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A Abordagem Sociocultural do Desenvolvimento Humano
A Psicologia do Desenvolvimento tem-se apresentado como um campo de estudos e práticas cada vez mais amplo e importante no contexto atual. Fugindo de uma concepção pautada apenas em questões relativas à aprendizagem ou à maturação, compartilhamos do entendimento, cada vez mais difundido, da característica eminentemente social desse desenvolvimento, em um processo que transcorre durante todo o ciclo vital. Nesse sentido, falar de desenvolvimento não significa falar do ‘amadurecimento’ de um bebê, mas, sim, da complexidade que envolve as relações humanas, onde todos os parceiros estão em um processo infindável de negociação. Daí falarmos da abordagem sociocultural do desenvolvimento humano.
Algumas perguntas se tornam imperativas nessa reflexão. Qual o papel da interação social no desenvolvimento? Como nos constituímos enquanto indivíduos? O que exatamente significa pensar o homem como sujeito social e histórico, imerso em um contexto cultural? Que repercussões existem a partir da adoção de uma abordagem sociocultural do desenvolvimento? Tais questões não serão encerradas aqui, mas alguns caminhos foram traçados na tentativa de compreensão de processos cognitivos, afetivos e culturais que englobam a nossa forma de ser e agir no mundo. A abordagem sociocultural tem-se apresentado, dessa forma, como uma perspectiva fundamental para pensarmos o papel das interações sociais no desenvolvimento. Um fértil caminho tem sido construído, tendo como um de seus precursores Lev S. Vygotsky (1896-1934)4, cuja obra apresenta ainda hoje um aspecto contemporâneo.
Essas são perguntas cruciais que têm permeado grande parte do saber psicológico e sociológico ao longo das últimas décadas. Estamos falando de uma Psicologia que, mesmo algumas vezes pautada em paradigmas individualistas e normatizadores, tem visto a emergência cada vez mais consistente de um corpo teórico voltado para a tentativa de explicar o homem como sujeito social. Qualquer campo de conhecimento, em si mesmo, já é uma produção cultural e histórica, composta por valores e afirmações que denunciam o pensamento dos seus componentes. Além disso, esses mesmos valores e afirmações se modificam ao longo da sua história, demonstrando a plasticidade não só do homem, mas da sociedade da qual ele faz parte e que o envolve.
Nas trocas sociais, isto é, na interação dos sujeitos entre si, a cultura se organiza e se configura através de uma permanente transformação. As relações sociais que se estabelecem nos diferentes contextos culturais partilhados, que nos constituem, são entendidas aí como o núcleo central do desenvolvimento humano, através de um processo que se estende por toda a vida. Considerar a primazia desse aspecto social não significa, no entanto, desvalorizar a atuação do homem como sujeito ativo, portador de uma individualidade, pois ele é construído ao mesmo tempo em que constrói, sendo produto e produtor da sua própria história. Mas como é possível pensar em uma autonomia do homem - o que significa em certo sentido a questão da sua ‘responsabilidade’ - se o fator social é encarado de forma tão determinante? Em outras palavras, se o social é tão fundamental na construção das subjetividades humanas e nas ações que delas derivam, há realmente lugar para individualidade e autoria do homem nessas ações?
Um caminho perigoso talvez seja o de adotar uma posição radical de favorecimento a um desses dois pólos, já que eles na verdade são fundamentalmente interligados. Ao considerar a primazia dos aspectos sociais, não é retirada do sujeito a sua responsabilidade e ação singulares sobre o mundo. Como nos apontam asconcellos e Valsiner, “mesmo sob condições de sugestão social variadas, cada indivíduo constrói a novidade cultural em uma forma única, com sentido subjetivo, individualmente variado” (1995, p. 80).
Ao agir no seu meio, o homem o modifica, através não só da sua força de trabalho, mas de todas as suas ações, o que ocorre por meio de ferramentas, instrumentos ou signos os mais diversos. Segundo Lane (1995), 
Vygotsky e Leontiev, entre outros, partindo da idéia de que o ser humano constitui-se como tal, ao longo da história da humanidade, pela cooperação com outros homens no trabalho de sobrevivência (...), criaram as bases sólidas para a elaboração de uma psicologia materialista-histórica e dialética. De acordo com esta postura, o homem - fisiológico e psicológico - mais a sociedade e sua história são indissociáveis de tal forma que toda a psicologia humana é, necessariamente, social (p. 67).
Mesmo estando envolvido por um meio social amplo e por uma cultura definida, são as suas intenções enquanto sujeito singular que o norteiam. Não há subordinação, mas sim inter-relação do indivíduo com os outros indivíduos e com o meio social do qual fazem parte, o que pode ser pensado até no desenvolvimento inicial de um bebê, quando o vemos claramente demonstrando a sua ação e vontade nas relações que estabelece.
Como nos apontam Vasconcellos e Valsiner (1995),
A criança constrói sua compreensão pessoal do mundo dentro dos limites fornecidos pela sociedade (gerações anteriores), porém indo, quase sempre, além dos mesmos. O processo de construção da subjetividade (ou individuação, numa linguagem mais walloniana), é aqui compreendido como a construção simultânea de intersubjetividades possíveis, que ocorrem em atividades coletivas, onde a criança vai construir, a partir do seu sincretismo inicial via vida de relação, seu espaço próprio de brincadeiras, e o adulto, seu espaço próprio de viver (p. 88).
O confronto dialético entre diferentes teorias e saberes, tão reivindicado por Lev S. Vygotsky, tem-nos possibilitado a análise de diversas abordagens, na tentativa comum de compreensão dos processos de desenvolvimento humano. Nesse sentido, uma das principais contribuições desse autor se dá ao ressaltar a necessidade de reconhecermos a interligação dos aspectos biológicos e sociais em tais processos. Duas linhas de desenvolvimento estão fortemente relacionadas: a natural e a cultural, e falar do biológico é, em certo sentido, falar também de universalidade.
Estamos imersos em um contexto sociocultural que nos faz viver e nos constitui na e pela interação com os outros sociais. De acordo com a perspectiva vygotskiana e walloniana5, o desenvolvimento da criança ocorre na dialética dos processos maturacionais (biológicos) e culturais (sociais). Como nos diz Galvão,
Mais determinante no início, o biológico vai, progressivamente, cedendo espaço de determinação ao social. Presente desde a aquisição de habilidades motoras básicas, como a preensão e a marcha, a influência do meio social torna-se muito mais decisiva na aquisição de condutas psicológicas superiores, como a inteligência simbólica. É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução (Galvão, 1995, p. 40).
É impossível negar a importância das funções biológicas do homem, mas há que se considerar que existem muito mais aspectos que ultrapassam a linha de desenvolvimento natural, do que aspectos que ficam restritos a ela. Um bebê só pode aprender a caminhar quando tiver seu desenvolvimento motor apto para tal, mas a forma como ele vai iniciar a marcha varia consideravelmente de uma cultura para a outra e entre os indivíduos dentro de uma mesma cultura. A perspectiva sociocultural apresenta, nesse sentido, uma orientação que não tem sido nem universalista nem relativista radical. E como foi também apontado por Rogoff e Chavajay (1995), e descrito por Seidl de Moura (1999a), “as investigações têm focalizado tanto variações quanto semelhanças entre indivíduos de determinadas comunidades, entre comunidades e entre diferentes práticas” (p.19).
Tomando o aspecto da linguagem, por exemplo, é fato que as crianças, por volta dos 12 meses de idade, começam a pronunciar as primeiras palavras, sob condições gerais. Isto pode ser classificado de forma ‘universal’, mas inúmeros outros aspectos podemser acrescentados a isso, como, por exemplo, o fato de, em determinadas culturas, as primeiras palavras aprendidas serem as relativas a objetos, e em outras culturas serem a nomeação dos parceiros mais próximos de interação. Em determinadas culturas, o desenvolvimento da linguagem da criança é intensamente valorizado, enquanto em outras ele não tem uma importância bem definida, passando a ser mais marcante apenas quando a fala adquire uma estrutura lógica e tem um sentido semanticamente aceito.
Tais diferenças podem também ser pensadas acerca das metas de socialização, que se diferenciam de uma cultura para a outra. Por volta dos dois ou três anos de idade, pelo fato de diversos outros campos sociais serem oferecidos à criança, além do grupo social primário - sendo este basicamente o núcleo familiar -, há uma significativa mudança nos padrões de desenvolvimento da criança. Por exemplo, as crianças alemãs entram no jardim de infância; na Índia, “chuakarma” indica que a criança está pronta para o processo de “disciplinização” (Keller, 1998), e no Brasil, assim como em outras sociedades urbanas, um exemplo cada vez mais significativo da introdução de novas metas de socialização tem sido a entrada das crianças na creche ou pré-escola, ocorrendo esta de forma cada vez mais precoce.
Os diversos ‘dilemas’ dentro da Psicologia (“linha de desenvolvimento natural X linha de desenvolvimento cultural”, “autonomia X determinismo”, “subjetividade X objetividade”, “interpretação X explicação”, “processo X produto”, etc.), que perduram ao longo do tempo e ainda hoje são objetos de intensa discussão, devem ser necessariamente pensados de forma interligada, e não excludente. Dessa forma, escolhemos cinco pontos básicos que delimitam um corpo teórico comum na abordagem sociocultural para fundamentarmos nossa perspectiva. Tais pontos são os aspectos social, cultural, histórico, genético e interacionista, que serão discutidos a seguir.
O aspecto social, algumas vezes de difícil explicitação na Psicologia Social e principalmente na abordagem sociocultural do desenvolvimento, devido a sua demasiada amplitude, configura-se como o ponto central neste referencial. Falar do caráter histórico, genético, cultural ou interacionista só faz sentido se partirmos do pressuposto de que o homem é um ser, antes de tudo, social. Por viver em um mundo de ‘trocas sociais’, que acontecem através dos mais diversos instrumentos e signos, o homem se afirma como sujeito de relação. A formação social da mente humana, que traz à tona a ênfase na experiência no mundo para a configuração do sujeito - apontada por vários autores, mas ainda simplesmente ignorada ou colocada em segundo plano por inúmeros outros - é o elo central da chamada Psicologia Social. Como nos aponta Seidl de Moura (1999a), a interação social é o fator constitutivo do desenvolvimento, como processo que se dá no contexto social.
Imersos em um espaço amplo de partilha, os indivíduos se inserem em contextos culturais específicos, compostos por valores, códigos e papéis definidos. Cultura é um conceito oriundo das Ciências Sociais, mais especificamente da Antropologia, e possui diversas definições distintas. Neste trabalho, no entanto, é adotada a mesma conceituação de Seidl de Moura (1999a), onde
A relação entre cultura e cognição é vista como um fenômeno intersubjetivo, que se dá na interação entre as pessoas, sendo a cultura um sistema de conhecimento não estático e um sistema de crenças necessário para que se possa operar de forma aceitável para os membros de um grupo. (...) As pessoas mostram aos outros o que sabem e estes interpretam essas demonstrações e dão sentido a elas. (...) A unidade de análise não são pessoas individuais ou dimensões culturais abstratas, mas, sim, situações socialmente construídas” (p. 16 e 17).
Certamente a questão da cultura é delimitada ainda de forma extremamente superficial, o que torna necessária a reflexão sobre esse sistema de códigos, valores e crenças que coordena e influencia um grupo específico de pessoas. Nesse sentido,
(...) as variações culturais envolvem crenças, conceitos, regras, preferências e outras idéias no ambiente da criança e sua organização como códigos de comunicação, corpos de conhecimento, padrões de competência e prazer, e modelos de virtude e pecado. (...) É a cultura que vai constituir o quadro de referência subjetivo no qual as condições materiais e sociais são experimentadas pela criança e pelos adultos que cuidam dela (Seidl de Moura, 1999a, p. 53 e 54).
O meio social é composto de múltiplas culturas, e cada cultura, por sua vez, é composta de diversos sistemas de crenças e valores, códigos e representações sociais. Assim, mesmo que ainda exista um grande debate, considera-se que a Psicologia tem podido questionar esse social como exclusividade da Sociologia. No entanto, se o locus de análise da Sociologia é a sociedade, e o da Psicologia é o indivíduo, precisamos nos policiar para não reduzirmos o foco da Psicologia Social à análise do indivíduo em sociedade. Precisamos partir em direção a uma interpretação não só dos fatores individuais nos grupos, mas principalmente da formação dos indivíduos a partir desses mecanismos sociais.
Ao pensarmos o caráter histórico das relações humanas, consideramos que o homem está imerso em um sistema temporal e localizado. A história universal é constituída de fatos e ações situadas em tempo e lugar definidos, mas sem uma determinação causal. História é mudança, no sentido de que ela é construída e modificada a todo momento. Uma ‘história de vida’ é marcada por inúmeras outras histórias, fazendo parte de um cenário coletivo político, econômico e social. O caráter histórico refere-se, então, ao momento que engloba e constitui a existência do indivíduo, e que mesmo não tendo o determinado, o fundamenta. O desenvolvimento, nessa perspectiva, é um processo em permanente reformulação, e que é diretamente influenciado pelas experiências vivenciadas. A história constrói cada momento da existência do indivíduo, configurando a cultura e, conseqüentemente, as interações vividas.
O aspecto genético da abordagem sociocultural é também de fundamental importância. Ao analisarmos a gênese dos processos mentais, podemos conhecê-los de maneira mais completa. Nesse sentido, as interações iniciais do bebê com a mãe e os seus outros parceiros privilegiados, durante os primeiros anos de vida, configuram-se como essenciais à compreensão dos processos cognitivos e mentais do homem, considerando-os extremamente vinculados aos processos emocionais e afetivos, como bem nos demonstrou Henri Wallon (1879-1962).
A abordagem teórica de Wallon está centrada no caráter social do desenvolvimento humano, atribuindo uma profunda vinculação entre afetividade e movimento. “Wallon está interessado em compreender como se desenvolve a pessoa - ele não está apenas preocupado com a questão da inteligência ou da afetividade, mas com a pessoa no conjunto” (Galvão, 1999, p. 3). Na concepção de Wallon, antes do aparecimento da linguagem a criança se comunica com o ambiente através, basicamente, da linguagem do corpo, chamada por ele de diálogo tônico. Wallon traz à tona uma interessante discussão sobre afetividade, e nesse ponto não podemos deixar de considerar a extrema relação entre os processos cognitivos e afetivos. Tal questão, entretanto, ainda é muito pouco investigada, devido talvez à dificuldade e complexidade em estabelecer estudos acerca desse tema.
Além dos prismas social, cultural, histórico e genético, uma outra base fundamental na perspectiva sociocultural é seu caráter interacionista. O homem é um sujeito de relação, e é justamente na troca com os outros sociais e com o ambiente que o circunda que ele se constitui, construindo história e cultura. Nas trocas intersubjetivas, através das experiências com nossos parceiros de interação, podemos ter acesso ao sistema que nos envolve. “É na experiência sensível da interação com os outros sociais que as necessidades do homem sãocriadas, satisfeitas e transformadas na vida de relações” (Vasconcellos & Valsiner, 1995, p. 6).
A intersubjetividade pode ser definida como uma compreensão compartilhada de significação (Seidl de Moura, 1999b, p. 3), sendo condição fundamental para que a interação ocorra. “Esse senso de compreensão compartilhada emerge da reciprocidade, segundo Rochat e Striano (1999) e é o que determina, desde etapas iniciais, o desenvolvimento da cognição social” (op. cit, p. 3). São diferentes níveis de compreensão, que, uma vez negociados, são internalizados. Como nos aponta Seidl de Moura, “a intersubjetividade começa nas primeiras semanas de vida, com o prazer do contato visual entre a mãe e o bebê (e eu acrescentaria, do toque). Essa forma primitiva de intersubjetividade se transforma na capacidade de compartilhar atenção sobre objetos comuns e se torna verbal na época da pré-escola” (op. cit, p. 7). A intersubjetividade, portanto, transforma-se gradativamente pelo desenvolvimento, possuindo diferentes níveis.
Durante o primeiro ano de vida de um bebê, ele desenvolve diferentes níveis intersubjetivos, tornando-se capaz, em um primeiro momento, de estabelecer as primeiras bases para uma relação diádica com o seu cuidador principal (que é, na maioria dos casos, a mãe). Essa fase é caracterizada por uma sintonia sensório-motora, em uma perspectiva atencional, que vai, aproximadamente a partir do segundo mês de vida do bebê, dar origem a uma intersubjetividade primária.
Nessa fase o bebê se torna mais capaz de orientar a sua atenção e passa a estabelecer uma perspectiva mais contemplativa. Segundo Rochat e Striano (1999), a intersubjetividade primária é composta por uma relação diádica e geralmente está presente no período que vai dos dois aos sete meses do bebê. Aproximadamente a partir dos oito meses de idade, em um período que dura ainda cerca de quatro meses, dá-se início a uma intersubjetividade secundária, na qual há um engajamento contínuo, uma referenciação social, o seguimento de atenção e uma comunicação gestual, através de uma perspectiva intencional (Seidl de Moura, 1999b, p. 12). É com a intersubjetividade secundária que se dá início às relações triádicas, ou seja, a introdução de objetos e novos significados numa relação que anteriormente era marcada apenas por dois parceiros: a mãe e seu bebê.
Discutindo brevemente esses conceitos, uma suposição nossa é que talvez a entrada na creche, quando esta ocorre aos quatro ou cinco meses de idade do bebê, que é o período em que acaba a licença-maternidade e a mãe necessita voltar ao trabalho, pode antecipar o início de uma intersubjetividade secundária, na medida em que introduz uma ampla diversidade no aparato cognitivo e afetivo desse bebê. Nesse sentido, torna-se fundamental pensar no conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), apresentado por L. Vygotsky (1998) ou na interessante leitura desta noção, apresentada por Newman, Griffin e Cole (1989), denominada zona de construção (ZC).
A noção de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky vem à tona através da tentativa de rompimento com o reducionismo das concepções correntes da relação entre aprendizado e desenvolvimento. Discordando tanto da perspectiva inatista quanto da ambientalista, Vygotsky vai além até de uma terceira posição teórica que rompe com os extremos anteriores, combinando-os, sob o rótulo de interacionismo.
Mesmo que aprendizado e desenvolvimento estejam intimamente relacionados desde o nascimento da criança - e com isso Vygotsky concorda plenamente - a sua proposta teórica visa a fugir do reducionismo imposto por medições apenas do nível de desenvolvimento real da criança, ou seja, aquilo que ela é plenamente capaz de fazer sozinha. Tratar apenas de ciclos de desenvolvimento já completados é desconsiderar algo de fundamental importância: a interação social como propiciadora de novas aquisições. “Aquilo que a criança consegue fazer com a ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha” (Vygotsky, 1998, p. 111).
Quando se constatou que crianças com o mesmo nível de desenvolvimento real possuem diferentes níveis de desenvolvimento potencial (ou proximal), abriu-se uma nova perspectiva onde a interação social é tida como aspecto fundamental na cognição humana. A Zona de Desenvolvimento Proximal vem a ser então a (...) distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (Vygotsky, 1998, p. 112).
O que hoje está no nível de desenvolvimento potencial futuramente atingirá o nível real de desenvolvimento, ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã (op. cit., p. 113). A introdução dessa perspectiva por Vygotsky ressalta a função das trocas sociais, entre parceiros que, em determinada ‘habilidade’, são companheiros mais capazes.
Transportando esses conceitos para o contexto de entrada na creche, podemos pensar na mãe como um parceiro mais capaz, que pode servir como um facilitador para que o seu bebê conheça e reconheça como seu também aquele novo espaço. Mas se formos um pouco mais além, podemos pensar que essa mãe, antes de apresentar esse espaço para o bebê, estava compartilhando com os educadores e demais profissionais da creche a forma de organização e funcionamento da instituição, sem abrir mão das representações que já possuía e que vão permanentemente se reconstruindo.
A mãe estava conhecendo para poder apresentar, ao mesmo tempo em que estava interagindo com um parceiro que não apenas estava recebendo informações, como um mero receptor. O bebê, mesmo em uma idade bem precoce, é capaz de se diferenciar de uma situação para outra, apresentando preferências e contrastes. Por isso, um processo de entrada na creche nunca é igual ao outro, já que vem acompanhado por tantos fatores diferentes: a intersubjetividade entre os parceiros, crenças e representações sobre os objetos sociais envolvidos, a organização prática de cada instituição, o modo de ser de cada família e dos educadores, o planejamento de cada instituição para esse período, etc.
Além da própria importância da interação social, o conceito de zona de desenvolvimento proximal aponta para um caráter essencial: é justamente a partir dessas negociações que o desenvolvimento ocorre. A criança vai, dessa forma, se constituindo enquanto sujeito singular na dinâmica interativa, o que ocorre no contato com o outro e com o meio, sendo um parceiro ativo nesse processo. A partir da relação com os outros sociais, a pessoa vai internalizar sua experiência interpessoal, transformando-a em intrapessoal.
É na interação - e para o bebê, a mãe é em vários momentos um parceiro privilegiado - que nos encontramos em permanente processo de desenvolvimento. É a mãe quem muitas vezes organiza o espaço, servindo como mediadora das trocas do bebê com o ambiente. Se o espaço muda, muda a forma como as relações se estabelecem, e a interação mãe-bebê sofre transformações ao passar do espaço domiciliar, onde havia uma maior intimidade e exclusividade, para uma situação onde há uma separação freqüente da díade, o estabelecimento de novas relações e o fim da exclusividade de cuidados realizados por um familiar. Nesse contexto, há a introdução de novos parceiros, de um novo ambiente, com novas rotinas (Rossetti-Ferreira, Amorim & Vitória, 1994, p. 37).
Caracteristicamente baseado na zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, temos também o conceito de zona de construção, elaborado por Newman, Griffin e Cole (1989). As zonas de construção são definidas por constituírem (...) espaços propiciadores de desenvolvimento, onde se trocam, compartilham e negociam significados. As formas de organização interpsicológicas se transformam gradualmenteem processos intrapsicológicos. O que ocorre entre os indivíduos é elaborado e internalizado por cada um deles de forma particular, através de um processo de apropriação (Seidl de Moura, 1999a, p. 49).
A zona de construção se configura como um espaço onde ambos os parceiros negociam significados e consequentemente se apropriam deles. Não há uma dominância do ‘parceiro mais experiente’, mas sim a elaboração conjunta das trocas vivenciadas. Segundo Newman, Griffin e Cole (apud Seidl de Moura, 1999a), (...) quando interlocutores interagem em trocas conversacionais, perspectivas diversas estão em jogo, pelo fato de que há diferentes interpretações do contexto e, com isso, o próprio discurso permite a mudança de interpretações. Cada um desses interlocutores age como se o outro tivesse o mesmo quadro de referência, se apropria do que é dito e o interpreta de forma própria (p. 49-50).
Uma importante contribuição acerca das zonas de construção é a apresentada por Ribas (1996) e Seidl de Moura (1999a), ao abordarem as interações precoces mãe-bebê como a gênese de zonas de construção. Nesse sentido, pensando na importância dessa relação específica, atribuímos à mãe o papel de interlocutora do seu bebê, interpretando seus comportamentos difusos, atribuindo-lhes significado. Dessa forma, (...) será que podemos pensar a dupla mãe-bebê sem uma dinâmica de inter-relação? Será que existe bebê sem a presença de uma mãe? E de um pai? (...) E mais, de que mãe e de que pai estamos falando? Da dimensão do biológico ou do simbólico? Será que podemos pensar um filho sem que cada um dos elementos seja compreendido em função do outro? (Rocha, 1997, p.14).
Trata-se, portanto, de uma conjunção dinâmica, onde mãe e bebê influenciam e são influenciados por outros parceiros, em alguns momentos mais ou menos importantes, como o pai, a avó ou a educadora da creche.
Na abordagem sociocultural, a interação social é pensada não como variável que influencia o desenvolvimento, mas vai além disso, simplesmente constituindo-o. A singularidade não apenas é possível na interação com os outros sociais e na multiplicidade decorrente dessas trocas, como é fundamentadora das circulações e transações sociais. Mais do que interação, no sentido genérico do termo, acontecem negociações sociais.
Como nos apontam Vasconcellos e Valsiner: "A fim de ser um sujeito único, e claramente diferenciado dos outros sociais, cada indivíduo precisa (re)conhecer em si a multiplicidade de seres sociais presentes em seu grupo e nele mesmo, em forma potencial, pois a singularidade individual é construída através do encontro e escolha diferenciada dessa multiplicidade" (1995, p. 91).
Nesta abordagem, Vygotsky tem sido de inspiração fundamental para estabelecermos um corpo teórico norteador, bem como para avançarmos em discussões ainda tão contemporâneas. Mesmo tendo o auge da sua produção teórica nos anos 20 e 30 deste século, esse autor deixou contribuições que ainda hoje são inovadoras. Não foi o primeiro a enfatizar a formação social da mente, mas certamente o fez de forma marcante, deixando um legado muito importante. Apoiado em grande parte nas contribuições iniciais de James Mark Baldwin (1861-1934) sobre o papel das sugestões sociais e seus mecanismos de desenvolvimento, bem como a imitação nesses processos, Vygotsky formulou uma Psicologia comprometida com os ideais marxistas referentes ao contexto histórico e político em que vivia. Através do materialismo dialético, mostrou a importância da ação, do trabalho humano e do confronto para a constituição do sujeito, e o uso de instrumentos culturalmente construídos, além da interligação entre o homem e o seu meio (Vasconcellos & Valsiner, 1995).
Sua morte prematura (aos 37 anos) e anunciada com grande antecedência (Vygotsky sofreu de tuberculose durante os últimos 10 anos de sua vida), deram um caráter ‘efervescente’ às suas obras. Pode-se dizer que ele não construiu uma teoria, mas sim que lançou idéias férteis e vigorosas. Mais do que isso, suas concepções e formulações nos apontaram outros caminhos, novos olhares e sentidos. A polêmica de suas obras para uma Rússia comunista impediu que suas idéias fossem difundidas e aceitas pelo mundo, o que podemos verificar através da publicação tão tardia da maioria dos seus escritos, várias décadas após a sua morte. Vygotsky contribuiu de forma marcante para a Psicologia e a Educação, ao abordar a constituição social do homem, o papel da linguagem para a formação do sujeito, o conceito de zona de desenvolvimento proximal e a imitação nesses processos, a importância do brincar, o lugar do erro na construção do conhecimento, entre outras diversas contribuições.
Como Henri Wallon, outro autor muito importante para pensarmos a construção do conhecimento e a formação do sujeito, Vygotsky reconhece e enfatiza o papel da emoção e da afetividade no desenvolvimento humano, entendendo este como um processo não-linear, descontínuo, cheio de avanços e retrocessos. Da mesma forma, esses dois autores reconhecem que o desenvolvimento tem primeiro uma direção interpessoal (entre sujeitos), para somente depois ter uma direção intrapessoal (internalizada). O homem é primeiro um sujeito fundido no social, para somente depois se transformar em indivíduo singular.
No cenário atual, diversos pesquisadores têm demonstrado a importância do pensamento desses dois autores, refletindo sobre as formulações de Vygotsky e de Wallon, bem como de Piaget, e trazendo novas e revigorantes contribuições. Alguns autores que se destacam nesse empreendimento são Michael Cole; Urie Bronfenbrenner; Barbara Rogoff (Rogoff e Chavajay, 1995); Jaan Valsiner; James Wertsch, além de diversos pesquisadores brasileiros como, por exemplo, V. M. R. de Vasconcellos, e M. C. Rossetti-Ferreira.
Temos visto, nos anos 90, a consolidação das teorias socioculturais do desenvolvimento, depois de termos presenciado, nos anos 60 e 70, a ocorrência de pesquisas transculturais ‘ingênuas’, através da simples comparação entre diferentes culturas (Rogoff & Chavajay, 1995). Os temas de pesquisa e teorização têm se ampliado consideravelmente, mas ainda há muito sobre o que refletir.
O conhecimento sobre os fenômenos que circundam o desenvolvimento humano avança quando nos posicionamos de forma investigativa, questionadora e não cristalizada. Por isso, acreditamos que a abordagem sociocultural deve cultivar o compromisso da reflexão científica, reconhecendo o seu saber como inacabado, sujeito a transformações históricas e culturais. Vivenciar a abordagem sociocultural (ou sociohistórica, ou sociointeracionista, ou ainda co-construtivista) é, por isso mesmo, um desafio consideravelmente complicado. Fugir a um posicionamento hermético e tradicional é possibilitar a multiplicidade de vozes e ações que a condição humana suscita.
Assumir uma perspectiva sociocultural é, portanto, reconhecer que somos sujeitos de relação, de confronto, de emoção, construindo as histórias e as culturas das quais fazemos parte, na permanente dialética entre produtor e produto. E através dessa ótica podemos pensar a relação mãe-bebê não mais como uma relação naturalizada, dada a priori, mas sim como uma importante relação construída por ambos os parceiros, que se modifica histórica e culturalmente. Da mesma forma, a entrada na creche é um processo único para cada um dos seus personagens, sejam eles mãe, bebê, educadores, família. A mãe pode ser considerada uma importante figura na apresentação desse novo contexto ao seu bebê e na sua conseqüente inserção durante o período de entrada na creche, mas essa apresentação só se faz a partir dos sinais que esse bebê dá, na rede dinâmica que se constitui entre todos os envolvidos nesse processo.
O bebê não é o único a passar por intensas mudanças com a entrada na creche, mas como ele, mudam também a organização familiar e a própria estruturação da instituição. A relação mãe-bebê passa por diversas reelaborações, passando por mudanças quantitativas e qualitativas, no processo permanenteque constitui o desenvolvimento humano segundo uma abordagem sociocultural.
 
Referências bibliográficas

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