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PRODUÇÃO INDEPENDENTE

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Introdução
É consensual que o princípio básico de formação de um modelo familiar é o AMOR. De modo geral, acredita-se que a construção de uma família é escalonada: acontece que o casal heterossexual se apaixona, depois vem o amor, se casa, em seguida tem filhos. Essa é a construção de que muitos acham ser o ideal de família. 
No entanto, ao longo da história a ideia de família apresentou inúmeras formas de se estruturar que perpassam gerações. E, ainda hoje, sua formação varia de acordo com a cultura e de acordo com o contexto no qual está inserida.
Passeando pela História, vê-se que as mudanças são ainda mais radicais. Na Europa, v.g., no início da Idade Moderna, havia os arranjos para casamentos aristocráticos e reais, por razões políticas ou mesmo para perpetuar a herança. Havia ditados populares que inseriram os dizeres: “ amar sua própria esposa com suas emoções é adultério”.
A ideia de AMOR romântico somente começou a ser difundida no final do século XVIII e, nesse contexto, estava mais ligado à ideia de um amor idealizado do que a de um amor apaixonado. Sendo assim, não se pode atribuir ao conceito de amor romântico a ideia de ser parte natural da formação da família.
Em tempos hodiernos, há o crescimento de casamentos. Crescendo, contudo, está na mesma proporção, o número de divórcios. Vem, nesse bojo, novas formas de arranjos familiares com segundos casamentos. Com aqueles reconstituídos, com meios-irmãos, com padrasto e madrasta, e, ainda, com filhos registrados por casais homoafetivos e os frutos da engenharia genética.
Infere-se, assim, pela existência de distintos modelos de famílias nas sociedades contemporâneas. Por isso, nenhuma delas pode ser considerada como correta ou incorreta. Nas reflexões de Río González “ a situação atual obriga uma análise da realidade das famílias no mundo moderno, sem estigmatizar nem julgar, já que existe uma crise do modelo tradicional de família, mais do que uma simples ‘crise da família’.
Por isso, procurou-se, neste trabalho, investigar a reprodução assistida programada heteróloga e sua adequabilidade frente às discussões que suscitam no campo ético e jurídico. A produção heteróloga propicia a produção independente para as pessoas que, por opção, não acreditam ser necessário a presença do outro. Comportamento, esse, que traz consigo reflexões de todo viés e, acaba por contribuir ao formato de novos arranjos familiares na contemporaneidade. 
Famílias e suas diferentes nuances no tempo
O conceito de família, ao longo da história da humanidade comportou-se de forma estática. No entanto, as reviravoltas no campo científico trouxeram novos contornos. Em tempos pretéritos sempre se relacionou à necessidade, ao desejo de procriar na convivência com o casal. A ânsia em gerar, dar nascimento, conceber, outro ser, perpetuar a espécie humana era o foco. Nesse contexto, era comum a família ser composta por um pai, mãe e filhos. A parentela, através de casamentos, fazia arranjos para a união dos herdeiros, perpetuando, assim, suas linhagens, ao longo das gerações. Essa foi a base singular que sustentou às famílias, alçando seu crescimento e, consequente, formação das sociedades antigas. 
Na presente contemporaneidade, aqueles retardatários paradigmas, são mitigados. Desde o nascimento de Louise Brown, em 25 de julho de 1978, na Inglaterra, como a primeira criança concebida em laboratório, “bebê de proveta”, pelo método in vitro, os avanços na área da medicina não pararam. Esse marco divisor científico trouxe novos contornos e profundas modificações àquele velho modelo de família. Com o avanço científico, surgiram práticas diversificadas de reprodução assistida. 
Nas lições de Maria Helena Diniz (2002, p. 475) “ reprodução humana assistida é um conjunto de operações para unir, artificialmente, os gametas feminino e masculino, dando origem a um novo ser.” 
Essas técnicas vieram no bojo do progresso da bioética. Pessoas, antes, restritas que estavam, em ser pai ou mãe, puderam, assim, ter seu direito a procriação garantido.
A ciência exerceria, dessa forma, o papel de instrumento a felicidade das famílias. Através da reprodução assistida, em suas formas de inseminação artificial, fertilização in vitro, difundiu-se, pelo mundo, a viabilidade da procriação humana acontecer. As técnicas de reprodução humana assistida deveriam desempenhar uma ‘função auxiliar’ na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação para aqueles que se encontram impedidos de fazê-lo pelos mecanismos naturais. Assim, esse avanço da medicina, permitiu, não somente casais, que não podiam ter filhos, a tê-los, mas igualmente, beneficia as pessoas que querem ter filhos, por produção independente, a constituir as chamadas famílias monoparentais.
No magistério de Maria Berenice (2017, p.153), famílias monoparentais, são o “ enlaçamento dos vínculos familiares constituído por um dos genitores com seus filhos(...) tais entidades familiares receberam em sede doutrinária o nome de família monoparental.”. O método de reprodução assistida utilizado é o heterólogo.
Reprodução humana assistida programada: homóloga e heteróloga 
A fecundação artificial homóloga é aquela em que é usado somente o material biológico dos pais - pacientes das técnicas de reprodução assistida. Não há a doação por terceiro de material biológico (espermatozóide, óvulo ou embrião). É também conhecida como interconjugal, pois somente é efetivada com o material genético do próprio casal, ou seja, a formação do embrião decorre do espermatozóide do homem com o óvulo da mulher. 
Quanto a reprodução assistida heteróloga, acontece quando há a doação por terceiro anônimo de material biológico ou há a doação de embrião por casal anônimo (Resolução do Conselho Federal de Medicina, art. IV e art. V, inciso 3). Percebe-se que a reprodução humana heteróloga pode ser unilateral (material genético de um doador) ou bilateral (material genético de dois doadores ou doação de embrião).
A reprodução humana assistida heteróloga também é denominada de supraconjugal, porque se realiza com a utilização de gametas oriundos por terceiros, de forma parcial, quando um dos gametas é doado e o outro é de um dos cônjuges/companheiros, ou total, quando os dois gametas são obtidos por doação.
A reprodução humana assistida heteróloga é, no momento, a que interessa para o desenvolvimento do presente trabalho por ser a que mais se aproxima do tema proposto.
Aspectos Jurídicos da reprodução assistida e a monoparentalidade
O Código Civil Brasileiro de 2002 fala em reprodução humana assistida apenas no artigo 1.597 quando trata da presunção de filiação dos filhos concebidos a partir da utilização dessas técnicas, in verbis:
 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
O excerto encimado inserto no Código Civil não está regulamentando a utilização das técnicas de reprodução humana assistida. Contudo, não há dúvida de que inovou, ao disciplinar no seu artigo 1.597, inciso V, a presunção da filiação aqueles “havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”. Isso veio com o intuito de modernizar o Direito de Família, ante as transformações pelos quais esse instituto vem passando. Observa-se, contudo, da irrevogável anuência do marido. Infere-se, por isso, a força do conceito de famílias pertencentes ao modelo tradicional ali referenciado. 
Nesse elastério, porém, vê-se que Código Civil/2002, apesardos avanços trazidos pelo novo Código, ainda que tímidos, tenta resgatar, trazer à tona que a filiação pode decorrer de fontes plúrimas, quais sejam homólogas (inciso III), heterólogas (inciso V) e excedentários (inciso IV), e não mais, exclusivamente biológica. Agora, a filiação pode decorrer dos meros laços sanguíneos (parentesco natural), da mera adoção, ou eleição (parentesco civil), assim como da pura afeição (parentesco resultante das procriações artificiais).
Nessa toada, Maria Berenice Dias (2017, p.144) inserta que “a convivência com famílias recomposta, monoparentais, homoafetivas impõe que se conheça que seu conceito se pluralizou (...) despontam novos modelos de famílias, mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e, em seus componentes, menos sujeito as regras e mais ao desejo. ”
Diante da evolução da formação e conceito de família, os modos de formação dessas são subjetivos, como se infere da Carta Magna de 1988. Não são famílias somente as constituídas por critérios biológicos, mas também pelo afeto existente entre seus membros (DIAS, p...., 2017). Tal evolução, impulsionada pela globalização, impacta mudanças nos hábitos culturais, na moralidade e na ética das pessoas em sociedade, principalmente na busca pela independência financeira. 
Em meio a essas mutações sociais, é perceptível a vontade de algumas mulheres que, sem a intenção de constituir casamento ou mesmo união estável, querem constituir família. Recorrem, para isso, aos bancos de sêmen para ver seus desejos realizados, usando das técnicas de reprodução assistida, e assim, através da inseminação artificial heteróloga, conseguir alcançar seu sonho.
Há de se arguir, entretanto, que o ato volitivo unilateral seja de homens celibatários, mulheres solteiras ou casais homoafetivos na busca da reprodução humana assistida heteróloga independente está envolta por relevantes questões jurídicas e éticas, servindo de marco divisor entre a melhor doutrina. 
Nesse prisma, dispõe, Venosa (2006, p. 245), que “o rigor da lei é importante nesse sentido para que a sociedade não venha enfrentar problemas de difícil solução ética e jurídica no futuro”, pois as consequências da inseminação artificial heteróloga envolvem crianças, que posteriormente irão questionar sua origem, com o desejo de descobrir de onde vieram suas características físicas e pessoais.
Maria Helena Diniz (2009, p. 494.), define a ação de investigação de paternidade insculpindo que “A investigação de paternidade processa-se mediante ação ordinária promovida pelo filho ou seu representante legal, se incapaz, contra o genitor ou seus herdeiros ou legatários, podendo ser cumulada com a de petição de herança, com a de alimentos, que passarão a ser devidos a partir da citação e com a de retificação ou anulação de registro civil”.
Imperioso, é, portanto, que a futura legislação sobre biogenética e paternidade ocupe-se, de muitos novos aspectos, nem sequer imaginados em passado próximo. Os aspectos preocupantes são como se percebe, predominantemente éticos.
E se a lei deixar brechas, a dificuldade só tem a aumentar para a solução deste problema, pois se trata de vidas humanas, onde a dignidade da pessoa humana deve ser preservada, em primeiro lugar.
Ainda, Sílvio de Salvo Venosa (2004, p 287), questiona que “o código de 2002 não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade”.
Além disso, o código civil de 2002, bem como as Leis federais n. º 9.263/96 e a Lei n. º 11.105/05, o legislador instituiu formalmente a possibilidade e a validade de procedimentos da reprodução humana assistida assim como a reprodução assistida homóloga e heteróloga, permitindo, que está se concretize até após a morte do cônjuge homem. Além disso, tratou de questões polêmicas, como, os embriões excedentários. 
Na realidade, o código civilista apresenta-se
 bastante discreto, já que deixa muitas lacunas no que se refere ao tema abordado, silenciando ao se tratar sobre inúmeros questionamentos que envolvem diretamente o tema, deixando esses questionamentos para serem especificamente abordados em lei específica. Corroborando à gravidade legalista, ressalte-se, ainda não haver diploma legal sobre a inseminação artificial heteróloga.
 
No Brasil, as técnicas de reprodução assistida são disciplinadas pela Resolução do Conselho Federal de Medicina e pela Resolução-RDC 23/2011 da ANVISA, que fixam a gratuidade da doação, o sigilo e anonimato do doador. Tais resoluções, sem força de lei, somente vem à lume em decorrência do silêncio do legislador. Restou àquele Conselho disciplinar os procedimentos a serem adotados e seguidos pelos médicos ao tratar e utilizar as técnicas de reprodução humana assistidas. Trata-se da resolução CFM nº 2.121/2015, publicada em 22/09/2015. Repise-se, que além carecer de força normativa, ainda somente permite a doação de material genético pelo homem, pelo desconforto invasivo que causa a mulher (artigo IV, inciso 9). No entanto, pelo princípio constitucional da isonomia entre os sexos nada obsta a mulher de se submeter a essas técnicas.
Ao tratar da reprodução humana heteróloga, o Código Civil, artigo 1.597, no inciso IV, estima-se como presunção de serem filhos os embriões excedentários decorrentes de inseminação artificial homóloga, isto é, somente aqueles que restaram da fecundação feita com material genético dos próprios genitores: “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; [...]”.
Já o inciso V, considera como presunção os filhos havidos de fecundação heteróloga, isto é, aqueles decorrentes do uso do espermatozóide de um terceiro doador inserido para gestar no ventre da mãe.
Existindo casos previstos em Lei como a prevista pelo Código Civil em seu artigo 1.597, V, onde diz respeito a um casal que decide conjuntamente, buscar os procedimentos de inseminação heteróloga a procriação, estes assumem a responsabilidade pelo procedimento e pelo resto da vida, visto que desta será gerado um fruto. Neste caso o marido que consentir a inseminação heteróloga na esposa, será considerado o pai para todos os efeitos jurídicos e legais, nos moldes do artigo 1.597, V, do Código Civil, pois será adotado o critério socioafetivo como vínculo para estes. E ainda nos moldes do artigo 1.601 do mesmo diploma civilista, ninguém poderá contestar esse fato.
Todavia, existem outras situações. Por exemplo, nem todas são protegidas pelo diploma geral. Como é o caso da inseminação heteróloga como produção independente ou em casos de impotência, tanto é que no Brasil não existe lei vigente que discipline este tema. No entanto, em casos específicos, o doador de material genético deverá responder pela paternidade da criança concebida pelos procedimentos de reprodução assistida heteróloga, já que o interesse do menor tem uma superproteção, pois este não pode se prover sozinho, dependendo dos pais totalmente para manutenção de sua vida. Ademais, não se pode esquecer do sigilo do doador, esse não deveria ser responsabilizado por um filho que ele nem sabe que existe e/ou quem é.
Quanto às demais questões jurídicas, as técnicas de reprodução assistida geram intensos debates em sede de direito sucessório. Conforme o art. 1.798 do CC, legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
Há quem defenda que a concepção equivale somente a nascituro (AMORIM, p. 41), pois embrião ainda não implantado não se equipara ao filho concebido, levando em consideração que não tem possibilidade de progressão fora do útero.
Noutro giro, há quem defenda que a concepção artificial, realizada através das técnicas de reprodução assistida, mesmo que realizadas após a morte do titular da herança, geram direito sucessório, sob pena de afronta ao princípio da igualdade filiatória(DIAS, p.118).
Na mesma toada, a partir da incidência da igualdade constitucional entre os filhos, não se pode subtrair do embrião laboratorialmente concebido, e ainda não implantado, o direito à sucessão (HIRONAKA, p. 95-96). Portanto, quando da morte do titular da herança (data da abertura da sucessão), legitimam-se a suceder tanto os nascituros (estes concebidos natural ou artificialmente e já em formação no útero materno), quanto os embriões ainda não implantados (criopreservados) mas já concebidos artificialmente.
Em outras palavras, não havendo diferenciação entre a concepção uterina ou laboratorial, é forçoso concluir que ambas estão abarcadas no artigo 1.798 do CC/2002, em homenagem ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos. 
A outro giro, se não havia concepção, ou seja, em se tratando apenas de material genético congelado (leia-se: óvulos ou espermatozoides criopreservados), sem que tenha ocorrido a concepção laboratorial (leia-se: embrião criopreservado) ao tempo da morte do titular da herança, não há que se falar em direito sucessório, porque as situações são absolutamente distintas, não havendo assim violação ao princípio da igualdade filiatória (ROSENVALD; FARIAS, p. 82-84). Assim, nos demais casos em que ocorre a concepção artificial post mortem, não há se falar em direito sucessório, salvo quando beneficiado em testamento a prole eventual, nos termos do artigo 1.799, inciso I, do Código Civilista. Nesse caso, deve haver a concepção (artificial) em 2 anos da abertura da sucessão (art. 1800 § 4º CC/2002), sob pena de ineficácia da cláusula testamentária.
A jurisprudência é ainda tímida acerca do tema. Uma incisão foi sobre o número máximo de embriões a serem transferidos à paciente pela técnica de reprodução assistida (RA), inserta no art. I, inciso 7, da resolução 21211/2015 CFM, aplicado ao caso concreto:
Manifesto que a Resolução n. º 1.957/2010 estabeleceu, de modo genérico, números mínimos e máximos de embriões a serem utilizados em pacientes durante o Procedimento de Reprodução Assistida (RA), sem atentar às especificidades de quadros médicos como o presente. Como restou demonstrado, a parte impetrante, mulher de trinta e dois anos (à época da impetração), possui amplo histórico de sujeição a técnicas de reprodução assistida, tendo realizado diversos procedimentos médicos, como indução de ovulação e diversas tentativas de fertilização "in vitro". Comprovou a parte impetrante, ainda, antecedente de laparoscopia cirúrgica para ressecção de endometriose profunda em abril de 2010, tendo realizado novo tratamento de fertilização "in vitro", também sem sucesso. O caso dos autos, portanto, como bem ponderado pelo Parquet (fls.293), ilustra situação atípica, posto que a parte impetrante, conquanto tenha menos de quarenta anos, possui maior risco de falência ovariana prematura, fls. 04 e 12/13, o que, consequentemente, pode resultar em menopausa, encerrando-se as possibilidades de gravidez da impetrante. A regra em cume, como visto, terminou por generalizar diversas situações, excluindo as particularidades vivenciadas por cada uma das pacientes, na busca pela concretização do sonho de ser mãe. Inadmissível, pois, aplicar-se à parte demandante a norma em cume, que a limitar a dois o número de embriões passíveis de utilização no Procedimento de Reprodução Assistida (RA), quando tal circunstância diminui suas (já reduzidas) chances de gerar um filho. Relembre-se, por fundamental, que a parte impetrante é acompanhada por extensa equipe médica especializada (fls. 12/41), cuja principal função é obter o melhor resultado no procedimento reprodutivo em foco, sem prejuízo à saúde da postulante. Impositiva, portanto, a concessão da segurança (AMS 00036161120114036100, JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/01/2015).
Outra reporta-se a investigação de paternidade cumulada com pensão de herança. In verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
O direito à apuração do verdadeiro estado de filiação biológico torna imprescritível a investigatória de paternidade, permitindo o conhecimento da real origem da pessoa, sem que isso guarde relação com sua idade. A certeza, porém, de filiação socioafetiva entre o investigante e seu pai registral afasta a possibilidade de alteração de assento de nascimento do apelante, bem como qualquer pretensão de cunho patrimonial. A instrução deverá prosseguir unicamente com o fito de esclarecer a questão da origem biológica. (RIO GRANDE DO SUL, 2005).
Em outras palavras, a Corte de Justiça, cria jurisprudência quando se filia a corrente doutrinária de que este direito assegura apenas conhecer sua paternidade biológica, não desconstituindo sua filiação com seus pais socioafetivos, ou seja, havendo impedimento tanto judicial quanto jurisprudencial de exigir quaisquer direitos sucessórios do pai biológico (GASPAROTO; RIBEIRO, 2008, p. 18-19).
Produção independente, princípios e monoparentalidade programada
Na reprodução medicamente assistida, quando o intuito é a produção independente ou quando os pais buscam um banco de sêmen para realizar essa reprodução, os desafios jurídicos são aumentados, visto que, isso refletirá em inúmeras implicações no ramo jurídico, decorrentes de princípios expostos na constituição que buscam proteger o direito a vida e, a saber, suas origens, nesse caso, suas origens genéticas. Já em contrapartida, também é protegido o sigilo dos dados pessoais de doadores em bancos de sêmen, ou seja, o anonimato.
Como já dito as transformações pelas quais a sociedade vem passando, com a globalização que mudam os hábitos culturais, a moralidade, a ética em sociedade, e, principalmente alcançada a independência financeira, nasce, em alguns, homens ou mulheres solteiras, ou casais homoafetivos, a vontade e, às vezes, sem a intenção de constituir casamento ou mesmo união estável, de constituir família com descendência. Dessa forma, a busca pelos bancos de sêmen para ver seus desejos realizados, usando das técnicas de reprodução assistida através da inseminação artificial heteróloga, para conseguir alcançar seus objetivos que é um filho, só cresce.
É questionável se a mulher solteira pode se valer da inseminação artificial heteróloga. Trata-se da monoparentalidade programada. Há quem vede tal técnica às mulheres solteiras. Os fundamentos são diversos. Um argumento seria o fato de que não se pode admitir o nascimento de filhos sem pai (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de.  p. 644) ³. Não se pode condenar o filho à orfandade unilateral. Em razão do princípio do anonimato, a criança nasceria sem poder conhecer seu pai, sendo, portanto, incabível, ante ao princípio do melhor interesse da criança, que tem direito à biparentalidade².
Outra inquietude vem do fato de que, embora haja o reconhecimento da família monoparental, não se pode incentivá-la. Ainda há outros que defendem a reprodução assistida por mera conveniência como algo errado. Assim como outros apontam que, no caso de filhos concebidos com sêmen congelado de pai já morto, poderia ser de difícil conciliação para a criança. Em que pese haver decisões autorizando esse último feito descrito. Há, porém, nítidos pontos negativos que endossam a problemática.
Para outra parte da doutrina, tem-se admitido, eis que é possível a adoção por uma pessoa solteira, além de ser reconhecida constitucionalmente a família monoparental, que goza da mesma proteção de todas as demais formas de família, ante o princípio da igualdade entre as entidades familiares. Ao admitir a adoção póstuma e a inseminação post mortem a legislação acaba por admitir a formação da monoparentalidade (DIAS, p. 201). Além disso, a situação não difere muito das mães viúvas, das mães solteiras ou daqueles filhos que mesmo com a paternidade reconhecida são abandonados afetivamente pelo genitor. 
Ademais, a Resolução 2.121/15 do CFM admite expressamente a utilização da reprodução assistida por pessoas solteiras(art. II, inciso 2). E não se trata de utilização de tal técnica por mera conveniência, mas sim com o desiderato de estabelecer família, de ter filho, de ser mãe, mesmo não encontrando um parceiro para tanto. Trata-se da busca da felicidade pessoal através do projeto familiar monoparental. Aplica-se o princípio do planejamento familiar que traz consigo o reconhecimento de um direito constitucional de ser pai ou mãe, através do critério natural ou artificial (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, p. 634). 
A Lei federal n.º  9.263/96, que trata do planejamento familiar, estabelece no artigo 2º, in verbis:
  Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. 
Invoca-se o direito constitucional de ser mãe e o princípio da autonomia reprodutiva, não cabendo restrições a tais valores em razão do sexo ou do tipo de entidade familiar. Ante o direito de ter filhos, como direito fundamental, não há que se criar qualquer impedimento às técnicas que resultem na ausência de um dos genitores, como ocorre na inseminação artificial de mulheres solteiras (BARBOZA, Heloísa Helena, p. 37-38). Cabível a extensão do acesso às técnicas de reprodução assistida aos solteiros, pois o reconhecimento da família monoparental como entidade familiar, somado com a tutela do planejamento familiar, a monoparentalidade se projeta como direito fundamental atrelado à dignidade da pessoa humana (WELTER, Belmiro Pedro. P. 216). 
E mais, não há incompatibilidade no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente com a monoparentalidade programada, se a genitora solteira reúne todas as condições necessárias para que o filho se desenvolva com dignidade e afeto, pois o direito de dar a vida só poderia ser cerceado ou limitado se a pessoa não apresentasse condições psíquicas para se ocupar de uma criança ou se a intenção de gerar fosse imoral, ilícita ou, ainda, desvirtuar o princípio da paternidade responsável (BRAUNER. p. 81-86).
Atentando ao melhor direito da mulher “ no caso da produção independente, o fato da criança não saber quem é seu pai em nada altera os direitos maternos. Por exemplo, em sua certidão de nascimento constará apenas o nome da mãe e nenhuma referência ao pai. Aliás, essa é uma realidade de milhares de crianças no Brasil. Isso, porém, não afeta o direito da criança e nem provoca impedimentos na vida civil. A Constituição Federal DE 1988, artigo 227, § 6.ª, igualou todas as formas de filiação, proibindo, qualquer designação discriminatória.
Ademais, a jurisprudência reconhece, atualmente, as famílias monoparentais como albergada no que tange à impenhorabilidade de bem de família.
 A família deste novo século não se define mais pela triangulação clássica pai, mãe e filho. O critério biológico, ligado aos valores simbólicos da hereditariedade, devem ceder lugar à noção de filiação de afeto, de paternidade social, sociológica, biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear, monoparental ou pluriparental, não importa (DIAS, p. 201). Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho – o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e sentir-se, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal (HIRONAKA, IBDFAM/Síntese. Nº 1. P. 8).
Se a possibilidade da inseminação artificial heteróloga por parte da mulher solteira guarda controvérsias, o que dirá do homem celibatário que pretende se valer de tal técnica. Por identidade de razões, é cabível a família monoparental projetada pelo homem solteiro, em razão do princípio da igualdade. Ademais, o homem solteiro também pode adotar e a entidade familiar formada por ele e seus descendentes possui estatura constitucional (família monoparental). Lado outro, a resolução CFM expressamente permite a reprodução assistida por pessoas solteiras (art. II, inciso 2), independente do sexo. É evidente que nesse caso, a gestação depende da doação temporária do útero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os vertiginosos progressos operados no campo das ciências biomédica nos últimos tempos propiciam novos formatos de famílias. Aumenta a possibilidade de que a existência biológica se converta em uma existência associada a qualidade de vida que virá na esteira da felicidade. Com o avanço da medicina, somos presenteados pela ciência da reprodução humana assistida. Pessoas que não têm condições físicas e/ou biológicas de serem pais, de terem filhos, através dessas técnicas passam a ter a possibilidade de realizar o sonho da paternidade ou maternidade. E o DIREITO deve reconhecer e fomentar tais técnicas, que visam, quando bem utilizadas e dentro de certos limites, a felicidade da família.
A afirmação do planejamento familiar (art. 226 § 7º da CF) traz consigo o reconhecimento de um direito constitucional de ser pai ou mãe, através do critério natural ou artificial . Assim como a contracepção, a concepção, seja natural ou artificial, encontra-se inserida no direito ao planejamento familiar, do qual todas as famílias podem se valer, salvaguardado pelo direito e por princípios. Trata-se do princípio da autonomia reprodutiva, que decorre ainda da dignidade da pessoa humana, liberdade e privacidade, bem como do direito à saúde.
Em outras palavras, a adoção dos procedimentos e técnicas de reprodução assistida encontra guarida nos direitos constitucionais, quando faz referência ao planejamento familiar, a saúde, bem como no princípio da autonomia privada e dignidade da pessoa humana.
Todavia, o direito à reprodução assistida não é absoluto, merecendo limites, notadamente aqueles previstos na bioética e em outros valores insculpidos na Carta Magna. Exemplo é a resolução 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina que estabelece normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Proíbe a resolução, por exemplo, que as técnicas de reprodução assistida sejam aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças do filho que venha a nascer (art. I, inciso 5). Proibitório, também é, os casos de gravidez múltipla decorrente das técnicas de reprodução assistida, se utiliza de procedimentos que visem a redução embrionária (art. I, inciso 8), veda-se, ainda, que a fecundação através de técnicas de reprodução assistida tenha qualquer outra finalidade que não a procriação humana (art. I, inciso 6). Por outro lado, admite a seleção de embriões que foram diagnosticados com alterações genéticas causadoras de doenças (art. VI, inciso 1).
Após as devidas leituras, exsurge, nesse contexto, ponderações. Relevante será a necessidade de proteção do patrimônio genético, como também da integridade desse humano frente a possibilidade de que, embora hoje seja usada para diferenciar as diversas formas de famílias, tais alterações através das manipulações genéticas, não ensejem, fins meramente especulativos, e a irrepetibilidade desse mesmo patrimônio. Pois, pode-se, num futuro, não muito longínquo, diante das mais novas possibilidades proporcionadas pelos avanços da medicina haver a criação de seres humanos idênticos através da clonagem reprodutiva e a sexagem segregatória.
Nas palavras de Maria Berenice: “Família é chegada, não origem. Família se descobre na velhice, não no berço. Família é afinidade, não determinação biológica. Família é quem ficou ao lado nas dificuldades enquanto a maioria desapareceu. Família é uma turma de sobreviventes, de eleitos que enfrentam o mundo em nossa trincheira e jamais mudam de lado. Já parentes são fatalidades, um lance de sorte ou azar. ”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Código Civil Brasileiro de 2002;
Constituição Federal;
ECA, Lei 8069, de 13 de julho de 1990, artigo 48;
Lei 9263/96;Lei n. º 11.105/05;
Resolução 2121/15 do CFM;
Resolução-RDC 23/2011 da ANVISA;
LIVROS:
AMORIM, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e partilhas. 
BARBOZA, Heloisa Helena. A filiação em face da inseminação artificial e da fertilização in vitro. Renovar, p. 37-38.
BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana. Renovar. P. 81-86.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12.ª ed. rev., atual. Ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
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AMS 00036161120114036100, JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/01/2015)

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