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José Fernando simão maurício Baptistella Bunazar d ir e it o s r e a is s o B r e im ó v e is e c o n t r a t o s direitos reais soBre imóveis e contratos direitos reais soBre imóveis e contratos Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-2866-5 9 7 8 8 5 3 8 7 2 8 6 6 5 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Direitos Reais sobre Imóveis e Contratos José Fernando Simão Maurício Baptistella Bunazar IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Edição revisada Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br © 2007 – 2008 IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S596d Simão, José Fernando Direitos reais sobre imóveis e contratos / José Fernando Simão, Maurício Baptistella Bunazar. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 158p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-2866-5 1. Direitos reais - Brasil. 2. Bens imoveis - Brasil. 3. Propriedade - Brasil. I. Bunazar, Maurício Baptistella II. Título. 12-5433. CDU: 347.2(81) 01.08.12 01.08.12 037564 Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. © 2007-2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário Contratos e sua aplicação ao Direito Imobiliário | 5 Conceito de contrato | 5 Terminologia | 6 Requisitos de validade | 6 Princípios dos contratos | 9 Princípios sociais do contrato: função social do contrato | 15 Eficácia interna da função social | 16 Eficácia externa da função social | 18 Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva | 23 Introdução e conceitos | 23 Direitos reais: noções iniciais e propriedade | 33 Conceito de direitos reais | 33 Teorias informadoras | 33 Principais características dos direitos reais | 34 A obrigação propter rem | 35 Classificação dos direitos reais | 35 Noções sobre a propriedade | 36 Função social da propriedade | 37 Características da propriedade | 37 Direitos reais: posse e aquisição da propriedade imóvel | 43 Da posse | 43 Aquisição da propriedade imóvel | 46 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Formas de aquisição da propriedade móvel e imóvel | 53 Aquisição da propriedade imóvel | 53 Aquisição da propriedade móvel | 57 Da perda da propriedade | 59 Condomínio | 65 Do condomínio geral | 65 Do condomínio edilício | 67 Propriedade resolúvel e fiduciária | 75 Da propriedade resolúvel | 75 Da propriedade fiduciária | 76 Propriedade fiduciária de imóveis | 79 Direitos reais sobre coisas alheias de gozo ou fruição: enfiteuse, superfície e servidão | 85 Noções gerais | 85 Espécies de direitos reais de gozo ou fruição | 86 Direitos reais sobre coisas alheias de gozo ou fruição: usufruto, uso e habitação e o direito real de aquisição | 95 Direitos de gozo ou fruição | 95 Do direito real de aquisição | 99 Direitos reais sobre coisas alheias de garantia: penhor | 107 Introdução | 107 Noções aplicáveis a todas as espécies de garantias reais | 107 Das garantias reais em espécie: penhor | 110 Direitos reais sobre coisas alheias de garantia: hipoteca e anticrese | 117 Da hipoteca | 117 Da anticrese | 121 Efeitos patrimoniais decorrentes do Direito de Família | 127 Introdução | 127 Família: conceito e formação | 127 Do casamento: conceito e efeitos patrimoniais | 128 Das espécies de regime de bens | 130 Efeitos patrimoniais decorrentes do Direito das Sucessões | 137 Introdução | 137 Regras gerais do Direito Sucessório | 138 Espécies de sucessão: legítima e testamentária | 145 Sucessão legítima | 145 Sucessão testamentária | 150 Referências | 155 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Contratos e sua aplicação ao Direito Imobiliário José Fernando Simão* Maurício Baptistella Bunazar** O Código Civil (CC) trata, em seu Livro I da Parte Especial, do Direito das Obrigações e, no Título IV, cuida dos Contratos em Geral (arts. 421 a 480), abordando os princípios dos contratos que ora trabalha- mos. No Título V, portanto, o CC traz as disposições referentes a cada uma das espécies contratuais (arts. 481 ao 853), ou seja, disciplina a compra e venda, a doação, o mútuo e os demais contratos. Conceito de contrato O contrato é o negócio jurídico bi ou plurilateral de caráter patrimonial que cria, modifica ou ex- tingue as relações jurídicas (direitos e deveres). Para a formação do contrato são necessárias, pelo menos, duas vontades, pois o contrato surge quando há uma proposta (primeira das vontades) e a sua consequente aceitação (segunda das vonta- des). Antes da aceitação não há contrato. Existem alguns negócios jurídicos que produzem efeitos com apenas a vontade de uma única pessoa. São chamados de negócios jurídicos unilaterais e não são contratos. Exemplo disso ocorre com o testamento que produz efeitos após a morte do testador e não precisa da vontade dos herdeiros para produzir efeitos. * Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Civil pela USP. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Advogado. ** Especialista em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Professor de Direito Civil do Curso FMB. Advogado nas áreas de Direito Imobiliário, Família e Sucessões. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 6 Direitos Reais sobre Imóveis e Contratos Terminologia O termo contrato tem mais de um significado para o Direito. Geralmente, as pessoas se utilizam da palavra contrato como se essa significasse um documento escrito. Na realidade, o contrato significa, em primeiro lugar, um acordo de vontades que gera direitos e deveres, sendo que não necessita, em regra, da forma escrita para que surja no mundo jurídico. Portan- to, a frase da pessoa comum: “Doutor, eu não tenho contrato!” não significa que realmente ela não tenha contrato, mas apenas significa que não tem um documento escrito pelo qual o contrato se materializa. Assim, o segundo significado da palavra contrato é o instrumento escrito no qual o acordo se materializa. Em regra, o contrato vale e produz efeitos mesmo se formulado verbalmente, ou seja, se não hou- ver documento escrito (confira-se o princípio do consensualismo). Requisitos de validade A lei exige que estejam presentes certos requisitos para que o contrato seja válido. A ausência de alguns deles pode gerar a nulidade relativa ou absoluta do contrato. São várias as diferenças entre a nulidade absoluta e relativa, sendo que a principal delas é que se o contrato for nulo (nulidade absoluta), o prazo não o sanará, ou seja, a nulidade absoluta pode ser decretada pelo Juiz a qualquer tempo, mesmo se decorridos vários anos da celebração do contrato. Sendo o contrato anulável (nulidade relativa ou anulabilidade), o tempo sana tal vício, ou seja, se decorridos os prazos previstos em lei, não há possibilidade de se obtera declaração judicial de nulidade. Ocorre a convalidação. Os prazos são exíguos e diferem entre si, dependendo do tipo de nulidade relativa. Assim, se o contrato for celebrado em razão de violência (tecnicamente chamada de coação), o prazo para anulação pela vítima é de quatro anos contados do momento em que cessar a violência (CC, art. 178, I). Os requisitos são de três tipos: subjetivos;:::: objetivos;:::: formais.:::: Requisitos subjetivos Os requisitos subjetivos dizem respeito aos sujeitos, ou seja, tratam das partes, das pessoas que celebram o contrato. Quanto aos requisitos subjetivos, os contratantes devem ser capazes, bem como legitimados, para que o contrato seja válido. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Contratos e sua aplicação ao Direito Imobiliário 7 A capacidade é uma aptidão genérica para se celebrar o contrato e a legitimidade é uma caracte- rística específica de determinadas pessoas na prática de determinados contratos. Comecemos pela capacidade. O CC tem duas categorias de incapazes: absolutamente incapazes (CC, art. 3.º);:::: relativamente incapazes (CC, art. 4.º). :::: Os absolutamente incapazes devem ser representados, ou seja, não participam do contrato, pois quem o celebra são os representantes legais. Assim, se um menor de 16 anos for adquirir uma casa, quem assina o contrato por ele é seu pai ou seu tutor. Caso o contrato seja celebrado direta- mente pelo absolutamente incapaz, será considerado nulo. A vontade do absolutamente incapaz é irrelevante para fins de celebração de contrato. São absolutamente incapazes: Art. 3.° [...] I - os menores de [16] dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Temos também os relativamente incapazes, ou seja, as pessoas cuja vontade é considerada pelo ordenamento, mas que devem ser auxiliadas, assistidas, por seus assistentes legais. Assim, o menor com 17 anos que aluga um imóvel, necessariamente assina o contrato, mas ao lado de seu pai, ou mãe, ou tutor. A ausência de assistência torna o contrato anulável. Nesse caso, se o pai assinar sem a presença do menor, o contrato não gera efeitos para o menor. São relativamente incapazes: Art. 4.° [...] I - os maiores de [16] dezesseis e menores de [18] dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. No tocante aos pródigos, ou seja, aqueles que gastam imoderadamente, com possibilidade de causar sua ruína ou de sua família, a incapacidade é limitada aos atos de disposição patrimonial (CC, art. 1.782). Com relação à legitimidade, conforme explicamos anteriormente, essa é uma inaptidão específi- ca que torna nulo ou anulável determinado contrato praticado por certa pessoa. Três exemplos ajudam a explicar a falta de legitimidade ou legitimação. No primeiro exemplo, dispõe o artigo 496 do CC que “é anulável a venda de ascendente a descen- dente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória”. Nota-se que o pai poderia vender o bem móvel ou imóvel a um terceiro, sem nenhum problema de validade. Entretanto, se for vender a um de seus filhos, falta-lhe legitimação, sendo necessária a con- cordância dos demais filhos e do cônjuge, que poderiam ser prejudicados com a venda. Isso porque o pai poderia simular uma venda para, na realidade, doar o bem a um dos filhos. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 8 Direitos Reais sobre Imóveis e Contratos No segundo exemplo, determina o artigo 504 do CC que “não pode um condômino em coisa indivi- sível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência”. Isso quer dizer que se houver certo bem indivisível (uma casa, por exemplo) em que um dos pro- prietários resolve vender a sua parte, não terá legitimação para fazê-lo sem dar preferência ao condômino. Trata-se de falta de legitimidade e não de incapacidade. Um último exemplo dessa falta de legitimação se dá com relação aos cônjuges, que, exceto se forem casados pelo regime da separação absoluta de bens, não podem, sem a autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis (CC, art. 1.647). Requisitos objetivos Os requisitos objetivos dizem respeito ao objeto, ou seja, à prestação contratual. A lei impõe limi- tações ao objeto contratado. Assim, o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável (CC, art. 104). “O objeto do contrato deve ser lícito. Não pode contrariar a lei e os bons costumes. Não é lícito um contrato de contrabando, nem é moral um contrato que obrigue uma pessoa a manter-se em ócio, sem trabalhar” (VENOSA, 2006, p. 436). Bom exemplo de objeto ilícito está contido no artigo 426 do CC que determina que “não pode ser objeto de contrato herança de pessoa viva”. É o chamado pacto sucessório (em latim pacta corvina). Dúvida comum é saber a extensão dessa limitação à autonomia privada. A regra proíbe que, antes do falecimento, ocorra renúncia da herança, doação, alienação onerosa, bem como qualquer tipo de transação. O contrato com objeto ilícito será nulo. Admite-se, por exemplo, que os companheiros, pessoas não casadas, mas que vivem como se casa- dos fossem, elaborem um contrato com conteúdo patrimonial, regendo as regras de aquisição dos bens. Entretanto, o contrato de convivência (CC, art. 1725) não poderá ter disposição para produzir efeitos após a morte dos companheiros, pois tal disposição será nula, diante da vedação do pacto sucessório. Requisitos formais Por fim, em certos casos, a lei impõe forma ao negócio jurídico, sob pena de nulidade. Deve-se frisar que a forma, em regra, é livre, valendo tanto o contrato escrito quanto o contrato verbal. Bom exemplo dessa liberdade de forma se verifica com o contrato de locação de imóvel urbano. O contrato pode ser escrito ou verbal e será válido em ambos os casos. Para certos tipos contratuais, a lei exige forma ou solenidade para a validade. No caso da fiança, a lei exige a forma escrita para a validade (CC, art. 819). Assim, a fiança verbal é nula. Essa forma essencial à validade é chamada de ad solemnitatem. Para outros tipos de contrato, a lei exige forma solene, ou seja que o contrato seja celebrado por escritura pública. Quem redige a escritura pública é funcionário do cartório de notas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Contratos e sua aplicação ao Direito Imobiliário 9 Bom exemplo de necessidade de forma solene está presente no artigo 108 do CC que determi na que: Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Portanto, caso haja venda ou doação de um bem imóvel, como também hipoteca sobre o mesmo, com valor superior a 30 salários mínimos, o contrato deve ser celebrado por escritura pública, sob pena de nulidade do contrato. Princípios dos contratos Todos os institutos jurídicos têm princípios que os norteiam, ou seja, regras que a eles se aplicam. No estudo dos contratos, temos alguns princípios que chamamos de clássicos ou tradicionais e outros princípios que chamamos de sociais. Comoo próprio nome diz, tradicionais são os princípios historicamente ligados ao contrato. Já os sociais, disciplinados pelo CC de 2002, não podem ser taxados como novos, mas certamente invocam preceitos que prestigiam mais a coletividade que o individual, mais o “nós” em detrimento do “eu”. Assim, são princípios tradicionais a autonomia privada, a força obrigatória, a relatividade dos efei- tos e o consensualismo. São princípios sociais a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Salientamos desde logo que os princípios sociais, muitas vezes, enfraquecem os princípios tradicio- nais que não podem mais ser estudados isoladamente. Cabe uma análise sistemática dos princípios. Autonomia privada Autonomia privada significa que o ato de contratar é um ato de vontade discricionário, ou seja, ninguém é obrigado a celebrar o contrato e só o faz se quiser. Se houver violência que obrigue certa pessoa a contratar (a chamada coação), o contrato é anulável. Por outro lado, a autonomia não está apenas na decisão de contratar, mas, também, no conteúdo do contrato. O conteúdo decorre da vontade das partes. “Dessa dupla liberdade da pessoa é que de- corre a autonomia privada, que seria a liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses.” (TARTUCE, 2007, p. 72). Deve-se frisar que a autonomia não é absoluta e por isso não falamos em autonomia da vontade, mas sim em autonomia privada, já que a lei limita, por exemplo, o conteúdo do contrato, determinando a nulidade de certas cláusulas, por exemplo. O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, determina que são nulas as cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos”. Então, a placa colocada em estacionamentos mencionando que não há responsabilidade destes por roubo ou furto do veículo não tem nenhum valor jurídico. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 10 Direitos Reais sobre Imóveis e Contratos A própria questão da ilicitude do objeto é limitadora da autonomia privada. O fato de estar con- tratado não significa que o conteúdo é necessariamente válido. Força obrigatória Decorre de um brocardo latino pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Em princípio, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude da lei. É a lei o imperativo da conduta das pessoas. Sendo assim, a lei empresta ao contrato sua força obrigatória e daí a máxima popular pela qual o contrato é lei entre as partes. O combinado entre as partes deve ser cumprido, pois tem força de lei e, da mesma forma como há penalidade para quem descumpre a lei, haverá penalidade para quem descumpre o contrato. A pena representará a indenização dos prejuízos pelo contratante culpado. Apenas deve-se lembrar que nem tudo que foi combinado tem valor jurídico e, sendo assim, se a avença for nula, o contrato se extinguirá. Ainda, se ferir a boa-fé ou a função social, o contrato também será viciado. Relatividade dos efeitos Em princípio, o contrato não beneficia nem prejudica terceiros que dele não fizeram parte (em latim res inter alios acta). Apenas os próprios contratantes sofrem os efeitos do contrato. Exatamente em decorrência do princípio, o filho não pode ser demandado por dívida de seu pai. É certo que a função social do contrato mitiga tal princípio sensivelmente. Alguns exemplos da lei quanto à relatividade ajudam a esclarecer a matéria. O artigo 33 da Lei do Inquilinato (8.245/91) determina que: Art. 33. Locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel. Isso quer dizer que se o locador não der o direito de preferência ao inquilino, poderá o último cobrar do primeiro as perdas e danos pela não observância do dever imposto em lei e apenas isso. O descumprimento da lei não atinge o terceiro adquirente do imóvel locado, pois não é parte na locação. Por outro lado, se o inquilino tiver registrado o contrato de locação no Registro de Imóveis (na matrícula do imóvel), poderá, depositando o preço pago pelo terceiro, tomar o bem para si. Nesse caso, o inquili- no terá essa faculdade de atingir o terceiro adquirente, que não foi parte no contrato, porque havia feito o registro do instrumento no Registro de Imóveis conferindo efeitos quanto a terceiros. Consensualismo Conforme disse a respeito da autonomia privada, o contrato decorre de um acordo de vontades e, quando há o consenso, o contrato se forma, independentemente de documento escrito. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Contratos e sua aplicação ao Direito Imobiliário 11 Consensualismo significa que o simples consentimento basta para que se forme o contrato, não necessitando de outras formalidades. Essa é a regra de acordo com o artigo 107 do Código Civil. Estabelece-se, nesse dispositivo legal, a regra geral da informalidade na manifestação de vontade, pois a maioria dos negócios jurídicos independe de forma para valer. Desse modo, na compra e venda de coisas móveis, em geral, basta que exista a coisa, o preço e o consentimento da partes. (VILLAÇA, 2003, p. 56) Entretanto, o princípio comporta exceções. Assim, se o contrato for solene, será necessária a for- ma para que este seja válido (exemplo: venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos). Também, alguns contratos chamados de reais só se formam com a entrega do objeto. Como exem- plo temos o comodato que é o empréstimo gratuito de bem infungível (empréstimo da casa de praia). Texto complementar A disciplina do contrato preliminar no novo Código Civil brasileiro (PAMPLONA FILHO1, 2007) Considerações iniciais Do ponto de vista do Direito Positivado, uma das inúmeras inovações do Código Civil brasileiro de 2002 é a disciplina formal do Contrato Preliminar, residente na Seção VIII do Capítulo I (“Disposi- ções Gerais”) do Título V (“Dos Contratos em Geral”) do Livro destinado ao “Direito das Obrigações”. A menção ao enfoque de lege lata se justifica pela circunstância de que tal instituto jurídico não se constitui propriamente uma novidade para a doutrina nacional (ou mesmo para isoladas previ- sões legais específicas2), embora o nosso ordenamento ainda carecesse de uma regulamentação explícita e genérica da matéria. E como passou a se dar tal disciplina? Dissecá-la é a proposta do presente estudo, como veremos nos próximos tópicos. Conceito e institutos similares Conceituar um instituto jurídico nunca é uma tarefa definitiva, havendo sempre a possibilida- de de divergências para a fixação dos limites de sentido e significado de cada palavra. Sem cair na tentação das conceituações digressivas, compreendemos o contrato preliminar como uma avença através da qual as partes criam em favor de uma ou mais delas a faculdade de exigir o cumprimento de um contrato apenas projetado. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 12 Direitos Reais sobre Imóveis e Contratos Tal figura já era conhecida, inclusive, no Direito romano, pois o pactum de contrahendo com- preendia o pactum de mutuando e pactum de commodando, entre outros. Essa possibilidade de exigência da eficácia imediata de um contrato in fieri é também de- nominada, doutrinariamente, de pré-contrato, promessa de contrato, compromisso ou contrato preparatório3, não devendo ser confundido com o negócio jurídico ainda não celebrado, cuja eficácia se pretende exigir. Como observa Orlando Gomes: Tratam-se de figuras distintas do respectivocontrato definitivo, havendo, entretanto, quem conteste a independência dos dois. Sob a influência do Direito francês, segundo a qual a promessa de venda – que é contrato preliminar no entendimento geral – vale venda quando haja consenti- mento das duas partes sobre a coisa e o preço, muitos autores negam a autonomia do pré-contrato. Pensam outros que, se consiste em criar a obrigação de celebrar o contrato definitivo, é supérfluo, porque, se alguém prometeu obrigar-se em dia certo, obrigado estará nesse dia, como se nele hou- vesse contraído a obrigação. Exigir que novamente se obrigue é admitir, como diziam certos cano- nistas, um circuitus inutilis.4 Da mesma forma, não se deve colocar na mesma tábua as chamadas negociações preliminares e o contrato preliminar. De fato, as negociações preliminares – ao contrário do instituto aqui analisado – não geram direitos, podendo-se, no máximo, falar em uma responsabilidade civil pré-contratual, cujos danos são passíveis de indenização com base no art. 186 do CC-02 (art. 159, CC-16). [...] 1 Juiz Titular da Vara do Trabalho de Teixeira de Freitas/BA do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região. Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador – Unifacs, sendo seu coordenador do curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Autor de diversas obras jurídicas, sendo coautor, com Pablo Stolze Gagliano, do livro “Novo Curso de Direito Civil”, obra projetada para oito volumes pela Editora Saraiva. 2 Mesmo antes do CC-02, tanto a Lei de Incorporações (Lei 4.591, de 16.12.64, art. 35, § 4o.) como a Lei de Loteamentos (Lei 6.766, de 19/12/79, art. 27, caput e §1.o.) admitiam a vinculatividade do pré-contrato, equiparado a este a proposta de compra, a reserva de lote ou qualquer documento de que conste a manifestação de vontade das partes, a indicação do lote, o preço e modo de pagamento e a promessa de contratar. Em verdade, entre nós, o Decreto-Lei 58/37 é que se constituiu em verdadeiro marco inaugural, do ponto de vista legislativo, do contrato preliminar, ao regular o compromisso de compra e venda de terrenos para pagamento em prestações. 3 Apenas por requinte estilístico, utilizaremos, neste texto, as expressões indistintamente. 4 GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 135. Atividades 1. São absolutamente incapazes: a) os menores de 16 anos; os ausentes; os que não puderem exprimir sua vontade, em razão de causa permanente. b) os menores de 18 anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Contratos e sua aplicação ao Direito Imobiliário 13 c) os menores de 16 anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem necessário discernimento para os atos da vida civil; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. d) os menores de 16 anos; os ébrios habituais; os pródigos; os toxicômanos. 2. Qual a diferença entre incapacidade e falta de legitimação? 3. Indique e explique uma limitação ao princípio da autonomia privada. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 14 Direitos Reais sobre Imóveis e Contratos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: função social do contrato Todos os institutos jurídicos têm princípios que os norteiam, ou seja, regras que a eles se aplicam. No estudo dos contratos, temos alguns princípios que chamamos de clássicos ou tradicionais e outros princípios que chamamos de sociais. Como o próprio nome diz, tradicionais são os princípios his- toricamente ligados ao contrato. Já os sociais, disciplinados pelo Código Civil (CC) de 2002, não podem ser taxados como novos, mas certamente invocam preceitos que prestigiam mais a coletividade que o individual, mais o “nós” em detrimento do “eu”. Assim, são princípios tradicionais a autonomia privada, a força obrigatória, a relatividade dos efei- tos e o consensualismo. São princípios sociais a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Dispõe o artigo 421 do CC que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Nota-se, desde logo, que se formos definir a função social do contrato, será premissa a definição prévia da função do contrato. A função do contrato é a necessária e imprescindível circulação de riquezas. Nas sociedades mo- derna e pós-moderna, em que a especialização das atividades atinge um grau máximo (ou seja, para que cada pessoa sobreviva é necessário que adquira bens e serviços das outras), o contrato assume papel primordial. Se o contrato não existisse, a circulação de riquezas seria impossível e, consequentemente, a própria vida em sociedade. O caos estaria instaurado. Imaginemos uma sociedade sem a compra e venda e sem o contrato de transporte! Seria imaginar o inimaginável. Assim, ensina Flávio Tartuce (2007b, p. 199) que a função social é um regramento contratual de ordem pública em razão do artigo 2.035, parágrafo único do CC, pelo qual o contrato deverá ser neces- sariamente analisado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade (meio social em que se insere) e, assim, o fundamento constitucional desse preceito é a dignidade da pessoa humana. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 16 Princípios sociais do contrato: função social do contrato Sendo matéria de ordem pública, o juiz pode declarar a nulidade ou ineficácia do contrato ou de suas cláusulas contratuais, mesmo se isso não for pedido pelas partes. É a chamada declaração de ofício no interesse da coletividade. Exatamente por isso a função social limita o princípio da autonomia privada. Por outro lado, o artigo 421 comete um equívoco jurídico ao limitar a liberdade de contratar por- que, na realidade, pode a lei limitar a liberdade contratual e não a de contratar. Vamos aos conceitos. A liberdade de contratar é ilimitada e eis que se refere ao direito de celebrar o contrato; é inerente a todo o ser humano, por força dos ditames constitucionais (garantia individual). Todos podemos celebrar livremente o contrato. O que pode ser limitada é a liberdade contratual que, de acordo com as normas de ordem pública, será maior ou menor. Tal liberdade está condicionada à lei e, por isso, determinado contrato pode ser considerado nulo e não produzir os efeitos almejados pelas partes. É a liberdade contratual que se limita em razão da função social do contrato. Esse princípio se desdobra em dois efeitos: efeitos entre os próprios contratantes (eficácia inter- na) e efeitos com relação a terceiros (eficácia externa). Eficácia interna da função social Em se tratando dos efeitos com relação aos próprios contratantes, parte-se da ideia pela qual o contrato deve ser bom e justo para ambos os contratantes. Ninguém contrata para ser destruído ou para que finde o contrato arruinado. As partes contratam para que se atinjam os objetivos comuns quando ao término da contratação. Vários são os exemplos práticos que podem surgir a respeito da eficácia interna da função social. Bom exemplo sobre o tema se verifica na proibição da existência de cláusulas contratuais abu- sivas ou iníquas que gerem danos a um dos contratantes em detrimento do outro. O próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao explicitar as cláusulas abusivas, fulmina-as com a nulidade, por desatenderem a função social do contrato. São nulas as cláusulas contratuaisque: CDC, art. 51. [...] I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos pro- dutos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VI - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; VIII - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; IX - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; X - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: função social do contrato 17 XI - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIII - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XIV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XV - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. Clássica é a limitação que certos fornecedores impõem no tocante aos vícios do produto. Se um produto for durável (pode ser utilizado repetidamente), tal como um eletrodoméstico, um aparelho celular, uma mesa, o prazo que o consumidor tem para reclamar dos vícios de qualidade (aqueles que tornam a coisa imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem o valor) é de 90 dias (CDC, art. 26). Esse prazo se inicia com a entrega do produto e é válido se o vício for aparente ou com o seu surgimen- to, se o vício for oculto. O fornecedor pode dar garantia maior à prevista em lei, mas nunca inferior. Conceder menos di- reitos que os previstos em lei é ofender a função social do contrato. Outro interessante desdobramento quanto ao efeito interno da função social do contrato se ve- rifica quanto à multa contratual que recebe o nome de cláusula penal. Isso porque a cláusula penal não pode ser fixada em valor superior ao da obrigação principal (CC, art. 412). A regra tem sua razão de ser. A multa contratual chamada de cláusula penal estipula uma prefixação das perdas e danos, ou seja, se as partes combinam certa multa, provado o descumprimento do contrato pelo devedor, o credor poderá cobrar o valor da multa, sem que precise provar o efetivo montante do prejuízo (CC, art. 416). Assim, se o vendedor não entregar o carro vendido, a multa contratual não poderá ser superior ao valor do bem em questão, sob pena de enriquecimento sem causa. Da mesma forma, o comprador do terreno poderá ter multa pelo atraso no pagamento das prestações não superior a 10% (Decreto-Lei 22.626/33 – Lei da Usura). A multa sofre limitações para que se evite abusos pelo credor. Nesse sentido, o CC permite ao juiz que reduza o valor da multa, por equidade, se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio (CC, art. 413). A equidade, contrariamente à proporção, permite ao juiz que, na redução da multa, verifique as circunstâncias do caso concreto, não se valendo de um simples cálculo aritmético. Exemplifiquemos a redução da multa por decisão judicial com o contrato de locação. Em uma pri- meira hipótese, o locatário e locador firmaram, durante anos, diversos contratos de locação, todos por prazo determinado, sendo que o inquilino os cumpriu religiosamente. Entretanto, quando da vigência do último deles, por questão de revezes pessoais ou profissionais, vê-se o locatário impedido de conti- nuar a arcar com os aluguéis. Ainda que o último contrato firmado pelo prazo de 30 meses, com multa prevista de três alu- guéis, esteja apenas em seu primeiro mês de vigência, e o locatário resolva devolver o imóvel, pode o juiz reduzir a multa a valores bastante baixos, tais como apenas um montante simbólico, considerando, que no caso concreto, pelo histórico da relação jurídica havida entre as partes, a redução proporcional significaria verdadeira injustiça para com aquele inquilino. Por outro lado, se a relação demonstrar que o inquilino, durante o curso da locação, em inúmeros momentos, esteve inadimplente com o cumprimento de suas obrigações (pagamento do aluguel, da taxa Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 18 Princípios sociais do contrato: função social do contrato condominial, de impostos), usou o imóvel de maneira antissocial (o que acabou por gerar multas ao loca- dor pelo barulho constante do inquilino, festas “intermináveis”, destruição das áreas comuns), pode o juiz optar por reduzir muito pouco o valor da multa contratual, ainda que o inquilino esteja desocupando o imó vel faltando apenas dois meses para o fim do prazo contratualmente estabelecido. É a demonstração da justiça no caso concreto, que independe de cálculos aritméticos. Se o locatário só causou aborreci- mentos e prejuízos ao locador no curso do contrato, pode o juiz garantir que uma pequena redução da cláusula penal signifique, de certa forma, indenização, ainda que parcial, de tais prejuízos. Pelos exemplos fica clara a função social do contrato. Quanto melhor se cumprir o contrato, maior poderá ser a redução de multa de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Eficácia externa da função social Com relação à eficácia externa, o contrato pode ser bom e justo para ambos os contratantes, mas extremamente prejudicial a terceiros. Nesse sentido, o contrato não pode ser mais entendido como mera relação individual (que produz apenas efeitos inter partes). Devem-se considerar os seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Seria a função do contrato frente à sociedade e, por isso, a avença deve atender ao bem comum e não pode ser fonte de prejuízos para a sociedade. Em sua eficácia externa, a função social mitiga o princípio da relatividade dos efeitos. Nesse sen- tido, explica Humberto Theodoro Neto (2007, p. 75) que os novos princípios não eliminam os clássicos, derivados da autonomia da vontade. É verdade que a função social demanda uma reinterpretação da relatividade dos efeitos contratuais ou, ao menos, uma composição entre os dois princípios, sempre que, em dada situação concreta, estiverem em confronto porque o novo princípio revela preceito des- tinado a integrar os contratos em uma ordem social harmônica, visando impedir que prejudiquem a coletividade e certas pessoas determinadas. Dispõe o CC que: Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importân- cia que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos. Caso interessante se verificou entre as empresas de cerveja Brahma e Schincariol com relação ao cantor Zeca Pagodinho, que, durante a vigência de seu contrato com a Schin fez propaganda para a concorrente. Como a Brahma aliciou o cantor (prestador de serviços), foi judicialmente obrigada a pagar à Schin a importância que o Zeca Pagodinho receberia durante dois anos. Apesar de o contrato original ter sido celebrado entre a Schin e o Zeca Pagodinho, este acabou por produzir efeitos com relaçãoà Brahma, ou seja, uma terceira parte. Nesse sentido, os efeitos exter- nos da função social do contrato superando a noção da relatividade dos efeitos conforme preleciona Flávio Tartuce em suas aulas e palestras. Como um segundo exemplo dos efeitos externos da função social do contrato, poderíamos ima- ginar um excelente contrato entre um banco e uma construtora pelo qual, com boas taxas de juros, o primeiro empresta dinheiro para que a segunda construa um luxuoso hotel cujo impacto ambiental Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: função social do contrato 19 será bastante prejudicial à certa região. Apesar de bom para as partes, o contrato desatende à função social em se pensando na coletividade. Essa é a eficácia externa da função social. Em resumo, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 94), não basta que o contrato seja bom apenas para os indivíduos que o celebram, mas deve ser bom também para a sociedade. Assim, os contratantes não podem criar situações jurídicas que afrontem direitos de terceiros (fraude e dolo), nem podem terceiros agir, frente ao contrato, de modo a dolosamente lesar direito do contratan- te (ato ilícito, abuso de direito). Na abstenção de condutas contratuais nocivas a terceiros, portanto, é que se opera a função social do contrato (como limite à liberdade contratual). Texto complementar A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça1 (TARTUCE2, 2007) Introdução Em nosso livro A Função Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de demonstrar toda a evolução pela qual vem passando o contrato, particularmente todas as alterações substanciais pelas quais vem passando esse instituto, que é basilar e fundamental não só para o Direito Civil, como para todo o Direito Privado.3 Não vamos aqui repetir todos os conceitos que constaram naquela obra. Na realidade, o pre- sente trabalho serve como atualização antecipada do nosso trabalho, trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relação à função social dos contratos quanto à boa-fé objetiva. Isso, inclusive, para demonstrar que a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores vêm acompanhan- do essa tendência. De qualquer forma, é pertinente lembrar que, pela função social dos contratos, os negócios ju- rídicos patrimoniais devem ser analisados de acordo com o meio social. Não pode o contrato trazer onerosidades excessivas, desproporções, injustiça social.4 Também, não podem os contratos violar interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a proteção da dignidade hu- mana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil.5 Assim sendo, entendemos que a função social dos contratos traz consequências dentro do contrato (intrapartes) e também para fora do contrato (extrapartes). Como efeito intrapartes, citamos a previsão do art. 413 do novo Código Civil, exemplo típi- co de relativação da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda), justamente uma das Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 20 Princípios sociais do contrato: função social do contrato consequências da função social dos negócios jurídicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da cláusula penal se a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa é excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se da expressão “deve”, a redução é de ofí- cio, sem a necessidade de arguição pela parte interessada. Isso é confirmado pela natureza jurídica do princípio da função social dos contratos, de ordem pública, conforme previsão do artigo 2.035, parágrafo único, do próprio Código Civil.6 Como exemplo de efeitos extrapartes, citamos um caso em que o contrato, pelo menos aparen- temente, é bom para as partes, mas ruim para a sociedade. Podemos citar um contrato celebrado entre uma empresa e uma agência de publicidade. O contrato é civil e paritário, não trazendo qual- quer desequilíbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada é discriminatória (publicidade abusiva – art. 37, §2.º, do CDC), estando nesse ponto presente o vício. Pela presença do abuso de direito, o contrato pode ser tido como nulo, combinando-se os artigos 187 e 166, VI, do novo Código Civil – nulidade por fraude à lei imperativa diante do ato emulativo.7 [...] 1 Artigo publicado na Revista Científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Agosto de 2005. Coordenação Científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. 2 Graduado pela Faculdade de Direito da USP em 1998. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE-PUC-SP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor dos cursos de pós-graduação em Direito Civil, Direito Civil e Processo Civil e Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD). Autor e colaborador de obras jurídicas. Advogado em São Paulo. Site: www.flaviotartuce.adv.br. 3 Flávio Tartuce. A Função Social dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005. 4 Não se pode esquecer que o contrato é importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um dos mais brilhantes juristas da nova geração sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigação atualmente: “A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, formada por um conjunto de direitos, obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e outras situações jurídicas. A obrigação é tida como um processo – uma série de atos relacionados entre si –, que, desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interesse na prestação. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor ao credor existe o bem comum da relação obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade do credor e devedor”. (Dignidade Humana e Boa-Fé. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204). 5 “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. 6 Entendemos que a função social do contrato tem respaldo na Constituição Federal. Primeiro, na tríade dignidade-solidariedade- igualdade, que consubstancia o Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1.º, 3.º e 5.º da Norma Fundamental. Segundo, na função social da propriedade (art. 5.º, XXII e XXIII e art. 170, III da CF/88) (Flávio Tartuce. Função Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucional recomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004). 7 Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz deverá anular qualquer acordo de vontades pela simples ocorrência de um dano potencial à sociedade, mesmo que haja algum outro interesse comum (Luigi Ferri. La Autonomía Privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: função social do contrato 21 Atividades 1. Qual a diferença entre os efeitos internos e externos da função social? Dê um exemplo de cada. 2. O fato de a função socialser matéria de ordem pública tem qual significado jurídico? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 22 Princípios sociais do contrato: função social do contrato Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva Introdução e conceitos Todos os institutos jurídicos têm princípios que os norteiam, ou seja, regras que a eles se aplicam. Assim, veremos agora um princípio específico, qual seja, o da boa-fé objetiva, que vem disciplinada no artigo 422 do Código Civil (CC). Dispõe o artigo 422 do CC que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. O artigo disciplina a chamada boa-fé objetiva que não se confunde com a boa-fé subjetiva. Qual seria a diferença entre os institutos? Judith Martins-Costa (1999, p. 411) explica que boa-fé subjetiva denota estado de consciência ou convencimento individual de obrar em conformidade ao Direito. Essa se aplica no campo dos direitos reais e é subjetiva, pois se analisa a intenção do sujeito da relação jurídica. Já a boa-fé objetiva é mode- lo de conduta social, verdadeiro arquétipo, standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve obrar como um homem com retidão, probidade, lealdade e honestidade. A boa-fé subjetiva é chamada de boa-fé-crença ou também de boa-fé em sentido psicológico e corresponde à Gutten Glauben prevista no BGB – Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão). É a cons- ciência ou ausência desta diante de terminada situação jurídica (PASQUALOTTO, 1997, p. 111). E por que o nome de boa-fé subjetiva? Em razão do fato de ter direta relação com o sujeito. Se a pessoa conhece determinado fato ou não. Exemplos práticos ajudam no deslinde da questão. Determina o CC que “embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os côn- juges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória” (CC, art. 1.561). Imaginemos determinada pessoa, já casada, que pretende se casar novamente Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 24 Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva (bigamia) e, para tanto, engana sua noiva. O segundo casamento será nulo, mas produzirá efeitos à noiva enganada, porque ela estava de boa-fé, já que desconhecia o fato de seu marido já ser casado. Quanto ao marido, como agiu de má-fé (pois sabia que era casado), o casamento não produzirá efeitos. Em resumo, a esposa de boa-fé poderá manter o sobrenome do marido, se desejar, bem como terá direito a alimentos. Note-se que a boa-fé é o desconhecimento do fato de o marido ser casado. Na questão do vício oculto da coisa, a boa-fé subjetiva também produzirá efeitos. Se o vendedor sabia que o bem tinha um vício e não comunicou ao adquirente, agiu com má-fé (conhecia o vício) e, assim, além de ter que suportar o desfazimento do contrato ou abatimento do preço deverá responder pelas perdas e danos (CC, art. 443). Se o vendedor desconhecia o vício (estava de boa-fé), não terá que pagar e a indenização (perdas e danos), e apenas suportará o desfazimento do contrato ou abatimento do preço. Estudada a boa-fé subjetiva (conhecimento ou desconhecimento de certo fato), cabe o estudo da boa-fé objetiva prevista no artigo 422 do CC. Ensina Adalberto Pasqualotto (1997, p. 111) que, “do ponto de vista objetivo, a boa-fé assume a feição de uma regra ética de conduta. É a chamada boa-fé lealdade. É a Treu und Glauben do Direito alemão. Segundo Larenz, cada um deve guardar fidelidade à palavra dada e não defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia”. Segundo Mário Júlio de Almeida Costa (2001), a boa-fé objetiva ou em sentido objetivo, como norma de conduta, pode ser chamada de boa-fé em sentido ético, e se encontra presente no artigo 272 do Código Civil português.1 A boa-fé objetiva é o agir corretamente, com lealdade, sem causar prejuízo injustificado a outra parte, colaborando com ela. É ser ético e correto com o outro contratante. A boa-fé deve estar presente nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual. Nota-se, então, que o artigo 422 merece críticas da doutrina. Isso porque fala da boa-fé apenas na fase contratual, ou seja, no momento em que o contrato é concluído (formação pelo encontro de vontades) até o momento de sua extinção (cumprimento na prestação). Deixa de mencionar que a boa- -fé atinge, também, a fase pré-contratual e a fase pós-contratual. Assim, deve-se agir com boa-fé desde o início das negociações (antes da conclusão), bem como deve-se manter a boa-fé depois de extinto o contrato (fase pós-contratual). Dessa forma, na fase pré-contratual estamos diante da chamada culpa in contrahendo e na fase pós-contratual da chamada responsabilidade post pactum finitum. Analisaremos duas diferentes funções da boa-fé objetiva. A primeira, chamada de função ativa, é aquela pela qual surgem deveres para os contratantes que tem origem na cláusula geral de boa-fé, ou seja, que independem de expressa previsão legal ou contratual. Chama-se função ativa, porque um dos contratantes poderá exigir do outro a observância ao dever e o contratante que descumpri-lo pagará indenização ao outro contratante. A segunda função é chamada de reativa ou limitadora de direitos. Isso porque, se um dos contra- tantes for injustamente atacado pelo outro, poderá se valer da boa-fé como defesa. A boa-fé serve de escudo para repelir uma pretensão injusta. 1 “Art. 272. Quem negocia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nas preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.” Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva 25 Função ativa Além dos deveres primários ou principais decorrentes do tipo contratual, a boa-fé objetiva gera os chamados deveres anexos, laterais ou acessórios. Os deveres laterais complementam os deveres principais ou primários. Assim, em um contrato de compra e venda, por exemplo, é dever principal do comprador efetuar o pagamento do preço. Tais ele- mentos representam a alma da relação contratual, pois definem o tipo do contrato (COSTA, 2001, p. 65). Exemplo disso se dá no tipo compra e venda que se configura pela presença dos elementos res, pretium et consensus (coisa, preço e consentimento). Clovis Couto e Silva (2006, p. 38) esclarece não bastar que a parte contratante cumpra a prestação principal: “[...] as partes devem observar outras condutas que também se constituem em deveres”. Essas condutas são essenciais para que o contrato atinja seu fim qual seja o adimplemento. E quais seriam essas condutas? São os deveres que visam proteger a contraparte de riscos de danos na sua pessoa e no seu patri- mônio. Alguns exemplos ajudam a esclarecer os deveres laterais. Dever de segurança Cabe aos contratantes garantir a integridade dos bens e dos direitos do outro contratante, em todas as circunstâncias próprias do vínculo que possam oferecer algum perigo. Vários são os exemplos na vida cotidiana que indicam tal dever. Em um jardim zoológico, as jaulas dos animais devem ser projetadas de maneira que a vida e a saúde dos visitantes não sejam expostas a riscos. Assim, não basta a colocação de grades que impeçam o leão de escapar, mas é necessário que haja uma distância suficiente para que se impossibilite que um visitante consiga colocar suas mãos entre as grades. Os shopping centers e supermercados que, quando lavam o assoalho, colocam placas de aviso no chão com os dizeres “Cuidado: piso escorregadio” não o fazem apenas porque querem, mas sim por exigência de um dever de segurança como decorrência da boa-fé objetiva. As empresasconcessionárias de energia elétrica que, por meio de desenhos (geralmente cavei- ras e ossos) alertam as pessoas dos perigos de choque e do risco de morte em razão da alta voltagem, cumprem os ditames da boa-fé objetiva. Porém, o aviso escrito não basta em razão da existência de grande massa de pessoas analfabetas. Dever de lealdade Esse dever consiste na premissa de que a parte não deve agir de modo a causar prejuízos imoti- vados à outra. Não basta que se cumpra o contrato. Deve-se atentar para o princípio de que as partes devem agir de forma que melhor atenda aos seus interesses comuns. Alguns exemplos ilustram a questão. Em um contrato de compra e venda de determinado estabeleci- mento comercial, concluído o negócio e pago o preço, o vendedor e antigo proprietário do estabelecimento liga para todos os fornecedores informando da venda efetuada e pedindo para que estes não entreguem Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 26 Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva mercadorias para o novo proprietário. Notamos, nesse caso, que há evidente falta de lealdade e o vendedor acaba causando prejuízos imotivados ao comprador por puro espírito de emulação. Em um contrato de empreitada pelo qual o dono da obra se compromete a fornecer os materiais, a chamada empreitada de lavor, o empreiteiro não pode agir de maneira negligente, desperdiçando o que lhe é fornecido, já que o prejuízo não será por ele suportado. Faltaria o dever de lealdade decorren- te da boa-fé objetiva. Em idêntico sentido, o segurado que em razão de contratação de seguro e assunção dos riscos por terceiro passa a dirigir seu carro sem observar os mínimos deveres de atenção e cuidado, na certeza de que não suportará eventuais danos. Nesse caso, sua ação denota que não há preocupação com os ônus que causará ao outro contratante. Dever de informação É o dever de comunicar à outra parte de fatos relevantes envolvendo o objeto do contrato. Cabe ao contratante detentor da informação ou de determinado conhecimento técnico expor detalhada- mente ao outro contratante (que ignora o fato ou não dispõe de informação técnica), antes de firmado o contrato, tudo o que for relevante com relação ao contrato, seu objeto e sua execução. O dever de informação persiste ainda que a comunicação possa prejudicar o contratante que detém a informação. Em se tratando de relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor prevê expressa- mente o dever de informação, em seu artigo 6.º, inciso III, pois determina ser direito do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresenta. A regra tem sua razão de ser. O fornecedor de produtos e serviços conhece aquilo que oferece, pois detém o conhecimento técnico a respeito da produção e de eventuais riscos que podem ser causados pelo bem colocado no mercado. Como o consumidor, na qualidade de tecnicamente vulnerável2, desconhece tais informa- ções, é dever do fornecedor informar de maneira clara e completa. O Código de Ética e Disciplina, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também exige do advo- gado que preste informações completas ao seu cliente antes da propositura de certa demanda, ainda que isso leve o cliente a não efetuar a contratação. Dever de cooperação Por fim, há, também, o dever de cooperação, ou seja, a ajuda que uma parte deve prestar a outra para a consecução dos fins do contrato. Exemplificamos. Não se trata de obrigação do empreiteiro a obtenção da autorização da Prefeitura para início das obras em determinado imóvel. Entretanto, deve este cooperar para que a autorização seja 2 “Claro está que a vulnerabilidade característica do consumidor não é a científica nem a socioeconômica, mas sim a técnica. Isso porque o consumidor desconhece tecnicamente o objeto que está adquirindo. Um médico ao adquirir um computador para seu consultório certamente não estará objetivando sua transformação para nova venda, mas o seu simples uso. Nesse caso, será considerado destinatário final fático e econômico do bem e preencherá a característica da vulnerabilidade técnica, pois se presume que não tem conhecimento específico sobre o objeto adquirido” (SIMÃO, 2003, p. 34). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva 27 obtida pelo proprietário, quer seja fornecendo as plantas do imóvel, quer seja dando esclarecimentos técni- cos solicitados pelo Poder Público, quer seja adequando o projeto às normas de construção. Outra hipótese em que se verifica o dever de cooperação ocorre no contrato de compra e venda de imóveis no qual o comprador efetuará um mútuo pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) para pagar parte do preço. O vendedor, ciente de que o comprador precisará de vários documentos que serão apresentados ao banco que financiará a compra, apesar de não ser parte no contrato de mútuo, deve cooperar com o comprador, fornecendo as informações necessárias com relação a si e a seu imó- vel. Note-se que o êxito da compra, nesse exemplo, dependerá da cooperação do vendedor para que o comprador obtenha o almejado financiamento. A cooperação significa maior chance de conclusão ou de adimplemento do contrato. Função reativa Analisada a função ativa da boa-fé objetiva, ou seja, os deveres laterais que surgem em decor- rência da própria boa-fé, independentemente de sua previsão legal ou contratual, necessário se faz o estudo da boa-fé em sua função reativa, usada como exceção, para a defesa de determinada pessoa que é injustamente atacada por outra. Exemplo da função reativa é o chamado venire contra factum proprium. As atitudes do contratante geram justas expectativas no outro contratante. A linha de conduta assumida não pode ser contrariada pelo próprio agente por meio de um ato posterior (PASQUALOTTO, 1997, p. 124). Venire é a proibição de um comportamento contraditório. Significa o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente (MENEZES CORDEIRO, 2001, p. 742). Tem como requisito a existência de dois comportamentos lícitos de uma mesma pessoa, separados por determinado lapso temporal, sendo que o segundo comportamento contraria o primeiro. Se o inquilino, em um contrato de locação por prazo indeterminado, garante ao proprietário que permanecerá no imóvel por mais um ano, mas, decorridos 30 dias, efetiva notificação para a denúncia vazia da locação, estará contrariando a boa-fé objetiva em decorrência do venire contra factum pro- prium. Nessa situação, o titular de um direito (inquilino), manifesta a intenção de não exercer seu direito de resilição, mas o exerce. Da mesma forma, se o proprietário notifica o inquilino para desocupação em razão de o contrato ter sido prorrogado por prazo indeterminado, e após 30 dias da notificação não propõe a ação de des- pejo, deverá fazer nova notificação ao inquilino, pois a não propositura da demanda (inércia do proprie- tário) é contraditória à notificação pedindo a desocupação. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 28 Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva Texto complementar Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium (PENTEADO1, 2007) Apresentação da proposta e justificativa: a ideia de precedente judicial Há várias decisões judiciais relevantes, no sistema brasileiro, a respeito da doutrina do que se vem denominando de vedação ao comportamento contraditório. Entretanto, uma delas, já nem de todo recente, apresenta a vedação da atuação em duplo sentido, de modo claro, à luz do que denomina teoria dos atos próprios.2 A partir dela talvez seja possível lançar algumas considerações específicas sobre o tema da boa-fé objetiva,notadamente com relação à proibição de incorrer na figura denominada de venire contra factum proprium. O objetivo do artigo é procurar organizar as diferentes figuras da boa-fé objetiva e, detectando aquela pertinente ao venire contra factum proprium, verificar de que modo a decisão a aplica, para, finalmente, expandir seus argumentos para outros casos possíveis de solução de acordo com idên- ticos ou ao menos semelhantes critérios de identificação. Antes de aprofundar nos argumentos da decisão em si mesma considerada, portanto, analisaremos alguns temas de teoria do direito obriga- cional correlatos à figura do venire, bem como o papel da jurisprudência na percepção e construção de peculiares “locais” do sistema de direito privado. A decisão selecionada é referente a um dos inúmeros casos envolvendo um loteamento irregu- lar feito pelo município de Limeira. Sua ementa já é de todo significativa: “Loteamento. Município. Pretensão de anulação do con- trato. Boa-fé. Atos próprios. Tendo o município celebrado contrato de promessa de compra e ven- da de lote localizado em imóvel de sua propriedade, descabe o pedido de anulação dos atos, se possível a regularização do loteamento que ele mesmo está promovendo. Art. 40 da Lei 6.766/79. A teoria dos atos próprios impede que a administração pública retorne sobre os próprios passos, prejudicando os terceiros que confiaram na regularidade de seu procedimento”.3 O julgado, da lavra do Min. Ruy Rosado de Aguiar, como muitos outros relatados por ele, enfrenta um complexo tema de fato e de direito à luz de uma doutrina translúcida e sedimentada. Entretanto, o objetivo deste trabalho é procurar, a partir do caso concreto, sistematizar uma dogmática dos atos próprios, procurando compreender do ponto de vista da teoria geral do direito, qual sua específica e particular circunscrição, especialmente tomado o modelo da teoria geral da relação jurídica. Justifica-se tal tipo de procedimento quer pela compreensão que temos da importância do precedente judicial como fonte do direito, – já apontada em nosso trabalho de doutoramento4 – quer pela necessidade de exame aprofundado da racionalidade destas, para procurar a coerência com o sistema e uma justificativa que, ultrapassando razões políticas e ideológicas possa se situar, heuristicamente, no campo propriamente jurídico, a ponto de se poder afirmar ou infirmar que se trata de uma boa decisão judicial. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva 29 A argumentação jurídica deveria ter – nem sempre tal se verifica – uma específica maneira de prestigiar o caso concreto, a qual propiciasse uma expansão dos argumentos da decisão para outras análogas, bem como uma comunicação maior entre jurisprudência ou ainda dos casos judiciais com a doutrina. “É importante frisar que toda decisão judicial encerra uma operação complexa de racio- cínio, não podendo ser considerada como um fim último, mas, sim, como um destacado elemento no processo contínuo de resolver pendências no foro do direito. O Judiciário não se presta exclusi- vamente para decidir conflitos concretos, mais ainda deve cuidar para que as suas decisões possam servir de orientação para casos futuros”.5 Já Karl Larenz identificava a necessidade de um lado e o descuido de outro no tratar teorica- mente decisões e precedentes judiciais. Em suas palavras: “em contrapartida, a interpretação de re- soluções judiciais tem sido surpreendentemente descurada, até o momento, na teoria, ao contrário da interpretação das leis e dos preceitos jurídicos”.6 Deste modo, procura-se insistir na necessidade desta específica mudança de perspectiva apta a verificar quais sejam as razões profundas desta decisão em particular e também procurar interpretá-la do com a mesma intensidade com que se procura interpretar ordinariamente a “lei” e os “preceitos jurídicos”. A surpresa de Larenz justifica-se por várias razões, desde o descaso com o estudo da juris- prudência como fonte de direito, quer diante do fato de que há certo receio de que o estudo de caso seja visto ou como matéria exclusiva dos estudos próprios do sistema de common law, quer como uma atividade de certo modo redutora das potencialidades da dogmática, no que esta apresenta de potencial generalizador e abstrator. Para muitos, parece que o estudo do caso é algo que deve ser deixado em segundo plano porque o caso, ao fim das contas é um exemplo secundário dentro do discurso teórico, este sim importante e plenamente satisfatório, na exata medida em que poderia abranger um sem número de casos concretos e seria, deste modo, do- tado de muito maior força normativa.7 Para provar essa assertiva basta ver o tratamento dado ao estudo da jurisprudência nos manu- ais brasileiros clássicos e nos tradicionais livros de acompanhamento de curso de bacharelado, ou ainda o papel reconhecido a esta como fonte de direito.8 Os julgados de sentido uniforme ou vêm versados, insista-se, como exemplo da teoria, ou como fundamentação de assertivas teóricas, mas nunca como substrato a partir do qual se constrói ou se reconstrói a teoria afirmada. A trajetória dessas linhas propõe-se, de certo modo, a questionar tal tendência. Entretanto, para que tal tarefa seja possível, conviria apresentar ao menos o pano de fundo do que seja a teoria dos atos próprios, invocada pelo julgado, para que, bem compreendida, possa ser confrontada com o teor da decisão, não para incorrer no mesmo erro que se critica, mas visando dar a moldura do argumento invocado na decisão, até para que se perceba, logo de início, os seus méritos. Autores como Capitant concebem, entretanto, papel central para a jurisprudência, afirmando inclusive que chega a se apresentar como um direito costumeiro moderno. Diz, poeticamente, que ela completa, enriquece, modifica, cobre de uma vegetação nova o direito escrito encontradiço nos textos legislativos.9 O acórdão que pretendemos aqui analisar pode ser visto, em si mesmo, como um interessan- te precedente judicial. Por precedente judicial pode-se entender diversas entidades, mas procu- ramos ter a visão de que o precedente: i) é um caso julgado; ii) dotado de argumentação jurídica racional; iii) que se presta a extensão a demais casos a serem julgados. Tem assim, uma construção Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 30 Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva retrospectiva e uma vocação prospectiva. A construção retrospectiva funda-se no fato de que se trata de uma decisão, de um corte que demonstra uma argumentação voltada para a solução do caso, solução esta que é apresentada e fundamentada de modo a que se possa identificar como um todo dotado de sentido intrínseco, ainda que por vezes esse sentido necessite muitas vezes ser reconstruído logicamente. A vocação prospectiva verifica-se nas situações em que a decisão pode ser estendida para casos a julgar ou julgados que guardem analogia de fato ou de direito com o caso já decidido pelo precedente. Ou seja, o verdadeiro precedente pode ser utilizado, de diferentes modos, a casos futuros. [...] 1 Mestre e Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). Professor do Curso de Especialização em Advocacia Cível da Fundação Getulio Vargas (FGV). Professor do Curso de Especialização em Direito Contratual da COGEAE-PUC-SP. Professor dos Cursos de Especialização em Direito Civil; Direito Civil e Direito Processual Civil e Direito Contratual da Escola Paulista de Direito (EPD). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Privado (RT) Membro do Corpo de Pareceristas da Revista Direito-GV (Edesp). Advogado em São Paulo. 2 Sobre a matéria ver, entre outros, Alejandro Borda, La teoria de los actos proprios, 3. ed., Buenos Aires, Abeledo Perrot, 2000. 3 STJ, 4.ª T, Resp 141879/SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v.u.,j. 17/03/1998, DJU 22/06/1998, p. 90. 4 Efeitos Contratuais Perante Terceiros, Tese, USP, 2006. 5 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: RT, 2004, p. 25. 6 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 3. ed., Lisboa: FCG, 1997. Trad. José Lamego. p. 506. 7 Mostra a importância do precedente judicial e sua verdadeira virtualidade aplicativa. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: RT, 2004, p. 18. 8 Venosa, por exemplo, após parecer inicialmente compreender o papel da jurisprudência como central, trata do modo como o professor deve fazer uso dela de forma lacônica: “Ademais, é essencial que o professor, na sala de aula, não se limite a expor os dogmas do Direito, mas que vincule esses ensinamentos ao direito vivo, a ilustrações de casos práticos, decididos pelos tribunais” (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – Parte geral, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003. p. 48). Ou seja, acaba, no fim das contas, reduzindo a jurisprudência a uma forma de exemplificação das leis e da doutrina. Orlando Gomes, por sua vez, chega a identificar um direito judiciário, mas após expor a existência de teses que propugnam pelo enquadramento da jurisprudência como fonte do direito, decide-se pela negativa: “Mas esse direito judiciário, muito restrito, aliás, não chega a ser fonte formal, porque a regra criada no julgamento não possui os caracteres de generalidade, abstração e permanência, próprios das normas jurídicas. Por outro lado, é incontestável a influência dos precedentes, que conduzem a uniformidade dos julgamentos, mas, desde que não têm força obrigatória, os juízes não estão adstritos a segui-los” (Introdução ao Direito Civil, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 46). É interessante que autores tradicionais, como Washington de Barros Monteiro, por exemplo, tendam a verificar um papel mais pronunciado para a jurisprudência, dedicando inclusive mais páginas ao tratamento do tema e, inclusive, dando exemplos concretos de como atuou historicamente para preencher lacunas ou para criar o direito do caso concreto de modo espontâneo e próprio, a ponto de se reconhecer nela ao menos uma característica, ainda que remota, de fonte do direito: “O homem caminha segundo sua fantasia e a lei claudica; o homem reclama e a lei é surda. É a jurisprudência que forçosamente segue o homem e o escuta sempre. O homem não lhe impõe seus arestos, mas por sua livre vontade, força-a a pronunciar-se. Em algumas matérias, como na referente à locação, a jurisprudência antecipa-se ao trabalho legislativo, chegando mesmo a abalar conceitos jurídicos tradicionais” (Curso de Direito Civil – parte geral, 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2003. p. 21). 9 CAPITANT, Henri. De la Cause des Obligations. 3. ed. Paris: Dalloz, 1927. p. 10. Atividades 1. Qual a diferença entre boa-fé objetiva e subjetiva? Dê um exemplo de cada. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva 31 2. Por que a redação do artigo 422 do Código Civil revela-se incompleta? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 32 Princípios sociais do contrato: boa-fé objetiva Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Direitos reais: noções iniciais e propriedade O Código Civil (CC) trata, em seu Livro III da Parte Especial, do Direito das Coisas e, já no Título II, utiliza a nomenclatura de Direitos Reais, sendo, portanto, importante consignar que não são expressões sinônimas. Ao contrário, o termo Direito das Coisas é mais amplo, englobando, além dos direitos reais, a Posse e os Direitos de Vizinhança. Conceito de direitos reais É o conjunto de princípios e normas que regula a relação entre pessoas formada em torno de bens.1 Teorias informadoras Há duas principais teorias informadoras dos direitos reais, a saber: Realista :::: – é a que acredita ser possível uma relação jurídica entre a pessoa e a coisa, dis- pensando-se a figura de um sujeito passivo. Para essa teoria, a relação jurídica dar-se-ia tão somente entre o titular do direito real e o objeto sobre o qual exerce seu domínio (exemplo: o dono da fazenda travaria relação jurídica direta com ela). Personalista:::: – surgiu como reação à teoria realista e entende que não há relação jurídica entre pessoa e bem, e sim entre pessoas com vistas a bens. Os bens existem para servir à sociedade, sendo que todo vínculo de Direito tem por pressuposto a pessoa humana. 1 Somos, com o Silvio Rodrigues (2002), adeptos da corrente que entende que coisa é gênero, do qual bem é espécie, sendo este toda a coisa com valor econômico apropriável pela pessoa. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 34 Direitos reais: noções iniciais e propriedade Do conceito que expusemos, resta evidente que nos filiamos à corrente personalista, afinal não concebemos que possa haver contraposição de direitos e deveres entre bem e pessoa humana, o que há, em verdade, é mera sujeição do bem ao poder (domínio) da pessoa, que, sobre ele, exerce direitos. Principais características dos direitos reais Absolutismo:::: – não significa que o titular do direito real pode agir como bem quiser em rela- ção ao bem, mesmo porque está constitucionalmente obrigado a destiná-lo ao cumprimento de sua função social. O absolutismo significa que o titular do direito real tem o poder jurídico de fazer valer seu direito contra todas as demais pessoas do universo (oponibilidade erga om- nes2), ou seja, pode exigir de quem quer que seja que se abstenha de praticar qualquer ato que ameace o exercício legítimo de seu direito. Assim, por exemplo, o proprietário pode impedir que terceiros usem o bem que lhe pertence, ou mesmo invadam sua propriedade. Cumpre assinalar que, em razão dessa oponibilidade erga omnes, o bem sobre o qual recai o direito real deve ser perfeitamente determinado, a fim de que as pessoas tenham condições de saber com exatidão a extensão de sua limitação. Sequela:::: – o direito real adere ao bem, submetendo-o diretamente ao domínio de seu titular. Como consequência disso, o titular do direito real pode buscar o bem das mãos de quem quer que injustamente o possua ou detenha. Assim, por exemplo, se João, mediante fraude, “vende” a Paulo um imóvel pertencente a Carlos, e Paulo, de boa-fé, aliena esse bem a Maria, Carlos po- derá reivindicar dela o imóvel, independentemente dela estar ou não de boa-fé. O bem poderá ser retirado de uma pessoa que injustamente o detenha. Numerus clausus:::: – os direitos reais, em razão de gerarem dever de abstenção para todas as demais pessoas que não o seu titular, são criados pela lei e só pela lei. Devemos lembrar que, pelo princípio constitucional da legalidade, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, ora, se o direito real gera dever universal de abstenção (ninguém pode atrapalhar o proprietário no uso da coisa), tal dever só pode decorrer da lei sob pena de inconstitucionalidade. Preferência:::: 3 – o titular de um direito real de garantia tem a prerrogativa de receber seus cré- ditos antes de outros credores que não possuem essa espécie de garantia. Contudo, cumpre anotar que os direitos reais de garantia cedem passo a alguns créditos com preferência legal como, por exemplo, o trabalhista e o acidentário. Assim, se certa pessoa é credora e tem hipo- teca sobre o imóvel, terá preferência no recebimento do crédito com relação aos credores que não têm a garantia (são chamados de quirografários). Exclusividade :::: – sobre o mesmo bem e ao mesmo tempo não incidem dois direitos reais idên- ticos. 2 Erga omnes, do latim, contra todos. Usado para determinar a obrigatoriedade de uma norma ou regra para todos, sem exceção. 3 Preferimos a expressão preferência à expressão
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