Buscar

O Caso dos Exploradores de Caverna

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 3 páginas

Prévia do material em texto

chegou a hora de abordar um tema que envolve uma das minhas áreas de formação acadêmica: Direito. No final do ano passado, em uma das aulas de Introdução ao Estudo do Direito, o professor propôs à turma que realizássemos um tribunal do júri baseado nos acontecimentos narrados no livro “O caso dos exploradores de caverna” de Lon L. Fuller.
Para tanto, ele realizou um sorteio que definiria quem seriam os advogados de defesa, os promotores e o juiz do tribunal. O júri seria formado pelos alunos que não fossem sorteados para desempenhar nenhuma dessas funções. Eu, por (in)felicidade do destino, fui sorteado para ser um dos advogados de defesa. Foi uma tarefa difícil! Passei muito tempo elaborando o meu posicionamento. Mas, no fim, cumpri minha tarefa.
Em seguida encontra-se o resumo da obra “O caso dos exploradores de caverna” e o meu posicionamento sobre a questão. Vale ressaltar que as opiniões emitidas no meu posicionamento não são necessariamente as minhas opiniões como indivíduo. Às vezes, foram opiniões que eram necessárias para tentar convencer o júri quanto à inocência dos réus.
Resumo da obra:
No inicio de maio do ano imaginário de 4299, cinco membros da Sociedade Espeleológica(organização amadorística de exploração de cavernas) penetraram no interior de uma caverna de rocha calcária. Quando estavam bem distantes da entrada da caverna, ocorreu um desmoronamento da terra, que bloqueou, completamente, a única saída da caverna. Não voltando dentro do prazo normal, os familiares dos exploradores avisaram a Sociedade Espeleológica que encaminhou uma equipe de socorro ao local.
O trabalho de resgate foi extremamente penoso e difícil. Novos deslizamentos da terra ocorreram e 10 operários morreram soterrados. Os fundos da Sociedade Espeleológica foram exauridos, foi necessária uma subvenção do poder legislativo, e uma campanha de arrecadação financeira para a complementação dos fundos. A libertação da caverna só foi possível no trigésimo dia, contado a partir do início dos trabalhos de resgate.
No vigésimo dia de resgate, foi descoberto que os exploradores possuíam um radio transmissor, o que tornou possível a comunicação entre os exploradores e o acampamento de resgate. Os exploradores perguntavam quanto tempo no mínimo, levaria o resgate. A resposta foi que o resgate levaria no mínimo mais dez dias. Em vista desta resposta, os exploradores fizeram uma pergunta com duas hipóteses:
Sepoderiam sobreviver mais dez dias sem alimentação e
se caso de alimentassem de carne humana, teriam chances de sobreviver.
A primeira hipótese recebeu uma resposta negativa e a segunda foi respondida que terão grandes chances de sobrevivência alimentando-se de carne humana. Os exploradores dirigiram várias perguntas as autoridades religiosas, judiciárias e médicas, a fim de saber a moralidade e licitude do ato de comerem carne humana na situação em que se encontravam. As autoridades não deram respostas a nenhuma destas perguntas.
Após a ausência de respostas a comunicação foi interrompida e os exploradores decidiram sacrificar um dos cinco, para que a sobrevivência os outros quatro fosse garantida. Roger Whetmore propôs um sorteio para a escolha daquele que seria sacrificado. Antes do início do jogo, Whetmore desistiu de participar e sugeriu que esperassem mais uma semana. Seus companheiros o acusaram de traição e procederam ao lançamento dos dados. Quando chegou a vez de Whetemore acabou sendo o escolhido. Foi morto, sua carne serviu de alimento para seus companheiros que sobreviveram e foram salvos no 3Oº dia depois do início do resgate.
Após o resgate os sobreviventes foram a julgamento e em primeira instância foramcondenadas à pena de morte, visto que, naquele país, não existiam excludentes de ilicitude.
Minha argumentação como advogado de defesa:
Com toda essa calorosa discussão que o caso dos exploradores de caverna proporcionou ainda restam alguns questionamentos a serem trabalhados.
Acredito que a única forma de compreendermos essa situação é nos colocando no lugar desses quatro homens. Será que se eu ou você estivéssemos presos naquela caverna por 20 dias já sem nenhum alimento e sem nenhuma previsão de quando sairíamos de lá, talvez não fossemos capazes agir da mesma maneira? Será que a fome não nos atingiria em tal intensidade que seríamos capazes de matar para comer?
Vamos exercitar nosso intelecto e tentar imaginar a seguinte situação: você está em um navio em alto mar durante uma forte tempestade e, por infortúnio do destino, sua embarcação começa a naufragar. Por sorte, você consegue sair da sua cabine e evita afundar junto com o navio. Já em alto mar, enquanto você luta para se manter vivo e não sucumbir ao cansaço, você se depara com dezenas de corpos flutuando na superfície da água, embalados somente pelo movimento das ondas. Após alguns segundos de choque você enxerga a mais ou menos dez metros de vocêum colete salva-vidas. Porém, você não foi o único a vê-lo. Enquanto você raciocina o que fazer, o outro sobrevivente já nada desesperadamente rumo ao colete e contra a forte correnteza sabendo que essa é a sua única chance de sobreviver.
Movido pela sensação de pavor que lhe toma você também nada em direção ao colete, mas ao chegar lá já é tarde demais, o homem já o alcançou e já está colocando-o. Após alguns segundos de choque, onde você compreende que sem o colete suas esperanças de salvação são mínimas, a única opção que você enxerga para salvar sua vida é lutar com aquele homem pelo colete. E você sabe que naquela situação, é matar ou morrer.
Sem pensar em princípios éticos, morais, em toda educação sólida que sua família lhe ofereceu e mesmo sabendo que matar um ser humano é o pior dos crimes que um homem pode cometer contra outro, você se lança contra ele e usa a força para tentar tomar o colete dele. Não obtendo sucesso você passa para a segunda opção: matá-lo.
Usando de toda a força que ainda lhe resta você tenta afogá-lo. Após mais alguns segundos de luta você sente que o homem já não reage mais. É então que você percebe que cometeu um crime. Mas você sabe que foi uma morte justificada, você não o matou por acaso, por capricho ou por um interesse qualquer, você o matou para salvar a sua vida.
Comparando essa nova situação com o caso dos exploradores de caverna, podemos constatar que não há grandes diferenças entre eles. Nas duas situações um ser humano foi morto para salvar a vida de outro, nas duas situações um ser humano se viu à beira da morte, nas duas situações um ser humano teve uma reação desesperada tentando salvar sua vida.
Quem somos nós para julgá-los? Voltando ao questionamento inicial, será que não agiríamos do mesmo modo que eles? Será que se estivéssemos em alto mar durante uma tempestade não mataríamos por um colete? E quem pode julgar nossa atitude diante de um fato tão perturbador quanto o que esses homens passaram?
É fato que diante de situações de vida ou morte o ser humano é capaz de tudo, até mesmo de matar, para salvar sua vida. Em situações de alto estresse o homem perde sua capacidade racional e passa a agir como um animal, baseando-se unicamente em seus instintos. E que instinto maior pode existir para um animal do que o da preservação de sua vida? Mas isso não o torna um criminoso que deve ser punido com a morte. Eles podem até ser criminosos perante o direito positivo, mas que finalidade teria a morte de dez operários que tentaram salvar a vida deles se eles fossem condenados à forca? Se é justo a morte de dez homens para salvar cinco, que diferença se faz de uma morte para salvar outras quatro vidas?
De que valeria a morte de Whetmore para salvá-los, se mais adiante um tribunal viria a condená-los ao enforcamento? E se eles tivessem concordado em esperar mais um pouco pelo resgate e quando este resgate chegasse todos já estivessem mortos por inanição?
Depois que os réus mataram Whetmore eles passaram pelo menos 10 dias convivendo com o corpo daquele que um dia fora seu companheiro de aventura. Será que há pena maior que esta? Viver peloresto da vida com o peso na consciência por ter matado um ser humano? Se estivéssemos tratando de criminosos historicamente delinqüentes poderíamos questionar se eles carregariam essa culpa, mas estamos falando de homens que tem uma estrutura familiar sólida que lhes educou e que lhes ensinou a respeitar o próximo.
Qualquer um que teve uma essa educação sente remorso por ter confrontado os ensinamentos que recebeu. Será possível mensurar o tamanho do remorso que estes homens estão sentindo? Será que algum de nós é capaz de compreender o sentimento que esteshomens vão carregar pelo resto de suas vidas? Seríamos nós capazes de suportar o que eles suportaram, suportam e ainda vão suportar? Acho pouco provável.
Acredito que a pena maior e mais punitiva esses homens já sofreram. Conviver com um homicídio não é uma tarefa fácil. Muitos acreditam que eles devem ser condenados à morte de acordo com o que a lei estabelece. Mas se essa lei parte de uma norma jurídica que defende que todo homem tem como um de seus direitos fundamentais o direito à vida, quem pode condenar esses homens se a sua única intenção foi garantir a própria vida? As leis foram criadas para serem aplicadas, mas, antes disso, elas devem ser interpretadas.
E que outra interpretação se pode dar a esse caso? Esses homens infligiram uma lei, porém foi para salvar o bem mais precioso e valoroso que tinham. Digo a vocês que eu, como jurado, não condenaria esses homens à morte, pois se eu estivesse vivo na situação que hoje eles se encontram, com certeza já estaria morto, morto de culpa, morto de arrependimento e morto de remorso. E eu acredito que não há punição maior que essa para um homem.
No final do tribunal realizado na sala de aula, os réus foram inocentados por todos os seus crimes.

Outros materiais