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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ – UESPI CAMPUS ALEXANDRE ALVES DE OLIVEIRA LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA SENYRA ADRIANY DA SILVA ALVES A HUMANIZAÇÃO ATRAVÉS DO LÚDICO NO TRATAMENTO DAS CRIANÇAS COM CÂNCER NO HOSPITAL SÃO MARCOS – TERESINA – PIAUÍ PARNAÍBA 2017 SENYRA ADRIANY DA SILVA ALVES A HUMANIZAÇÃO ATRAVÉS DO LÚDICO NO TRATAMENTO DAS CRIANÇAS COM CÂNCER NO HOSPITAL SÃO MARCOS – TERESINA – PIAUÍ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual do Piauí em Cumprimento às exigências para obtenção da graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia. Orientação: Profª. Dra. Lourdes Karoline Almeida Silva. PARNAÍBA 2017 SENYRA ADRIANY DA SILVA ALVES A HUMANIZAÇÃO ATRAVÉS DO LÚDICO NO TRATAMENTO DAS CRIANÇAS COM CÂNCER NO HOSPITAL SÃO MARCOS – TERESINA – PIAUÍ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual do Piauí em Cumprimento às exigências para obtenção da graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia. Orientação: Profª. Dra. Lourdes Karoline Almeida Silva. Aprovado em 03 de agosto de 2017. _______________________________________________ Profª. Dra. Lourdes Karoline Almeida Silva (Orientador) _________________________________________________ Profª. Ma. Cláudia Virgínia Albuquerque Prazim Brasilino (Membro Examinador) _______________________________________________ Prof. Me. Romário Ráwlyson Nascimento (Membro Examinador) Dedico este trabalho a “Gang das Carecas” do Hospital São Marcos em Teresina - Piauí. AGRADECIMENTOS À minha família: para começar minha mãe, a pessoa em que tento inspirar-me em sua força e sabedoria. Ela foi a pessoa que me fez esquecer a dor e ter forças para lutar. Te amo mãe. Ao meu marido, meu Deus, como eu o amo! Como foi importante neste período de conflitos, agonias, medo e dor. Como foi atencioso, compreensivo, amoroso comigo. Ele é minha metade, minha coragem e minha alma. Quantas noites passou do meu lado tentando acalmar-me das agonias que a quimioterapia me ocasionava. Das vezes que foi comigo à Teresina para acompanhar-me e ficava aflito com tantas pessoas sofrendo. Sempre com palavras positivas que tudo vai dar certo, de como estou linda e fazendo-me sentir amada, desejada e tentando mostrar que não preciso de dois peitos para ser mulher. Às minhas filhas que são os presentes mais lindo que Deus colocou em minha vida. Obrigada filhas por serem minha mãe nesta fase em que até para escovar os dentes precisei de vocês. Quantas noites vocês reversaram para cuidar de mim: trocar fraldas, levar-me ao banheiro e até para banhar-me. Amo sem medidas vocês duas. Não esqueço do sofrimento de vocês e da tentativa de disfarçar o medo de perder a mãe. Saibam que todos os dias, tenho força para lutar por vocês e para vocês. À Soraya, Antônio e Luana, obrigada por cuidarem de mim no pós- operatório em sua casa, por se preocuparem comigo toda vez que viajo para minhas consultas. Mais uma vez OBRIGADA! À Valéria, minha irmã de coração que o Pai Celestial colocou em minha vida. Você foi a dona de minha casa e mãe de minhas filhas durante a minha ausência temporária. Graças a você, pude ficar sossegada sabendo que minha família estava bem. Te amo “Vaca Lelete”! A minha sogra Dona Fransquinha, a minha comadre-cunhada Ana Maria, meu cunhado Pablo e meus sobrinhos Ana Gabrielle e Airton, obrigada por suas orações e ajuda quando eu mais precisei. E como não falar de meu médico-anjo Dr. Thiago Almendra e toda a sua equipe, pessoas maravilhosas que são exemplos de atendimento humanizado. Obrigada por me salvar, por preocupar-se comigo, por olhar o paciente como ser humano e não como mais um prontuário. Fica aqui o meu eterno agradecimento. Aos sobrinhos Solano, Gabriel e Jonathan que sempre ficavam preocupados comigo, a titia está bem! Gostaria de agradecer de uma forma bem especial a todos os meus amigos e professores do curso que me ajudara-me e me deram o apoio para poder concluí-lo: MUITO, MAS MUITO OBRIGADA!!! Principalmente a minha amiga Lourdes Karoline que me apoiou e foi solidária em minhas fraquezas e a minha “nova” parceira Cláudia Prazim que sempre me dava forças e trocávamos “figurinhas” sobre assuntos que aliviam minha alma. A todos os meus amigos de Parnaíba que fizeram campanha para ajudar-me financeiramente, obrigada e que Deus Pai os abençoe! E para finalizar, quero agradecer à equipe do Hospital São Marcos (médicos, enfermeiros, atendentes e zeladores) que sempre foram muito prestativos comigo e agradeço principalmente a todas da Gang das Carecas que estiveram comigo nesta batalha e aqueles/as que ainda estão enfrentando este campo minado tentando sobreviver a cada dia. Às minhas amigas que foram derrotadas, sua luta não foi em vão. De alguma maneira serviu como ensinamento para não desistir nunca. Que minhas lembranças de nossos momentos nunca sejam apagadas. A cada dia é um motivo de comemoração, um aprendizado, uma vitória e muitos agradecimentos por esse presente que temos e às vezes não sabemos valorizar: VIDA! As pessoas são sempre maiores que suas doenças (Dr. Patch Adams) RESUMO Este trabalho destaca o atendimento humanizado no tratamento oncológico das crianças através do lúdico, pois o fator emocional faz o papel do remédio que auxilia na diminuição da dor e transforma o ambiente hospitalar num local mágico em que todos são apenas risos e brincadeiras. O paciente oncológico trava uma batalha diária com a doença, surgindo daí o medo, a angústia e a depressão, por sua vida ter mudado repentinamente. Retrato isso na introdução, que enumerei como “seção I”, através de um memorial que narra a minha trajetória com o câncer: na minha infância, no diagnóstico da doença e as experiências que tive junto à humanização no tratamento. Na “seção II”, faço a fundamentação teórica, onde explico através de estudos voltados para o tema a importância do/a pedagogo/a hospitalar como transformador/a harmônico/a do ambiente e o/a responsável por aplicar, mediante projeto, o lúdico de uma forma mais voltada à necessidade do/a paciente internado/a. Dentro da “seção III”, apresento o local da pesquisa e sua história, analiso as respostas do meu sujeito de pesquisa, a pedagoga hospitalar do Hospital São Marcos, professora Rosália, também conhecida como Dra. Sorriso. Nesta seção, promovo um diálogo entre a teoria estudada e as falas do sujeito entrevistado e finalizo com as considerações finais, que apresentam a minha forma de enfrentar a doença, a diferença e a importância da humanização do atendimento no tratamento médico e como a ludicidade é uma ferramenta diferencial na recuperação da pessoa com câncer. Palavras-chave: Pedagogia hospitalar. Câncer. Humanização. Crianças. Lúdico. ABSTRACT: This academic work emphasizes the humanized care in the oncological treatment of childrenthrough playfulness, since the emotional factor plays the role of the medicine that helps to reduce pain and turns the hospital environment into a magical place where everyone is just laughing and joking. The oncological patient is in a daily battle against the disease, resulting in fear, anguish and depression, because his life has suddenly changed. As depicted that in the introduction, which I listed as "section I", through a memorial that narrates my trajectory with cancer: in my childhood, in the diagnosis of the disease and the experiences that I had with the humanization in the treatment. In section II, I did the theoretical fundaments where I explain through studies focused on the theme the importance of the hospital's pedagogue as a transforming agent for a more harmonious environment and responsible for applying a ludical project to can meets the needs from the hospitalized patients. In section III, I present the investigation location and its history. I analyze the answers of my research subject, the hospital's pedagogue at the São Marcos Hospital, Professor Rosália, also known as Dr. Sorriso. In this section, I promote a dialogue between the theory studied and the speeches of the subject interviewed and I conclude with the final considerations, which present my way of facing the disease, the difference and the importance of the humanization of the care in medical treatment and how playfulness is a differential tool in the rehabilitation of the person with cancer. Keywords: Hospital pedagogy. Cancer. Humanization. Children. Playful. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11 2 DIÁRIO DE UMA DESPEITADA ................................................................... 15 2.1 Aconteceu comigo e agora? ....................................................................... 17 2.2 A Gang das Carecas! .................................................................................... 20 3 O PODER E A MAGIA DO LÚDICO ............................................................. 24 3.1 O atendimento humanizado em crianças hospitalizadas ......................... 24 3.2 Pedagogia Hospitalar: onde tudo começou! .............................................. 25 3.3 No reino encantado do lúdico... .................................................................. 28 4 O AMOR COMO MOTIVAÇÃO PARA A PESQUISA ................................... 32 4.1 Conhecendo um pouco o Hospital São Marcos ......................................... 32 4.2 Prazer sou Dra. Sorriso! ............................................................................... 35 4.3 Analisando os dados coletados .................................................................. 37 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 44 6 REFERENCIAS .............................................................................................. 47 ANEXO A ....................................................................................................... 50 ANEXO B ....................................................................................................... 52 APENDICE A ................................................................................................. 55 APÊNDICE B .................................................................................................. 62 11 1 INTRODUÇÃO Neste trabalho identifico a importância da humanização do atendimento através do lúdico no período de recuperação do tratamento de crianças com câncer no Hospital São Marcos em Teresina-PI. Em muitos casos, essa experiência pode tornar-se traumática não só para a criança, mas para todos nós que se tornamos cancerígenos e que deixamos o nosso mundo de trabalho, estudo e brincadeiras para ficarmos limitados e, muitas vezes, hospitalizados, tomando medicamentos fortes que diminuem nossa imunidade e impossibilitando-nos, no caso dos pequenos, de brincar, ou seja, deixam de ser crianças e passam a ser vistas e tratadas como enfermas. Encontrando-me em um tratamento de câncer de mama em novembro de 2015, descobri o trabalho de ludicidade com esses pacientes. E, sendo acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Piauí, senti interesse pela Pedagogia Hospitalar, através da pedagoga e participante do grupo Doutores da Amizade, desenvolvido pela Rede Feminina de Combate ao Câncer do Piauí, Rosália de Sousa Silva, mais conhecida por todo hospital como “Sorriso”. Por se tratar de uma área da Pedagogia pouco trabalhada, não consegui executar esta pesquisa em Parnaíba por alguns motivos: o primeiro, a carência de hospitais com especialização em oncologia infantil e com isso, a ausência de profissionais na Pedagogia Hospitalar, em especial, na oncologia infantil. Por isso, sua execução no referido hospital, na capital, Teresina. Este estudo investigou como acontece a humanização no atendimento hospitalar através do lúdico. Para isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa, através de um questionário com a profissional mencionada e observações no espaço físico do Setor da Rede Feminina do Hospital São Marcos, no período de 29 de agosto a 28 de setembro de 2016, em Teresina-PI. Período esse, em que me encontrava neste local, fazendo sessões de radioterapia e que no intervalo, antes do atendimento, deslocava-me para executar as atividades necessárias, para a realização desta monografia. De acordo com Minayo (2009, p.16), entende-se por pesquisa “[...] a atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade”. É através da pesquisa que aprendemos sobre o funcionamento das coisas, bem como a solução 12 das problemáticas abordadas. Nesse trabalho, utilizei algumas metodologias para investigar a humanização do atendimento através do lúdico na recuperação das crianças com câncer e reconheci que a brincadeira é um fator importante que auxilia nessa melhora com a transformação do hospital em um mundo de fantasias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com um estudo de caso, mas tendo como apresentação um memorial e um diário de campo. Apliquei um questionário com apenas uma pessoa no processo de reconhecimento da relação teoria-prática e do significado do lúdico na Pedagogia Hospitalar. Ressalto que o estudo qualitativo, segundo Menga e Marli (2013, p.20), “desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de uma forma complexa e contextuada”. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa. Por isso, trabalhei a humanização através da aplicabilidade do lúdico no tratamento das crianças no Hospital São Marcos em Teresina (PI), identificado no serviço voluntário de Rosália “Sorriso”. Não pretendi questionar os métodos aplicados no questionário, apenas entender e explicar o resultado obtido de seu trabalho. Ressalta-se que em alguns momentos do texto, refiro-me à Rosália como „Sorriso‟. Este é um estudo de caso, focado no trabalho de uma pedagoga hospitalar voluntária da Rede Feminina do Hospital São Marcos, trabalho esse em que também senti os resultados e que me identifiquei com a realidade em que vivi no meu tratamento, servindo de fonte para a realização de minha pesquisa. Sou, por conseguinte, pesquisadora e pesquisa do meu próprio trabalho. De acordo com Menga e Marli (2013, p. 20): O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças comoutros casos ou situações. Quando queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso. [...] O caso é bem simples e delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo [...]. Conforme discutido na academia, a diferença entre pesquisa qualitativa e quantitativa é a abordagem dos dados. O estudo quantitativo é feito através de uma pesquisa com diversos objetos obtidos através de entrevista ou questionário para que seja realizada uma estatística nas respostas, sobre uma problemática do 13 assunto abordado. Após essas obtenções de dados, faz-se uma análise teórica que busca explicações ou soluções através de fundamentações em livros de autores especialistas no teor discutido. Neste estudo, discuto a importância da brincadeira cuja proposta baseia-se no sentido teórico do lúdico e sua praticidade na terapia do amor. “Teoria é a resposta para a realidade”, segundo Minayo (2009, p.17). O período de realização deste estudo começou em 01 de setembro de 2016, no qual eu estava em Teresina fazendo um procedimento de radioterapia para o tratamento de câncer de mama e comecei a fazer observações e a indagar aos voluntários e funcionários da Rede Feminina de Combate ao Câncer e do Hospital a assistência prestada às crianças pacientes de câncer. Após duas semanas de observação à tarde, no horário de 13h30 às 17:00 horas, de segunda à sexta-feira, surgiu o meu interesse na elaboração do trabalho de conclusão do curso de Pedagogia. Com a aprovação da Sorriso, elaborei um questionário de 06 perguntas escritas em uma folha de caderno e entreguei à Rosália (Sorriso) para que posteriormente fosse respondido. Devido ao grande serviço prestado pela colaboradora da pesquisa, foi determinado a entrega das respostas no dia 28 de setembro, data essa em que foi necessário o meu retorno à Parnaíba. O questionário foi transcrito de acordo com as respostas da colaboradora da pesquisa e que enquanto pesquisadora, preservei as respostas conforme sua originalidade, sendo assim, isentado de possíveis erros cometidos pela colaboradora, como também o respeito por não querer responder alguma pergunta realizada na pesquisa. Todo esse aprendizado me motivou a fazer esse trabalho em que ressalto a importância da Pedagogia Hospitalar, sua origem, o Pedagogo Hospitalar e a humanização através do lúdico. Explico através de minha experiência com o câncer, os medos, as aflições e a importância de sentir-se vivo. Divido-o em quatro seções: a primeira é a Introdução em que explica minha metodologia de pesquisa, a segunda é o Diário de uma despeitada! Em que falo um pouco sobre minha história de vida com o câncer, a terceira é O Poder e a Magia do Lúdico, a quarta é O Amor como Motivação para a Pesquisa e a quarta, as Considerações Finais. Ressalto que todas as imagens fazem parte do meu álbum de registros em que sempre que preciso, revejo-as e lembro que somos pequenos e egoístas. 14 Temos outras pessoas em situações piores do que a nossa e achamos que somos sempre as vítimas de tudo. Aprendi o verdadeiro valor humano e que somos apenas carne podres que não começaram a feder! Na seção três é composto por três subseções: O Atendimento Humanizado em Crianças Hospitalares; A Pedagogia Hospitalar: Onde Tudo Começou e, No Reino Encantado do Lúdico em que apresento a fundamentação teórica deste trabalho. Na quarta seção, também subdividi em três partes: Conhecendo um pouco o Hospital São Marcos; Prazer sou Dra Sorriso! (escrevo uma breve biografia de minha colaboradora na pesquisa e por fim), Analisando os dados coletado faço uma análise de meu questionário, utilizando uma linguagem informal e usando teóricos relacionados ao assunto. Finalizo com minhas considerações finais, na qual exponho a minha análise, no que se refere aos resultados e às necessidades que poderiam ser resolvidas para os profissionais e pacientes, tornando o tratamento mais harmonioso e com isso dando vacinas de amor para aumentar a imunidade 15 By Senyra Alves 2 DIÁRIO DE UMA DESPEITADA Resolvi apresentar como tema de minha tese de conclusão de curso, a Humanização através do lúdico no tratamento das crianças com câncer no Hospital São Marcos em Teresina, no Piauí, local onde faço meu acompanhamento médico para o controle desta doença. Para realização deste trabalho de conclusão, preciso contar através desse memorial um pouco de minha vida e a minha experiência com o câncer. Meu nome é Senyra Adriany da Silva Alves, tenho 45 anos, sou casada há 25 anos com Pedro, tenho 02 filhas lindas: Saphyra e Savina (ambas já cursando faculdade), estou concluindo o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia e faço tratamento contra um câncer de mama desde 2015. A palavra “Câncer” esteve sempre presente em minha vida. A primeira vez que a conheci, devia ter uns 04 a 05 anos (se não me falha a memória) quando soube que esse era o motivo da viagem de minha mãe que durou dois anos. Em minha infância, lembro-me que brinquei muito, mas também, ouvi essa palavra que tinha como significado “sentença de morte”. Minha mãe sobreviveu a esta “sentença”, mas teve a rejeição de meu pai, ela 16 não era mais “completa”. Estava faltando um outro “peito” que a tornaria feminina…mulher. Sempre foi muito forte, mas nos momentos de dor e de aflição por ser pai-mãe de quatro filhos menores e ter a responsabilidade de cuidar de um idoso com Alzaimer, sentia vontade de tornar-me sua mãe. Assim fui crescendo, vendo essa condição de vida de uma mulher mastectomizada1 que era o exemplo de sobrevivência dessa doença, a qual levava algumas mulheres a ver em minha mãe a esperança de não se tornar mais uma dessas estatísticas de mortalidade. Algumas senhoras iam à nossa casa e conversavam com minha mãe, na esperança de que pudesse ensinar-lhes alguma fórmula que as curassem ou que fizesse o câncer sumir. Às vezes, recebíamos apenas a notícia que alguém não tinha conseguido. A minha adolescência não foi diferente da minha infância, apenas que as protagonistas já eram mais próximas, faziam parte de nossa família. Era por parte de minha mãe: primas e tias que também foram portadoras desse destino, fazendo assim um histórico muito negativo de perdas por esta doença ou Cancer Antigen (CA), para amenizar um pouco o peso do nome. Os anos foram passando e conheci meu marido, casei e tive duas filhas. Levava uma vida normal até o ano de 2007, quando em uma tarde senti meu peito esquerdo esquentar. Foi um susto, apenas uma mastite2 que estava começando. Nada que um bom antibiótico e vitamina E não conseguisse resolver, mas fiquei de repouso por 06 meses. No ano de 2011, minha mama esquerda novamente começou uma inflamação. Desta vez, pareceu um pouco mais grave, porque estava saindo um líquido escuro e doía muito. Voltava o fantasma da sentença pairando em nossa família, com isso a busca por médico e a esperança de mais uma vez ser alarme falso, mas eu tinha apenas uma preocupação: minha mãe! Fazia apenas dois anos que meu irmão havia sido assassinado e ela estava muito abalada, a ideia de perder outro filho seria a gota d‟água. Ela estava passando por uma depressão, ainda senti muito a falta de Sérgio. Mas graça a Deus, novamente foi diagnosticada uma mastite muito forte e o líquido, segundo o Dr. 1 A mastectomia é uma cirurgia de retirada total ou parcial da mama, associada ounão à retirada dos gânglios linfáticos da axila (esvaziamento axilar). INCA. Disponível em: < http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=108> Acesso em: 15.07.2017 2 Mastite é infecção do tecido do peito, que causa a dor e o inchamento no peito afetado. MEDICAL. Disponível em < http://www.news-medical.net/health/What-is-Mastitis-(Portuguese).aspx>. Acesso em: 15.07.2017. 17 Fulano de Tal (prefiro não mencionar o nome), era resto de leite que estava sendo expelido e, quando indagado se poderia ter câncer, sua resposta foi convincente: se um dia ela tiver, rasgo meu diploma! Mais uma vez voltei ao tratamento e repouso. Desta vez, a dosagem de remédio foi mais forte: um ano de Amoxilina 300mg e Nimisulina 100m, ambos eram duas vezes ao dia. Passado algum tempo, meu marido foi ser diretor de um certo programa de televisão local e fizeram uma entrevista com o um médico sobre prevenção do câncer de próstata, a campanha “Novembro Azul”. Em uma conversa informal entre eles, foi descoberto sua especialidade (mastologia) e mencionado o meu “problema” mamário. Ao saber do meu histórico de casos de câncer na família, fui “intimada” a ir à sua clínica fazer uma consulta e uma mamografia. Quando vimos o resultado, fiquei surpresa ao ver que minhas mamas pareciam duas “cumbucas de mugunzá” com tantos caroços nelas e que a probabilidade de desenvolver o câncer era de 95%. Nossa!!!! Logo agora que tinha passado no Exame Nacional de Ensino Médio – Enem, já teria que começar um novo tratamento!!! Não tem problema, ainda tenho 5% de chance contra o câncer. E fiquei fazendo planos baseados neste pequeno percentual de cura. Levando a vida “normalmente”, fui fazendo o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia e tomando os remédios que ajudavam a reter o desenvolvimento do nódulo em mim. By Senyra Alves 2.1 Aconteceu comigo e agora? 18 O tempo correu e cheguei ao 5° período, e por descuido parei de tomar os remédios desde novembro de 2014. Já era março de 2015 e comecei a sentir um desconforto, tempo de voltar ao médico. Marquei minha consulta e a mamografia para o dia 20 de abril, como era véspera de feriado e após o exame ficava muito dolorida, era perfeito este dia para descansar. Chegou o dia e de uma maneira estranha, levei uma queda e bati as duas mamas na grama, surgiu um pouco acima do peito direito um nódulo. Era visivelmente denso e um pouco grande. Não doía e para nós (eu e Pedro: meu marido), parecia mais uma íngua ou um nódulo de água, devido à queda. Nunca o câncer. Chegando à clínica, fui recebida pelo meu médico e logo foi analisando o nódulo. Resolveu-se que seria preciso fazer uma biópsia. O resultado foi: 0,02% de chance de ser câncer. Mas não era isso que as imagens do ultrassom mostravam: ele estava maior, forma mais oval e com um “rabo” para baixo do braço e pela expressão do doutor, não era bom. Baseado no meu histórico de casos na família e pelas condições em que o caroço estava crescendo, fizemos mais uma biópsia, sendo com 05 lâminas para vários laboratórios. Neste período, até receber o resultado, cama e repouso. Foram os 28 dias mais longos de minha vida. A condição em que me encontrava de ser uma pessoa independente e virar um “bebê” que dependia de tudo, foi a pior parte do meu repouso. Além de sentir o medo da incerteza, havia uma faca colocada na guilhotina em cima de nossas cabeças. A minha espiritualidade me ajudou a planejar o que estava por vir. Era o fim de tarde, final de maio quando recebi um telefonema da atendente de meu médico para que eu fosse imediatamente ao seu consultório, de preferência naquela tarde. Não avisei ninguém, fui apenas com a companhia de Deus, mas já sabia o resultado. Quando nos encontramos, ele apenas confirmou o que eu esperava: “Senyra, deu positivo a biópsia. Você tem câncer! Cadê o Pedrinho e suas filhas? Precisamos conversar com todos sobre os procedimentos”. Neste momento, senti o corpo ficar anestesiado. Passou um filme de tudo o que passei na minha cabeça e as palavras do doutor ecoando…Ok! Tenho câncer. Tentei me equilibrar e falei: se tenho que tirar, que tire logo as duas. Não quero passar por tudo novamente e sei que se ficar uma, ele vai voltar. Voltou com a minha mãe e pelo jeito da outra mama, isso é um fato. Combinamos de junto com 19 minha família acertarmos tudo, no dia seguinte. Saí e fui encontrar minha irmã, sozinha às 19h. Pude, durante o percurso, colocar a cabeça no lugar. Pensei em como falar com minha mãe, com meu marido e em minhas filhas. Na longa caminhada que iria fazer. Foi um momento em que precisei de muita força, um momento de desespero para minha mãe e de medo para minha família. Tentei manter-me calma, pensei que tudo era um presente que Deus reservara para mim. Recebi uma energia muito boa de meu marido e minhas filhas. Era amor. Fiz todos os procedimentos pré- operatórios e finalmente chegou a cirurgia. No dia 11 de julho de 2015, fiz mastectomia total (retirada das duas mamas) e coloquei próteses de silicone, apesar de preferir ficar “despeitada” mesmo. O pós- cirúrgico foi muito ruim. Fiquei quase dois meses de cama, sem poder mexer os braços e sendo dependente para tudo: escovar os dentes, ir ao banheiro, tomar banho, pentear os cabelos (se bem que cortei-os bem curtinhos) e outras coisinhas. Foi um período em que descobri as coisas boas que o câncer nos dá. Aprendi os prazeres que temos todos os dias e simplesmente ignoramos. Descobri que somos muito mais que um simples pedaço de carne que anda e fala, somos essência. Senti o amor das pessoas e amar sem distinção. Neste tempo recebi diariamente visitas de amigos pessoais e de faculdade. Sempre com mensagens positivas e carinho. Lembro-me que fiz uma postagem no Facebook neste período, estava de cabelo já bem curtinhos e falei justamente sobre isso: valores e amizade. Tive uma complicação na prótese onde estava o câncer e fiz uma nova cirurgia, fiquei só com a prótese esquerda. Passando uns dias, começo minhas idas à Teresina para dar início ao meu tratamento no Hospital São Marcos. Ao chegar lá, vi o verdadeiro significado da palavra “provação”, “dor” e “resistência” quando olhava aquelas pessoas tentando viver. Algumas já cheiravam à morte (aquele cheiro forte de éter, álcool, desinfetante e remédio ou até mesmo, o cheiro de carne apodrecendo) e outras disfarçavam o risco de ficarem com o mesmo odor. Ou seja, eu era uma delas: a mesma doença, o mesmo medo e o pavor das reações das quimioterapias. Fiz a consulta médica e uma nova biópsia do material retirado e foi constatado que tenho um cancro da mama triplo negativo, faço parte de 10% que possuem este câncer. Segundo minha oncologista, é considerado o mais violento e 20 pelo meu caso não tenho cura. Posso ter o controle, mas quaisquer alterações só usarei a quimioterapia vermelha. Por falar na quimio, lembro da primeira dosagem: foi totalmente fora do que pensei. No início, foi aplicado um soro, depois um outro medicamento chamado de pré-quimio (para preparar a veia) e por fim, um líquido em uma embalagem laranja (quase vermelha). No começo, senti assim que entrou na minha artéria algo gelado espalhar, depois começou a arder e a coçar, foi ficando vermelho e pôr fim a enfermeira diagnosticou que secou uma veia. Fez-se tudo novamente, deu certo e sempre bebendo muita água. É estranho como ela é muito forte: de imediato senti o gosto do medicamento e os cheiros tornarem-se mais fortes. Minha urina saía da cor de sangue e já tinha perdido o paladar. Saí às 17h30 direto para rodoviária, só pensavana reação e queria passar tudo em casa ao lado de minha família. Foi ruim a dormida. Estava começando os efeitos. A agonia era insuportável. A dor era tanta que não conseguia ficar deitada, nem sentada e a vontade era de sair correndo, rasgando minhas veias para tirar aquilo que me queimava viva. Tinha momento que pedia perdão a Deus por tudo e rogava para morrer. Pedro ficava desesperado. Era minha companhia nestas noites intermináveis, sempre ao meu lado pedindo para ter calma. Quando estava exausta e o corpo não suportava, conseguia dormir. Assim foram em todas as oito dosagens de quimioterapias. Com vinte dias após a quimio, os fiozinhos de cabelos (que já eram poucos porque tinha raspado o cabelo na máquina nº 01) já estavam caindo. Caiam não só na cabeça, mas em todo corpo. Vi a cada dia, ao tomar banho, o sabão de coco (era a única coisa que podia usar) sair cheio de pelos, como se houvesse alguma cera depilatória nele. A cada ensaboada era motivo de risada. Era a única maneira de não sofrer: rir! Mas rir muito! 2.2 A Gang das Carecas! Se eu já estava com câncer e não tinha mais o que fazer, procurei tirar as coisas boas que ele tem a oferecer e sim: ele tem muita coisa boa para nos dar e ensinar. Cabe a nós, seres egoístas e candidatos a eternas “vitimas” do destino. Por exemplo: quando eu estava careca, nunca gostei de usar lenço e muitas pessoas me questionavam o não uso. Por quê? Por que tenho que esconder-me com um lenço? 21 NÃO!!! Não preciso e não quero! Não fiquei feia e nem menos „mulher‟ por estar carequinha. Amei ficar assim. Descobri que os homens carecas são uns felizardos: não ficam escravos de salões de beleza, estão sempre prontos a quaisquer horas do dia, o penteado combina com toda roupa, não tem que ficar pensando em chuva (devido à chapinha) e ninguém irá copiar seu corte de cabelo. Outra coisa que descobri também é que ser “careca” rouba todos os olhares para si. Gente, quando eu ia ter tantos olhares voltados para mim??? Nunca! Viu só? O câncer me proporcionou isso! Foto By Saphyra Era a única maneira de passar por tudo isso com menos dor e trauma, ver o lado bom das coisas. Quando comecei a quimio, sabia que ia perder apetite e minha alimentação mudaria por completo...legal! Estava precisando fazer uma dieta e mudar a minha alimentação...beleza!!! Só o meu amigo câncer para me dar essa motivação! Nesse período de mudança capilar, no hospital conheci outras mulheres que, como eu, estava sem cabelos. Nos aproximamos, falamos de nossas experiências, de nossa família e criamos a “GANG DAS CARECAS”, onde respeitar o câncer é fundamental, mas temê-lo é fora de questão! 22 Foto by Senyra Alves Sobre os cabelos já falei aqui. E sobre ser mastectomizada, tudo bem! Tinha os peitos muito grandes mesmo. E ser „despeitada‟ é ótimo. Como fiquei com raiva dos homens por não terem mamas. É bom demais! Posso pular, dançar, correr sem ter „aquilo‟ balançando. Isto fora a sensação de liberdade de não estar presa a um sutien. É BOM DEMAIS!!! E te garanto, não sinto falta. Sobre o que Pedro fala por eu não ter mamas?? “Não casei com seus peitos. Casei com você e vejo você sem diferença nenhuma. ” Yessssssssssssss....ele continua me desejando do mesmo jeito. Quanto a minha faculdade, foram pessoas importantes que me ajudavam a fazer os trabalhos ou repassavam os assuntos. Aproveitava também para estudar enquanto tomava as medicações, era uma maneira do tempo passar rápido e eu não prestar muita atenção nas reações. Quando voltavam, na época dos seminários, ia apresentá-los com máscaras, ainda sentido os sintomas, mas sempre pensando: isso também vai passar ou um dia a menos. Via toda a minha vida como um grande painel feito de mosaicos. Cada parte por menor que seja, era fundamental na construção da obra prima. Sim, devemos ver a vida como uma bela obra de arte. Foi solicitado a colocação do cateter para que eu não perdesse mais veias. Fui à Teresina fazer a cirurgia e essa foi a grande mudança de minha pesquisa para conclusão de curso, quando conheci um “batorezinho” de 06 anos (aproximadamente), carequinha que adentrou em meu quarto e me encantou. Senti sua alegria e vida, e, ao ver que éramos iguais em “condições capilares” deu uma boa gargalhada. Quando recebi minha alta, fui procura-lo e conheci uma mulher baixinha e que me recebeu com enorme sorriso. Após uma conversa informal na qual ela falou de 23 seu trabalho, fez-me participar de algumas brincadeiras e conheci a humanização feita através do lúdico. Percebi que não erámos tratados como doentes, fomos integrados como pessoas que precisavam apenas de um pouco de diversão para tornar tudo mais simples. Saí do hospital com minha cabeça pensando em toda a experiência que vivi naquela última hora e convicta de que é isso que quero ser: uma Doutora da Amizade. Tornar o ambiente hospitalar mais harmonioso, onde se possa fazer um tratamento de saúde com menos dor. Sei que o fator psicológico é muito importante neste momento tão difícil e que todo carinho, atenção e paciência são fundamentais. Trazer de volta a alegria para o paciente, fazer sua autoestima melhorar e com isso o corpo reage positivamente para a recuperação. No final de agosto do ano passado, fui submetida a fazer 28 sessões de radioterapia devido a uma formação de lesão no local de minha cirurgia. Ocasião perfeita para eu fazer a minha pesquisa e observar o trabalho da pedagoga hospitalar. Ia todos os dias (de segunda à sexta) no horário antes de entrar na radio. Utilizei algumas metodologias na minha pesquisa qualitativa: tem um memorial, diário de campo (sendo eu, parte da pesquisa) e, estudo de caso (quando falo do trabalho de Sorriso). Quando falo que sou parte da pesquisa, estou confirmando que a humanização tem um fator positivo para “nós pacientes”. Não estou aqui querendo ensinar ninguém a trabalhar, mas quero mostrar, por experiência própria, que a Pedagogia Hospitalar, trabalhando a humanização através do lúdico, tem o poder de transformar a dor numa bela gargalhada! . 24 3 O PODER E A MAGIA DO LÚDICO 3.1 O atendimento humanizado em crianças hospitalizadas Lendo a introdução do livro “O Amor é Contagioso” (1999), o Dr. Patch Adams fala que, ao ser internado, o paciente e seus familiares são colocados em um ambiente em que o medo e a confusão deixam-nos tensos e ansiosos, às vezes, vidas são desestruturadas para sempre. Neste momento, tudo nos dá pavor e insegurança no que poderá nos acontecer neste ambiente que lembra dor e morte. Por isso, quando a criança chega à enfermaria, a equipe de saúde deve recebê-la amistosamente para esse momento crucial na internação não ser traumático. Estes primeiros momentos e contatos, para o paciente que está entrando neste mundo cheio de limitações, são importantes para que possa ter uma hospitalização com menos sofrimento. Na enfermaria, a criança é separada de sua família, com isso o/a atendente ou enfermeiro/a deve procurar um acolhimento junto à equipe para acalmá-la, fazê-la parar de chorar. Tentar convencê-la e mostrar sua acomodação e seus companheiros de quarto. Conversei informalmente com uma enfermeira da ala infantil, ela explicou-me que as crianças são geralmente solidárias a quem compreendem seu choro e estão do seu lado. Em seguida, mesmo chorando, é levada para os procedimentos de higiene e as vestimentas hospitalares, tornando ainda mais desagradável o ambiente hospitalar. Desta forma,cito um texto de Carvalho e Begnis (2006, p.109) apud Bar-Mor (1997) que retrata bem o que falo: [...] a atmosfera do hospital pode se tornar estressante, com impacto sobre o estado psicológico da criança. Nesse sentido são comuns algumas manifestações da criança através de regressões, diminuição no ritmo do desenvolvimento, desordens do sono e da alimentação, dependência, agressividade, apatia, negativismo e uma variedade de transtornos e disfunções. Para que a chegada ao hospital do paciente se torne um pouco agradável, Dr. Patch Adams (1990, p.72) sugere aos/as enfermeiros/as que: “[...] mesmo aqueles que imaginam que não há nada para fazer ou para ser possuem uma grande imaginação. É o único lugar onde tudo é possível, imediatamente. Use sua imaginação com paixão”. No filme “O Amor é Contagioso” (1998), ele começa a 25 aprender que a atenção dada ao paciente alivia suas dores. Na época, as universidades de medicina davam ao graduando do curso, um status de jalecos e diplomas de superioridade em que médico e paciente não se misturam. O Dr. Adams mostra que o/a doente e a equipe podem trabalhar em conjunto. Assim, o/a atendente que receber o paciente deverá ser mais alegre e amistoso/a para que, em seguida, usando estórias, possa apresentar o/a atendente e encaminha-lo à enfermaria mostrando calmamente como funciona o ambiente passa-a-passo responsável pelos seus cuidados e onde ficará internado. Neste momento, é bom a mãe (pai ou responsável) esclarecer para a criança o fato de que é necessário ficar naquele ambiente para o tratamento médico, mas receberá visitas e além de fazer novos amiguinhos, será bem tratada por todos. Geralmente, a mãe ou o/a acompanhante devem ser auxiliados pela equipe de saúde e assistência de apoio à criança. Entra aí a equipe interdisciplinar do hospital, que através da pedagogia hospitalar põe em prática a humanização no atendimento aos pequenos enfermos. A formação da equipe multidisciplinar é o primeiro passo para o atendimento humanizado, mas nada disso será possível se cada membro atuar individualmente, pois o ideal é que cada profissional ao trabalhar em sua área específica seja interligado ao que o pedagogo hospitalar estiver aplicando. E assim, o tratamento possa ser global, interativo e integrativo, sendo fundamental a troca de informações entre os profissionais. 3.2 Pedagogia Hospitalar: onde tudo começou! Esse assunto despertou-me o interesse pela história da pedagogia hospitalar e depois de muito pesquisar li em um site das professoras da Universidade São Francisco, PROFESSORASUSF em Bragança Paulista – SP a história da pedagogia hospitalar originou-se na Europa, no início do século XX, quando Henri Sellier criou a primeira escola para crianças inadaptadas, em Paris, em 1935. Isso foi um fator importante para a educação especial, pois era uma época em que a criança não tinha seus direitos reconhecidos e as que nasciam intituladas defeituosas eram descartadas. Lembro em minhas aulas da história da educação que a sociedade europeia valorizava o corpo perfeito, sem defeitos ou mutilados e as que nasciam ou sofria 26 alguma perda eram descartadas ou sacrificadas. Já na Idade Média os deficientes, apesar de não matar mais essas “aberrações” ou “frutos do pecado”, eram marginalizados pela Igreja e seus fiéis. Apenas no século XX, devido à Segunda Guerra Mundial, houve um grande número de crianças e adolescentes feridos e mutilados que não tinham como ir à escola. Daí foi necessária uma mobilização de um grupo de médicos para promover a assistência, principalmente no que se referia à educação. Nos anos seguintes, o professor-assistencial foi sendo reconhecido dentro dos hospitais e conquistando seu espaço através das classes hospitalares. Em um artigo de Esteves (2001, p.02), encontrei uma informação importante sobre a formação de pedagogos que seja especializado em educação especial e isso me faz, novamente questionar sobre o curso de pedagogia: por que o curso de pedagogia não oferece para seus alunos o direito de escolher qual a área que deseja trabalhar? Por que somos apenas preparados para atuar em salas de aulas, quando temos um “leque” imenso de campo de trabalho para atuarmos? A Europa já pensava nisso quando em 1939 fundou C.N.E.F.E.I. – Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptadas de Suresnes voltado apenas na formação de professores para o trabalho em hospitais e institutos de crianças ou adolescentes especiais. Também neste mesmo ano, foi criado pelo Ministério da Educação na França o cargo de Professor Hospitalar. Tendo como missão mostrar que a escola não apenas em um lugar fechado, promove estágios em regime de internato voltado para professores e diretores de escolas, médicos e assistentes sociais. O Centro Nacional de Estudos e de Formação para Infância Inadaptada de Suresnes já formou desde 1939, mil (1000) professores de classes hospitalares. Classe hospitalar além de uma necessidade do hospital para assistir a criança e sua família, integrando-os ao mundo exterior, dá continuidade à sua vida escolar, bem como faz de sua internação um novo meio de vida, com limitações mas tendo um ambiente acolhedor e humanizado. A classe hospitalar não se dirige apenas paras as crianças e adolescentes, mas atende as famílias que não querem ou aceitam falar sobre seus filhos e suas doenças. Ela busca trabalhar na recuperação da criança em sua socialização através da inclusão através da continuidade à sua educação. Em seu texto, Esteves (2001, p.04) ela confirma se a escola é promotora da saúde, o hospital pode ser o 27 mantenedor da escolarização. O profissional que trabalha na classe hospitalar deve ser licenciado em Pedagogia, com especialização em Educação Especial para que possa atender às necessidades da criança ou do jovem internado. Fazendo o Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, somos preparados a ser profissionais habilitados a exercerem a função de educadores ou a trabalharem em diversas repartições, elaborando projetos, ou na própria área educacional. E Pimenta (2006, p.15) explica bem isso quando afirma que o curso de pedagogia serve para a formação de profissionais no sistema de educação em escolas, instituições escolares e não escolares. Lendo Pedagogia e pedagogos, para quê?, Libâneo (2009, p.37), vi que o graduado em Pedagogia pode ser considerado um profissional das ciência pedagógica, sendo um pesquisador pedagógico e sua problemática, destacando sua multidimensionalidade. No mesmo texto ele fala que o curso além de oferecer formação teórica, pode-se atuais também em: [...] diferentes setores de atividades nos níveis centrais e intermediários do sistema de ensino (políticas públicas para a educação, planificação e gestão, pesquisa e supervisão do sistema de ensino); na escola (administração, supervisão de ensino, assistência pedagógico-didática a professoras e alunos, formação continuada, avaliação); nas atividades extra-escola (práticas educativas paraescolares, serviços de saúde e promoção social, meios de comunicação, formação profissional, produção de materiais didáticos de variadas natureza etc); nas atividades ligadas à formação e capacitação de pessoal nas empresas. Desta forma, podemos afirmar que o pedagogo, após sua graduação pode ser um profissional preparado para atuar em diversos campos de trabalho, mas o que eu pude observar dentro do curso de pedagogia, é que o „preparo‟ ocorre apenas no campo educacional escolar. Tendo o professor recém-diplomado, às vezes, uma situação traumática ao se deparar em sala de aula real eem outro campo de atuação, como a pedagogia hospitalar. O não-preparo psicológico que temos (falo como graduanda do curso de Pedagogia), durante o curso, faz da primeira vez quando nos deparamos com a situação, uma experiência traumática. Já no Brasil, a pedagogia começou em 1950 no Rio de Janeiro, quando a primeira instituição a receber esse tipo de atendimento foi um hospital público infantil, o Hospital Municipal Jesus em 14 de agosto deste referido ano, que teve 28 como pioneira a professora Lecy Rittmeyer. Para Cavalcante, Guimarães e Almeida (2015, p.03), pode-se dizer que esta data é o marco para a Pedagogia Hospital no Brasil: No Brasil em 1995, foi reconhecido por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, através da Resolução nº 41 de outubro deste ano, no item 09, o “direito da criança de desfrutar de alguma recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar”. Sobre a legalização da pratica pedagógica hospitalar no Brasil, Esteves (2008, p.03) nos fala que o Ministério da Educação, em 2002, através da Secretaria de Educação Especial elaborou um documento de estratégias e orientações para atendimento nas classes hospitalares, assegurando o acesso à educação básica. : Esse trabalho da Pedagogia tem crescido pelo Brasil, enfatizando no atendimento à criança a filosofia humanística, na qual ela passa a ser o centro de tudo e a valorização do ser, pois, aliás suas escolhas são infindáveis. Junto com a equipe multidisciplinar, o pedagogo hospitalar pode projetar brincadeiras em que se aplica uma metodologia lúdica ao paciente, proporcionando momentos de descontração e de aprendizado. Foto by Ana Saphyra 3.3 No reino encantado do lúdico... Era uma vez no ano de 1971, um jovem doutor chamado Hunter Doherty Patch Adams que tinha um poder mágico de transformar leitos hospitalares em verdadeiro picadeiro de circo. Quando ele se vestia com sua roupa de “super- médico-palhaço” usava sua porçãozinha mágica que transformava dores em risos. 29 Seu objetivo era animar pacientes com brincadeiras para reduzir o sofrimento deles. Doutor Patch (como ele era chamado) defende que sentimentos como bom humor, compaixão, amor, alegria e esperança são antídotos que dão reações positivas na recuperação do enfermo, ou seja, essas porções mágicas fazem parte de uma magia muito poderosa chamada “Lúdico”. Mas, para iniciar essa aventura, neste reino encantado, devo primeiro saber o que significa essa palavra mágica. De acordo com o dicionário Ediouro da Língua Portuguesa (2000, p.591), a palavra “lúdico” significa: “adj. Relativo a, ou que tem caráter de jogos ou divertimentos”. Posso dizer que entendo o lúdico por ser uma atividade de alegria, prazer, descontração, socialização agradável e educativa. Assim, digo que a ludicidade é a capacidade que o ser humano tem de divertir-se e envolver-se com coisas prazerosas. Ressalto que o lúdico no espaço hospitalar se apresenta como uma ferramenta de fundamental importância visando melhorar a vida dos pacientes internados. Para Carvalho e Begnis (2006, p.111): (...) inclusão do lúdico no hospital demonstram que a forma de atendimento em unidades hospitalares e de promoção à saúde atravessa um momento de transformação, no qual se deixa de focalizar apenas a doença para enxergar o indivíduo como um todo, englobando, na prestação de assistência, cuidados com os aspectos psicológicos, sociais e culturais, além dos físicos. Neste contexto, entendo que o lúdico influencia enormemente a recuperação da criança hospitalizada, pois através do riso, do jogo e das brincadeiras, a criança aprende a agir e sua criatividade é estimulada. O brincar, cantar e ouvir história, tem a finalidade de tornar a estadia da criança no hospital menos traumatizante e mais alegre, possibilitando assim melhores condições para sua recuperação. A magia do lúdico tem esse poder não só apenas com as crianças, a sua porção transformadora é maior com os adultos, porque os seus efeitos servem como uma “fonte de juventude” que os tornam na idade que desejarem. Sua reação tem várias manifestações, lembro bem de dois filmes que assisti onde este assunto é o foco. No filme “Antes de Partir” (2007), dois homens: Edward Cole e Carter Cahmbers que se conhecem em um quarto de hospital: um é o empresário e o outro, um simples mecânico. Ambos com a mesma doença terminal e em situação 30 terminal. Sendo um filme de fundo cômico, ele consegue trazer a questão de uma amizade fortalecida na luta pelos últimos dias de prazer e ludicidade, em que a busca por realizações e aventuras os fazem esquecer suas dores e seu pouco de tempo vida. Neste caso, eles ainda podiam “curtir” o doce sabor da vida. Presenciei muitos casos assim: em que não se tinha mais nada o que fazer, apenas tomar remédios para aliviar as dores e voltar para casa, onde queriam ficar com as suas famílias até o último momento. É como no filme “Lado a Lado” (1999), no qual a atriz Susan Saradon faz o papel de Jackie Harrison que é uma mulher de 40 e poucos anos, mãe perfeita e divorciada, que descobre ter um câncer em estado avançado e que não tem como tratá-lo. Volta a morar com o ex-marido, os filhos e a sua atual mulher, interpretada por Julia Roberts (Isabel Kelly). Jackie resolve utilizar a ludicidade através de um memorial feito com fotos e depois transformado em uma colcha de pano. Dessa forma, nos momentos de produção, ela esquecia suas agonias e medos. O lúdico pode ser usado também para os acompanhantes dos pacientes. Pois, eles podem aliviar seu estresse e interagir neste momento mágico. Conforme Carvalho e Begnis (2006, p.111): (...) o lúdico exerce efeitos terapêuticos sobre os pais, pois proporciona uma oportunidade de reorganização e de descanso. Nesse sentido, mesmo que estejam ativamente brincando com seus filhos, eles deslocam por algum tempo o foco do seu pensamento para algo além da doença. Em minhas visitas à Brinquedoteca do Hospital São Marcos, presenciei algumas mães fazendo atividades com seus filhos e pude observar que naquele momento não havia preocupação, só momentos de paz. Eram apenas mães brincando com seus filhos, não havia pacientes e acompanhantes. Voltando para o nosso mago Patch Adams (1999, p.79), ele fala da “paz como um aliviador de sofrimentos. Que devemos busca-la dentro de nós. Que quem encontra a paz interior diminui a pressão arterial e a tensão”. Os efeitos que o lúdico proporciona à criança é imediato. Eles estendem sua onda de reações contagiando a todos presentes. Tem uma cena do filme “Patch Adams – O Amor é Contagioso” (1999) que retrata bem o verdadeiro sentido do lúdico, na qual o paciente do quarto 305, que é um ser amargo, grosso e que 31 maltratava todas as enfermeiras, cede ao ver aquele “anjo” com sua “brincadeira” de sinônimo para a palavra “morte”. Após esse concurso de significados, a internação do 305, passou ter mais momentos de prazer e risadas. Para Borges, Nascimento e Silva (2008, p.215): Durante o período de utilização do lúdico, observou-se que as alterações de comportamento dos pacientes (passividade, agressividade, ansiedade, perturbações no sono e irritabilidade) foram diminuindo gradativamente para darem lugar à espontaneidade e satisfação. Dr. Patch Adams 3 Após este passeio sobre o reino encantado do lúdico, ressalto a importância do mago que se transformou em Doutor da Alegria, Patch Adams, que continuaviajando pelo mundo, com seu exército de doutores “palhaços”, expulsando os dragões da dor, tristeza e sofrimentos em hospitais. Com seu nariz de palhaço e dando gargalhas, ele humaniza muitos jalecos desumanizados, fazendo, assim, muitos “batorezinhos” e carecas felizes para sempre..... 3 Imagem disponível em: <http://gislenegr.blogspot.com.br/2011/12/dr-patch-adams-um-olhar- humanitario.html>. Acesso em: 23.08.2017 32 4 O AMOR COMO MOTIVAÇÃO PARA A PESQUISA Hospital São Marcos 4 4.1 Conhecendo um pouco o Hospital São Marcos Para falar da pesquisa e todos os assuntos abordados neste trabalho, vou começar com a história da fundação do Hospital São Marcos (HSM), sua caracterização e a importância para o tratamento de câncer para o Piauí como também para os demais estados da região Nordeste e alguns da região Norte. Ressalta-se o método utilizado pela equipe multidisciplinar do Hospital São Marcos, bem como a análise dos dados obtidos através da metodologia aplicada, das brincadeiras, contação de histórias, teatro, músicas e outras atividades lúdicas. Porém, é importante explicar o tipo de pesquisa a ser utilizada e o seus procedimentos. No site do HSM5, encontrei informações relevantes para este trabalho científico, bem como sua história e importância no combate ao câncer. Sendo considerada como Utilidade Pública pela Lei Estadual nº 1019/1954, a Sociedade Piauiense de Combate ao Câncer (SPCC), criada em novembro de 1953, teve como seu primeiro presidente o Dr. Ulisses Marques que se dedicou a expandir o hospital para tratamento de câncer no Piauí. Logo depois, em 26 de fevereiro de 1954, houve a mudança de Sociedade Piauiense de Combate ao Câncer para Associação 4 Imagem retirada no Google Imagem do Hospital São Marcos. Disponível:< https://www.google.com.br/search?biw=1236&bih=602&tbm=isch&sa=1&q=hospital+sao+marcos+teresina&o q=hospital+sao+marcos+teresina&gs_l=psy-ab.3...30130.33099.0.33652.0.0.0.0.0.0.0.0..0.0....0...1.1.64.psy- ab..0.0.0.piWFmg5cFE8#imgrc=mzu2p9ESG1fm2M:> Acesso em: 23.08.2017 5 Hospital São Marcos. Disponível em: http://www.saomarcos.org.br/ 33 Piauiense de Combate ao Câncer (APCC). Em 1957, foi construído o novo Hospital do Câncer com apenas 50 leitos. A obra teve como apoio um movimento da Diocese de Teresina e de funcionários públicos através de eventos, com o objetivo de angariar fundos para auxiliar a obra. Segundo informações do Hospital São Marcos, no ano de 1979, houve a mudança do nome de Hospital do Câncer para Hospital São Marcos, devido ao grande número de pessoas não-cancerígenas que recusavam a internar-se devido ao nome do mesmo. Conforme informações disponíveis no site do En Frente do Instituto de Psico-Oncologia, “a crença na antiguidade era que o câncer resultava de um „desequilíbrio humoral‟, um excesso de bile negra ou melancólica”. Ainda nos dias de hoje, pude observar que existe este estigma sobre o câncer, não pela a doença em si, mas por suas sequelas em nós mulheres. Atualmente, o Hospital São Marcos pertencente à APCC e é composto de 380 leitos. Aproximadamente 93 apartamentos (tipos A e B), sendo que o tipo A é individual e o B acomodação para dois pacientes do mesmo sexo, mas ambos com TV, frigobar, acomodação para o acompanhante, e sistema viva voz, no quarto e no banheiro, para se comunicar com a Enfermagem. Além de 37 enfermarias que acomodam 03 a 06 pacientes (do mesmo sexo) e só é permitido acompanhante para menores de 18 anos e maiores de 60 anos. De acordo com os dados da Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC), tem-se que ela é uma extensão do Hospital São Marcos e que objetiva a assistência social no combate ao câncer. Por ser uma entidade filantrópica, mantém-se de doações e conta com o auxílio de voluntárias que trabalham para promover o bem- estar do paciente oncológico carente. Apesar de existir desde 1954, seu estatuto foi oficialmente registrado no cartório em 1987. Os projetos desenvolvidos pela Rede Feminina de Combate ao Câncer – PI são vários: Abrigar; Apoiar; Aliviar; Alimentar e Alertar. Também, mantem a Casa de Apoio à Criança com Câncer (CACC) – Lar de Maria, onde hospeda crianças em tratamento oncológico fora de suas cidades e sem condições financeiras de se manterem nesse período. Através do projeto Abrigar é realizado um serviço para acomodar, apoiar e visitar pacientes carentes em residências e pensões, principalmente na Casa de Apoio à Criança com Câncer – Lar de Maria, com foco em pais e crianças que não têm condições de ter uma boa alimentação e local para dormir. 34 O projeto Aliviar realiza o atendimento através de atividades com crianças doentes internas e externas, que conta com o programa Doutores da Amizade, que auxilia com recreações para os “pequenos pacientes” internados, dando-lhes um momento de descontração em seus leitos das enfermarias e até mesmo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além das enfermarias dos adultos. Os voluntários fazem a contação de histórias, teatro de fantoches, músicas, artes infantis e expressão corporal. É formado por um grupo de voluntários que se dispõe a levar carinho aos pequenos enfermos. Através de conversas informais com enfermeiras do hospital, soube que a Rede Feminina de Combate ao Câncer, paga apenas uma renumeração para o deslocamento do grupo, o restante do custo é pago com o sorriso das crianças. Nas datas comemorativas e com o apoio de alunos e de alunas de algumas universidades, o Setor da Rede Feminina do Hospital São Marcos é transformado em uma grande festa com participação de músicos, palhaços, balões, lanches e brincadeiras, fazendo do local um cantinho mágico onde se utilizam do lúdico como terapia para recuperação dos pequenos. A Rosália falou a um programa de entretenimento „Programão‟ que era apaixonada pelo que fazia. Aprendia com cada um dos pacientes, mas eles são quem nos ajudam a ser cada dia melhor! Ela que todos os dias, transmitindo para os pacientes de câncer, esse amor que faz bem. Neste momento de dor, procurei sentir o conforto através das crianças que estavam passando as aflições do mesmo tratamento que eu, e encontrei no setor da Rede Feminina do Hospital São Marcos alguns estudantes de universidades prestando serviço voluntário com os pequenos cancerígenos. Aquilo fazia as crianças (e até mesmo eu) esquecer um pouco nossos problemas, nossas dores. Aquelas pessoas doando um pouco de seu tempo para um “estranho” é uma das declarações de amor ao próximo mais sincera que senti. O voluntariado é uma forma de amar ao próximo. Não simples assim ser voluntário, tem todo um preparo e vários sites que orientam o “futuro candidato” no seu preparo. Encontrei na página do Instituto Voluntário em Ação, o Manual do Voluntariado da Fundação Abrinq definindo o voluntário como ator social e agente de transformação, prestando serviço não remunerados em beneficio ao próximo e a comunidade. O voluntário doa seu tempo 35 e seus conhecimentos, atendendo também suas próprias motivações pessoais, sejam elas de caráter religioso, cultural, filosófico ou emocional. É através deste trabalho humanista que o voluntário realiza nos hospitais uma visão voltada para o indivíduo em geral, não apenas para nossas necessidades físicas, mas também para as necessidades emocionais, afetivas e sociais e de nossas famílias. Para isso, o trabalho é constituído de uma equipe na qual participamassistentes sociais, psicólogos, pedagogos e outros profissionais que procuram melhorar esse período de tratamento internalizado. Para Carvalho e Begnis (2006, p.116): Esse tipo de recurso pode ser efetivo como fator de proteção, ao estimular a resiliência da criança. (...) tendo livre o acesso ao brincar e aos materiais lúdicos. Esse tipo de interação mais autônomo com o ambiente pode repercutir de forma positiva em sua autoestima e na sua capacidade de resolução de problemas. Assim, é fundamental que se atenda, além das necessidades clínicas, às necessidades psicossociais desses pequenos pacientes. A função do pedagogo hospitalar é muito importante na humanização do atendimento não apenas proporcionando uma qualidade de vida hospitalar, mas como agente educador que insere o ambiente escolar dando condições à criança ou jovem internado o direito à educação, conforme a Constituição Federal de 1988, Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, artigo 205 fala que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da Família, visando o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para cidadania e qualificação do trabalho. O atendimento do educador em hospitais não impossibilita ao aluno hospitalizado aprender novas informações que poderiam ter adquirido nas salas de aula e que venham ajudar no desenvolvimento social e educacional. 4.2 Prazer, sou Dra. Sorriso! Como dito, este trabalho é de caráter qualitativo e um estudo de caso que trata sobre a pedagoga Rosália Sousa Silva, conhecida como Sorriso, a qual utiliza o lúdico no tratamento das crianças com câncer do Hospital São Marcos em Teresina- PI, no âmbito do programa Doutores da Amizade, através de um trabalho voluntário da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Teresina, onde faço parte do quadro 36 de paciente no tratamento contra o câncer. Como não tivemos tempo de conversar no próprio hospital, devido à sua rotina corrida no atendimento às mães e aos pacientes, mantivemos nossa conversação via Facebook Messenger. Assim, obtive informações sobre sua vida e sobre sua motivação para esse trabalho. Rosália Sorriso - By Facebook RFCCPI Rosália Sousa Silva tem 48 anos de idade e 17 anos de trabalho voluntário. Sempre gostou de trabalhar com a educação e a arte que através de amigos, intitulados por ela de “Anjos”, a ensinaram a tornar-se uma pessoa que mediante o lúdico, procura humanizar o atendimento hospitalar. Quando nova e ainda não tinha escolhido a formação, começou a trabalhar com Cecília Mendes no Arte & Educação no Bairro. Por causa desse trabalho, foi convidada para ser contadora de história na Fundação Centro de Cultura Lineu Araújo – FCCEPLAR, e com isso, foi desenvolvendo o gosto pelo lúdico. Era um centro de cultura que tinha contação de história, músicas, danças e teatro de boneco do qual, Rosália fazia parte. Esse grupo de teatro de bonecos fazia apresentações em eventos gerais e, principalmente, em aniversários de crianças. Na FCCEPLAR, tinha algumas festas em datas especiais: como Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal, e em uma ocasião dessas festas, Rosália conheceu Dorotéia dos Reis, que já participava como voluntária da Rede Feminina de Combate ao Câncer, e que inicialmente ajudava nos aniversários. No começo, foi convidada para ajudar na ornamentação de aniversários das crianças que acontecia uma vez por mês, depois ela passou a ir uma vez por semana para fazer atividades para entretê-los, sempre com o objetivo de melhorar a autoestima 37 dos pacientes. Dorotéia coordenava um grupo chamado Doutores da Amizade, formado por três jovens que anteriormente faziam parte do projeto, no qual Rosália era arte- educadora na FCCEPLAR: Paulo Henrique, Silvane e a Lilica. Após certo tempo, recebeu o convite para fazer parte do grupo, recebendo o nome de Dra. Sorriso. O trabalho que realizavam era baseado na história “O Amor é Contagioso” do Dr. Patch Adams e nos trabalhos dos Doutores da Amizade, que na época só atuava no Rio de Janeiro, mas hoje está presente em São Paulo, Recife e Belo Horizonte. Ao fazer o curso superior, optou por Pedagogia e escolheu o tema da sua monografia "A Ludicidade no processo de recuperação da pessoa hospitalizada“, porque observava que quando os Doutores da Amizade brincavam e contavam histórias previamente selecionadas, nas enfermarias, os pacientes ficavam visivelmente melhores. Depois, passou a fazer um trabalho com uma músico- terapeuta Nydia do Rêgo Monteiro. De acordo com Rosália, “o trabalho ficou mais animado ainda porque levávamos história, música. Eles pediam muito às músicas e dançava na frente deles com os forrós que eles pediam, só Luiz Gonzaga”. Às vezes, dançavam até na UTI para animar os pacientes em estados mais graves em que o emocional é importante para a recuperação. Os instrumentos utilizados eram um porta-cd com CD‟s dos cantores que eles gostavam ou um som, mesmo pequeno, uma flauta e um teclado pequeno. Segundo a colaboradora, “às vezes os pacientes até pediam para tocar, além das histórias. Seu trabalho sempre foi voltado para crianças, jovens e adultos, dependendo do público eu fazia a adaptação”. Prazer, essa é Dra. Sorriso e esta é um pouco de sua história 4.3 Analisando os dados coletados Apliquei o questionário somente a Rosália, apesar de ter várias pessoas da Rede Feminina trabalhando no Hospital São Marcos. Sorriso é a responsável por promover atividades lúdicas, dentre outras funções exercidas. Quero ressaltar que a mesma é voluntária e atua todos os dias semanais, sem feriados. Ela autorizou de citação do seu nome, de acordo com a autorização em Anexo A. e como estou tratando de uma área da Pedagogia, ao responder sobre esse tema, Rosália define Pedagogia Hospitalar como “uma modalidade de ensino 38 que busca legalmente proporcionar a criança e ao adolescente hospitalizado a continuidade de seus estudos, visando sua reintegração ao ambiente escolar e a sociedade quando estiver curado”. Quando participei das brincadeiras no ambiente hospitalar, percebi que aliviavam as dores, relaxavam as preocupações e até me faziam esquecer a minha patologia. Quando surge a figura do palhaço e a sua alegria, desperta na criança um lado mais sensível, mas sem sentimentos como piedade, as fazendo se sentirem como pessoas “normais” (sem patologias), sem posição de inferioridade ou incapazes. Sendo questionada sobre a função do pedagogo hospitalar, Rosália afirma que: “[...] é muito teórica quando fala que o pedagogo hospitalar tem um papel fundamental dentro da educação podemos, pois, sua finalidade é acompanhar a criança ou adolescente, no período de ausência escolar”. By Facebook RFCCPI 6 O pedagogo hospitalar não visa apenas em brincar, ele tem como objetivo trazer para o/a paciente internada/o a escola e as atividades como estudante. Tenho que destacar que para Esteves (2001, p.06): (...) o atendimento realizado por um profissional capacitado, em desenvolver e aplicar conceitos educacionais, e estimular as crianças na aquisição de novas competências e habilidades, e ressaltar a importância de se ter um local com recursos próprios dentro do hospital que seja apropriado para desenvolvermos este trabalho 6 https://www.facebook.com/RFCCPI/photos/a.232199073481668.65008.220063934695182/148327686170721 0/?type=3&theater 39 onde à criança interaja e construa novos conceitos. O pedagogohospitalar deve procurar trabalhar em parceria com a equipe multidisciplinar de uma maneira interdisciplinar de uma forma interativa, dinâmica e constante, visando fortalecer os objetivos propostos pelo Hospital, ou seja, melhorar a qualidade daqueles que estão internados. Tenho que ressaltar que uma equipe verdadeiramente multidisciplinar se autoconstrói, ela vai aos poucos evoluindo como um conjunto harmonioso e interessado em realizar seus objetivos que, no caso, não é apenas na recuperação do paciente, mas dar-lhe condições para a sua integração social. Não podemos esquecer que os profissionais e voluntários que trabalham, como Doutores da Alegria, devem estar psicologicamente preparados, ter segurança, conscientizados que o amor opera milagres, pois a brincadeira, a alegria e umas boas risadas relaxam o corpo. Com isso, ajudam os pacientes a enfrentarem a enfermidade e acelerarem a cura, embora nem sempre isso seja possível. Nos casos de morte, a experiência da alegria deve ser maior do que tudo que está em volta. Sobre os possíveis pontos negativos, Sorriso não quis citar. Tentei insistir, mas Sorriso não falou. Disse-me que preferiria não tocar no assunto. Saí de lá intrigada. Tudo tem um lado positivo e negativo nesta vida. Quando comecei as pesquisas deste trabalho, procurei de todas formas algo que desse uma pista sobre o “negativismo” da Pedagogia Hospitalar, quando soube de uma pequena guerreira que tinha perdido a “batalha”, a pequena gigante M. F. e isso doeu muito. Descobri aí, de uma forma dolorida, o lado negativo que tanto procurei. Deve-se ter um acompanhamento de um psicólogo junto à equipe de voluntário, para que seja detectado no paciente ou no profissional, a necessidade de uma atenção especial. A dor do luto, neste caso, torna-se uma motivação para atender a ausência da pessoa perdida. Comecei a ter uma certa curiosidade sobre os profissionais quadro se deparam com a perda, neste caso, comecei uma leitura e de acordo com Trucharte (2003, p.47): Nossa função no acompanhamento dessas pessoas pressupõe: continência, solicitude, perseverança e sobretudo um estado pessoal bem equacionado para que não caiamos nas piores formas de posturas que são caracterizadas pelos dois extremos: frieza e 40 indiferença por um lado, e desespero, dor e sofrimento por outro. Embora, para nós enfermos, o hospital seja um local de dores, isolamento e insegurança, muitas vezes somos surpreendidos com um sorriso aberto e uma esperança no olhar daqueles desconhecidos que nos atendem cheios de alegria. Desta forma, o serviço prestado por esses voluntários muda a visão do “futuro internado” de que o hospital seja sinônimo de um lugar triste para um local mais agradável, transformando-nos em pacientes mais cooperativos, já que além de facilitar a recuperação psicossomática, nos despertam sentimentos positivos. A sala, onde é realizado o atendimento pedagógico do hospital, é um ambiente apropriado para o desempenho da metodologia utilizada para a aplicação do lúdico no tratamento do câncer. É bastante amplo, colorido, com brinquedos, jogos, televisão, som e outros materiais didáticos de acordo com a necessidade de cada criança. Tem uma pequena cozinha com balcão para o preparo dos lanches e com “gelágua”. A sala da Rosália é pequena e com vidro que dá uma visão ampla de tudo o que acontece neste pequeno reino. Para Sorriso: “o local deve ser lúdico, todas as atividades devem ser recreativas, tendo jogos e brincadeiras, realizando de acordo com o estado do paciente respeitando as limitações de cada um, com intuito de expressão simbólica, medos, sentimentos e ideais”. Observa-se a participação dos pais que, mesmo tristes, cansados e desanimados, juntam-se às brincadeiras nos momentos de desconcentração. Os acompanhantes também participam das atividades. Pessoas que ao acompanhar pacientes internados, deixam a família e saem de casa para cuidar de alguém no ambiente hospitalar, adquirem um sentimento de tensão, muita responsabilidade e estresse. A interação entre os voluntários e as crianças dar-se de maneira clara e espontânea, permitindo que surja, em cada momento, algo novo e divertido para arrancar risos e atenção de todos. “A metodologia deve ser por meio de linguagem oral, escrita, brincadeiras, apresentações, de dinâmicas, músicas e danças, e principalmente respeitando limitações dos pacientes”, explica Rosália que faz este trabalho há 10 anos. Entende-se que brincar é um direito da criança, conforme o Art. 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) e, principalmente, 41 daquelas que estão hospitalizadas, porque se encontram doentes, imobilizados e privados do que mais gostam de fazer: brincar, com isso, o sofrimento é maior. Para Borges, Nascimento e Silva (2008, p.213): “com a hospitalização, a criança é afastada do seu convívio natural e exposta ao confronto com a dor e o sofrimento, bem como a limitação física e aflorando assim o sentimento de culpa, punição e medo da morte”. No tratamento oncológico, quando somos separados de nossas famílias e do nosso convívio social, sofremos várias consequências físicas e psicológicas: como problemas de sono, falta de apetite, dificuldades escolares e depressão. Vi em muitos casos que a pior consequência é a depressão. Segundo Trucharte (2003, p.45): [...] as depressões alteram não só o estado anímico do paciente como também podem provocar alterações nas respostas imunológicas e, obviamente, em função da apatia e prostração, a participação ativa do paciente em seu processo de recuperação (quando é o caso) compromete-se sobremaneira. Neste sentido, o efeito da terapia junto às crianças e/ou adultos aponta alterações de comportamento em que as crianças apáticas ficam mais ativas, passam a se comunicar mais e ficam mais alegres, tornando a internação menos aterradora. Através dos encontros realizados de uma maneira inusitada entre os voluntários e os pacientes, dá-se início a um jogo em que fica difícil identificar quem é quem. Tudo começa apenas com um olhar, uma situação engraçada do dia-a-dia. “A brincadeira e o riso que acompanha são grandes remédios dentro de um hospital”, segundo Patch Adams (1999, p.122). Portanto, o lúdico é o responsável por este momento mágico. Quando questionada sobre as contribuições do lúdico na classe hospitalar, Rosália esclarece: O lúdico é sempre positivo. A infância é uma fase da vida em que a criança apresenta como principal ocupação, o brincar. É uma ação fundamental da criança para manter a saúde física e a mental da mesma, de forma individual O adoecimento e a hospitalização de uma criança representa a ruptura em seu cotidiano, ela passa a um local limitado, onde a rotina hospitalar é o próprio ambiente. Com isso, diminui em seu repertório de atividades com as quais 42 estaria abituada a executar, o que pode interromper seu desenvolvimento natural. Deste modo, o cuidar de crianças com câncer em situação de hospitalização requer dos profissionais além de habilidades técnicas, requer também muito conhecimento entre profissional e paciente. A atividade lúdica podem promover uma relação de confiança, tranquilidade e segurança entre os sujeitos envolvidos. O brincar pode significar uma fuga da realidade, além de tornar o hospital mais agradável e controlável pela criança. Destacam-se atividades realizadas como contação de histórias, oficinas de artes infantis (desenho, colagem, pintura, dobradura), teatro de fantoches, audição de músicas, expressão corporal, confecção de brinquedos, dentre outras. Nas datas
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