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DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 1 Aula 6: Relações no ambiente acadêmico ..................................... 2 Introdução .................................................................................................. 2 Conteúdo ..................................................................................................... 3 Fazendo memória ........................................................................................... 3 Relação centrada no diálogo ............................................................................ 5 Autoridade e liberdade .................................................................................... 6 Autoridade e conhecimento ............................................................................. 7 Dificuldade dos docentes ................................................................................. 8 Equilíbrio delicado ........................................................................................... 9 Lidando com as diferenças ............................................................................. 10 Lidando com as diferenças ............................................................................. 11 Diálogo permanente ...................................................................................... 12 Conhecendo o aluno ...................................................................................... 13 Promoção de processos de articulação entre igualdade e diferença .................... 13 Coerência entre discurso e ação ...................................................................... 14 Reflexão crítica sobre a prática dos professores................................................ 15 Relações com o educando .............................................................................. 16 Atividade proposta ......................................................................................... 17 Aprenda Mais ............................................................................................ 17 Referências ............................................................................................... 18 Exercícios de fixação ................................................................................. 19 Chaves de resposta .......................................................................... 23 Atividade proposta ......................................................................................... 23 Exercícios de fixação ...................................................................................... 23 DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 2 Introdução Como vimos em nossa primeira aula, a docência é um tipo de trabalho centrado nas relações humanas. É ainda um tipo de trabalho ao qual os estudantes podem aderir ou opor resistência aos professores e às ações que lhes são impostas. Alguns professores relatam alterações no comportamento dos alunos, com a inclusão da tecnologia no dia a dia. É comum encontrarmos alunos fazendo uso pessoal de mensagens de texto e de outros aplicativos disponíveis hoje em dia. Essas atitudes, bem como outras que envolvem um grau maior ou menor de adesão e envolvimento nas atividades desenvolvidas em sala de aula universitária são cada vez mais frequentes nos relatos dos educadores. Estudantes que não leem os textos indicados pelos professores, atendem a chamadas telefônicas nas salas de aula, chegam atrasados para as aulas e/ou solicitam saída antecipada, realizam outras tarefas (escolares ou não) durante uma atividade em grupo ou exposição oral pelo professor, são recorrentemente apontados pelos professores que atuam nesse nível de ensino. No que se refere à relação professores-estudantes no ensino superior, o principal desafio apontado por esses docentes parece ser o de mobilizar os interesses dos estudantes para a aprendizagem, visto que, de acordo com Freire (1997), o trabalho do professor é um trabalho com os alunos e não um trabalho do professor consigo mesmo. Questões sobre como mobilizar os estudantes para o conhecimento e como a liberdade deve ser exercida em sala de aula, tanto por professores, quanto por alunos, assim como outras dificuldades, devem ser analisadas à luz do pensamento de Paulo Freire, educador brasileiro que propôs um trabalho educativo baseado no diálogo e no respeito entre professores e estudantes. Objetivo: Compreender a relação professor-estudante, tendo presente as formas como essas relações têm sido concebidas e/ou vividas, segundo diferentes tendências do pensamento pedagógico brasileiro, bem como as possibilidades criadas por uma pedagogia do diálogo. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 3 Conteúdo Fazendo memória Sabemos que, ao longo de nossa história, a relação entre professores e alunos foi pensada a partir de diferentes perspectivas. Nesta aula, refletiremos mais sobre a relação entre professores e estudantes no contexto de algumas das formas de se pensar a educação e o processo ensino- aprendizagem, presentes no pensamento pedagógico brasileiro e, para isso, tomaremos como foco, três perspectivas que estudamos em aulas anteriores. Vamos relembrá-las? Perspectiva tradicional Ao longo de muito tempo e, ainda nos tempos atuais, resiste uma concepção de educação e do processo ensino-aprendizagem, conhecida como educação tradicional, que tem seu foco na transmissão do saber historicamente acumulado pela humanidade. Nessa perspectiva, o sujeito-estudante é concebido como um receptor passivo e o professor como um transmissor de conteúdos e valores, como especialista e modelo. O professor é considerado a autoridade moral e intelectual para o estudante. O conhecimento, os conteúdos das disciplinas e os valores sociais não são questionados. O conhecimento é a verdade que é imposta de fora para dentro e deve ser apropriado pelo sujeito, a quem cabe a sua assimilação, memorização e repetição. A organização do poder no interior das instituições de ensino é marcada por relações hierárquicas, rígidas e autoritárias. Nessa perspectiva, a relação professor-estudante é uma relação vertical, na qual o professor detém o poder decisório, sendo o único responsável pela condução do processo ensino-aprendizagem, e o estudante tem como papel receber e DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 4 repetir o conhecimento que lhe foi transmitido. É o que Paulo Freire denominou educação bancária. Perspectiva escolanovista Em oposição à concepção do processo ensino-aprendizagem, a perspectiva escolanovista, apesar das diferentes tendências que aí se inserem, defende uma ação centrada no estudante e em seus interesses. Nela podemos identificar uma forte valorização de relações não hierárquicas e não autoritárias. Nessa perspectiva, a sala de aula é vista como um espaço de descobertas, experimentação e pesquisas; de participação e diálogo; de valorização da autodisciplina; de liberdade e autonomia. O professor é o mediador para o desenvolvimento livre e espontâneo de cada estudante: organiza, orienta, anima e estimula as atividades dos educandos. A relação é de camaradagem e afeto e todos devem valorizar a liberdade de cada um, respeitando as regras definidas pelo grupo e as diferenças individuais. Perspectiva crítica ou sociocultural Uma terceira forma de se compreender o processo de ensino-aprendizagem, presente no pensamento pedagógico brasileiro, sobretudo a partir dos anos 1970, é a perspectiva crítica, também chamada por alguns autores de sociocultural ou pedagogia progressista. As diferentes tendências que aí se inserem partemde uma análise crítica das realidades sociais, sustentando implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação (LUCKESI, 1994). É uma forma de se pensar a escola, a educação e o sistema ensino-aprendizagem como processos historicamente situados. Essa perspectiva defende uma articulação da educação com outros processos sociais, sendo a educação considerada como um instrumento de luta, ao lado de outras práticas sociais. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 5 Essa tendência compreende a escola como lugar da reflexão crítica sobre a realidade, de exercício consciente da cidadania e de apropriação crítica do saber considerado socialmente relevante. Busca criar não somente instâncias de participação democrática, como a prática de eleições, mas também um clima de envolvimento, um compromisso e uma prática de construção coletiva permanentes (KOFF, s/data). Propõe, assim, relações menos hierarquizadas, marcadas por atitudes de colaboração, troca e diálogo. Nessa perspectiva, a relação pedagógica consiste basicamente na colaboração mútua e na busca coletiva de soluções para os desafios postos. O professor é um parceiro do estudante, um mediador entre os conhecimentos a serem trabalhados e a vida do estudante e da sociedade onde os sujeitos estão inseridos. Os principais representantes dessa tendência no Brasil e que defendem perspectivas diferentes no interior desse pensamento que se costuma denominar abordagem crítica ou progressista estão: • Paulo Freire – com a pedagogia libertora; • Dermeval Saviani – com a pedagogia crítico-social dos conteúdos. Relação centrada no diálogo As relações entre professores e estudantes foram pensadas de maneiras distintas e de forma articulada com as concepções de educação, de escola e de aprendizagem vigentes em cada momento histórico, portanto, podemos refletir sobre a contribuição de Paulo Freire para pensarmos o diálogo como uma possibilidade e uma postura privilegiada na relação pedagógica entre professores e estudantes universitários. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 6 Partimos do princípio que a relação professor-estudante é uma relação assimétrica, visto que esses agentes desempenham papéis diferentes no processo. Segundo Santos (s/d), “docentes e discentes, na universidade, são assimétricos, isto é, aos dois são atribuídas responsabilidades que envolvem critérios e objetivos diferentes para a ação”. Para o autor, isso não significa que um seja mais importante do que o outro e que somente um possa aprender com o outro, pois possuem saberes diferentes e, portanto, podem ensinar e aprender um com o outro. Atenção Freire e Shor (1993) afirmam que “o educador continua sendo diferente dos alunos, mas – e esta é, para mim, a questão central – a diferença entre eles, se o professor é democrático, se seu sonho político é de libertação, é que ele não pode permitir que a diferença necessária entre o professor e os alunos se torne antagônica [...]. Se eles se tornam antagonistas é porque me tornei autoritário”. Autoridade e liberdade Freire (1997) propõe uma relação dialógica entre professores e estudantes, baseada no equilíbrio entre autoridade e liberdade. Para o autor, essa relação dialógica se insere em uma tensão permanente entre a autoridade e a liberdade e essa capacidade para lidarmos com essa tensão é um dos saberes indispensáveis à prática docente. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 7 Para Freire e Shor (1993), uma situação dialógica implica, necessariamente, a ausência de autoritarismo. Entretanto, o diálogo não se torna possível na ausência de autoridade. “O diálogo não existe em um vácuo político. Não é um espaço livre onde se possa fazer o que se quiser [...]. Implica responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina, objetivos.” Autoridade e conhecimento A autoridade do professor reside em muitos fatores, dentre os quais o conhecimento que ele tem. Esse conhecimento pode ser considerado, de acordo com o pensamento freireano, como um dos pilares da autoridade docente. Para Freire, “o ponto de partida é o que o professor sabe sobre o objeto e aonde quer chegar com ele” (FREIRE e SHOR, 1993). Nessa perspectiva, sua autoridade reside exatamente no conhecimento que ele tem acerca do objeto de estudo, no plano que elabora para trabalhar esse conhecimento e nos objetivos que formula. É também por meio desses elementos que o professor revela sua competência técnica e política. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 8 Galeria de Vídeos Clique aqui para ver a sinopse. Ficha técnica: FREEDOM Writers = ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Intérpretes: Hilary Swank; Scott Glenn; Imelda Stauton; Patrick Dempsey. Alemanha / EUA: UIP, 2007. 122 min., son., color. Você percebeu como a professora impôs sua autoridade com base em seu conhecimento a respeito do holocausto? Ainda que pega de surpresa pela atitude de seus alunos, a docente utilizou o assunto para tratar do preconceito, propondo que os estudantes refletissem sobre o que fizeram e sobre a consequência de seus atos. Dificuldade dos docentes Com frequência, o que se observa nas práticas educativas é uma enorme dificuldade dos professores em lidar com a relação entre autoridade e liberdade. Algumas vezes, são feitas associações equivocadas entre rigor acadêmico e autoridade e, por conseguinte, entre liberdade e falta de rigor. Dessa forma, perseguindo a necessária rigorosidade do trabalho que realizam, alguns professores podem resvalar para uma postura mais autoritária, afirmando que são apenas rigorosos. Outros docentes, para não serem qualificados de autoritários, abrem mão de sua função de organizadores do trabalho e as ações praticadas em sala de aula acabam acontecendo sem uma direção e/ou uma intenção claramente definida. São professores que, na maioria das vezes, não impõem limites e confundem autoritarismo com formas legítimas de exercício de autoridade. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 9 Vejamos o que Paulo Freire diz a respeito desse assunto. Reconhecendo que manter esse equilíbrio não é uma tarefa fácil, refletiremos, a seguir, sobre algumas condições para que ele se estabeleça, propiciando o desenvolvimento de uma relação dialógica entre professores e estudantes. Para Freire (1997), permitir o exercício da liberdade sem limites é negá-la tanto quanto asfixiar ou castrar a liberdade. Segundo o autor, a democracia e a liberdade não inviabilizam a rigorosidade. A licenciosidade, como distorção da liberdade, é que compromete a rigorosidade. O autor afirma que “o autoritarismo e a licenciosidade são rupturas do equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade. O autoritarismo é a ruptura em favor da autoridade contra a liberdade e a licenciosidade, a ruptura em favor da liberdade contra a autoridade”. Equilíbrio delicado O equilíbrio entre autoridade e liberdade exige do professor uma abertura aos outros, uma disponibilidade curiosa à vida e seus desafios e está na base de uma postura dialógica. Para Freire (1997), estar aberto aos outros é uma experiência fundante do ser inacabado, que se sabe inacabado. Nessa perspectiva, Freire (1997) afirma o seguinte: O papel de um educador conscientemente progressista é testemunhar a seus alunos, constantemente, sua competência, amorosidade, sua clareza política, a coerência entre o que diz e o que faz [...], sua capacidade de conviver com os diferentes DIDÁTICADO ENSINO SUPERIOR 10 para lutar com os antagônicos. É estimular a dúvida, a crítica, a curiosidade, a pergunta, o gosto do risco, a aventura de criar. Lidando com as diferenças Os professores têm a tendência de esperar que as salas de aula sejam frequentadas por alunos e alunas ideais e, nesse sentido, com frequência, organizam o trabalho, imaginando um aluno ou uma aluna que chegaria à sala de aula já tendo conquistado determinados pré-requisitos quanto a conhecimentos e habilidades intelectuais. Esses professores estão mais preparados para lidar com a homogeneidade, com a padronização, do que com a heterogeneidade e com a diferença. Por outro lado, não podemos deixar de considerar que o tema da diferença é antigo no campo da educação. Tendências na perspectiva de categorizar os alunos, ou melhor, de separá-los em alunos que aprendem e que não aprendem ou alunos que são interessados e outros que não têm nenhum interesse, ou alunos que têm um ritmo compatível com as exigências acadêmicas e os que não têm, são comuns e, de um modo geral, têm marcado a prática docente. Uma prática, nesse caso, é a que tende a aproximar o conceito de diferença à ideia de que o aluno ou a aluna tem ou não tem condições ou interesse de aprender, ou seja, tende a associar diferença a algo que é próprio do indivíduo. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 11 Lidando com as diferenças Embora possamos constatar uma ampla diversidade de vertentes teóricas, de viés psicológico, que procuram responder a essa e outras questões, acreditamos que há um postulado que é comum a todas elas: a necessidade de adequar as práticas educativas às características individuais dos alunos e das alunas. Entretanto, de acordo com Candau e Leite (2006), o que se observa nessas tentativas de respostas é a ausência da dimensão sociocultural. Nesse sentido, sem negar as contribuições das perspectivas didático-psicológicas em relação à diferença, o que propomos é avançar no sentido de conceber processos de ensino-aprendizagem que tenham como princípios o reconhecimento, a incorporação e, principalmente a valorização do diálogo na relação entre as diferenças culturais, identificadas como diferenças de gênero, etnia, credo religioso, orientação sexual, faixa etária, de valores, enfim, diferenças de modos de ver, sentir e estar no mundo. Em síntese, o que propomos é pensar e viver a relação com os nossos alunos e com as nossas alunas, buscando ter uma compreensão de suas diferenças que são muito mais do que as diferenças relacionadas à psique individual e à identidade de classe deles, ou seja, são diferenças culturais, que configuram identidades múltiplas e dinâmicas, em oposição a identidades unificadas e/ou estáveis. Segundo Oliveira (1988), a tendência de categorizar o aluno está marcada por referências oriundas do campo da psicologia, que desde o século XIX parece manter um diálogo estreito com a pedagogia, buscando responder à pergunta como o aluno aprende? DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 12 Diálogo permanente Como temos estudado até aqui, viver uma prática docente pautada pelo diálogo radical e permanente, que questiona essencialismos, critica e combate diversas formas de preconceito, muitas vezes presentes nas relações que estabelecemos em nossas salas de aula é o grande desafio. Nessa perspectiva, Koff (2011) sugere alguns cuidados e/ou estratégias e/ou mudanças. Vejamos: • “Reconhecer, valorizar e fazer dialogar os diferentes sujeitos/grupos culturais; • Empoderar os diferentes sujeitos/grupos; • Buscar variadas respostas para um mesmo problema e/ou situação em função das especificidades e necessidades dos sujeitos/grupos; • Trabalhar sistematicamente os conflitos que emergem das e/ou nas relações interpessoais, principalmente aqueles que são fruto de preconceitos e discriminações; • Apostar no potencial dos mecanismos de negociação e na construção coletiva de normas/regras e/ou códigos de convivência; • Acolher, reconhecer, valorizar, fazer circular e/ou articular diferentes saberes, conhecimentos e culturas, estimulando trocas de experiências, incorporando diferentes narrativas e linguagens, com a disposição inclusive de reorganizar os conteúdos que são/serão trabalhados em sala de aula; • Valorizar e empregar procedimentos metodológicos diversificados, dando ênfase à produção coletiva e/ou colaborativa, sem deixar de valorizar a experiência e a produção de cada um”. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 13 Conhecendo o aluno Para que as estratégias apontadas por Koff, anteriormente, sejam colocadas em prática, o docente deve: Reconhecer e acreditar que as diferenças culturais em diálogo são positivas (e não um problema) para a construção de relações mais produtivas e democráticas, bem como para a construção de processos de ensino aprendizagem mais significativos e adequados aos alunos e que respondam às exigências do mundo atual. Desenvolver mecanismos que os ajudem a conhecer seus alunos, procurando produzir conhecimentos sobre eles. Alguns fatores que devem ser considerados pelo docente são: • Características socioculturais; • Concepções de mundo; • Metas; • Necessidades; • Interesses; • Possibilidades. Promoção de processos de articulação entre igualdade e diferença Lidar com as diferenças culturais presentes nas salas de aula universitárias é uma necessidade, mas também um desafio, já que isso implica rejeitar a padronização das diversas dimensões que envolvem as relações e as práticas educativas nelas vividas e, ao mesmo tempo, unir esforços no sentido de combater as desigualdades socioculturais. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 14 Em outras palavras, a ideia é viver essas relações e práticas buscando promover processos de articulação entre igualdade e diferença e não de considerá-los com polos contrapostos. Boaventura de Sousa Santos (1999) afirma: Temos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza. Coerência entre discurso e ação O equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade exige também do professor coerência entre o que diz e o que faz. Para Freire (1998), palavras às quais falta a corporeidade do exemplo, pouco ou quase nada valem. A prática educativa que não promove a relação coerente entre o que o educador diz e o que ele faz “é, enquanto prática educativa, um desastre” (FREIRE, 1998). Segundo Freire (1997), o discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto e prático da teoria, sua real encarnação. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a coerência na classe. É preciso um grande empenho dos professores para diminuir a distância entre o discurso e a prática, o que exige uma vigilância constante a ser exercida sobre nós mesmos. Exemplificando essa necessária coerência, Freire (1997) questiona: Como posso continuar falando em meu respeito ao educando se o testemunho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cumpre o seu dever, o de quem não se prepara ou se DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 15 organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não protesta contra as injustiças? Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com a minha arrogância? Reflexão crítica sobre a prática dos professores A atitude que busca a coerência entre o falare o agir exige um esforço de reflexão crítica sobre a prática dos professores, que envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. A esse respeito, Freire (1997) assinala: É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. É, portanto, nessa vigilância constante que se torna possível aproximar o discurso teórico da prática, de tal modo que quase se confunda com ela. No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. E para isso, um agir coerente de educadores e educadoras vale muito mais que uma boa oratória. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 16 Atenção Para Freire (1997), “o professor que não respeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem [...]; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que ele se ponha em seu lugar ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência”. Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles (FREIRE, 1997). Relações com o educando Por tudo o que refletimos, podemos afirmar que as relações entre educadores e educandos são complexas, fundamentais, difíceis e que sobre elas devemos pensar constantemente. De acordo com o pensamento freireano, é nesse exercício da autoridade democrática, na disponibilidade para o diálogo, na coerência entre o que diz e o que se faz, que se ancora nossas relações com os educandos, e essas relações constituem, certamente, “um dos caminhos de que dispomos para exercer nossa intervenção na realidade a curto e a longo prazo” (FREIRE, 1998). DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 17 Atividade proposta Agora que terminamos nossa aula, vamos realizar uma atividade, a fim de testar o conhecimento aprendido? a) Converse com um professor que atue no Ensino Superior, perguntando- lhe quais os principais desafios encontrados por ele quanto às relações que se dão na sala de aula. Não se esqueça de registrar os desafios apresentados. b) Em seguida, compare com as ideias apresentadas pelo professor entrevistado e aquelas apresentadas nesta aula. Faça seus próprios comentários indicando aproximações e diferenças. Neste caso específico, durante a conversa com o professor, você poderá fazer perguntas mais diretas do tipo mesmo: como você está lidando com os saberes, os valores, a vivência cultural de seus alunos? Como isso interfere no seu trabalho pedagógico e na sua relação com os alunos? E assim por diante. Aprenda Mais Para saber mais sobre os assuntos abordados nesta aula, consulte o site http://www.scielo.br e leia os textos: • A percepção de professores e estudantes sobre a sala de aula de Ensino Superior: expectativas e construção de relações no curso de química da UFMG. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/ciedu/v16n01/v16n01a06.pdf; • Sala de aula na universidade: espaço de relações interpessoais e participação acadêmica. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n1/a07v25n1.pdf; • A didática na perspectiva multi/intercultural em ação: construindo uma proposta. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n132/a1137132.pdf. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 18 Referências CANDAU, V. M.; LEITE, M. S. Diálogos entre Diferença e Educação. In: CANDAU, V. M. (org.). Educação Intercultural e Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 121 a 139. CORTESÃO, L.; STOER, S. Interculturalidade e Educação Escolar: dispositivos pedagógicos e a construção da ponte entre culturas. In: Inovação. N. 9, 1996, p. 35 a 51. FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991. _________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra, 1997. _________. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho D’água, 1998. FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra, 1993. 5. ed. LUCKESI, C. C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. KOFF, A. M. N. S. Uma Agenda para a Didática Hoje: atualizando possíveis prioridades. In: LIBÂNEO, J. C.; SUANNO, M. V. R. (orgs.). Didática e Escola em uma Sociedade Complexa. Goiânia: CEPED, 2011, p.133 a 153. _______________. Abordagens pedagógicas: do sonho de Comênio à perspectiva crítica. (mimeo). RJ, s/d. OLIVEIRA, M. R. N. S. O Conteúdo da Didática. Um discurso da neutralidade Científica. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1988. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 19 SANTOS, B. S. Construção Multicultural da Igualdade e da Diferença. Coimbra, Portugal: Oficina do CES, Publicação seriada do Centro de Estudos Sociais, jan. 1999. SANTOS, R. Três relações fundamentais no ensino superior. Revista Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653). s/data. Exercícios de fixação Questão 1 Na perspectiva tradicional a relação professor-aluno é uma relação: a) Vertical, na qual o professor detém o poder decisório e é o único responsável pelo processo de ensino-aprendizagem. b) Não hierárquica, na qual professor e aluno podem viver seus ofícios e o processo de ensino-aprendizagem de modo democrático. c) Vertical, na qual o professor pode delegar o poder decisório no que tange ao processo de ensino-aprendizagem para seus alunos. d) Horizontal, na qual professor e aluno podem ser protagonistas do processo de ensino-aprendizagem. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 20 Questão 2 Podemos dizer que a forma como se entende a relação entre professores e aluno decorre das concepções de educação, de escola e de ensino-aprendizagem, presentes em cada momento histórico. Qual das tendências relacionadas abaixo defende uma ação pedagógica centrada no interesse do estudante e no seu livre e espontâneo desenvolvimento e que, portanto, sugere uma relação professor- aluno marcada por tal centralidade? a) Tradicional b) Escolanovista c) Libertadora d) Crítico-Social dos Conteúdos Questão 3 Freire nos propõe uma relação dialógica entre professores e estudantes, baseada no equilíbrio entre autoridade e liberdade. Nesse sentido, o que Paulo Freire entende por licenciosidade pode ser assim expresso: a) O uso da autoridade de forma legítima e democrática. b) O uso da autoridade exacerbada, comprometendo o respeito à liberdade do estudante. c) A relação pautada em uma liberdade sem limites e sem a imposição de qualquer forma de autoridade. d) A relação democrática, pautada no diálogo, na troca e no respeito às diferenças. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 21 Questão 4 O tema da diferença é antigo no campo da educação. Contudo, ele foi tratado a partir de diferentes perspectivas ao longo da história da educação. Podemos dizer que, no âmbito do movimento escolanovista, por exemplo, a discussão era marcada por referências do campo da Psicologia e se caracterizava por: a) Defender, como princípio, a valorização darelação entre as diferenças culturais. b) Associar diferença a algo que é próprio do indivíduo, buscando adequar as práticas educativas às características individuais dos estudantes. c) Compreender as diferenças como diferenças culturais, que configuram identidades múltiplas e dinâmicas. d) Trabalhar os conflitos que emergem nas relações interpessoais, principalmente aqueles que são fruto de preconceitos e discriminações. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 22 Questão 5 Nesta aula, propomos avançar no sentido de conceber e viver processos de ensino-aprendizado pautados por relações dialógicas e de valorização das diferenças culturais. Diferenças culturais aqui identificadas como aquelas que dizem respeito principalmente às diferenças de: a) Gênero, etnia, psique, orientação sexual, classe social, valores, enfim, de modos de ver, sentir e estar no mundo. b) Psique, etnia, credo religioso, orientação sexual, faixa etária, valores, enfim, de modos de ver, sentir e estar no mundo. c) Gênero, etnia, credo religioso, classe social, faixa etária, valores, enfim, de modos de ver, sentir e estar no mundo. d) Gênero, etnia, credo religioso, orientação sexual, faixa etária, valores, enfim, de modos de ver, sentir e estar no mundo. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 23 Atividade proposta Clique aqui para ver a chave de resposta. Exercícios de fixação Questão 1 - A Justificativa: A primeira alternativa é a correta, já que uma das características que configuram a abordagem e/ou perspectiva tradicional e a centralidade do professor e do conteúdo. O aluno é receptor passivo, desprovido de poder decisório. Questão 2 - B Justificativa: Ao longo da disciplina, tivemos contato com as características de uma pedagogia escolanovista e aprendemos que uma de suas características mais marcante diz respeito à centralidade do aluno, com ênfase na sua dimensão como indivíduo, no processo de ensino-aprendizagem, o que justifica a segunda alternativa como a correta. Questão 3 - C Justificativa: é possível justificar a terceira alternativa como a correta tendo presente a seguinte observação de Freire (1997): "o autoritarismo e a licenciosidade são rupturas do equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade. O autoritarismo é a ruptura em favor da autoridade contra a liberdade e a licenciosidade, a ruptura em favor da liberdade contra a autoridade". Observação presente no próprio texto da aula. DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 24 Questão 4 - B Justificativa: A segunda alternativa pode ser justificada como a correta, tendo presente os seguintes trechos de nossa aula: Por sua vez, não podemos deixar de considerar que o tema da diferença é antigo no campo da educação. Tendências na perspectiva de categorizar os alunos, ou melhor, de separá-los em alunos que aprendem e que não aprendem, ou alunos que são interessados e outros que não têm nenhum interesse, ou ainda alunos que têm um ritmo compatível com as exigências acadêmicas e os que não têm são comuns e, de um modo geral, têm marcado a nossa prática docente. Uma prática, nesse caso, que tende a aproximar o conceito de diferença à ideia de que o aluno ou a aluna tem ou não tem condições de aprender, tem ou não interesse em aprender. Em outras palavras, uma prática que tende a associar diferença a algo que é próprio do indivíduo. Cremos que muito dessa tendência está marcada por referencias oriundos do campo da Psicologia, que desde o século XIX (OLIVEIRA, 1988) parece manter um diálogo muito estreito com a Pedagogia, na maioria das vezes, buscando responder à pergunta como o aluno aprende? Embora possamos constatar uma ampla diversidade de vertentes teóricas, de viés psicológico, que buscam responder a essa e outras questões, acreditamos que há um postulado que é comum a todas elas: a necessidade de adequar as práticas educativas às características individuais dos alunos e das alunas. Questão 5 - D Justificativa: As dimensões relacionadas à psique e a classe social não integram as chamadas diferenças culturais, por isso as alternativas em que elas aparecem não podem ser consideradas corretas.
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