Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Módulo XIV Avaliação do Estado Nutricional Clínica II Autor: Cristina Martins. Doutora em Ciências Médicas: Nefrologia - UFRGS, Porto Alegre/RS; Mestre em Nutrição Clínica - New York University, EUA; Dietista Registrada (RD) - American Dietetic Association, EUA; Nutricionista- Chefe do Setor de Nutrição - Clínica de Doenças Renais, Curitiba/PR; Diretora Geral - Instituto Cristina Martins, Curitiba/ PR; Coordenadora do Curso de Capacitação em Nutrição Renal - Instituto Cristina Martins, Curitiba/PR. Este material é parte do livro Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico, publicado e distribuído pelo Instituto Cristina Martins. Copyright© 2008 by Instituto Cristina Martins Editoração e Ilustrações: Simone Luriko Saeki Todos os direitos reservados. É permitida uma (01) cópia impressa deste material exclusivamente para o aluno matriculado neste módulo do curso a distância Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico, desenvolvido pelo Instituto Cristina Martins. Para solicitar o livro Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico na íntegra, entre em contato com: Instituto Cristina Martins. e-mail: instituto@institutocristinamartins.com.br Home-page: www.institutocristinamartins.com.br 3 OBJETIVOS DE APRENDIZADO Após a leitura deste capítulo, você deverá estar apto a: Identificar estruturas básicas da anatomia renal. ? Citar as principais funções dos rins. ? Conceituar os tipos de doença renal. ? Identificar os estágios da doença renal crônica, as modalidades e os princípios dos métodos dialíticos. ? Identificar testes para a avaliação da adequação dialítica e seus resultados ideais. ? Reconhecer as fases do transplante renal. ? Citar, pelo menos, cinco fatores de risco nutricional que podem levar à desnutrição dos pacientes renais. ? Descrever a epidemiologia reversa relacionada ao índice de massa corporal, particularmente em hemodiálise. ? Reconhecer, pelo menos, três fatores de risco para a obesidade de transplantados renais. ? Citar, pelo menos, 10 dados importantes de serem coletados na história de pacientes renais. ? Identificar as recomendações de nutrientes de cada tipo e estágio da doença renal, para comparar aos dados ? da história alimentar. Descrever, pelo menos, cinco sítios para o exame físico nutricional de pacientes renais. ? Identificar a grande limitação do uso das medidas corporais (peso, pregas cutâneas, testes da composição) em ? pacientes renais. Definir peso seco e ganho de peso interdialítico. ? Citar um método de avaliação da composição corporal que seja indicado para pacientes renais. ? Identificar um método de avaliação da função muscular de pacientes renais. ? Listar, pelo menos, duas proteínas séricas e suas limitações para o diagnóstico do estado nutricional de pacientes ? renais. Definir ? taxa de aparecimento do nitrogênio equivalente à proteína (PNA). Listar, pelo menos, cinco marcadores laboratoriais da condição metabólica de pacientes renais. ? Citar, pelo menos, três métodos integrados de avaliação do estado nutricional que podem ser utilizados para ? pacientes renais. Reconhecer a estrutura da padronização do diagnóstico nutricional, que pode ser usada para pacientes renais. ? Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais Cristina Martins 4 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico PROBLEMATIZAÇÃO ESTUDO DE CASO S.N.S., sexo masculino, 58 anos de idade, viúvo e sem filhos. Há 9 anos, em exame de rotina, foi diagnosticada a DRC. Na época, o clearance de creatinina era 38mL/min/1,73m2. Paciente não fez biópsia renal. A causa provável da DRC foi atribuída à hipertensão arterial não controlada por mais de 20 anos. Há 2 anos, quando alcançou a TFG de 9mL/min/1,73m2, iniciou a CAPD, com 4 trocas diárias de 2 litros cada, sendo 3 bolsas a 1,5% e 1 a 4,25% de glicose. A esposa realizava a diálise do paciente. O último clearance semanal total de creatinina em CAPD foi de 65mL/ min/1,73m2. Resultado do PET: “médio-alto transportador”. Ao ficar viúvo, há 6 meses, o paciente optou pela HD: 3 vezes/semana, 4h/sessão. FAV sem intercorrência. Recebe aposentadoria pequena, que é sua única fonte de renda. Cita que tem pouco dinheiro para comprar comida. Ausência de alergia alimentar. Peso usual, antes de iniciar a diálise: 68kg. Em CAPD, ganhou 6kg. Agora em HD, relata estar perdendo peso. Refere não sentir o gosto da comida. Toma carbonato de cálcio às refeições, antihipertensivo e EPO (2.000U, 2 vezes por semana). Nega uso de bebidas alcoólicas e fumo. Relata atividade física esporádica. O exame físico nutricional revela próteses dentárias mal fixadas; dificuldade de preensão de objetos nas mãos (artrite), pele pálida e seca. Ausência de edema periférico. Pressão arterial atual média = 160/100mmHg. Estatura do último mês = 165cm, peso seco atual = 58kg, ganho de peso interdialítico médio = 0,5-0,7kg. PRU da última sessão de HD = 59%. Em processo de triagem para o tx renal. R24h: Café da manhã: 1 pão francês com 1 colher (de chá) de margarina em cada metade, 1 copo de leite integral com café (meio a meio) e açúcar (1 colher de sopa). Almoço: 4 colheres (de sopa) de arroz, salada de alface (1 xícara, picada) e tomate (1/2 unidade média), 1 coxa de frango assado; 1 copo de chá gelado com açúcar (1 colher de sopa). Lanche: ½ pão francês com uma passada (1 colher de chá) de margarina, 1 copo de chá e açúcar (1 colher de sopa). Jantar: 1 prato de sopa de macarrão (1/2 xícara cozido) com carne moída (2 colheres de sopa cheias) e cenoura (1 unidade pequena). Sobremesa: 1 banana-maçã média. Diálise peritoneal (seis meses atrás) Hemodiálise atual (pré-sessão) Diálise peritoneal (seis meses atrás) Hemodiálise atual (pré-sessão) Uréia (mg/dL) 140 230 Cálcio (mg/dL) 8,4 9,2 Creatinina (mg/dL) 7,8 11,4 Fósforo (mg/dL) 4,9 6,3 Hematócrito (%) 32,7 27 PTH (pg/mL) 159 315 Hemoglobina (mg/dL) 11,0 8,3 Albumina (g/dL) 2,6 3,5 Leucócitos (células/mm3) e Linfócitos (%) 5.100 e 36 4.000 e 31 Colesterol total (mg/dL) 187 113 Ferro sérico (mcg/dL) 120 80 Triglicerídeos (mg/dL) 230 144 Capacidade de ligação do ferro (mcg/dL) 210 170 Proteína C reativa (mg/L) 1,7 5,1 Ferritina (mcg/dL) 190 80 Kt/V 2,0 (semanal) 1,1 Saturação de transferrina (%) 23 17 PNAn (g/kg/dia) 1,3 0,6 Qual foi a provável causa da insuficiência renal crônica de S.N.S.?1. Ao ser diagnosticado, em qual estágio da doença renal crônica S.N.S. se encontrava? E em qual estágio estava 2. quando iniciou a diálise peritoneal? O que pode ter levado S.N.S. a solicitar transferência da diálise peritoneal para a hemodiálise? 3. Baseado nos testes de adequação, S.N.S. estava bem dialisado, quando em diálise peritoneal? Atualmente, ele está 4. bem dialisado? Agora em hemodiálise, quais fatores de risco para a desnutrição podem ser identificados para o paciente S.N.S.?5. O que representa o resultado do índice de massa corporal atual de S.N.S., em relação ao risco de mortalidade?6. Em caso de S.N.S. receber o transplante renal, qual é o principal risco nutricional a longo-prazo? Quais são os fatores 7. associados ao risco? Caso S.N.S. recebesse transplante renal e utilizasse a prednisona, além da combinação de outros imunossupressores, 8. quais seriam os efeitos adversos esperados? Qual era a ingestão de calorias, proteína, potássio e fósforo de S.N.S., relatada no R24h?9. O ganho de peso interdialítico de S.N.S. está adequado? Explique o que pode estar acontecendo com o paciente, 10. em relação a esse dado. Quando S.N.S. estava em CAPD, qual era a quantidade estimada de calorias absorvidas por dia, através do líquido 11. de diálise? Avaliada pela PNAn, como está a ingestão protéica atual de S.N.S., em comparação às recomendações? Como 12. estava enquanto em diálise peritoneal? O nível atual de albumina de S.N.S. está adequado? Por que?13. Qual é o produto cálcio x fósforo atual de S.N.S.? Oque significa esse resultado? Como estão os níveis de PTH do 14. paciente? O que significam? Qual é o método integrado de avaliação do estado nutricional mais indicado para o paciente S.N.S.?15. 5 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais INTRODUÇÃO A doença renal é um problema de saúde pública mundial. Milhares de mortes ocorrem, anualmente, em conseqüência da enfermidade. Além disso, uma parcela significativa da população mantém a vida amparada pela diálise. A doença tem aumentado de forma exponencial. E o fato é atribuído ao melhor diagnóstico e ao aumento da expectativa de vida das pessoas. O sedentarismo e a obesidade, e todas as doenças associadas a eles, como a hipertensão e o diabetes, têm contribuído significativamente para o problema. Portanto, a nutrição é de extrema importância não só para o tratamento, mas também para a prevenção da doença. A desnutrição, em particular, é um grande problema para o paciente com doença renal. Ela está associada à morbidade e à mortalidade elevada. Vários fatores de risco contribuem para a desnutrição desses pacientes. E podem ser de origem física, psicológica e/ou social. Alguns podem ser de difícil controle. Infelizmente, não existe um procedimento único, ideal e fácil de padronizar para o diagnóstico do estado nutricional de pacientes renais. Vários parâmetros do exame físico (ex.: cor e característica da pele, olhos, cabelos), da antropometria (ex.: peso, pregas cutâneas) e de testes bioquímicos (ex.: albumina, transtiretina e transferrina séricas) estão limitados para esses indivíduos. Além disso, no curso da desnutrição, as alterações significativas podem ocorrer tardiamente. Ou seja, esses métodos podem ajudar pouco no diagnóstico precoce da condição nutricional. Os dados podem ser úteis para a identificação de grupos de alto risco, mas não de um indivíduo. Alguns indicadores nutricionais também podem ser difíceis de serem interpretados na presença de doença hepática concomitante, anemia e inflamação crônica. A história global, nutricional e alimentar talvez seja o método mais valioso para a identificação precoce da desnutrição dos pacientes renais. Por isso, ela deve ser bem explorada. Porém, para que os dados da história e de outros métodos sejam mais confiáveis, é essencial que sejam coletados por um avaliador bem treinado e experiente. O objetivo deste capítulo é entender as particularidades da doença renal e de seus tratamentos. Em virtude da complexidade do problema, a avaliação do estado nutricional é uma tarefa difícil, e merece treinamento especializado. FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA RENAL O RIM E SUAS FUNÇÕES Os rins estão situados no espaço retroperitoneal. Eles têm o formato de feijão e estão, simetricamente, um de cada lado das vértebras. A borda superior localiza-se próxima ao nível da 12ª vértebra torácica, e a inferior, na terceira vértebra lombar. No adulto, cada rim pesa de 115 a 170g, tem 11 a 12cm de comprimento, 5 a 7cm de largura e 2,5-3,0cm de espessura (1). O rim tem duas regiões: o córtex, que está situado do lado de fora, e a medula, na área interna. Essa está dividida em regiões com o formato de cones, chamados de pirâmides renais. Os néfrons, que são as unidades funcionantes dos rins, estão localizados no córtex e na medula. O sangue entra no rim através da artéria renal, que se divide até transformar-se em arteríolas e no glomérulo. Este é um novelo de capilares localizado entre duas arteríolas (aferente e eferente). A pelve renal tem o formato de funil, e é a maior cavidade do rim. As bifurcações dessa estrutura são chamadas de cálices maiores e menores. O lado inferior da pelve renal continua até o ureter. Este tem 28 a 34cm de comprimento, e é a conecção para a bexiga (1). Existem mais de um milhão de néfrons em cada rim. Cada um deles é composto por um glomérulo, que é envolto por uma membrana chamada cápsula de Bowman e por um sistema de túbulos. Este faz o principal trabalho de reabsorção e secreção do rim. O túbulo é dividido em segmentos: proximal, alça de Henle e distal. Cada um tem características morfológicas altamente especializadas e funções de transporte. O túbulo contorcido proximal é uma continuação direta da cápsula de Bowman. Aí inicia a absorção de glicose, sódio, bicarbonato, potássio, cloreto, cálcio, fosfato, água e outros solutos. A alça de Henle é o local de concentração da urina, que pode ser diluída mais tarde, se necessário. A alça de Henle é dividida tem três partes: a) porção fina descendente, b) porção fina ascendente, c) porção espessa ascendente. A região, como um todo, absorve aproximadamente 99% da água que é filtrada pelos rins (1). O resultado é a concentração da urina. Algumas funções da porção ascendente espessa da alça de Henle são coordenadas por hormônios, incluindo a vasopressina, o paratormônio e a calcitonina. O túbulo contorcido distal é o segmento da alça de Henle, e desemboca no ducto coletor. Os túbulos proximal e 6 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico distal estão no córtex. A alça de Henle e o ducto coletor formam o conteúdo da medula. A Fig. 21.1 apresenta a anatomia renal normal em perspectiva. Os rins são órgãos extremamente ativos e resistentes. Porém, quando falham, as conseqüências são devastadoras. Até que, pelo menos, 25% da função dos rins diminuam, nenhum problema perceptível se manifesta. Os rins filtram em torno de 100-125mL/minuto (1). Essa é a taxa de filtração glomerular (TFG) normal. Então, o volume filtrado por minuto significa 144 litros por dia (ou seja, 0,1 litros x 1.440 minutos). Isso resultará em, somente, um a dois litros de urina. Embora muitas funções e inter-relações renais ainda sejam desconhecidas, as quatro principais são: a) excreção; b) equilíbrio ácido-básico, c) balanço hidroeletrolítico, e c) endócrina. Excreção A produção de urina é a tarefa mais elementar dos rins. Junto com os pulmões, eles são a principal via de excreção dos restos potencialmente prejudiciais do metabolismo. Eles eliminam várias substâncias resultantes do catabolismo das proteínas, dos lipídeos e dos carboidratos. Excessos não utilizados de vitaminas e de minerais são excretados na urina. Metabólitos de alguns medicamentos e venenos também são eliminados pelos rins. A urina é formada por 95% de água (1). Os restantes 5% são compostos de solutos diversos: 60% de produtos nitrogenados (uréia, ácido úrico, creatinina e amônia) e 40% de sais inorgânicos (cloreto de sódio, fosfato de cálcio, sulfato de cálcio, sódio, potássio e magnésio). Equilíbrio Ácido-Básico Também, junto com os pulmões, os rins mantêm o pH do sangue dentro de valores estreitos e rígidos (aproximadamente 7,4). Quando há grandes variações no pH, é inevitável o colapso no funcionamento orgânico. Para manter o equilíbrio ácido-básico, os rins controlam a Fig. 21.1 Estrutura em perspectiva do néfron normal 7 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais taxa de excreção dos íons hidrogênio, sódio e potássio, e a concentração do bicarbonato nos líquidos corporais. O bicarbonato carrega íons hidrogênio para o rim, onde são removidos e reabsorvidos, retornando para a corrente sangüínea, quando necessários. Além disso, o fosfato tampona o liquido intracelular no rim. Outros compostos orgânicos, como o citrato, também auxiliam no equilíbrio ácido-básico. Por fim, os metabólitos de aminoácidos podem moderar as reações de ácidos e bases. Balanço Hidroeletrolítico O balanço de água e de eletrólitos é, provavelmente, a função renal mais conhecida. Os rins mantêm constante o volume hídrico do corpo (sangue e/ou outros líquidos). A remoção da água é controlada pelo hormônio antidiurético (ADH: antidiuretic hormone), também conhecido como vasopressina.Quando o volume de sangue e de água corporal total está baixo, o hipotálamo desencadeia a secreção do ADH. Este atua na redução da taxa de fluxo da urina e aumenta a sua osmolaridade. Ou seja, a ação do ADH permite que os rins diminuam as perdas urinárias de líquido, mas continuem a excretar solutos. Além da água, a função renal mantém a concentração de eletrólitos (ex.: sódio, potássio, fósforo, cálcio, magnésio) dentro da faixa de normalidade no líquido extracelular. Endócrina Os rins secretam vários hormônios reguladores. Os mais conhecidos são a eritropoietina e a vitamina D ativa. A eritropoietina é responsável por controlar a produção de células vermelhas do sangue, através de seu estímulo, maior ou menor, à medula óssea. Portanto, a falta da eritropoietina, no caso de doença renal, resulta em anemia. Quanto à vitamina D, ela entra no corpo através de dois caminhos: pela pele, após a ação da luz solar, e pela alimentação. Porém, independente da fonte, somente após sofrer uma hidroxilação no fígado e outra no rim é que a vitamina D está em sua forma ativa. Já ativada (1,25 dihidroxicolecalciferol ou 1,25 OH vitamina D3), ela participa da absorção intestinal de cálcio e de fósforo. Portanto, uma conseqüência da deficiência da vitamina D é a hipocalcemia. Esta afeta diretamente as glândulas da paratireóide, estimulando a produção do hormônio PTH. O problema é chamado de hiperparatireoidismo secundário. E pode desencadear a osteodistrofia renal. Outro processo hormonal controlado pelos rins é o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Os glomérulos secretam a enzima renina, que estimula, a partir do angiotensinogênio, a formação da angiotensina I. Esta é convertida à angiotensina II, que é um vasoconstritor que estimula a glândula adrenal a produzir a aldosterona. Quando o volume extracelular diminui, o sistema é ativado. A presença de quantidades elevadas de aldosterona no plasma leva os rins a reabsorver mais sódio (excretar menos), retornando a pressão arterial ao normal. Quando o volume extracelular aumenta, o inverso acontece. Portanto, mesmo que a hipertensão não seja a causa básica da doença renal crônica, quanto mais o problema progride, maiores são as dificuldades para o controle pressórico. TIPOS DE DOENÇA RENAL O aparecimento da doença renal pode ser repentino ou lento. Em ambos, dependendo do grau, ocorre o acúmulo de líquido no organismo, com conseqüente hiperhidratação, hipervolemia, edema, hipertensão arterial e outros. Além disso, as concentrações séricas extremamente elevadas de eletrólitos tornam a vida inviável. Insufi ciência Renal Aguda A insuficiência renal aguda (IRA), em geral, ocorre em rins previamente saudáveis, em decorrência de uma enfermidade de base. Porém, ela também pode se sobrepor à doença renal crônica. Em princípio, a IRA é reversível. Entretanto, como é, freqüentemente, causada por uma enfermidade grave, a taxa de mortalidade pode ser muito alta. O declínio súbito (horas ou dias) da função renal coloca o indivíduo em perigo de vida, pois não houve tempo para adaptações. Logo, o funcionamento de diversos outros órgãos e sistemas (coração, sistema nervoso, pulmões, entre outros) fica prejudicado. A IRA é uma condição freqüente de pacientes hospitalizados, particularmente daqueles graves. Os sinais e sintomas são variados, e incluem a anorexia e as manifestações gastrintestinais (náuseas, vômitos) e neurológicas (letargia, convulsões, polineuropatia periférica). O sangramento gastrintestinal é um achado comum, devido à disfunção plaquetária urêmica e às alterações na mucosa. E leva à anemia. Uma classificação atual da IRA considera o grau da disfunção renal. E o divide em: a) risco; b) injúria; 8 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico c) insuficiência; d) perda mantida, e e) condição terminal (2). A Fig. 21.2 apresenta um esquema desse critério de classificação. Outra classificação é em relação à evolução da IRA, que ocorre, geralmente, em quatro fases: a) instalação, b) oligúria/anúria, c) pós-oligúria, e d) recuperação. A fase inicial é o período que se dá a instalação da doença. O principal achado é a diminuição da produção de urina. A segunda fase é de franca escassez (oligúria = diurese de 100-400mL/24h ou <20mL/h) ou ausência (anúria = diurese <100mL/24h) de urina. Porém, um número considerável de pacientes nunca se torna oligúrico. A segunda fase pode durar de 8 a 14 dias, e é a que apresenta maior taxa de mortalidade. Na fase pós-oligúria, o débito urinário retorna, gradualmente, ao normal. Mas, também, pode aumentar significativamente (diurese de 4L/dia). Entretanto, os níveis séricos de creatinina e de uréia podem não diminuir por vários dias. Essa fase pode durar em torno de 10 dias. Na fase de recuperação, ocorre melhora progressiva da função renal. O período dura de 10 dias a três meses. Porém, alguns pacientes evoluem para a doença renal crônica, quando a condição perdura por tempo maior que três meses. A taxa de mortalidade na IRA varia muito (7%-80%), de acordo com o estado geral do paciente e fatores etiológicos (3). As infecções e as complicações cárdio- respiratórias são as causas mais freqüentes de morte. Em relação à etiologia, a IRA pode ser classificada em três categorias: a) pré-renal (diminuição do fluxo dos rins); b) intra-renal ou intrínsica (lesão do parênquima dos rins); c) pós-renal (obstrução das vias urinárias). A pré-renal é o tipo mais comum de IRA. Nesse caso, ocorre diminuição do fluxo sangüíneo (hipoperfusão) dos rins, baixo débito cardíaco e redução do volume intravascular efetivo. A razão pode ser a desidratação. Também pode ocorrer com o uso exagerado de diuréticos e naqueles pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada. Nesses casos, a osmolaridade urinária está, geralmente, maior que 500mOsm/L. Além disso, ocorre diminuição da concentração de sódio urinário, e a relação uréia/creatinina plasmáticas está maior que 20:1. O parênquima renal está intacto, e a correção do fluxo renal faz os órgãos voltarem a funcionar. Porém, se a isquemia é prolongada, pode resultar em necrose tubular aguda. A rápida restauração (em 24-48h) do fluxo renal diminui o risco. A IRA intra-renal ou intrínsica é a menos comum. Nesse caso, ocorre lesão do parênquima dos rins. Existe aumento do sódio urinário e a osmolaridade da urina fica entre 250-300mOsm/L. A necrose tubular aguda é a causa principal da IRA intrínsica. A condição e quase sempre provocada por isquemia renal ou pela ação de toxinas. Nesse caso, a restauração do fluxo renal não reverte imediatamente o problema. Embora seja, geralmente, reversível, a isquemia grave pode levar à necrose da córtex do rim, resultando em insuficiência renal irreversível. A IRA pós-renal pode ocorrer quando ambas as vias de saída dos rins (ou uma via, em caso de rim único) estão obstruídas. A condição está, geralmente, Fig. 21.2 Critério de classificação da IRA. TFG = taxa de filtração glomerular; creat = creatinina sérica. Fonte: Bellomo R, Kellum JA, Ronco C: Defining and classifying acute renal failure: from advocacy to consensus and validation of the RIFLE criteria. Intensive Care Med 33:409-413, 2007 9 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais associada às obstruções do trato urinário baixo, como nos casos de litíase. O Quadro 21.1 resume as principais causas da IRA. Quadro 21.1 Categorias e causas da insuficiência renal aguda Pré-Renal Contração do volume intravascular: hemorragia, queimaduras, ? vômitos/drenagem gástrica, diarréia levando à desidratação, trauma Septicemia/choque séptico ? Hipotensão ? Insuficiência cardíaca ? Insuficiência hepática ? Intrínsica Necrose tubular aguda (isquemia prolongada, agentes ? nefrotóxicos:metais pesados, aminoglicosídeos, contrastes radiológicos, toxinas) Lesão de arteríolas, como hipertensão arterial grave, vasculite, ? doenças microangiopáticas (púrpura trombocitopênica, síndrome hemolítico-urêmica) Glomerulonefrite aguda ? Nefrite intersticial aguda (induzida por drogas) ? Depósitos intrarenais (ex.: ácido úrico) ? Embolização por colesterol (ex.: pós-angioplastia) ? Pós-renal Obstrução ureteral (cálculo, tumor, compressão externa) ? Obstrução vesical (bexiga neurogênica, hipertrofia prostática, ? carcinoma, cálculo, estenose uretral, coágulo) A terapia de reposição renal na IRA é indicada quando houver presença de hipercalemia, acidose e/ou hipervolemia graves e refratárias ao tratamento medicamentoso. Outras indicações incluem a pericardite urêmica, a encefalopatia ou a necessidade de aporte nutricional que pode precipitar a hipervolemia ou a uremia (ex.: em casos de hipercatabolismo grave). A avaliação para a necessidade de diálise é feita diariamente. Os níveis séricos de uréia maiores que 200mg/dL, ou de creatinina acima de 10mg/dL, indicam a diálise. Os métodos contínuos de terapia de reposição renal, como a hemofiltração, a hemodiafiltração e a hemodiálise lenta, são indicados em virtude da grande instabilidade hemodinâmica dos pacientes com IRA. Doença Renal Crônica Diferente da IRA, a doença renal crônica (DRC) caracteriza-se pela perda lenta, progressiva e irreversível da função dos rins. Na DRC, pelo fato de não se instalar abruptamente, podem ocorrer algumas adaptações sistêmicas com o passar do tempo. Os fatores de risco para o desenvolvimento da DRC são, principalmente, o diabetes mellitus, a hipertensão, o tabagismo, as doenças renais proteinúricas, a dislipidemia, a obesidade e a condição inflamatória crônica. O diabetes é, atualmente, a primeira causa da DRC em países desenvolvidos (4). E vem, rapidamente, se tornando líder também em países em desenvolvimento. A caracterização da doença renal diabética é baseada, em parte, no achado de excreção urinária elevada de albumina (microalbuminúria e macroalbuminúria) e no aumento da pressão arterial. A DRC é definida pela presença de anormalidades estruturais ou funcionais dos rins por, pelo menos, três meses, com ou sem diminuição da taxa de filtração glomerular. Essas anormalidades são manifestadas por mudanças patológicas, incluindo alterações na composição do sangue, da urina ou nos testes de imagem radiográfica. Segundo os guias do K/DOQI, desenvolvidos pela National Kidney Foundation, a DRC pode ser classificada em cinco estágios (5): Estágio 1. Pacientes de alto risco para a DRC. ? A filtração glomerular é normal ou aumentada (maior ou igual a 90mL/minuto/1,73m2). Porém, existe evidência de dano renal (proteinúria, por exemplo); Estágio 2. Insuficiência renal leve. Existe dano ? e diminuição pequena da função renal (filtração glomerular entre 60 e 89mL/minuto/1,73m2); Estágio 3. Insuficiência renal moderada. Nesse ? caso, existe perda moderada da função renal (filtração glomerular entre 30 e 59mL/minuto/ 1,73m2); Estágio 4. Insuficiência renal grave. Há perda ? severa da função renal (filtração glomerular entre 15 e 29mL/minuto/1,73m2); Estágio 5. Insuficiência renal terminal ou ? dialítica. Nessa fase, os rins perdem o controle do meio interno (filtração glomerular menor que 15mL/minuto/1,73m2). O paciente encontra- se sintomático (uremia ou síndrome urêmica). Todos os demais órgãos e sistemas orgânicos são envolvidos, e passam a funcionar de maneira anormal. Existe risco de vida. As opções terapêuticas são os métodos de depuração artificial do sangue (diálise peritoneal ou hemodiálise) ou o transplante renal. A Fig. 21.3 representa um modelo do curso da DRC, que define os estágios e as condições antecedentes, 10 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico os resultados e os fatores de risco para complicações (hipertensão, anemia, desnutrição, doença óssea, neuropatia e diminuição da qualidade de vida) e morte. Algum grau de diminuição da função renal é normal com o envelhecimento. Por isso, os estágios 1 e 2 podem ser encontrados em indivíduos saudáveis com mais de 60 anos de idade, mesmo sem progressão. Porém, mesmo para esses, a função renal deve ser monitorada e avaliada rotineiramente. Os pacientes com DRC experimentam perda permanente da TFG, que ocorre em meses ou anos. Na maioria dos casos, a progressão da doença continua e, eventualmente, chega ao estágio 5. Para indivíduos com TFG <60mL/min/1,73 m2, a perda lenta da função renal é definida como a redução de menos que 2mL/min/1,73 m2 por ano na TFG (7). Já a progressão rápida é definida como o declínio ≥4mL/min/1,73 m2 por ano. À medida que o dano renal progride, o corpo se torna incapaz de excretar água, ácidos, sódio e outros produtos (resíduos) do metabolismo. Com isso, o organismo não consegue manter o equilíbrio homeostático. O acúmulo de ácidos, por exemplo, refletido pelos níveis sangüíneos baixos de bicarbonato, traz a acidose metabólica como conseqüência. Também, em pessoas com diabetes, a redução da função renal pode promover a hipoglicemia. Esse efeito ocorre devido ao clearance alterado da insulina (prolongamento da vida-média do hormônio circulante), uso de agentes hipoglicemiantes orais e diminuição da gliconeogênese renal (4). Então, não é difícil que, conforme ocorre redução da função renal, os pacientes com diabetes precisem reduzir as doses utilizadas de hipoglicemiantes orais e/ou insulina. Avaliação da Taxa de Filtração Glomerular A função renal (ritmo ou taxa de filtração glomerular - TFG) não deve ser avaliada com base nos níveis séricos isolados de creatinina e de uréia. Ela deve ser medida através dos clearances (depuração) desses metabólitos. Porém, a maneira mais simples é fazer a estimativa através da aplicação de equações validadas (Quadro 21.2) (ver, também, o Capítulo 11 do volume I deste livro). Para a maioria dos pacientes nos estágios 4 e 5 da DRC, as equações de estimativa são consideradas acuradas. Fig. 21.3 Modelo para os estágios da DRC e riscos de complicações (6) Quadro 21.2 Equações para estimar a taxa de filtração glomerular Para pessoas >18 anos de idade: ? Fórmula de Cockroft-Gault (8) Homens: Clearance de creatinina (mL/min) = [(140 – idade) x peso] creatinina sérica x 72 Mulheres: Clearance de creatinina (mL/min) = [(140 – idade) x peso] x 0,85 creatinina sérica x 72 É recomendado corrigir o resultado para a superfície corporal de 1,73m2 Fórmula abreviada do MDRD (9) TFG = 186 x (creatinina sérica)-1,154 x (idade)-0,203 x 0,742 (se mulher) x 1,212 (se negro) Onde: NUS = nitrogênio urêico sangüíneo Para crianças e adolescentes: ? Fórmula de Schwartz (10) TFG (mL/min/1,73m2) = k x comprimento (em cm)/creatinina plasmática (em mg/dL) Onde k é uma constante de proporcionalidade, em função da excreção urinária de creatinina por unidade de tamanho corporal. Valores de k: Grupo de idade k (valor médio) Criança nascida de baixo peso (≤1 ano de idade) Criança nascida de peso normal (≤1 ano de idade) Criança de 1-12 anos Meninas de 13-21 anos Meninos de 13-21 anos 0,33 0,45 0,55 0,55 0,70 11 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais Proteinúria O trabalho de filtração dos rins começa nos glomérulos. Ali, 10 a 20mg de proteínas são filtradas de cada 100mL de líquido. Normalmente, a proteína filtrada é reabsorvida nos túbulos proximais. O dano aos glomérulos promove o vazamento da proteína. Portanto, a proteinúria é um marcador de dano renal. A presença dela durante um período ≥3 meses define a presença da DRC (7). Esse é um achado diagnóstico importante. O Quadro 21.3 apresenta definições para a proteinúria. Para confirmar a classificação, duas de três amostrasdevem apresentar micro ou macroalbuminúria. Níveis elevados de proteinúria sugerem doença renal diabética, doença glomerular não-diabética ou do transplante. Além disso, o nível de proteinúria é um achado importante de prognóstico. Níveis elevados estão associados com a progressão mais rápida da DRC e com o aumento do risco de doença cardiovascular. A síndrome nefrótica é um dos maiores desafios da nefrologia. Além de perdas persistentes e maciças de proteína na urina e da hipoalbuminemia, a síndrome nefrótica se caracteriza pelo edema, dislipidemia e hipertensão. Com o objetivo de reduzir esses problemas, a intervenção inclui dieta hipoprotéica e uso de corticosteróides, medicamentos imunossupressores, inibidores da enzima conversora, bloqueadores do receptor da angiotensina, e outros. MODALIDADES E PRINCÍPIOS DIALÍTICOS Iniciar o programa de diálise no momento adequado é importante para evitar a piora dos sintomas urêmicos e as complicações graves, como: desnutrição, sobrecarga hídrica intratável, hipercalemia incontrolável, sangramento, depressão, alterações cognitivas, neuropatia periférica, diminuição da capacidade funcional, infertilidade e maior suscetibilidade às infecções. Também, a escolha da modalidade dialítica em tempo adequado permite a implantação de acesso vascular ou peritoneal sem emergências. A informação sobre as opções de diálise e o apoio ao paciente e família, em relação à liberdade de escolha, devem ser honrados pelos profissionais. De modo geral, a diálise é iniciada com a TFG entre 15 e 8mL/min/1,73m2. Os pacientes diabéticos têm indicação de iniciar com, aproximadamente, 15mL/ min/1,73m2. O início da terapia pode ser retardado enquanto o paciente estiver assintomático, aguardando o transplante, esperando a colocação do acesso permanente para diálise ou quando, após orientação adequada sobre as conseqüências, preferiu se manter na terapia conservadora. Hemodiálise A hemodiálise (HD) é um processo de filtração do sangue que remove o excesso de líquido e metabólitos. O maior problema dessa modalidade é o fato de ser intermitente. Ou seja, ocorre acúmulo de substâncias tóxicas e de líquido nos intervalos interdialíticos. Na HD, um “rim artificial” (dialisador) é usado para depurar o sangue (Fig. 21.4). Antes de iniciar o programa de HD crônica, o paciente precisará de um acesso à circulação sangüínea. Esse é a via através da qual o sangue é removido, enviado Quadro 21.3 Definições da proteinúria e albuminúria Método de Coleta da Urina Normal Microalbuminúria Macroalbuminúria (Proteinúria Clínica) Proteína Total Excreção Urinária de 24h (varia com o método) <300 mg/dia Não disponível >300 mg/dia Parcial de Urina <30 mg/dL Não disponível >30 mg/dL Taxa Proteína/Creatinina no Parcial de Urina (varia com o método) <200 mg/g Não disponível > 200 mg/g Albumina Excreção Urinária de 24h <30 mg/dia 30-300 mg/dia >300 mg/dia Parcial de Urina Específico para Albumina <3 mg/dL >3 mg/dL Não disponível Taxa Albumina/Creatinina no Parcial de Urina Geral: <30 mg/g Homens: <17 mg/g Mulheres: <25 mg/g Geral: 30-300 mg/g Homens: 17-250 mg/g Mulheres: 25-355 mg/g Geral: >300 mg/g Homens: >250 mg/g Mulheres: >355 mg/g Fonte: Chobanian et al. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: The JNC 7 report. JAMA, 289, 2003 (11) 12 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico para dentro do dialisador, depurado e, então, retornado ao paciente. Existem diferentes tipos de acesso, e todos requerem uma pequena cirurgia. A fístula arteriovenosa (FAV) é a mais indicada para o uso prolongado (Fig. 21.5). Na FAV, uma artéria e uma veia são ligadas internamente, em geral, no antebraço. Com o tempo, a veia aumenta de calibre, ou “arterializa”. Em uma sessão de diálise, duas agulhas são inseridas na FAV; uma é usada para enviar o sangue para o dialisador, e a outra serve para retorná-lo ao paciente. Um cateter, ou cânula, na veia jugular interna ou na femoral pode, também, ser utilizado. Porém, é temporário. Esse é um tubo simples e estreito, inserido em uma veia de grosso calibre, no pescoço (veia jugular interna) ou na virilha (veia femoral). O cateter é indicado para uso imediato, enquanto o acesso permanente (FAV) ainda não está disponível para uso. O dialisador, ou filtro, é composto por fibras ocas, dispostas em paralelo (Fig. 21.6). As fibras possuem poros, pelos quais ocorre eliminação de água e de solutos de peso molecular baixo e médio. O dialisador contém dois compartimentos, sendo um para o sangue e outro para a solução de diálise. Os dois compartimentos são separados por uma membrana semipermeável. Então, o excesso de líquido e de produtos finais do metabolismo passa do sangue, através dessa membrana, para dentro do dialisato. Membranas de diferentes espessuras e áreas de superfície podem ser usadas, dependendo da quantidade de líquido e metabólitos a ser removida. Elas também são feitas de materiais diversos, incluindo acetato de celulose, cuprofane, policarbonato e polisulfona. A solução, chamada, de banho de diálise ou dialisato, é composta de sódio, cálcio e potássio, além de magnésio, cloreto e bicarbonato. Em alguns centros, a glicose é, também, utilizada. A concentração de eletrólitos e de minerais do dialisato pode variar. Quanto menor a concentração, mais eletrólitos ou minerais saem do sangue para o dialisato, durante o processo dialítico. Fig. 21.4 Máquina e sistema da hemodiálise Fig. 21.5 Fistula arteriovenosa (FAV) 13 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais Então, durante a HD, o sangue flui para uma direção, dentro das fibras ocas, enquanto o dialisato vai para o lado oposto, por fora das fibras. As moléculas grandes, como a albumina e as células vermelhas do sangue, não atravessam a membrana semipermeável. Já aquelas menores, como a uréia, a glicose, o sódio, potássio e vitaminas, passam através dela. O programa de HD pode ser realizado de várias maneiras. A mais comum é em um Centro de Diálise, sendo executada por uma equipe especializada. Em média, cada sessão de HD convencional tem quatro horas de duração, três vezes por semana. Com base nas necessidades de cada paciente, são selecionados o tipo do dialisador, a composição do dialisato, a taxa de fluxo de sangue e o tempo de duração da diálise. ADEQUAÇÃO DA HEMODIÁLISE. Eficiência ou adequação dialítica refere-se à capacidade da diálise em eliminar toxinas, mantendo o equilíbrio hidroeletrolítico, ácido-básico e nutricional. A quantificação da adequação dialítica e a prescrição de dose adequada são importantes para evitar sintomas e outras complicações. a) Kt/Vuréia. Este é um índice de eficiência dialítica que utiliza a cinética da uréia como marcador. Ele integra a duração do tratamento e o volume de distribuição da uréia. Em HD, o K é o clearance do dialisador (mL/minuto). Ele usa a concentração da uréia em amostras de sangue pré e pós-diálise. O t é o tempo de tratamento (minutos). O resultado é dividido pelo V, que é o volume de distribuição da uréia (mL). O objetivo do Kt/Vuréia é 1,4 (mínimo de 1,2) por diálise (12). Em HD, a avaliação é, habitualmente, obtida de uma única sessão de diálise e extrapolada para a semana. Isso implica que todas as sessões tenham a mesma eficácia, o que pode não ser verdadeiro. Os fatores determinantes da concentração plasmática da uréia são: ingestão de proteínas, catabolismo protéico muscular e tratamento dialítico. b) Porcentagem de Redução da Uréia (PRU). Este é outro método de avaliação da adequação dialítica. Porém, é mais simples que o Kt/Vuréia. O cálculo é feito comparando a uréia plasmática de antes e após uma sessão de HD. A porcentagemde redução, do início para o final da sessão, é a PRU. A recomendação é a redução de 70% (mínimo de 65%) para HD três vezes por semana (12). Diálise Peritoneal A membrana peritoneal é uma camada de mesotélio, composta de muitos vasos sangüíneos e capilares. A diálise peritoneal (DP) é uma modalidade que utiliza a membrana do peritôneo como um filtro “natural”, semipermeável (Fig. 21.7). No caso, a membrana peritoneal regula a troca de água e de solutos entre seus capilares intersticiais e o líquido de diálise. Ou seja, remove os solutos acumulados no sangue, como a uréia, a creatinina, o potássio, o fosfato e a água. No procedimento da DP, uma solução de diálise (dialisato) é instilada por meio de um cateter, dentro da cavidade peritoneal (Fig. 21.8). As toxinas urêmicas atravessam a membrana peritoneal, através de movimento passivo, dos capilares sangüíneos para dentro do dialisato. Este é composto de eletrólitos, lactato e concentrações variáveis de glicose (ou substituto), que o torna hiperosmolar. Então, o excesso de líquido, de solutos urêmicos e de potássio passa do espaço vascular para dentro da cavidade peritoneal, equilibrando a osmolalidade da solução. Uma vez dentro do dialisato, as toxinas e o excesso de líquido são drenados para fora do corpo. Já a glicose, o lactato e, potencialmente, o cálcio, fazem o trajeto oposto, entrando no sangue. A icodextrina, ou uma solução de aminoácidos, Fig. 21.6 Hemodialisador e membranas dialíticas (fibras ocas) 14 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico pode substituir a glicose, como dialisato. Porém, nenhuma delas está, ainda, disponível no país. Existem três métodos de DP: a intermitente (DPI), a ambulatorial contínua (CAPD: continuous ambulatory peritoneal dialysis) e a automatizada (APD: automated peritoneal dialysis). A DPI não é a melhor escolha para a diálise crônica. Isso porque o método é agressivo e pouco eficiente a longo-prazo. Ela é realizada em ambiente hospitalar. O paciente é, geralmente, internado em dois diferentes dias da semana, e uma equipe especializada realiza a diálise durante o dia todo. Já a CAPD e a APD são realizadas em domicilio. Elas permitem mais flexibilidade do que a HD e a DPI. Fig. 21.7 Membrana peritoneal em perspectiva Fig. 21.8 Sistema de infusão e drenagem do dialisato na diálise peritoneal 15 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais Porém, exigem treinamento, cuidados e cooperação do paciente, família ou cuidador. A CAPD é a mais utilizada (Fig. 21.9a). Essa modalidade é manual, e utiliza a gravidade para infundir e drenar líquido na cavidade peritoneal. Exceto no momento da troca, o paciente mantém o líquido durante 24 horas diárias, todos os dias da semana, mês ou ano. Durante o dia, o dialisato é trocado a cada quatro horas, aproximadamente, sendo que o dialisato da troca noturna permanece por oito horas na cavidade peritoneal. Cada interrupção para a troca de dialisato (drenagem da solução antiga e instilação da nova) leva em torno de 20-30 minutos. Então, as trocas ocorrem, usualmente, quatro a cinco vezes ao dia. A dose de diálise pode ser individualizada, variando no número de trocas, no volume de cada uma e/ou na concentração de glicose. As bolsas disponíveis, contendo a solução de diálise, possuem volumes de 1, 2 e 2,5 litros, e concentrações de glicose de 1,5%, 2,5% e 4,25%. A APD é o método mais moderno. É, também, chamada de diálise peritoneal cíclica contínua (CCPD: continuous cyclic peritoneal dialysis). Diferente da CAPD, que é manual, nessa modalidade é utilizada uma cicladora (Fig. 21.9b). Ela instila e drena o dialisato da cavidade peritoneal. Na APD, os intervalos entre as trocas são mais curtos do que na CAPD. Em geral, o procedimento ocorre à noite, enquanto o paciente dorme, permitindo maior flexibilidade durante o dia e menos manipulações no cateter. Durante o dia, o paciente pode deixar a cavidade peritoneal sem líquido (“seca”) ou com líquido (“dia úmido”; “last bag”). As bolsas são de 1, 2, 2,5 e 6 litros, com as mesmas concentrações de glicose disponíveis para CAPD (1,5%, 2,5% e 4,25%). Cada ciclo (tempo de infusão até a drenagem) noturno dura menos que uma hora e meia (exemplo: 5 ciclos de 1 hora e 19 minutos, para 7 horas contínuas de diálise). Comparada à HD, a DP é favorável para idosos, crianças (principalmente abaixo de dois anos de idade), pacientes com doença cardiovascular avançada, e para aqueles com dificuldade de acesso à circulação. Os diabéticos encontram-se, geralmente, nessa categoria. O método tem as vantagens de permitir maior atividade física e independência, não utilizar agulhas para o acesso sangüíneo e favorecer dieta mais liberal (13), particularmente em alimentos ricos em potássio, como frutas e hortaliças. Além disso, não requer o deslocamento de três vezes por semana ao Centro de Diálise. Ela permite viagens e dá mais flexibilidade ao trabalho, mantém a função renal por mais tempo e apresenta menor risco de hipotensão. Porém, com o passar dos anos, uma grande desvantagem da DP é a fadiga do paciente, família e cuidador ao tratamento. ADEQUAÇÃO DA DIÁLISE PERITONEAL. Também na DP, a avaliação da eficiência dialítica é muito importante, e difere um pouco da HD. O primeiro parâmetro importante é a característica da membrana peritoneal. a) Teste de Equilíbrio Peritoneal (PET). O PET (Peritoneal Equilibration Test) avalia as características de transporte e de ultrafiltração da membrana peritoneal, já que nem todas são iguais e, ainda, podem mudar com o tempo. O PET é utilizado para ajudar na seleção da modalidade de tratamento, na quantificação da prescrição da diálise e para identificar pacientes com resultados dialíticos subótimos. No teste, são avaliadas as concentrações de glicose e de creatinina do dialisato, em relação ao nível inicial de glicose dele, e as de creatinina no plasma, respectivamente. Os resultados são comparados às curvas-padrão. Então, os pacientes são classificados em quatro categorias: baixo, médio-baixo, médio-alto ou alto transportador. A membrana peritoneal de um indivíduo alto transportador faz as trocas mais rapidamente do que a de um baixo transportador. Portanto, o PET ajuda na avaliação da prescrição da diálise (se as trocas deverão ser rápidas ou lentas, por exemplo). Ele determina o regime dialítico mais adequado às necessidades do paciente. b) Kt/Vuréia. Em DP, esse marcador é facilmente calculado. Porém, sua significância clínica não está bem definida. O Kt é calculado da concentração de uréia no Fig. 21.9 Diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) e diálise peritoneal automatizada (APD) Fig. 21.9a CAPD Fig. 21.9b APD 16 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico plasma e no dialisato drenado de 24 horas. O V é o volume de distribuição da uréia, calculado pela fórmula de Watson et al (14). O Kt/V de um dia é multiplicado por sete (para uma semana). O resultado médio ideal do Kt/ Vuréia semanal em CAPD é 2,0 (mínimo de 1,7/semana, em anúria) e em APD é 2,1 (12). c) Clearance de Creatinina Total Semanal em Litros. O clearance de creatinina total diário pode ser medido a partir do volume de dialisato drenado em 24 horas e pelo clearance de creatinina renal (quando ainda existente). É dependente do volume do dialisato drenado em determinado tempo, do período cumulativo de permanência dele na cavidade peritoneal e da concentração plasmática de creatinina. Em CAPD, o resultado ideal do clearance de creatinina total é ≥60L/semana/1,73m2 de superfície corporal para alto e médio-alto transportadores, e ≥50L/semana/1,73m2 para baixo e baixo-médio transportadores (12). Em APD, o objetivo é 63L/semana/1,73m2. d) Índice de Diálise. É o volume de dialisato necessário para removernitrogênio suficiente para manter a concentração de uréia plasmática em até 150mg/dL. Este nível é considerado o máximo apropriado para um paciente ingerindo quantidade suficiente de proteínas (aproximadamente 1,2g/kg/dia). Com a ingestão protéica estável, o índice de diálise esperado é igual a 1,0. O resultado acima ou abaixo sugere excesso ou sub-diálise, respectivamente. Terapias Contínuas de Substituição Renal Os pacientes graves com IRA apresentam, geralmente, instabilidade hemodinâmica e alto grau de catabolismo. Por isso, eles têm a indicação de uma terapia substitutiva renal mais lenta e por maior tempo do que a convencional. As terapias lentas permitem a filtração contínua de, principalmente, grandes quantidades de líquido plasmático, e de eletrólitos e toxinas urêmicas. Com isso, há menor risco de hipotensão e não há necessidade de restrição hídrica. Existem vários tipos de terapias lentas e contínuas. Os mais comuns são a hemofiltração venovenosa contínua (HVVC) e a hemodiálise venovenosa contínua (HDVVC). A última é uma hemofiltração com hemodiálise simultânea. Nesses casos, é utilizado um filtro extracorpóreo, bastante permeável à água e aos solutos de baixo peso molecular. Existe um circuito de sangue que vai de uma artéria até uma veia (ou de uma veia para outra). O procedimento requer o uso de uma bomba, para dar fluxo ao sangue (Fig. 21.10), e veias de grosso calibre (ex.: veia subclávia e femoral). Estas devem estar em boas condições, e capazes de prover fluxo sangüíneo substancial. Em alguns centros, devido às dificuldades técnicas de manter a terapia continuamente, por vários dias, é utilizada a hemodiálise lenta intermitente. Nesse caso, ela é instalada pela manhã e retirada ao final da tarde, reiniciando na manhã seguinte. O procedimento é realizado durante vários dias, enquanto houver necessidade. Ocasionalmente, a DP pode ser utilizada, pois o método já é lento e contínuo. Porém, em muitos casos, existe dificuldade de acesso peritoneal (ex: drenos, fístulas, pós-cirúrgico abdominal). TRANSPLANTE RENAL O transplante (tx) renal é a modalidade terapêutica de primeira escolha para pacientes com insuficiência renal crônica. O tratamento tem tido avanços e modificações significativas nos últimos anos, particularmente em relação à compreensão da imunologia e aos agentes imunossupressores. Entretanto, nem todos os pacientes podem se beneficiar do tx renal. A escolha do tipo do doador, vivo ou cadáver, é um fator importante. Além disso, o procedimento não está livre de problemas, como infecções oportunistas, neoplasias e rejeição crônica. Um doador cadáver é definido como alguém com morte cerebral. Porém, a função do coração e dos pulmões deve estar mantida com o suporte artificial. Em geral, dois médicos, nenhum da equipe de transplante, declaram a morte cerebral. Indivíduos com história de hipertensão descontrolada, doença renal, câncer, uso recente de drogas endovenosas, alto risco para AIDS Fig. 21.10 Esquema da hemofiltração arteriovenosa contínua 17 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais ou HIV+, ou que faleceram de causas desconhecidas são, geralmente, contra-indicados como doadores. Também, indivíduos vivos, com história familiar de doença renal (ex.: rins policísticos) não são, usualmente, permitidos como doadores, mesmo quando não existam sinais atuais da síndrome. O tipo sangüíneo (ABO) e a compatibilidade entre o receptor e o doador são essenciais para o sucesso do tx. Os testes de cross-match (combinação cruzada) são executados para minimizar o risco para o paciente, e aumentar as chances de sucesso do tx. A fonte do órgão afeta a taxa de sucesso de um tx. A combinação idêntica vem de um parente próximo. Porém, de nem todos. De maneira geral, a idade não é o fator maior de contra-indicação, mas é considerada. Já a presença de diabetes é um fator contra-indicativo importante, devido à taxa geral menor de sobrevida (alta prevalência de doença vascular). Aliás, a doença cardiovascular avançada é contra-indicação de tx para qualquer indivíduo. Certas doenças recorrentes, como o lúpus e a oxalose, também podem contra-indicar o tx. O tx renal traz riscos e problemas diversos, distinguidos pela fase. As três fases distintas são: pré-tx, pós-tx imediato e pós-tx tardio. No período pré-tx encontram-se os pacientes no estágio 5 da DRC, particularmente aqueles em diálise. O pós- tx imediato refere-se ao período de quatro a seis semanas após a cirurgia. E o pós-tx tardio refere- se ao resto da vida do paciente, ou enquanto o rim transplantado (enxerto) estiver funcionando. Enquanto o objetivo do sistema imunológico é proteger o hospedeiro contra patógenos infecciosos, o mesmo mecanismo funciona diretamente contra um órgão transplantado, usualmente resultando em sua destruição. Portanto, todo paciente transplantado utiliza vários medicamentos imunossupressores. O regime de imunossupressão envolve um equilíbrio delicado entre prevenir a rejeição do órgão transplantado e minimizar os efeitos colaterais. Um dos vários fatores adversos da terapia imunossupressora é o potencial de alteração do estado nutricional do indivíduo. E o efeito é exacerbado quando o paciente está em hipercatabolismo e nutricionalmente vulnerável. A terapia imunossupressora é dividida em duas fases, chamadas de indução e de manutenção (15). Os medicamentos de “indução” são potentes, e usados no momento do tx. Geralmente, eles consistem de anticorpos monoglonais (ex.: OKT-3) ou policlonais (globulinas antitimocíticas). Eles também são utilizados para tratar episódios graves de rejeição aguda, resistentes aos tratamentos mais convencionais, como corticosteróides. Altas doses de corticosteróides, como a meltilprednisona, por vários dias, seguida pela prednisona, é chamada de “pulsoterapia”. Esta é comumente prescrita para o paciente com rejeição aguda. A terapia de “manutenção” (corticosteróides, micofenolato mofetil, azatioprina, tacrolimus, ciclosporina, sirolimus) é aquela administrada após o tx, usualmente por toda a vida do órgão transplantado. A ciclosporina e o tacrolimus têm índice terapêutico muito estreito para a eficácia e toxicidade. Portanto, existe necessidade de monitoramento rotineiro de seus níveis sangüíneos. A escolha dos medicamentos depende do local (Centro), das características individuais do paciente, do órgão transplantado e do tempo do tx. FATORES DE RISCO NUTRICIONAL A doença renal é acompanhada de alterações orgânicas significativas, resultando em distúrbios no metabolismo de todos os nutrientes. Até chegar ao tx renal, o maior problema nutricional é a desnutrição, em suas mais diversas formas. Porém, a parte mais difícil é que existem fatores catabólicos distintos para cada tipo e estágio da doença. Algumas características, entretanto, são comuns a todos: 1) anormalidades nos níveis corporais de aminoácidos, 2) tendência à acidose metabólica, 3) distúrbios endócrinos, 4) risco de doença cardiovascular, 5) presença de inflamação, infecção e anemia, 6) alterações no metabolismo do cálcio e do fósforo, e 7) efeitos colaterais dos medicamentos utilizados. Além da influência orgânica, vários fatores sociais e psicológicos também contribuem para as alterações nutricionais. DESNUTRIÇÃO A desnutrição do paciente renal tem causas multifatoriais. Na IRA, as altas taxas de mortalidade estão, geralmente, mais relacionadas às complicações da doença de base (infecção, hemorragia ou eventos cardiopulmonares) do que à uremia. Embora exista escassez de estudos científicos sobre a desnutrição em pacientes com IRA, certamente os efeitos adversos influenciam no desenvolvimento rápido do problema. Já na DRC, a desnutrição está bem evidenciada pelos 18 Avaliaçãodo Estado Nutricional e Diagnóstico estudos científicos. A ocorrência do problema na fase pré-dialítica tem reflexo no aumento da mortalidade após o início da diálise (16). Conforme a função renal diminui, podem aparecer sinais de desnutrição, como a diminuição do peso corporal e o declínio significativo na excreção urinária de creatinina. Também, com o avanço da doença renal, podem ocorrer grandes reduções na concentração de vários aminoácidos plasmáticos essenciais e totais (17). Em HD, a desnutrição protéico-calórica é ainda mais comum, e aumenta significativamente a taxa de morbidade e de mortalidade (18, 19). Da mesma forma, a desnutrição é facilmente encontrada na DP. Porém, é diferente da HD, que tem a depleção calórica como maior problema. Na DP, a deficiência protéica é a mais prevalente. Os estudos indicam que a desnutrição leve a moderada ocorre em 30 a 35%, e a grave em 8 a 10% dos pacientes em CAPD (20- 24). Entretanto, a maioria dos estudos utiliza métodos tradicionais para a avaliação do estado nutricional. Se avaliado por métodos acurados, a depleção protéica e de massa muscular, provavelmente, abrangeria 100% dos pacientes em diálise. Vários aspectos estão envolvidos no desenvolvimento da desnutrição dos pacientes renais. De maneira global, os fatores podem estar divididos em: 1) ingestão alimentar deficiente, 2) hipercatabolismo, e 3) redução de massa muscular devido ao sedentarismo. O Quadro 21.4 apresenta um resumo das principais causas da desnutrição encontradas nesses pacientes. Ingestão Alimentar Defi ciente Grande porcentagem dos pacientes renais crônicos, particularmente em diálise, ingere nutrientes em quantidades abaixo do recomendado. Alguns estudos mostram redução da ingestão calórico-protéica com o passar do tempo (25, 26). Várias causas podem levar à diminuição da ingestão alimentar. Entre elas: 1) anorexia, 2) restrições financeiras, 3) iatrogenia, 4) dentição deficiente. ANOREXIA. A anorexia é uma das complicações que mais contribui para a desnutrição. Ela pode ocorrer devido a várias razões. A uremia pode ser Quadro 21.4 Causas da desnutrição de pacientes renais INGESTÃO ALIMENTAR DEFICIENTE Anorexia ? DP: pressão intra-peritoneal aumentada (desconforto ? abdominal) DP: absorção constante de glicose do dialisato ? uremia (diálise inadequada/perda da função renal residual) ? sobrecarga hídrica ? distúrbios (náuseas, vômitos, diarréia, obstipação) ou ? doenças gastrintestinais coexistentes (refluxo, úlcera péptica, gastroparesia) fatores psicológicos (depressão, isolamento, ignorância) ? dietas impalatáveis ? co-morbidade coexistente (insuficiência cardíaca, doença ? pulmonar crônica) medicamentos (competição com alimentos) ? anemia ? DP: peritonite, infecção do local de saída do cateter ? HD: infecção do acesso venoso (ex: cânula) ? IRA: hipercatabolismo da doença de base ? alterações no paladar (deficiência de zinco) ? efeito debilitante da doença crônica ? Fatores financeiros (pobreza) ? Iatrogenia (dietas restritivas e inadequadas), medicamentos ? (interações com nutrientes) Problemas dentários ? HIPERCATABOLISMO Perdas na diálise ? HD: perda de aminoácidos, vitaminas hidrossolúveis e glicose ? DP: perda de proteínas e vitaminas hidrossolúveis ? Alterações metabólicas ? inflamação ? acidose metabólica ? uremia ? hiperparatireoidismo ? hiperglucagonemia ? atividade biológica reduzida da insulina e de fatores de ? crescimento DP: peritonite ? IRA: hipercatabolismo associado à doença de base ? Tx imediato: estresse cirúrgico e altas doses de ? imunossupressores doenças intercorrentes (insuficiência cardíaca, sepse) ? REDUÇÃO DA MASSA MUSCULAR DEVIDO À POUCA ATIVIDADE FÍSICA Estilo de vida sedentário ? Limitações físicas e psicológicas ? depressão ? anemia ? amputações ? dor, incluindo a óssea ? fraqueza generalizada ? falta de local apropriado para atividade física ? 19 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais uma delas. Em grande parte dos casos, a uremia ocorre devido à diálise não eficiente. Entretanto, o aumento da dose de diálise não parece melhorar os parâmetros nutricionais. Aliás, o nível de função renal residual parece influenciar mais na ingestão protéica e no estado nutricional do que a eficiência dialítica. Em um estudo multicêntrico com pacientes em CAPD (20), a anúria estava presente em 94% daqueles com desnutrição grave. Um estudo multicêntrico também mostrou correlação entre a piora do estado nutricional e a perda da função renal residual (19). Outro grande problema que promove a anorexia é a anemia. Esta é uma das complicações da DRC de maior impacto na qualidade de vida dos pacientes. A anemia pode começar a ocorrer quando a filtração glomerular está abaixo de 30mL/min. O problema resulta em várias anormalidades fisiológicas, incluindo a diminuição da oferta e da utilização tecidual de oxigênio, aumento do débito cardíaco, hipertrofia ventricular, angina, insuficiência cardíaca, redução da acuidade mental e cognitiva, alteração da resposta imune, entre outros. Todos esses fatores podem contribuir para a perda da massa muscular. A fadiga e a redução da capacidade de exercício físico são conseqüências facilmente visíveis da anemia. Em crianças, a anemia está associada ao retardo de crescimento. Em adultos, está relacionada à diminuição da sobrevida e da reabilitação social e profissional. O principal fator envolvido com a anemia da DRC é a deficiência da eritropoietina (EPO), que é produzida quase completamente pelos rins. Quando esse hormônio é administrado aos pacientes, ocorre melhora significativa do estado nutricional. A anorexia pode, também, ser atribuída às alterações na acuidade gustativa. O problema pode estar relacionado à deficiência de zinco. Muitos pacientes queixam- se de paladar metálico e boca seca. Ambos podem contribuir para a anorexia. Além disso, as restrições rigorosas na alimentação (ex.: de alimentos ricos em sódio, potássio, fósforo e de líquidos) podem dificultar a seleção alimentar, tornar a dieta pouco palatável e diminuir o apetite dos pacientes. O uso crônico de medicamentos, além de competir com a ingestão alimentar, pode promover redução do apetite. Os distúrbios hormonais e gastrintestinais (náuseas, vômitos, gastrite, diarréia, obstipação) podem ser enumerados como promotores da anorexia. A distensão abdominal, que ocorre nos pacientes em DP, com conseqüente desconforto e sensação de plenitude gástrica, pode dificultar a ingestão alimentar. Isso ocorre devido ao volume contínuo de líquido infundido na cavidade peritoneal. Também, a absorção constante de glicose pode promover a sensação de saciedade precoce e a plenitude gástrica. O problema é, freqüentemente, relatado por essa população. Muitos pacientes renais crônicos têm diabetes, e a doença está associada a vários distúrbios gastrintestinais, como a gastroparesia. Esses interferem no apetite e na ingestão alimentar. A gastroparesia retarda o esvaziamento gástrico. Um estudo comparou a sensação de plenitude gástrica e a velocidade da alimentação de pacientes em CAPD e em HD, com indivíduos saudáveis (27). Foi servida uma refeição-teste, colocada em balança oculta, ligada a um computador que registrou todo o processo da alimentação. Os pacientes em CAPD tiveram ingestão alimentar significativamente menor do que aqueles em HD. Os dois grupos de diálise tiveram a quantidade e a velocidade de ingestão alimentar menores do que os indivíduos saudáveis. Nesse estudo, os pacientes em CAPD foram, também, analisados com e sem líquido na cavidade peritoneal. Não houve diferença entre os grupos. Os autores concluíram que a sensação de saciedade precoce é devida mais à absorção constante de glicose do dialisato do que ao desconfortoprovocado pelo volume na cavidade peritoneal. Por outro lado, um estudo demonstrou que a presença de dialisato na cavidade peritoneal retarda o esvaziamento gástrico de alimentos sólidos (28). A quantidade de glicose absorvida através da cavidade peritoneal varia consideravelmente entre pacientes, devido às diferenças na permeabilidade da membrana. Os pacientes que são alto transportadores absorvem glicose mais rapidamente que os baixo transportadores (29). Em geral, a quantidade estimada de glicose absorvida é de 20 a 30% da ingestão energética usual do paciente (30, 31). Ou seja, 400 a 600kcal/dia, ou 6 a 8kcal/kg/ dia (variação de 5 a 20kcal/kg/dia). Em um programa intermitente noturno, contendo 15 litros de solução de diálise, a absorção calórica é de 390 a 860kcal/dia. Já, durante episódios de peritonite, a absorção de glicose eleva-se significativamente, em virtude do aumento da permeabilidade da membrana peritoneal (29). Outra preocupação da DP é a peritonite. Nesta condição, a dor e o desconforto abdominal podem dificultar o consumo oral de nutrientes. Um estudo mostrou que a ingestão calórico-protéica é extremamente baixa durante um episódio de peritonite 20 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico (32). A inflamação também influencia na anorexia (33). Em HD, a fadiga pós-diálise, os episódios hipotensivos intradialíticos e a necessidade freqüente de hospitalizações, devido a problemas intercorrentes, são fatores que podem levar à anorexia. Além disso, a depressão, o isolamento social e a baixa qualidade de vida, comuns nos pacientes em diálise, podem afetar o apetite. As restrições financeiras, e mesmo a condição de pobreza vivida por muitos pacientes, podem limitar a aquisição de alimentos, principalmente as fontes protéicas. Outro fator é a dentição deficiente. Os problemas dentários, como as próteses mal fixadas e as doenças peridônticas, podem alterar a ingestão alimentar e influenciar no desenvolvimento da desnutrição. Hipercatabolismo O aumento do catabolismo corporal é causa importante da desnutrição. Os principais fatores relacionados ao hipercatabolismo são: 1) perdas de nutrientes no dialisato, 2) presença de inflamação crônica, 3) propensão à acidose metabólica, 4) anormalidades endócrinas, e 5) enfermidades associadas. Nos pacientes com IRA, o grau de catabolismo associado, o tipo e a gravidade da doença de base, e o estado nutricional prévio e atual são os maiores determinantes da intervenção nutricional. Durante o procedimento de HD são perdidos aminoácidos, peptídeos, glicose e vitaminas hidrossolúveis. Em cada sessão, vazam em torno de 5 a 8g de aminoácidos livres e 4 a 5g daqueles ligados (34). São perdidos, também, em torno de 25g de glicose (35). Na DP, as perdas de aminoácidos são substanciais e semelhantes à HD (36). Em cada troca de dois litros, as perdas podem ser de 5 a 300mg de aminoácidos livres, ou o equivalente a 1,7 a 3g por dia (37). O peso molecular dos aminoácidos é similar ao da creatinina. E a perda é afetada pela concentração plasmática deles e pelo volume das trocas (37) da diálise. Aproximadamente 30% dos aminoácidos perdidos no dialisato são essenciais (36). Entretanto, o maior problema da DP é a perda significativa de proteínas (38). Essa pode variar até 10 vezes de um para outro paciente, mas parece estável para um mesmo indivíduo (39). Durante um regime usual de CAPD, as perdas protéicas diárias variam de 5 a 15g, com diferenças entre indivíduos (29, 40, 41). A quantidade total de perdas de proteínas e aminoácidos é equivalente a 0,2g/kg/dia. Dentro das proteínas perdidas, 50 a 80% é albumina (39, 42). A perda de albumina no dialisato está diretamente relacionada às características de transporte da membrana peritoneal. Aqueles pacientes do grupo alto transportador possuem perdas maiores. A perda mais rápida de proteínas parece ocorrer nas primeiras duas horas de troca, e a quantidade total perdida aumenta com trocas de mais longa duração (39). As perdas através da APD podem ser semelhantes às da CAPD, exceto pela diferença potencial na passagem de proteínas de alto peso molecular (43). As perdas protéicas também são maiores em diabéticos (38). As crianças perdem aproximadamente 0,2g/kg de proteínas por dia (44). A quantidade é maior, em quilogramas de peso, do que em adultos. Isso é, possivelmente, atribuído à maior área de superfície corporal para o peso, apresentada pelas crianças. A peritonite aumenta a permeabilidade da membrana peritoneal para moléculas grandes (ex.: proteínas), elevando as perdas no dialisato (38). Durante um episódio de peritonite, as perdas protéicas podem aumentar consideravelmente, em 50 a 100% (média de 15±3,6g/dia) (45). As perdas podem permanecer aumentadas por várias semanas, mesmo em caso de peritonite leve (46, 47). Esses fatores podem colocar o paciente em grande risco nutricional. Por outro lado, aqueles com o estado nutricional comprometido estão suscetíveis à peritonite, além de apresentarem um curso mais grave da infecção. Outros nutrientes importantes, e perdidos em grande quantidade durante a diálise, são as vitaminas hidrossolúveis (29). As concentrações sangüíneas de várias dessas vitaminas, como o ácido ascórbico, a tiamina, a piridoxina e o ácido fólico, estão abaixo do normal em pacientes em DP (29). As causas para as reduções são múltiplas, como o metabolismo anormal, a ingestão inadequada, a absorção alterada e as perdas pelo procedimento dialítico. A deficiência de vitaminas progride lentamente, dependendo das reservas corporais, ingestão e perdas crônicas na diálise. A inflamação é outro fator importante, relacionado ao hipercatabolismo e à perda muscular significativa nos pacientes renais. Os níveis elevados de citocinas circulantes, tanto no período pré-dialítico como na HD e DP, são achados comuns (48). As citocinas, especificamente o TNF-α (tumor necrosis factor), a interleucina-6 (IL-6) e a interleucina-1 (IL-1), podem ser mediadoras do processo inflamatório e da perda muscular significativa da uremia (49). Grande quantidade de literatura discute sobre o fenômeno conhecido como 21 Avaliação do Estado Nutricional de Pacientes Renais síndrome da desnutrição-inflamação-aterosclerose (síndrome MIA: malnutrition, inflammation and atherosclerosis). Este termo é usado para descrever a relação entre a desnutrição calórico-protéica e a doença cardiovascular dessa população, que está relacionada à inflamação. A síndrome MIA está associada com a hipoalbuminemia, apetite baixo, hipercatabolismo, baixa qualidade de vida e alta mortalidade. Várias situações podem desencadear o processo inflamatório, como a uremia, a interação entre o sangue e os aparatos da diálise, a acidose, a intolerância à glicose, entre vários outros. A peritonite em DP é uma delas. Nessa condição pode ocorrer balanço nitrogenado negativo e redução da albumina sérica. A acidose metabólica é um fator adicional. Ela parece aumentar o catabolismo particularmente dos aminoácidos de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina) (50). Estes são metabolizados, primariamente, no tecido muscular (51). Existem evidências de que o aumento do nível de bicarbonato (correção da acidose), em pacientes em diálise, está associado ao anabolismo (52). Além disso, várias condições co-mórbidas podem facilitar o desenvolvimento da desnutrição. Pacientes com diabetes, por exemplo, têm maior probabilidade de serem desnutridos. O fato pode estar relacionado às enfermidades associadas, como síndrome nefrótica e insuficiência cardíaca congestiva, ocorrência freqüente de gastroparesia e diarréia, e incidência alta de cegueira e neuropatia periférica. Enfim, os pacientes com DRC, principalmente em diálise, têm alta prevalência e múltiplosfatores de risco para a desnutrição. Este problema nutricional aumenta significativamente o risco de morte. No tx renal, o risco da desnutrição é no período imediato. Nesta fase, o catabolismo protéico intenso ocorre, principalmente, devido ao estresse da cirurgia e ao uso de altas doses de imunossupressores. Os corticosteróides aceleram a gliconeogênese hepática, resultando em aumento do catabolismo e em diminuição do anabolismo de proteínas e de aminoácidos. O efeito é exacerbado no paciente já desnutrido. O aumento do catabolismo pode conduzir ao excesso de produção da uréia. Outro aspecto que eleva o catabolismo protéico é o aparecimento da rejeição aguda. Nesta condição, o tratamento pode ser o aumento significativo das doses de imunossupressores, como os corticosteróides. O catabolismo protéico elevado, combinado com possíveis depleções pré-existentes, adiciona problemas substanciais, como cicatrização lenta da ferida operatória e maior suscetibilidade à infecção. O Quadro 21.5 resume os efeitos nutricionais colaterais dos agentes imunossupressores usados no tx renal. Porém, após o período de tx imediato, a desnutrição deixa de ser um problema para os transplantados, exceto para aqueles que desenvolvem a rejeição crônica (53). Ou seja, aqueles que, novamente, entram na fase de progressão da perda da função do rim enxertado. OBESIDADE Similar à população em geral, a obesidade tem aumentado em pacientes com DRC. Além disso, existe diferença na média de peso entre as modalidades dialíticas e no tx renal. Pacientes em DP apresentam peso significativamente mais elevado do que aqueles em HD, e têm tendência ao aumento com o passar do tempo (54). Em um estudo retrospectivo (55), que avaliou o período de 5 anos, mais pacientes em DP com peso normal passaram para o grupo com excesso, do que vice-versa. Entretanto, mesmo com o aumento de peso ao longo do tempo, os pacientes Quadro 21.5 Efeitos nutricionais adversos dos agentes imunossupressores Corticosteróides (prednisona, metilprednisona, hidrocortisona) Hiperglicemia, diabetes pós-transplante, síndrome de Cushing; hiperlipidemia; hiperfagia; ganho de peso; síndrome de perda muscular; ? retenção de sódio e líquido; hipertensão; excreção urinária acelerada de potássio; aumento da secreção de suco gástrico; aumento da excreção urinária de cálcio; alteração da cicatrização de feridas Azatioprina (Imuran®) Anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia; inflamação e ulceração esofágica e oral; náuseas, vômitos, diarréia, disgeusia ? Ciclosporina e tacrolimus Nefrotoxicidade; hiperlipidemia; hiperglicemia, hipertensão; hipercalemia; hipomagnesemia, hiperplasia gengival, distúrbios gastrintestinais ? Sirolimus Hiperlipidemia, sintomas gastrintestinais, retardo da cicatrização de feridas, hipocalemia ? Micofenolato mofetil (Cellcept®) Diarréia ? OKT3 e Globulina Antitimocítica Anorexia, náuseas, vômitos, diarréia, febre, estomatite ? 22 Avaliação do Estado Nutricional e Diagnóstico em DP apresentam redução gradual do nitrogênio corporal total (56), refletindo perda de massa magra e de proteínas corporais. Também, um fato importante é que os pacientes em DP aumentam o peso corporal em virtude, principalmente, da deposição de tecido adiposo na região abdominal. Essa característica foi claramente demonstrada em um estudo prospectivo em CAPD (57). A gordura corporal total foi avaliada através da DEXA, e a abdominal foi medida pela tomografia computadorizada. De maneira interessante, o peso corporal e a gordura total não mudaram durante o período. Entretanto, a gordura intra-visceral aumentou 22,8%. Esse resultado pode estar relacionado à absorção constante de glicose via peritoneal. E já é bem conhecido que a adiposidade intra- visceral tem grande potencial de agravar complicações metabólicas, como a hiperglicemia, a hiperinsulinemia e a hiperlipidemia. Então, essa característica de aumento da gordura intra-visceral dos pacientes em DP, que recebem glicose no dialisato, poderia contribuir para o risco de mortalidade cardiovascular dessa população. Epidemiologia Reversa Já é bem reconhecido que a obesidade pode promover a hipertensão, o diabetes, a resistência periférica à insulina, a dislipidemia e a proteinúria. Em estudos da população em geral, analisando os dados do índice de massa corporal (IMC) em relação à morbidade e à mortalidade, uma curva em J ou em U é formada. Isso indica que a mortalidade aumenta com os IMCs baixos (<18kg/m2) e também com os elevados (>25kg/m2) (58). Os dados indicam que o IMC mais saudável está entre 18 e 25kg/m2. Então, que estar muito magro pode ser tão prejudicial à saúde quanto estar muito gordo. Porém, em algumas situações, a magreza pode estar refletindo a perda de peso de fumantes ou daqueles com doenças crônicas, que piora com a idade (59). Nesses casos, a magreza aumenta a mortalidade. Por outro lado, o estudo denominado Nurses Health Study avaliou homens e mulheres de meia idade, durante 10 anos (60). O banco de dados incluiu mais de 100.000 pessoas. Durante os anos de acompanhamento, foi rastreado o aparecimento de várias condições crônicas de saúde. Para mulheres e homens, aqueles com IMC entre 25 e 29,9kg/m2 tiveram o risco três vezes maior de desenvolver diabetes, comparado com 18,5 a 25kg/ m2. Para o IMC acima de 35kg/m2, a probabilidade de desenvolver diabetes foi 20 vezes maior. Uma relação significativa também foi encontrada entre o IMC mais elevado e o desenvolvimento de outras condições, como hipertensão, hipercolesterolemia, doença cardíaca, acidente vascular cerebral e cálculos biliares. Naquelas pessoas com IMC próximo do limite superior da faixa saudável (22 a 24,9kg/m2), o risco de desenvolvimento de uma enfermidade aumentou 1,2 a 2,2 vezes. Também, em outro estudo, foi mostrado que a obesidade na infância e no início da idade adulta é preditora da mortalidade futura (61). Não há dúvidas que a obesidade possa ser um fator de risco importante para o desenvolvimento da DRC (62-64). Ela também está associada à história familiar da doença (65). Então, com a extrapolação dos dados da população em geral, foi especulado que a obesidade poderia, também, acelerar a progressão da DRC, uma vez instalada. Portanto, a recomendação usual sempre foi a perda de peso para indivíduos com DRC com sobrepeso e obesidade. Porém, os resultados de pesquisas recentes, em relação ao IMC e à mortalidade de pacientes na fase não-dialítica e dialítica, são intrigantes. Os estudos mostram que os pacientes com IMC elevado apresentam menor mortalidade (66, 67). Ou seja, a presença da DRC parece modificar as associações encontradas na população em geral, entre a obesidade e a mortalidade. Há mais de uma década, estudos mostram que, particularmente para a HD, a obesidade é um fator protetor significativo da morte (68-70). O fato contrasta, completamente, com a população normal. E, por isso, é chamado de fenômeno “contra-epidemiológico” ou “epidemiologia reversa”. Um estudo de 12.900 homens e mulheres em HD avaliou a sobrevida durante o período de 12 meses (68). As faixas de IMC dos pacientes eram, geralmente, mais baixas do que na população americana normal (NHANES II), em todos os grupos de idade, exceto nas mulheres brancas. A mortalidade foi significativamente maior nos indivíduos com peso para altura abaixo do percentil 50. Utilizando os dados de Leavey et al, Kalantar-Zadeh (71) correlacionou o IMC com o risco de morte. Houve diminuição da mortalidade com o aumento do IMC (Fig. 21.11). Em outro grande estudo, com 54.535 pacientes em HD, quanto maior a obesidade, mesmo mórbida (IMC ≥45kg/m2), menor foi a taxa de mortalidade durante os dois anos avaliados (72). Porém, em relação à qualidade de vida, a obesidade não tem epidemiologia
Compartilhar