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As doenças do ligado e das vias biliares podem ser estudadas tomando como referências as síndromes icterícia, colestase, hiper- tensão portal e ascite. ICTERÍCIA Icterícia c uma síndrome caracterizada pela elevação da bilirrubi- na no soro, em níveis superiores a 2 mg/100 ml-, cuja exteriorização clínica principal é a coloração amarelada da esclerótica, mucosas, pele e líquidos orgânicos. A distribuição das bilirrubinas nos tecidos depende do tipo de pig- mento predominante e de sua concentração. A bilirrubina conjugada penetra mais facilmente no tecido conjuntivo por ser hidrossolúvel. e desta forma a icterícia c muito mais acentuada do que a produzida pela bilirrubina não-conjugada. Todos os líquidos orgânicos podem conter bilirrubina. tais como o pleural, ascítico, lágrimas, cérebro- espinhal. urina, esperma, suor e sinovial. Nos derrames cavitários, o grau da icterícia é proporcional à concentração proteica. A bilirrubina não-conjugada, sendo lipossolúvel. tem afinidade pelo tecido nervoso, podendo provocar kemicterus no recém-nascido por impregnação dos núcleos da base. As causas mais freqüentes dc icterícia são vistas no Quadro 89.1. O primeiro grupo compreende as situações nas quais há aumen- to da bilirrubina não-conjugada. Isto ocorre por um dos quatro seguintes mecanismos: I) produção excessiva de bilirrubina em setores distantes do fígado, condição na qual a conjugação é incapaz de atender a oferta: 2) ao nível da membrana, quando o pigmento não pode ser transportado até o hepatócito, devido à competição de vários elementos que se ligam à albumina: 3) ao nível do hepa- tócito, quando houver incapacidade de captar e fixar a bilirrubina à proteína Y (ligandina), também por fatores competitivos; 4) ao nível microssomal. quando há defeito ou ausência de enzimas que promovem a conjugação, impedindo a transformação da bilirrubina indireta na direta. Em todas estas situações, a bilirrubina não podendo ser com- pletamente conjugada, ocorre no plasma um nítido predomínio da fração indireta ou não-conjugada sobre a direta. Esta forma de hiperbilirrubinemia raramente ultrapassa 5 mg/100 mL. c a icterícia não é acentuada, sendo percebida em geral apenas nas escleróticas. Por ser uma fração insolúvel, a bilirrubina indireta não é filtrada pelos rins e, por isso. não há colúria. O segundo grupo pertence às hiperbilirrubinemias conjugadas, que constituem as causas mais freqüentes de icterícia. O mecanismo básico é uma deficiente excreção da bilirrubina direta, seja de ori- gem intra- ou extra-hcpática. As alterações intra-hcpáticas ocorrem em nível hepatocelular e canalicular. No primeiro caso, existem condições nas quais o defeito excretório é congênito c seletivo (sín- dromes de Dubin-Johnson c de Rotor), ou o defeito é generalizado e adquirido (colestase intra-hepática). As condições extra-hepáticas caracterizam-se por um obstáculo ao fluxo de bile, sejam intrínsecas ou extrínsecas à árvore biliar. Qualquer que seja a causa, a icterícia por aumento da fração conjugada pode atingir níveis bastante elevados, muitas vezes de evolução progressiva. A característica principal é o predomínio da bilirrubina direta. A bilirrubina indireta também se encontra elevada, mas sempre em níveis inferiores à conjugada. Alguns mecanismos estão envolvidos no aparecimento da bilirrubina direta no plasma, tais como a regurgitação do pigmento para os sinusóides, a alteração da permeabilidade canalicular e a ruptura de canalículos por necrose. Não há uma explicação satisfatória pai a o aumento paralelo da fração não-conjugada, sendo admitida uma certa inibição da atividade da UDP-glicuronil-transferase. Independente dos mecanismos e das cau- sas. a hiperbilirrubinemia conjugada tem como denominador comum a colúria (a bilirrubina direta é hidrossolúvel) e a impregnação evidente dos tecidos, tomando fácil o reconhecimento da síndrome. DIAGNOSTICO CLINICO E LABORATORIAL A avaliação diagnostica deve começar pelo reconhecimento e caracterização da própria icterícia. Para isso. o paciente deve ser Q U A D R O 8 9 . 1 Classificação das Icterícias 1. Hiperbilirrubinemias não-conjugadas I. Produção excessiva de bilirrubina a. Hemólise b. Alteração da eritropoiese II. Defeito de transporte a. Recém-nascidos b. Medicamentos (competição) III. Defeito dc captação a. Medicamentos (competição) b. Recém-nascidos IV. Defeito de conjugação a. Icterícia fisiológica do recém-nascido b. Síndrome dc Gilbert c. Síndrome de Crigler-xNajjar d. Síndrome de Luccy-Driscoll e. Icterícia do leite materno 2. Hiperbilirrubinemias conjugadas I. Intra-hepática a. Hepatocelular Defeito de excreção (s. Rotor. Dubin-Johnson) Adquirida (hepatites, álcool, cirrose etc.) b. Canalicular Medicamentos (esteróides. clorpromazina) Cirrose biliar primária Atrcsia de vias biliares Colangite esclerosante Colangiocarcinoma II. Extra-hepática a. Benigna (colelitíase. coledocolitíase, atresias. ligadura do colédoco) b. Maligna Intrínseca (neoplasias da papila, colédoco, vesícula) Extrínseca (neoplasias do pâncreas) DOENÇAS DO FÍGADO E DAS VIAS BILIARES 6 8 7 examinado à luz natural. Por vezes, em obstruções de longo tempo com profunda icterícia, a pele do doente adquire um tom esverdeado (icterícia verdínica), devido à oxidação da bilirrubina c ao conse- qüente acúmulo de biliverdina. Toda icterícia mostra-se nas esclcróticas. Quando só a pele está amarelada, poupando as escleróticas, o fenômeno c geralmente secundário à hipercarotenemia ou ao uso de medicamentos como a atebrina. O reconhecimento bioquímico da icterícia é feito pela dosagem das bilirrubinas. Este exame é útil apenas no sentido de distinguir as formas não-conjugadas das conjugadas. É importante lembrar que a hiperbilirrubinemia indireta não faz diagnóstico diferen- cial das diversas causas da síndrome. O mesmo acontece com a hiperbilirrubinemia direta. Um método prático, à beira do leito, de distinguir os dois tipos de hiperbilirrubinemia é pelo exame da espuma da urina. Somente a bilirrubina conjugada é filtrada pelos rins e aparece na urina, conferindo coloração amarelada à espuma. A história do paciente e seus antecedentes pessoais c familiares são dados fundamentais, e muitas vezes constituem-se na chave diagnóstica. As icterícias hemolfticas não apresentam dificuldade em seu diagnóstico. Na hepatite viral a história epidemiológica pode ser típica, associada à icterícia, anorexia, febre e bom estado geral. O uso de medicamentos deve ser inquirido insistentemente, pois muitas substâncias podem ser icterógenas. Nos cirróticos, é possível observar os estigmas da insuficiência hepática, e freqüentemente há história de alcoolismo ou hepatite. Febre e calafrios estão presen- tes nas formas com colangite. A esplenomegalia é percebida nas anemias hemolíticas, hepatopatias agudas, crônicas c neoplasia. A hepatomegalia está presente com freqüência nas hepatites, cirroses, carcinomas primitivos e metastáticos. O prurido é um dos sinais mais comuns nas colestases intra- e extra-hepáticas; por vezes pode ser desesperador, sendo comum a infecção secundária das coçaduras. Este sintoma está relacionado à concentração dos sais biliares. A icterícia precedida de cólicas no quadrante superior direito, vômi- tos e febre é sugestiva de litíase vesicular ou coledociana. A febre acompanha a colecistite e a colangite. Na coledocolitíase. a icterícia mostra aumento progressivo e variável e pode ter duração longa até o tratamento definitivo. A vesícula pode estar palpável na obstrução completa das vias extra-hepáticas (sinal de Courvoisier-Terrier). No carcinoma da vesícula, além dc palpável e tensa ela pode apresentar- se com superfície irregular. As obstruções extra-hepáticas malignas decausas intrínsecas, e principalmente as extrínsecas, como o câncer da cabeça do pâncreas, ocorrem em grupo etário mais ido- so, com icterícia muitas vezes silenciosa e sempre progressiva, de evolução relativamente prolongada e visível comprometimento do estado nutricional. A anemia é encontrada nas icterícias hemolíticas e processos neo- plásicos. A leucocitose é vista nas colangites. neoplasias e algumas formas mais graves de hepatite virai. A atividade protrombínica está diminuída nas icterícias hepatocelulares (insuficiência hepática aguda ou crônica). As transaminases do aspaitato (AST) e da alanina (ALT), quando elevadas, traduzem necrose hepatocitária. Valores acima de 400 URF geralmente permitem o diagnóstico de hepatite virai aguda: entretanto, outras formas de hepatite, como as provocadas pelo halotano. álcool e outras substâncias, também provocam elevação bastante acentuada das enzimas. Valores séricos pouco elevados são notados cm várias hepatopatias agudas e crônicas, sem traduzir um diagnóstico específico. A 7GT e a fosfatase alcalina são enzimas conhecidas como marcadores de colestase, encontrando-se elevadas nas colestases intra- e extra-hepáticas. benignas ou malignas. A -yGT eleva-se nas hepatopatias alcoólicas com ou sem icterícia. A fosfatase alcalina, por possuir vários isômeros. mostra-se elevada em algumas doenças ósseas e na gravidez. A 5'-nucleotidase tem o mesmo significado da fosfatase alcalina, sendo entretanto específica de afecção hepatobiliar. O colesterol sérico total está elevado nas colestases extra-hepá- ticas prolongadas e diminuído nas icterícias hemolíticas. A albumina encontra-se diminuída nas icterícias hepatocelulares crônicas, enquanto se observa elevação da gamaglobulina. A biópsia hepática às cegas ou dirigida, a laparoscopia e outros procedimentos invasivos e não-invasivos serão discutidos 110 estudo das colestases. COLESTASE Colestase é uma alteração da secreção biliar hcpatocelular. envolvendo todos os componentes da bile (Popper). Geralmente, a colestase representa um obstáculo ao fluxo biliar, dificultando ou impedindo a chegada da bile ao duodeno. Tal situação constitui a colestase mecânica, comprometendo a árvore biliar extra-hepática ou a intra-hepática. Mas existem situações nas quais não há obstáculo ao fluxo biliar e, às vezes, nem icterícia, caracterizando a forma dc colestase intra-hepática. cuja natureza é devida a alterações prova- velmente metabólicas. Do ponto de vista laboratorial, as colestases cursam com hiperbilirrubinemia à custa da fração conjugada (pode haver colestase anictérica). elevação da fosfatase alcalina c -yGT. O aumento destas enzimas não permite o diagnóstico diferencial entre as colestases intra- e extra-hepáticas. A colestase pode ser dividida em obstrutiva intra- ou extra-hepá- tica e não-obstrutiva, ou simplesmente colestase intra-hepática. COLESTASE INTRA-HEPÁTICA Apresenta-se sob duas formas: metabólica e mecânica. M e t a b ó l i c a . A colestase intra-hepática de causa metabólica aprcscnta-se com ou sem lesão hcpatocelular, sendo a última mais freqüente. Exemplos de colestase intra-hepática sem lesão hepato- citária são: 1) reação aos anticoncepcionais e esteróides anaboli- zantes. dependentes do determinismo genético, pela sensibilidade aos radicais contidos no C l 7 destas substâncias; 2) colestase da grav idez, que pode apresentar-se somente com prurido (prurido da gravidez) ou com prurido e icterícia; 3) na criança, a colestase pode aparecer associada a uma série de situações, tais como infecções virais (hepatite, células gigantes, citomcgalia), metabólicas e atresias intra- ou extra-hepáticas. As colestases com lesão hepatocitária ocorrem principalmente nas hepatites e cirroses. M e c â n i c a . Compreende as colestases secundárias a obstáculo ao fluxo biliar intra-hepático. Os principais exemplos são: 1) a cirrose biliar primária (colangite destrutiva não-supurativa) que se acompa- nha de colestase nos últimos estádios, quando há evidente destruição dos duetos biliares, além de inflamação e fibrose pericluctal: 2) as metástases hepáticas, nas quais a colestase só ocorre quando grande pane do parenquima está invadido c os nódulos tumorais comprimem os duetos biliares; 3 ) na doença dc Hodgkin por lesão destrutiva dos duetos biliares, lesão centrolobular e formação dc cicatrizes fibróti- cas; 4) no câncer da bifurcação do hepático comum, a icterícia tem característica de extra-hepática, com dilatação ductal a montante; 5) a atresia dos duetos (intra- e/ou extra-hepática), assim como a dilatação congênita dos duetos intra-hepáticos (doença de Caroli), manifesta-se com icterícia desde os primeiros meses de nascimento e pode estar associada à cirrose; 6) cálculos intra-hepáticos provocam icterícia, quando numerosos e disseminados. COLESTASE EXTRA-HEPÁTICA Na obstrução extra-hepática geralmente não há lesão hepatocitária e a icterícia é produzida por um obstáculo situado entre a bifurcação do hepático comum c a papila de Vater. dentro ou fora do tronco biliar. Quando a obstrução é prolongada, as estruturas acima dela tornam-se 6 8 8 PARTE 8 SISTEMA DIGESTIVO dilatadas, podendo o colédoco e os duetos biliares aumentarem até 10 vezes o seu diâmetro. As causas mais comuns de obstrução cxtra-hepática são coledo- colitíase e câncer (papila, pâncreas) (Fig. 88.9). Outras causas que merecem ser lembradas são a obstrução das vias biliares devida à penetração de áscaris no colédoco, carcinoma da vesícula e blastomicose sul-americana, cuja adenomegalia para- sitária comprime as estruturas do hilo hepático. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E BIOQUÍMICAS A icterícia é o dado clínico dominante, mas. em alguns casos, a colestase é anictérica. A cor da pele vai de amareIò-pálido até verde- intenso (icterícia verdínica). O prurido geralmente está presente e pode atingir tal intensidade que o paciente sc coça dia e noite, tornando-se profundamente irri- tado. As coçaduras deixam marca na pele e comumente se infectam. Não se conhece ainda seu mecanismo de produção. Provavelmente está relacionado aos sais biliares, ou a um fator produzido no fígado. Cumpre lembrar que nem sempre sua intensidade é proporcional à icterícia. Os xantomas. pequenas elevações elásticas c amareladas na pele. estão presentes nas colestases muito prolongadas. Localizam-se no pescoço, nas mãos e pálpebras, atingindo quase todas as superfícies extensoras na fase final. Estão relacionados à hipeiiipemia com mais de três meses de duração. A febre ocorre nas colangites. neoplasias e infecções secundárias. A ausência de sais biliares no intestino leva a uma má-absorção se- cundária de vitaminas lipossolúveis. O quadro clínico pode associar- se à hipoprotrombinemia, osteomalácia, osteoporose e desnutrição com grande perda de peso. A incidência dc úlcera duodenal está aumentada nas colestases crônicas. As bilirrubinas conjugada e não-conjugada estão elevadas, com predomínio da primeira. A fosfatase alcalina sempre se eleva, sendo um bom "marcador" de colestase. pois está aumentada mesmo nas formas anictéricas (gravidez, após cirurgia dc vias biliares, eolangite). A dosagem das isoenzimas da fosfatase alcalina tem mostrado que a fração intestinal só está presente nas colestases intra-hepáticas. A 5'-nucleoiidase eleva-se da mesma forma que a fosfatase alcalina, sendo, entretanto, específica das afecções hepáticas, sem se relacionar com alterações ósseas ou gravídicas. As transaminases apresentam baixos valores, a não ser que lesões hepatocitárias estejam associadas. A gamaglutamil transpeptidase ( 7 C 1 T ) mostra sua atividade elevada em todas as formas dc colestase. com exceção das formas gravídicas c por anticoncepcionais. As frações lipídicas elevam-se paralelamenteao colesterol. As proteínas séricas não se alteram, mas a albumina diminui na presença de insuficiência hepática. Anticorpos antimitocôndrias estão presentes na cirrose biliar primária cm até 98% dos casos. SINAIS QUE DEVEM SER AVALIADOS NO PACIENTE ICTÉRICO As aranhas vasculares, as púrpuras, o eritema palmar, dedos em baqueia dc tambor, alterações dos pêlos, ginecomastia, atrofia tes- ticular e fetor hepaticus são encontrados na insuficiência hepática, geralmente crônica, e as hepatopatias comumente relacionadas a eles são a cirrose e a hepatite crônica ativa. As aninhas vasculares são formações arteriolares que aparecem na região superior do corpo — face, pescoço, terço superior do tórax, braços e mãos. Estas formações têm 11111 diminuto ponto central e finas ramificações que sc assemelham às pernas das aranhas. Comprimindo-as 110 centro com a ponta do dedo e retirando-o rapidamente, observa-se seu momentâneo desaparecimento ou des- vanecimento. São freqüentemente observadas nas doenças hepáticas crônicas como a cirrose, e o aumento progressivo de seu número sugere deterioração da função hepática. As púrpuras e equimoses. associadas a uma hepatopatia, traduzem alterações na crase sangüínea, principalmente hipoprotrombinemia. decorrente da insuficiência hepática. O eritema palmar é um conjunto de pequenas manchas verme- lhas (eritema) formando uma coloração vinhosa nas eminências tenar ou hipotenar. ou em ambas. Também pode ser encontrado na planta dos pés. Está presente na cirrose, mas é menos freqüente do que as aranhas. Nos dedos em baqueta de tambor, também chamados de hipo- cráticos, suas extremidades distais apresentam-se arredondadas, com um diâmetro maior do que o resto do dedo, assemclhando-sc às baquetas com que se percutem os tambores. O leito ungucal modifica-se, provocando um grande abaulamento das unhas, cuja superfície torna-se convexa, formando um ângulo basal igual a 180°. Não se observam as lúnulas. As unhas tornam-se sem brilho, opacas e de cor perlácea (Fig. 89.1). O hipocratismo digital é encontrado com freqüência nas formas avançadas de cirrose. A distribuição de pêlos altera-se na insuficiência hepática crônica, como a cirrose, tanto no homem como na mulher. No homem, os pêlos pubianos adquirem uma forma ginecóide e, na mulher, tendem a desa- parecer. Os pêlos axilares em ambos os sexos tornam-se escassos. A ginecomastia, geralmente dolorosa, aparece no homem e pode ser uni- ou bilateral. Ocone nas formas avançadas de cirrose. Nas mulheres pode haver hipotrofia das mamas. A atrofia testicular é pouco freqüente, sendo encontrada nos pacientes com insuficiência hepática crônica, como a cirrose. O fetor hepaticus c observado na insuficiência hepática grave, aguda ou crônica, e em estados pré-comatosos (encefalopatia hepá- tica). Os pacientes exalam um hálito adocicado, fétido e pútrido. HIPERTENSÃO PORTAL O sistema venoso portal tem a função dc recolher o sangue dc todas as vísceras abdominais, à exceção dos rins e suprarrenais, e encaminhá-lo ao fígado através da veia porta. No interior do fígado, a veia porta se ramifica até os sinusóides, de onde o sangue passa às veias centrolobulares c. destas, às veias supra-hepáticas, que deságuam na veia cava superior. Qualquer obstáculo ao livre fluxo do sangue, através do siste- ma porta, produz elevação da pressão, acarretando a síndrome de hipertensão portal. De acordo com a sede do obstáculo ao fluxo sangüíneo no sistema porta, classifica-se a hipertensão portal em quatro tipos (Fig. 89.2). 1. Pré-hepática (trombose da veia porta). 2. Intra-hepática pré-sinusoidal (esquistossomose mansônica e fibrose hepática congênita). 3. Intra-hepática sinusoidal ou pós-sinusoidal (cirrose hepática e doença venooclusiva do fígado). Fig . 89 .1 D e d o h i p o c r á t i c o 011 e m b a q u e t a d e t a m b o r , o b s e r v a d o n a s c i r roses . O l e i t o u n g u e a l é c o n v e x o e o â n g u l o b a s a l é d e 1 8 0 " . A s l ú n u l a s d e s a p a r e c e m . DOENÇAS DO FÍGADO E DAS VIAS BILIARES 6 8 9 V. hepática V. centrolobular Vasos colaterais Aorta S INUSÓIDE a. hepática shunt arteriovencso Fig. 89.2 Causas da h ipe r t ensão por ta l . Pré-sinusoidal: 1) t r o m b o s e por t a l , 2) e s q u i s t o s s o m o s e . Pós-simtsoidal: 3) cirrose, 4) obs t rução supra-hepát ica . 4. Pós-hepática (s índrome de Budd-Chiari ou obstrução da veia supra-hepát ica. pericardite constrit iva). A h iper tensão portal acarreta a l terações circulatór ias e h e m o - dinâmicas importantes. O aumento da pressão inverte o sentido do f luxo sangüíneo em veias tributárias do sistema porta, desenvolvendo circulação colateral, através da qual o sangue passa diretamente do sistema porta para a c i rculação venosa, sem atravessar o f ígado. A s novas vias de comunicação que se es tabelecem dis t r ibuem-se e m três tipos. CIRCULAÇÃO COLATERAL TIPO CAVA SUPERIOR Circulação P r o f u n d a . O sangue deixa o s is tema porta pela veia gástrica direita e veias gástr icas curtas e. através dc anas tomoses . a lcança as veias e sofag ianas . de onde passa para as veias áz igos e da í para a veia cava superior. E m conseqüênc ia do aumen to da pressão no p lexo venoso submucoso esofag iano . desenvolvem-se as varizes esofagianas . Circulação Superficial. O sangue deixa o sistema porta dirigindo- se à parede abdominal pelas veias paraumbiliçais, de onde. por meio de anas tomosc, a lcança as veias epigástr icas super iores e as veias superficiais da parede abdominal (Fig. 89.3A). CIRCULAÇÃO COLATERAL TIPO CAVA INFERIOR Circu lação P r o f u n d a . A h ipe r t ensão venosa no ter r i tór io da veia mesentér ica inferior impele o sangue, e m contracorrente . pela veia retal superior em direção às veias médias e inferiores, de onde passa para a veia ilíaca interna e. desta , para a cava inferior. Em conseqüência , os plexos hemorroidár ios tornam-se muito evidentes, podendo sangrar. Ou t ros t ra je tos p o d e m es tabe lecer -se e m d i reção à veia cava inferior, através dc anas tomoses com as veias f rênicas inferiores e veias suprarrenais. Circulação Superf ic ia l . O sangue deixa o s i s tema porta pelas veias paraumbi l ica i s e. a t ravés d e anas tomoses , a lcança as veias cpisás t r icas inferiores e as veias superf ic ia is da parede abdominal (Fig. 89.3B). CIRCULAÇÃO COLATERAL TIPO PORTA A rede venosa vicariante localiza-se na face anterior do tronco, principalmente nas regiões periumbilical. epigástrica e face anterior do tórax. A direção do f luxo sangüíneo será de baixo para cima, do abdome para o tórax, à procura da veia cava superior pelas veias xifoidianas c longas torácicas superficiais . Q u a n d o a c i rculação colateral se torna mais intensa, podem-se ver os vasos nos f lancos e fossas ilíacas (Fig. 89.3C). Manifestações Clínicas da Hipertensão Portal As principais conseqüências da hipertensão portal são varizes eso- fagianas, esplenomegal ia . ascite e circulação colateral superficial . A s varizes esofagianas têm grande impor tânc ia cl ínica pe las hemorragias que acarretam, co locando em risco a vida do paciente e a g r a v a n d o a in su f i c i ênc ia hepá t i ca nos casos de hepa topa t i a s c rôn icas . As varizes p redominam no terço ou metade inferior d o csôfago e seu diagnóst ico pode ser fei to pelo exame radiológico ou endoscópico (Fig. 89.4). O baço aumenta de vo lume (esplenomegalia) e m conseqüência da estase venosa no território da veia esplénica. O aumento do baço. todavia, pode decorrer da própria doença básica, responsável pela hipertensão portal, c o m o na esquis tossomose mansônica. A espleno- megalia constitui achado constante na hiper tensão portalpré-hepá- tica, podendo faltar no bloqueio intra-hepático por cirrose. A ascite é pouco f reqüente na hiper tensão portal pré-hepática, m a s é c o m u m nos casos dc bloqueio intra-hepático por cirrose, e m vir tude dos outros fatores que concorrem para a sua formação. A circulação colateral superficial que se observa na parede ab- dominal tem disposição radiada a partir da cicatriz umbilical , sendo comparada à cabeça de medusa. Fig. 89.3 A. Circulação colateral t ipo cava super ior . D. Circulação colateral t ipo cava infer ior . C. Circulação colateral t ipo porta. 6 9 0 PARTF. 8 SISTEMA DIGESTIVO Fig. 89.5 Esplenopor tograf ia : h iper tensão portal esquis tossomót ica . O b s e r v a r a g r a n d e di la tação das veias porta e gástrica e sque rda , " a m p u t a ç ã o " d a s ve ias i n t r a - h e p á t i c a s , e n o r m e n o v e l o v e n o s o colateral o r ig inado da gástrica esquerda . Causas e Diagnóstico de Hipertensão Portal A s principais causas dc hiper tensão portal são vistas no Quadro 89.2. Quando a hipertensão portal é pré-sinusoidal, c o m o na esquistos- somose , o aumento da pressão é t ransmit ido re t rogradamente para o s is tema esp làncnico e baço. Os ovos se depos i tam nas vênulas portais , d e t e r m i n a n d o pi lef lebi te , pe r i f l eb i te c f ibrose , enquan to nódulos de regeneração são raros. A esp lenomega l ia e as varizes de e sô fago são. com freqüência , decorrentes da própria hipertensão portal: entretanto, isoladamente ela não desenvolve a ascite, sendo necessários outros fatores para desencadeá-la . Na cirrose, a compressão dos sinusóides e ramos da veia hepá- tica. pelos nódulos dc regeneração, gera um regime de hiper tensão intra- e pós-sinusoidal. ocasionando uma dif iculdade ou obstáculo na drenagem hepática, impedindo o sangue dc atingir l ivremente a veia Fig. 89.4 A. V o l u m o s a s var izes do e sô fago (cordões ao longo da mucosa , como fa lhas de ench imento) em um caso de h ipe r t ensão portal dev ida à e squ i s tossomose mansônica . B. Varizes d o esôfago vistas à endoscopia . Q U A D R O 8 9 . 2 Causas Mais Freqüentes de Hiper tensão Portal P R É - S I N U S O I D A L Obst rução venosa (portal-esplcnica) Esquis tossomose Fibrose congêni ta P Ó S - S I N U S O I D A L Cirrose Obst rução da veia hepática Doença venooclusiva DOENÇAS DO FÍGADO E DAS VIAS BILIARES 6 9 1 p = 2-11 mmHg F ÍGADO P = 30-150 mmHaO p = 80-200 mmH,0 INTESTINO Fig. 89.6 Locais para a med ida da pressão portal: 1) t ransesplênica; 2) operatória; 3) veia hepática ocluída . hepática. Também as anas tomoses ar ter iovenosas (a. hepática e v. porta) desviam o sangue venoso, aumen tando a h iper tensão portal. O s valores prcssór icos var iam de acordo c o m o local medido, con fo rme mostra a Fig. 89.6. DIAGNOSTICO DA HIPERTENSÃO PORTAL O d iagnós t i co da h iper tensão portal se baseia na presença de e sp lenomega l i a , asci te , hepa tomega l i a e c i rcu lação colateral ab- dominal . A comprovação de varizes esofagianas se faz por endoscopia . O sistema portal pode ser es tudado diretamente por visualização radiológica (esplenoportografia) (Fig. 89.5) e da medida da pressão. A de terminação da pressão portal é feita pela punção esplénica (cm desuso) (esplenopor tograf ia) , da própria veia porta durante a cirurgia ou pelo ca te ter i smo da veia supra-hepát ica (pressão da veia hepática ocluída) . Esta úl t ima é a mais uti l izada c é fei ta c m sala de hemodinãmica . A S C I T E Por ascite en tende-se a presença de l íquido na cav idade abdo- minal . Na ascite de o r igem hepát ica par t ic ipam vár ios fa tores . A cirrose é a causa mais c o m u m e serve c o m o mode lo para o es tudo dos e lementos impl icados na sua fo rmação . C o n f o r m e mostra o Quad ro 89.3, os seguintes fatores devem ser cons iderados: J. Diminuição da síntese de albumina, devida à lesão do he- patóci to , c o m conseqüen te h ipoa lbuminemia e queda da pressão coloidosmót ica . Q U A D R O 8 9 . 3 Esquema da Fisiopatologia da Ascite Hepa tógena 6 9 2 PARTF. 8 SISTEMA DIGESTIVO 2. Hipertensão portal c o m cons iderável a u m e n t o da pressão hidrostát ica. Estes dois fatores levam à ruptura do equil íbrio entre as forças que c o m a n d a m as trocas através das paredes capilares, provocando a transudação dc líquido na cavidade abdominal . Mas cumpre assinalar que a h ipoalbuminemia e a hipertensão portal isoladamente não são suficientes para fo rmar a ascite, nem expl icam todas as al terações s is têmicas da s índrome (Quadro 89.3). des tacando-se a re tenção de sódio e água. 3. O volume plasmático nos cirróticos. apesar de aumentado, é ineficaz. Este fato talvez se deva à diminuição da pressão arterial com es t ímulo dos barorreceptores e d iminuição do f luxo renal, levando ao aumento da produção de aldosterona, do hormônio ant idiurét ico e à at ivação d o sistema nervoso s impático. C o m o conseqüência , há re tenção de água e sódio. 4. A retenção de sódio é t ambém considerada um fenômeno mais pr imário do que secundário, mas sua par t ic ipação na fo rmação da ascite é muito importante . 5. A retenção de água é es t imulada pela d iminu ição da pros- taglandina t ipo P G E , . a qual é um antagonista do hormônio anti- diurético. 6. Na cirrose, as compressões vasculares pelos nódulos de rege- neração podem desviar a linfa para a superfície hepática, provocando seu ext ravasamento na cavidade abdominal . 7. E m b o r a controverso, tem-se admit ido c o m o fator et iopato- gênico a maior produção de líquido na face visceral do peritônio, a qual não é compensada por aumento da reabsorção no peri tônio parietal. O exame físico do paciente com ascite compreende a inspeção e a percussão. S e m p r e que poss ível , o pac ien te deve ser e x a m i n a d o pr imei- ramente de pé e, a seguir, dei tado. Na posição dc pé. o examinador procurará notar: /. Ati tude lordótica do paciente (Fig. 89.7). Nas ascites de grande vo lume, o doen te vê-se obr igado a adotar u m a postura lordótica (coluna reta) para contrabalançar o peso da coluna líquida que tende a incliná-lo para a frente. 2. O des taque do relevo venoso na parede abdominal e torácica, devendo-se determinar o tipo da ci rculação colateral . 3. A presença dc hérnia umbil ical , inguinal ou inguinoescrotal , que podem ocorrer associadas ou isoladas. Gera lmente aparecem nas ascites de grande volume, provocadas pela força da co luna l íquida sobre os loci minor resistentiae da parede abdominal . Nas mulheres pode ocorrer prolapso genital . Arbi t rar iamente podem-se considerar três t ipos de vo lumes de ascite: Grande Volume. Também chamada de ascite tensa, corresponde ao abdome de forma globosa, que não se modifica com as várias posições, seja com o paciente dei tado em diferentes decúbitos, seja de pé. Este tipo de ascite provoca desconforto ao paciente, geralmente levando à dispnéia, por impedir a expansão diafragmática, podendo, inclusive, provocar o aparecimento de atelectasia pulmonar (Fig. 89.7). M é d i o Volume. Q u a n d o de pé. o volume líquido se restringe a cerca de dois terços da altura abdominal , dando uma protrusão menor do que o anterior. Q u a n d o o paciente se deita, o l íquido escoa para os flancos e goteiras parietocólicas. enquan to o centro do abdome se torna plano. Esta f o rma dc a b d o m e é conhec ida c o m o abdome de batráquio. P e q u e n o Volume. G e r a l m e n t e impcrccpt ívcl com o pac ien te deitado, podendo ser detectado na posição de pé. A ascite de pequeno vo lume é mais bem identif icada pela ul tra-sonografia. Nas ascites de grande volume, o d iagnós t ico é quase óbv io à inspeção : uma s implesm a n o b r a d o "p ipa ro t e " o con f i rma . Esta manobra consiste no seguinte: a) c o m o paciente deitado, solicita-se a ele ou a um auxil iar que co loque a margem cubital da m ã o sobre o abdome, exercendo u m a pequena pressão: Fig. 89.7 Ascite vo lumosa . Obse rva r a a t i tude lordótica da pac iente e a formação de hérn ias inguina l e umbi l ica l . b) o examinador coloca sua m ã o esquerda , espa lmada, sobre a parede lateral direita do a b d o m e : c) c o m a mão direita, o examinador dá um piparote, c o m o dedo médio , na parede lateral esquerda. A s ondas l íquidas t ransmitem-se para o lado oposto, sendo percebidas pela m ã o esquerda. Q u a n d o a ascite é mui to tensa, a m ã o do auxiliar pode ser dis- pensada (Fig. 89.8). Nas ascites de médio volume. o sinal d o p iparo te está ausen te c o m o pac ien te de i t ado , pois o l íqu ido se a c u m u l a nos f l ancos . C o m o doen te de pé. o sinal pode ser de tec t ado no a b d o m e infe- rior. Na pos ição dei tada , a asci te é ident i f icada c o m u m a manobra conhec ida c o m o "pesqu i sa de mac icez m ó v e l " (Fig. 89.9) , a ss im real izada: a) c o m o paciente em decúbi to dorsal , percute-se o centro do a b d o m e , o n d e se o b t é m s o m t i m p â n i c o . e nos flancos, o n d e se percebe som maciço . b) ao colocar o paciente e m decúbi to lateral, direito e esquerdo, o e x a m i n a d o r irá notar o d e s l o c a m e n t o ou mobi l idade da m a s s a líquida, de tal fo rma que. na parede abdominal superior, a percussão dá som t impânico, enquan to na parede inferior, quase em contato com o leito, dá som maciço. DOENÇAS DO FÍGADO E DAS VIAS BILIARES 6 9 3 Fig. 89.8 Percussão por piparote (Porto). Na ascite de pequeno volume, as manobras semióticas geralmente falham na sua percepção. O paciente deve ser sempre examinado de pé. e o examinador estar atento à mudança de som do abdome superior até o baixo ventre; a percussão deve ser complementada pelo piparote. Em caso de dúvida, o que é freqüente, o examinador deve referir-se. na sua descrição, como "questionável ascite". Em tal situa- ção, a ultra-sonografia é o método que estabelece o diagnóstico. As ascites septadas ou midtiloculadas podem apresentar-se com diferentes volumes abdominais. O sinal do piparote pode ser duvido- so ou ausente. O líquido na cavidade não se desloca com a mudança de decúbito, estando represado em diversos compartimentos ou lojas pseudomembranosas. O exemplo típico é a ascite tuberculosa. As neoplasias do ovário podem simular ascite. É uma falsa ascite. U m exame atento mostra que a massa líquida não apresenta maciccz móvel, e seu continente tem limites bem precisos. O abdome pode ser bastante volumoso. A ultra-sonografia tem excelente indicação nestes casos. IMPORTANTES ANOTAÇÕES SOBRE O PACIENTE. No primeiro exame do doente ascítico, assim como na sua evolução diária, devem constar as seguintes observações: a) Medida da circunferência abdominal, feita com o paciente deitado, sendo tomada ao nível da cicatriz umbilical. b) Peso, sempre tomado na mesma balança. c) Volume urinário de 24 horas. Estes três elementos, passíveis de mutação, permitem avaliar a evolução diária da síndrome c sua resposta à terapêutica. O ESTUDO DO LÍQUIDO ASCÍTICO. A paracentese é a técnica pela qual se extrai o líquido da cavidade abdominal. O abdome é puncionado com uma agulha apropriada. A paracentese está indicada cm duas situações: / . No estudo diagnóstico do líquido, que deve ser feito roti- nei-ramente e que pode ser tão importante quanto outros exames complementares. 2. Para alívio da dispnéia c do desconfor to provocados pelo grande volume líquido. Técnica de Paracentese. O abdome é puncionado no quadrante inferior esquerdo. Para isso. traça-se uma linha que une a crista ilíaca ao umbigo. O local da punção é no primeiro terço externo desta linha. Em razão da mobilidade das alças nesta topografia (meso longo), a chance de perfurá-las é mínima. Não é recomendável puncionar o hipocôndrio direito, pois corre-se o risco de lacerar ou perfurar o ceco. o qual se acha imobilizado pelo seu curto meso. Também não se deve puncionar a região suprapúbica. Para fins de diagnóstico são suficientes cerca de 30 ml. do líquido. Sangramento de pequena intensidade pode ocorrer. Repetidas paracenteses podem infectar a cavidade abdominal. LÍQUIDO ASCÍTICO Dados de grande valor para o diagnóstico são obtidos com o exame do líquido ascítico colhido por paracentese, a qual deve ser feita no quadrante inferior esquerdo, no terço médio da linha que une a crista ilíaca ao umbigo. Quanto ao aspecto, observado pelo próprio examinador que faz a paracentese, o líquido ascítico pode ser do tipo transudato, que tem coloração límpida, amarelo-citrina, ou exsudato. Quando há icterícia pronunciada, a cor tende a amarelo-escura. A presença dc sangue (líquido ascítico hemorrágico) confere-lhe cor rósea ou francamente avermelhada c é fortemente indicativa dc ncoplasia maligna: nos casos dc infecção bacteriana, o líquido torna-se turvo ou francamente purulento. A B C Fig. 89.9 Pesquisa de macicez móvel na ascite de médio volume. A. Com o paciente em decúbito dorsal, o l íquido acumula-se nas regiões laterais do abdome e as alças intestinais aproximam-se da parede anterior. Be C. Quando o paciente adota os decúbitos laterais, o l íquido desloca-se para a região mais baixa, de terminando o aparecimento de som maciço, enquanto na parte oposta obtém-se som timpànico. Ao mudar de decúbito, as áreas de macicez e de t i inpanismo se invertem. 6 9 4 PARTF. 8 SISTEMA DIGESTIVO O s e lemen tos mais impor tan tes no e s tudo do l íquido ascí t ico são: a citometria, a albumina, a glicose, a amilase. a colestase e os triglicérides. A citometria c uti l izada no diagnóst ico da ascite infectada, numa si tuação especial denominada de peritonite bacteriana espontânea, que ocorre pr inc ipa lmente na cirrose alcoólica. Valores ac ima de 250 cé lu las /mm 5 sugerem ou conf i rmam a con taminação bacter iana do líquido. A d o s a g e m da a l b u m i n a no l íqu ido asc í t i co deve se r fe i ta j u n - t amen te c o m a d o soro , para se e s t abe l ece r o c h a m a d o g rad ien te de a lbumina . O g rad ien te de a lbumina c o r r e s p o n d e à d i f e r ença en t re os n íve is de a lbumina sér ica e a d o l íqu ido asc í t i co ( G a l b = Alb. s é r i ca - Alb. asc i te ) . Valores de g r ad i en t e a c i m a de 1,1 c o r r e s p o n d e m às a sc i t e s por h i p e r t e n s ã o por ta l ; q u a n t o m a i o r o g r a d i e n t e , m a i s s e g u r o s e r á o d i a g n ó s t i c o da s í n d r o m e d e h i p e r t e n s ã o por ta l . G r a d i e n t e s a b a i x o de 1,1 são e n c o n t r a d o s nas s i t uações d e c o r r e n t e s de neop las i a s , c a r c i n o m a t o s e . tuber - cu lose , s í n d r o m e n e f r ó t i c a e ou t ras d o e n ç a s não re l ac ionadas à h ipe r t ensão por ta l . Os termos exsudato e transudato devem ser abandonados por não corresponderem às si tuações l isiopatológicas. O nível de glicose é semelhante ao do soro. Nas ascite tuberculosa e na secundár ia à pe r fu ração intestinal, os valores de gl icose são muito baixos, gera lmente inferiores a 6 0 mg/100 mL. Outros exames dependem da hipótese diagnost ica, tais c o m o a amilase c a cultura. A amilase também tem o mesmo valor encontrado no soro, porém nas ascites pancreáticas seus valores es tão bastante elevados. A cultura é solicitada para identificar o tipo dc bactéria, porém seu valor prát ico é secundário, tendo em vista o t empo gasto para ter o resultado: o t ratamento clínico deve ser instituído antes do isolamento da bactéria. Outros exames , c o m o op H e a citologia, são mais inespecíf icos c pouco auxil iam nos diagnóst icos diferenciais . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arroyo, V., Gines, P., Rodes, J . Treatment of ascites in patients with cirrhosis of the liver. J. Hepatology, 2:504-512. 1986. Bayer, T.D.A., Zakini. I). Hepatology • a Textbook of Liver Disease. Phila- delphia. Saunders Co.. 1982. Eisenberg, R.L. Diagnóstico Diferencial por Imagens. 3." edição. Ed. Gua- nabara Koogan. Rio de Janeiro. 1999. Liddcl & Scott Greek English Lexicon. Oxford. 1978. Porto, C.C. Exame Clínico. Bases para a Prática Médica, 5." edição, Ed. Guanabara Koogan. 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