Com isso, a seguradora colabora com o particular, dando-lhe a oportunidade de se preparar 
para os novos custos que onerarão, ao longo do tempo, o seu seguro de vida, e o particular 
também colabora com a seguradora, aumentando sua participação e mitigando os prejuízos 
constatados. 
4. A intenção de modificar abruptamente a relação jurídica continuada, com simples 
notificação entregue com alguns meses de antecedência, ofende o sistema de proteção ao 
consumidor e não pode prevalecer. 
5. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1073595/MG, Rel. Ministra NANCY 
ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 29/04/2011) 
 
 Especifiquemos, a partir de agora, cada uma dessas classes de deveres anexos propostas: 
 
a) DEVER DE COLABORAÇÃO OU COOPERAÇÃO 
 
 A relação contratual não é uma relação de antagonismo ou rivalidade. As partes são parceiras. 
O adimplemento é interesse, inclusive do devedor. 
 
 O negócio deve ser exitoso para os dois polos da relação, que, para tanto, devem agir com 
espírito de colaboração. 
 
JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA 
 
Recurso especial. Civil. Indenização. Aplicação do princípio da boa-fé contratual. Deveres 
anexos ao contrato. 
- O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por 
conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste 
princípio. 
- O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da 
relação contratual. 
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- A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe 
tenha dado causa. 
- A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de danos extrapatrimoniais somente é 
possível, em sede de Recurso Especial, nos casos em que o quantum determinado revela-se 
irrisório ou exagerado. 
Recursos não providos. (REsp 595.631/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA 
TURMA, julgado em 08/06/2004, DJ 02/08/2004, p. 391) 
 
OBS: UM DESDOBRAMENTO DO DEVER ANEXO DE COOPERAÇÃO é a figura 
retirada do direito anglo saxão, baseado no sistema common law, denominada DUTTY TO 
MITIGATE THE LOSS ou o dever de mitigar o próprio prejuízo. Tal figura determina a 
busca da menor onerosidade para o devedor e mais proveitosa para o credor. 
 
Ex. Um banco que tem um devedor inadimplente e não propõe as medidas cabíveis para 
preservar seu crédito, postergando sua cobrança e potencializando um superendividamento, 
fere a BFO, na medida em que tem o dever de mitigar ou reduzir o seu próprio prejuízo. 
 
 Nesse sentido o ENUNCIADO 169 DA 3ª JORNADA DO CJF. Art. 422: “O princípio da 
boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. 
 
JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA 
 
DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. 
OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO 
MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO 
CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. 
RECURSO IMPROVIDO. 
1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. 
Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade. 
2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na 
consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento 
jurídico. 
3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o 
próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o 
dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente 
inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência 
aos deveres de cooperação e lealdade. 
4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o 
prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, 
sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao 
contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o 
consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos 
atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano. 
5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a 
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justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 
6. Recurso improvido. (REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA 
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 
17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010). 
 
NOTA DO PROFESSOR: 
 
Deve-se observar aquilo que se falou sobre o fato de a BFO ser uma cláusula geral. As 
consequências da violação ao princípio da boa-fé objetiva não são preestabelecidas e depende 
da concepção do juiz, da sua valoração e da fundamentação contida na decisão. 
 
b) DEVER DE PROTEÇÃO, SEGURANÇA OU CUIDADO. 
 
 Preconiza que as partes devem proteger-se, acautelar-se, assim em relação a seus interesses 
patrimoniais como extrapatrimoniais ou existenciais. 
 
 É o caso dos estacionamentos dos estabelecimentos comerciais. Há uma expectativa de que o 
veículo esteja protegido. Por esse motivo, os avisos que comumente são expostos nesses 
locais, informando que o estabelecimento não se responsabiliza por quaisquer danos causados 
aos veículos, enquanto cláusulas contratuais que são, não geram qualquer efeito jurídico, sendo 
consideradas nulas de pleno direito. 
 
 Outro exemplo bem simples. As placas que os estabelecimentos colocam para alertar que o 
piso é escorregadio constituem prática decorrente do dever anexo de proteção. 
 
JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA 
 
EMENTA: REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL - FINANCIAMENTO 
HABITACIONAL - INADMISSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TR - SUBSTITUIÇÃO 
PELO INPC - SUCUMBÊNCIA EQÜITATIVA - ART. 21 CPC - RECURSO 
PARCIALMENTE PROVIDO. No caso específico de financiamento de imóveis, a 
instituição financeira deve, acima de tudo, pretender a preservação da situação 
econômica do mutuário, para que o mesmo possa adimplir com as prestações 
regularmente, e não incidir na dívida encargos que não tenham condições de serem 
suportados. É o intitulado dever anexo de proteção. A taxa referencial não só recompõe o 
capital, como traduz alteração em seu valor real, tendo a natureza de juros remuneratórios, 
evidência que impõe a substituição daquele índice, quando utilizado com o cunho de correção 
do capital. A regra do artigo 21 do CPC

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