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Autores: Prof. Mário Destro Monteiro Prof. Wanderlei Sergio da Silva Profa. Ana Paula Mendietta José Profa. Janaina Pinheiro Vece Profa. Lisandra Príncepe Colaboradora: Profa. Christiane Mazur Doi Didática Geral Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M775 Monteiro, Mário Destro Didática geral. / Mário Destro Monteiro et al. - São Paulo: Editora Sol, 2022. 184 p . il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Psicologia 2. Pedagogia 3. Didática I. Título CDU 37.01 Professores conteudistas: Mário Destro Monteiro / Wanderlei Sergio da Silva / Ana Paula Mendietta José / Janaina Pinheiro Vece / Lisandra Príncepe © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U514.94 – 22 Mário Destro Monteiro Possui graduação em Educação Física e Técnicas Desportivas nas Faculdades Integradas de Guarulhos (2002) e mestrado em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP (2006). É professor adjunto e coordenador de estágios em educação na UNIP. Tem experiência na área educacional, com ênfase em didática e psicologia escolar, atuando principalmente nos temas: didática geral e específica, psicologia educacional, psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, educação física escolar, prática de ensino, recreação, e estrutura e funcionamento do ensino. Está ligado aos estudos da didática, da psicologia e da educação, lecionando e produzindo materiais e pesquisas há mais de 10 anos. Wanderlei Sergio da Silva É formado em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Ciências (Geografia Humana) pela mesma universidade e doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. Trabalhou durante 15 anos no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, em pesquisas relacionadas com as geociências e o meio ambiente. Atuou como consultor em trabalhos relacionados com o meio ambiente durante seis anos, participando de cerca de 100 projetos de pesquisa, muitos deles como coordenador de equipe. Atualmente é professor titular da UNIP, atuando na educação a distância e no ensino presencial. É autor de cinco livros e 13 trabalhos de congresso. Ana Paula Mendietta José É formada em Turismo pela Universidade Ibero-Americana de São Paulo – Unibero (1997) e mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo – Unicid (2013). Trabalhou durante anos em diversas áreas do turismo, em agências de viagens, hotéis, companhias aéreas e operadoras de viagem. Durante cinco anos, foi responsável pelo projeto de recreação, um evento social comunitário realizado semestralmente na UNIP com crianças de creches, orfanatos e asilos. É professora assistente da UNIP e membro da Coordenadoria de Estágios em Educação. Janaina Pinheiro Vece É mestre (2010) e doutora (2020) em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul. Possui licenciatura plena em Pedagogia pelo Centro Universitário São Camilo (2005). É professora adjunta na Universidade Paulista, atuando na educação a distância e no ensino presencial. Tem experiência como docente e tutora em cursos de graduação e pós-graduação. É autora de livros e artigos científicos sobre a formação inicial e continuada de professores na área de matemática e de materiais didáticos voltados ao público da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Fez parte da equipe de colaboradores no processo de construção e revisão do currículo da Cidade de Matemática e compôs o time de autores da Revista Nova Escola, elaborando planos de aula de matemática de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. É pesquisadora em educação matemática com foco na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Lisandra Príncepe É mestre e doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui licenciatura plena em Pedagogia pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Guarulhos. É professora titular e orientadora de estágio e práticas de ensino na UNIP. Tem experiência como docente na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e como coordenadora pedagógica em projetos de educação não formal. Desenvolve ações de formação continuada para professores e gestores escolares no eixo da didática, educação lúdica e avaliação educacional. Participa, como assistente de pesquisas, no Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas – FCC, onde também integrou a equipe que construiu a política de formação de professores do Estado do Espírito Santo. É autora de artigos científicos na área da formação de professores e pesquisadora dos processos de inserção profissional de professores iniciantes. Atualmente realiza estágio pós-doutoral na PUC-SP. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Giovanna Oliveira Ricardo Duarte Sumário Didática Geral APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 A DIDÁTICA E SEU CONTEXTO .................................................................................................................... 11 1.1 Definição .................................................................................................................................................. 12 1.2 Histórico ................................................................................................................................................... 19 1.3 Especificidades....................................................................................................................................... 25 2 EDUCAÇÃO ......................................................................................................................................................... 27 2.1 A importância da sociologia da educação ................................................................................. 32 3 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS LIBERAIS ............................................................................. 39 3.1 Pedagogia liberal .................................................................................................................................. 43 3.2 Pedagogia liberal tradicional ........................................................................................................... 43 3.3 Pedagogia liberal renovada progressivista ................................................................................. 45 3.4 Pedagogia liberal renovada não diretiva .................................................................................... 48 3.5 Pedagogialiberal tecnicista ............................................................................................................. 51 4 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS .............................................................. 54 4.1 Pedagogia progressista libertadora ............................................................................................... 55 4.2 Pedagogia progressista libertária ................................................................................................... 58 4.3 Pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos ........................................................... 61 4.4 Análise crítica: clipe de música....................................................................................................... 65 4.5 Análise crítica: filme ............................................................................................................................ 68 Unidade II 5 DIDÁTICA PEDAGÓGICA................................................................................................................................ 81 5.1 A importância da pedagogia ........................................................................................................... 81 5.2 O processo de ensino e aprendizagem ........................................................................................ 84 5.2.1 O professor e o processo de ensino ................................................................................................. 89 5.2.2 O estudante e o processo de aprendizagem ................................................................................ 96 6 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO .....................................................................................................................100 6.1 O processo de ensino e aprendizagem e o conhecimento ................................................107 6.2 O processo de avaliação do ensino e da aprendizagem .....................................................111 Unidade III 7 PLANEJAMENTO DIDÁTICO DO PROFESSOR .......................................................................................120 7.1 O planejamento didático e a sua relação com o currículo ...............................................121 7.2 Os diferentes níveis e modalidades do planejamento escolar .........................................130 7.2.1 Projeto político pedagógico .............................................................................................................131 7.2.2 Plano de ensino .................................................................................................................................... 134 8 MODALIDADES ORGANIZATIVAS DE PLANEJAMENTO ...................................................................137 8.1 Plano de aula .......................................................................................................................................138 8.2 Sequência didática .............................................................................................................................142 8.3 Projeto didático ...................................................................................................................................146 8.4 Atividades permanentes, ocasionais e de sistematização .................................................149 8.5 Semanário .............................................................................................................................................151 8.6 Métodos de ensino ............................................................................................................................154 8.7 Recursos didáticos .............................................................................................................................161 8.8 Análise crítica: texto .........................................................................................................................167 7 APRESENTAÇÃO Este livro-texto é um componente curricular imprescindível para a formação dos graduandos dos cursos de licenciatura. Ao final desta disciplina, espera-se que o graduando possa: • relembrar o seu processo de escolarização para reconstruir sua concepção pessoal sobre a didática; • compreender a importância do papel do professor de acordo com as especificidades da área em que venha a se licenciar; • aplicar as teorias críticas na sua ação didático-pedagógica, atentando-se às necessidades do contexto de trabalho; • analisar e avaliar as tendências didático-pedagógicas e as suas imbricações no processo de ensino e aprendizagem; • criar situações de ensino e aprendizagem a partir de conhecimentos sobre a didática geral. Ao cursar esta disciplina, espera-se que o estudante desenvolva as seguintes habilidades específicas: • descrever, relatar e identificar as diferentes concepções que permeiam a didática do professor; • interpretar e explicar com embasamento teórico a importância do professor no processo de ensino e aprendizagem; • executar e implementar as teorias críticas na sua ação didático-pedagógica em diferentes situações, principalmente no processo dos variados níveis de planejamento; • organizar e estruturar a sua prática pedagógica a partir de uma postura crítica e contestadora; • planejar situações de ensino e aprendizagem com base nas diferentes modalidades organizativas. No atendimento aos objetivos gerais e específicos, esta disciplina fundamenta-se a partir de uma perspectiva crítica, com o intuito de desenvolver um posicionamento político-social na formação do futuro professor, na constituição de uma sociedade mais democrática e, por isso, mais justa e igualitária. Portanto, as unidades de estudo deste livro-texto estão organizadas em dois momentos de estudo. Num primeiro momento, apresentamos a didática a partir de diferentes contextos: etimológico, histórico, filosófico e sociológico. Contemplamos as discussões teóricas a partir da compreensão sobre as diversas tendências didático-pedagógicas, problematizando quais são as consequências para a didática do professor ao optar por uma postura liberal ou progressista em sala de aula. A primeira parte é eminentemente teórica, uma vez que possibilita a compreensão geral sobre a didática e a sua articulação com outras áreas de conhecimento. 8 Num segundo momento, iniciamos uma discussão acerca da importância da pedagogia e da psicologia para a didática do professor. É aqui que faremos um aprofundamento sobre o processo de ensino e aprendizagem e sobre os elementos que o constituem (estudante, conhecimento, professor e situações didáticas). E, contemplados os construtos pedagógicos, mergulharemos na questão do planejamento didático do professor, discutindo os diferentes níveis e modalidades organizativas de planejamento escolar. Esse segundo momento, portanto, compreende a parte prática do trabalho didático-pedagógico docente, uma vez que apresenta a estrutura e os principais componentes dos planejamentos recorrentes no contexto educacional. E, a fim de proporcionar algumas possibilidades de articulação entre a teoria e a prática dos conhecimentos construídos na disciplina, propomos análises críticas de clipes musicais, filmes e alguns textos, com o intuito de contextualizar, refletir e resgatar os conteúdos abordados. Esperamos, assim, que esta disciplina contribua significativamente para a sua formação docente e que, como decorrência do nosso trabalho, você conquiste desenvolvimento e sucesso profissional. 9 INTRODUÇÃO Para começar nossa introdução, leia atentamente uma situação que acontece comumente no contexto escolar: Joice e Ricardo são estudantes do 1º ano do Ensino Médio. No período de provas, eles costumam se reunir para estudar e retomar os conteúdos das disciplinas. No segundo bimestre do ano letivo, optaram por dar início ao estudo da disciplina de língua portuguesa, porque ambos se identificam com o conteúdo e com as aulas da professora.Durante as aulas de língua portuguesa, sentem-se confortáveis, alegres e motivados para participar. Notam que a professora demonstra apreço pela profissão e carinho pelos estudantes. Joice, muito entusiasmada com a didática da professora, afirma: — As aulas da professora de português são incríveis! Eu consigo entender tudo, porque ela ensina o conteúdo a partir das experiências do nosso cotidiano. Ricardo complementa: — Concordo com você, Joice. Verdadeiramente, ela tem um “dom” inexplicável, nasceu para ser professora! As afirmações dos estudantes são positivas, pois a aula da professora de língua portuguesa é organizada e planejada. Suas estratégias de ensino variam de acordo com a complexidade dos conteúdos. Além disso, ela apresenta uma postura aberta ao diálogo com o grupo, ou seja, se preocupa em ouvir o que os estudantes têm a dizer. Durante as aulas, demonstra muito equilíbrio e “não fica nervosa com qualquer bobagem”, como os estudantes costumam dizer. Quando há problemas de indisciplina, ela provoca o grupo a refletir sobre o que é certo e errado, com o intuito de desenvolver a autonomia dos estudantes na tomada de decisões e resolução de problemas. Já em relação às aulas de matemática, os comentários dos estudantes são bem diferentes. Ao comparar a professora de língua portuguesa com o professor de matemática, os alunos consideram que as especificidades das disciplinas interferem na didática desses professores. Eles acreditam que a matemática é chata, complexa e difícil, e que por isso não existe meio de planejar uma aula atrativa, interessante e legal sobre o assunto. Ricardo, ao analisar a didática do professor de matemática, diz: — Por mais que o professor escreva as fórmulas na lousa, eu não consigo entender como ele chegou ao resultado. Joice, por sua vez, acrescenta: 10 — Também, quando perguntamos, ele não responde. Por mais que estejamos quietos, ele diz que para aprender basta prestar atenção! Observa-se que as queixas dos estudantes se concentram na didática do professor, que não explica o conteúdo de uma maneira compreensível, repetindo por diversas vezes a mesma estratégia – giz, lousa e aula expositiva. Joice considera ainda que o professor não tem domínio do conteúdo, por isso repete as mesmas explicações. Já Ricardo diz que o professor de matemática não tem o mesmo “dom” de ensinar da professora de língua portuguesa. Então, futuro professor, você concorda com as afirmações dos estudantes? Ensinar é um “dom” ou uma habilidade que se aprimora com o desenvolvimento profissional do docente? A natureza da área de conhecimento, por si só, pode decidir o dinamismo e a postura do professor em sala de aula ou essa é uma questão de didática, que pode ser decidida pelo profissional da educação? Para ensinar basta o domínio do conteúdo ou a didática é fundamental nesse processo? A aprendizagem se dá no silêncio, “prestando atenção”, ou a interação pode fomentar e enriquecer ainda mais a aquisição do conhecimento? Essas e outras problematizações serão aprofundadas nesta disciplina. Esperamos que você não só encontre respostas para os questionamentos propostos, mas que formule outros ainda mais complexos, para a construção do seu conhecimento didático-pedagógico. Mãos à obra, futuro professor, e bom estudo! 11 DIDÁTICA GERAL Unidade I 1 A DIDÁTICA E SEU CONTEXTO Para darmos início à nossa discussão, leia o diálogo a seguir, entre três estudantes: — O professor de que eu menos gostei foi o de química. Não conseguia entender nada do que ele explicava durante a aula. Sem didática alguma! — Já eu gostei do professor de física. Suas aulas foram bem diferentes. Um verdadeiro exemplo de didática! — Eu me identifiquei com o professor de matemática. Sua didática me fez gostar ainda mais da disciplina! Figura 1 – Diálogo entre estudantes sobre a didática dos professores Disponível em: https://www.openpeeps.com/. Acesso em: 2 fev. 2022. Certamente você já fez uso de afirmações semelhantes às anteriores para avaliar a prática de algum professor que fez parte da sua história de escolarização. Por outro lado, assim como no diálogo entre os adolescentes, você provavelmente recorreu ao termo “didática” a partir de uma concepção generalista, sem muita compreensão. Então, futuro professor, prepare-se! Ao lecionar, sua didática também será avaliada, seja por estudantes e/ou por companheiros de trabalho (professor, coordenador, diretor e supervisor). Ao concluir o curso de licenciatura, é imprescindível a superação do olhar do senso comum sobre o termo, para uma compreensão teórica consistente enquanto profissional da educação. 12 Unidade I Por isso vamos começar apresentando a definição da palavra didática; a construção do seu significado ao longo da história; algumas de suas especificidades e sua relação com as diversas áreas de conhecimento; e os elementos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Prepare-se para reconstruir o significado de didática em sua mente e ir além das ideias do senso comum. Observação Atente-se às palavras que aparecem com frequência no texto e àquelas cujo significado você não compreende muito bem, e faça um glossário pessoal com suas definições. Essa prática será importante para a ampliação do repertório e a apropriação dos conceitos da área. 1.1 Definição A afirmação de que a didática está atrelada ao ensino é indiscutível. Podemos considerá-lo até mesmo um dos conhecimentos prévios inerentes à compreensão da palavra. Mas, afinal, o que é didática? Quais são as suas especificidades? Qual a sua importância para a formação do professor? Observação Faça um registro das suas indagações pessoais a respeito da didática. Indagar, questionar e refletir são ações necessárias para a construção do conhecimento. Antolí (2001) justifica o estudo etimológico da palavra didática, pois considera que, embora a evolução do seu significado tenha sido considerável, é importante não perder de vista as suas origens, as raízes do termo. Para isso, fez um estudo cronológico sobre a introdução da didática nos dicionários de diferentes línguas. De acordo com Antolí (2001), a palavra didática apareceu pela primeira vez entre os anos de 1788 e 1792 no Diccionario castellano, correspondente a três línguas (francês, latim e italiano). O estudo evidencia que o termo provém do verbo grego didasko, que significa “ensinar, instruir, expor claramente, demonstrar”, referenciando ainda as palavras didaktikós, que significa “preparado para a docência”, e didaktiké, que se refere ao gerúndio do verbo ensinar, ou seja, “ensinando”. Posteriormente, no ano de 1869, a palavra didática foi introduzida no Diccionario de la lengua espanõla acompanhada dos termos derivados e dos seus respectivos significados da seguinte forma (ANTOLÍ, 2001, p. 81): 13 DIDÁTICA GERAL Didática, f. Arte de ensinar. Didaticamente, adv. m. De maneira didática ou própria de ensinar. Didático, c. adj. Pertencente ou relativo ao ensino; próprio, adequado para ensinar, instruir. De acordo com o Dicionário brasileiro de língua portuguesa Michaelis (2016), a palavra didática se refere a um substantivo feminino que compreende dois significados, sendo eles: • técnica ou arte de ensinar, de transmitir conhecimentos; • ramo ou seção específica da pedagogia que se concentra nos conteúdos do ensino e nos processos próprios para a construção do conhecimento; ciência e arte do ensino. A partir de um breve estudo etimológico, podemos concluir que a didática se refere, basicamente, à “arte de ensinar”. Contudo, será que os teóricos pesquisadores da área compartilham da mesma opinião? Quais são as definições que atribuem à didática? Passemos para a fundamentação teórica, uma vez que “toda prática humana tem seus pressupostos teóricos, e é somente através da explicação e da análise destes pressupostos que ela se torna inteligível e permite tomar consciência daquilo que fazemos” (SANTOS, 2008, p. 37). De acordo com Luckesi (2001,p. 30): [...] a didática, desde os tempos imemoriais dos gregos, significa um modo de facilitar o ensino e a aprendizagem de modos de conduta desejáveis. Lá, entre os nossos ancestrais históricos, a didática foi utilizada, especialmente, na transmissão de conteúdos morais desejáveis; aqui, entre nós, utilizamos a didática para a transmissão de conteúdos tanto morais como cognitivos [...]. Embora faça menção ao sentido clássico, Luckesi (2001) ressalta que a didática não pode ser reduzida a uma técnica mecânica. Para o autor, a didática só assumirá um papel significativo na formação do educador se estiver associada às concepções filosófico-políticas da educação, constituindo uma prática educativa reflexiva, consciente e crítica. Exemplo de aplicação O que vem a ser uma concepção filosófica da educação? E qual a sua importância para a didática? 14 Unidade I Figura 2 – A filosofia é uma ciência preocupada em chegar à sabedoria. Ela utiliza o posicionamento crítico por meio de questionamentos da realidade Fonte: SANZIO, R. Escola de Atenas. 1509-1510. Afresco, 500 × 700 cm. Palácio Apostólico, Roma. Segundo Lorieri e Rios (2004), a filosofia busca a compreensão, que diz respeito ao sentido, ao significado, ao valor. Ela se apresenta como uma maneira de pensar, a partir de um conteúdo próprio, os aspectos fundamentais da realidade e da existência humana. Os autores dizem que o pensamento filosófico pode ser expresso como forma de pensar reflexiva, crítica, profunda, metódica e abrangente, buscando contextualizar ou colocar em unidades referenciais significativas mais amplas os aspectos importantes e fundamentais da realidade e da existência humana. Por meio da reflexão sobre essas ideias, é importante imaginar o quão interligado isso está com a didática, uma vez que não refletir, questionar, analisar e tentar compreender com mais profundidade o ato de ensinar pode incorrer em um ativismo precipitado daquilo que se passa a fazer, sem compreender o que se faz e o que acontece. Vejamos alguns importantes questionamentos e análises decorrentes do caráter filosófico inserido na didática do professor: • O que significa ter uma boa didática? • Qual tipo de sujeito se pretende formar? • Qual é o papel da escola na sociedade? • Qual é o papel do professor, do estudante e do conteúdo no processo de ensino e aprendizagem? 15 DIDÁTICA GERAL Estes são apenas alguns dos questionamentos que a filosofia pode estimular no desenvolvimento de uma prática educativa reflexiva, consciente e crítica, conforme os estudos de Luckesi (2001). Reflita sobre as perguntas propostas e, filosofando, tente respondê-las com hipóteses que possam satisfazê-lo como professor. Exemplo de aplicação Imagine a constituição de um mundo ideal e se pergunte como seria possível a educação, enquanto fenômeno e processo social, ser capaz de construí-lo. Imagine e discuta com alguns colegas de curso ou pessoas que fazem parte do seu convívio quais qualidades as pessoas deveriam ter para que pudessem ser felizes e fazer um mundo melhor não apenas para elas, mas para todas as outras. Por último, reflita sobre a diferença entre uma postura crítica e, no extremo oposto, uma postura conformista e acomodada. Reflita sobre a diferença entre ser crítico e ser o que as pessoas chamariam de chato ou pessimista. Para Santos e Costa (2013, p. 2): Podemos considerar como marco fundamental em que a didática deixou de ser considerada tão somente instrumentalização técnica, componente da formação restrito a prescrição de regras do ensinar já nos fins do século XX com realização do Seminário “Didática em questão”, realizado em novembro de 1982. De forma semelhante, a partir de um posicionamento crítico, Pimenta (2000) propõe a ressignificação da didática, conforme podemos ler no trecho a seguir: Enquanto área da pedagogia, a didática tem no ensino seu objeto de investigação. Considerá-lo como uma prática educacional em situações historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva – nas aulas e demais situações de ensino das diferentes áreas de conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas, nas sociedades – estabelecendo nexos entre eles. As novas possibilidades da didática estão emergindo das investigações sobre o ensino enquanto prática social viva (PIMENTA, 2000, p. 53). A citação anterior revela-nos que o ensino, enquanto objeto de investigação da didática, não é um processo neutro; muito pelo contrário, é composto por variáveis que influenciam diretamente o fazer pedagógico do professor. É o caso, por exemplo, da didática específica, na qual a natureza de uma determinada área de conhecimento conduz o método de ensinar, e da didática geral, que se atém a situações de ensino e aprendizagem priorizando a ação do professor, independentemente do conteúdo. 16 Unidade I Observação Ao longo do texto você verá que a definição de didática não é única, esgotada. Trata-se de um termo complexo, que possui aspectos gerais relacionados à educação, no seu sentido mais amplo, assim como especificidades de cada área de conhecimento. Nesse processo de ressignificação, deparamo-nos com dois termos: a didática geral e a didática específica. De acordo com Libâneo (2008b), o desencontro entre ambas é recorrente no cenário da educação, uma vez que: Há anos professores formadores dos cursos de licenciatura afirmam que para ensinar química, história, matemática, basta saber o conteúdo dessas disciplinas, o resto é invenção dos pedagogos. Outros dizem que para aprender uma disciplina é suficiente pôr o aluno numa pesquisa ou colocá-lo num laboratório, supondo uma relação de identidade entre o processo de ensino e o processo de investigação. Do outro lado, há os professores de didática que reduzem as práticas de ensino ao planejamento, ao domínio de métodos e técnicas, às prescrições sobre a conduta do professor na classe, ou seja, para eles, a didática seria uma disciplina meramente normativa e prescritiva (LIBÂNEO, 2008b, p. 3). Exemplo de aplicação Desse modo, para revermos o conceito de didática específica e didática geral, cabe-nos a seguinte reflexão: para ensinar basta o domínio do conteúdo ou é necessário considerar as características individuais e sociais do estudante? Santos e Costa (2013) propõem a indissociabilidade, ou seja, a não separação entre a didática geral e a didática específica, pois para exercer a “arte de ensinar” é necessário que se tenha domínio daquilo que será ensinado, das características sociais, históricas, culturais, econômicas e políticas dos educandos, bem como dos caminhos e recursos metodológicos que se adéquam a todos esses fatores. Observação Atenção, futuro professor: a indissociabilidade das didáticas é a concepção adotada neste livro-texto, pois o processo de ensino não se limita ao domínio do conteúdo em detrimento dos procedimentos pedagógicos e vice-versa. 17 DIDÁTICA GERAL De acordo com Libâneo (2008b, p. 1): A busca de integração entre a didática e as didáticas específicas tem sido uma preocupação constante na investigação didática. Profissionais de um e outro campo raramente estão em sintonia em relação à interdependência dos conteúdos dessas disciplinas. Considerando a importância da integração entre as didáticas, destacamos os estudos do psicólogo e pedagogo americano Lee Shulman (1992). No que se refere aos aspectos mais gerais da formação docente, suas contribuições indicam a importância da tríade dos conhecimentos necessários à prática do professor, sendo ela formada por: • conhecimento do conteúdo; • conhecimento didático do conteúdo; • conhecimento curricular do conteúdo. Estes três conhecimentos estão intimamente imbricados na prática docente, conforme o esquema a seguir: Prática docente Conhecimento do conteúdo Conhecimento curricular Conhecimento didático Figura 3 – Conhecimentos necessários à prática docente de acordo com Lee Shulman (1992)Exemplo de aplicação Mas, afinal, qual a relação e quais as implicações do conhecimento do conteúdo, didático e curricular na didática do professor? 18 Unidade I O conhecimento do conteúdo está relacionado ao domínio dos conceitos e das propriedades do conteúdo a ser ensinado. Isso implica a compreensão da sua natureza, dos seus significados, do seu desenvolvimento histórico e das diferentes formas de entendê-lo e organizá-lo. Este conhecimento requer, portanto, o domínio do que será ensinado. Sobre o conhecimento didático do conteúdo, Shulman (1992) destaca as ações de ensinar e aprender como processos distintos, porém imbricados. Trata-se de como o conteúdo será ensinado, ou seja, como o professor irá torná-lo compreensível ao educando – a partir de quais estratégias, recursos e metodologias. Por fim, Shulman (1992) define o conhecimento curricular do conteúdo como a compreensão dos documentos curriculares, ou seja, para que o conteúdo será ensinado, quais são os seus diferentes usos, funções e relevância social. Além disso, este conhecimento também está atrelado à ação contínua de planejar e replanejar, processo inerente à prática docente – portanto, à didática do professor. A partir da compreensão da integração entre as didáticas, é notório que os estudos de Shulman (1992) são importantes, pois fornecem subsídios para refletir sobre a articulação entre o que ensinar, como ensinar e para que ensinar. Tais aspectos tornam-se ainda mais relevantes se os situarmos num determinado contexto: nosso processo de escolarização. Durante a aula, seja no Ensino Fundamental, Médio, Profissionalizante ou Superior, você já se pegou refletindo sobre alguma das ideias seguintes? • Não entendo por que o professor está ensinando um conteúdo que nunca vou utilizar no meu dia a dia. • Talvez se o professor ensinasse o conteúdo utilizando outros recursos, diferentes de giz e lousa, eu poderia compreender melhor. • Realmente os colegas dos anos anteriores comentaram que as aulas desse professor não mudam. Ele permanece com o mesmo planejamento há anos! Observe que, mesmo se colocando no papel de estudante, é possível identificar a importância da articulação entre os conhecimentos necessários à didática docente. Quando o professor é questionado sobre a praticidade, usos e funções de um determinado conteúdo, sobre a metodologia e recursos que utiliza durante a aula e sobre a vigência e efetividade do seu planejamento, é para esses conhecimentos que deve direcionar a sua reflexão: o que, como e para que está ensinando. Portanto, futuro professor, a crença de que o domínio do conteúdo é suficiente para ensinar ou de que uma abordagem didática generalista garante o processo de aprendizagem, na concepção aqui proposta, não se aplica. A ressignificação da didática requer a articulação entre ambos os conhecimentos. 19 DIDÁTICA GERAL Lembrete Para ensinar basta o domínio do conteúdo ou a didática é fundamental nesse processo? A didática exige do professor o conhecimento sobre o que, para que e como ensinar. Portanto, embora o domínio do conteúdo seja imprescindível, isolado, não é suficiente para garantir o processo de aprendizagem. Compreendidas as definições atuais sobre a didática, passamos para a sua análise histórica. Afinal, o conhecimento de hoje é fruto do passado e, por isso, reflexo para o amanhã. Para tanto, algumas indagações são necessárias. • Onde e quando surgiu a didática? • Quais são os precursores da didática ao longo da história? • Quais são as suas contribuições para o contexto atual? Figura 4 – Questionamentos e dúvidas sobre a didática Disponível em: https://bit.ly/3upSzYK. Acesso em: 2 fev. 2022. 1.2 Histórico A história da didática explica como foi configurando-se o aparecimento do ensino no decorrer do desenvolvimento da sociedade, como forma de atividade sistematizada, planejada, intencional e dedicada à instrução. 20 Unidade I Segundo Haydt (2002), desde a Antiguidade até por volta do século XIX, a didática escolar predominante era expositiva: o professor era o detentor do saber, enquanto o estudante era concebido como um sujeito passivo e receptivo. Aprender estava mais relacionado à memorização do que propriamente à compreensão. Esse modelo didático considerava o ser humano uma “massa de modelar” que o professor poderia moldar de acordo com os seus princípios éticos, morais, políticos e científicos. Desde a Grécia Antiga, com Aristóteles, essa concepção foi professada, sendo chamada de teoria da tábula rasa. A teoria da tábula rasa pode ser explicada pelos princípios do inglês John Locke (1632-1704). Para o filósofo, de acordo com o contexto científico da época, todas as pessoas nasciam sem saber absolutamente nada, sem nenhum conhecimento, como se fossem uma “folha em branco”, uma “tábula rasa”. Para Locke, o processo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e social do sujeito estava associado às suas experiências de vida. Desse modo, a “folha em branco” (no caso, o estudante) só poderia ser preenchida ao longo da sua história de vida (CHAPPELL, 2011). Figura 5 – Filósofo John Locke Fonte: KNELLER, G. Retrato de John Locke. 1697. Óleo sobre tela, 76 × 64 cm. Hermitage Museum, Rússia. Diante das primeiras manifestações sobre a didática, não podemos deixar de citar a contribuição do filósofo Sócrates (século V a.C.). Para ele, o saber não era algo que alguém de fora (mestre) pudesse transmitir; era uma descoberta da própria pessoa. A função do mestre, segundo Sócrates (apud HAYDT, 2002), era apenas ajudar o discípulo a descobrir, por si mesmo, a verdade. O filósofo, inclusive, comparava sua profissão à de sua mãe, que era parteira, dizendo que ela não dava a luz às crianças, mas sim que as ajudava nascer, como ele fazia com seus discípulos em relação ao conhecimento. 21 DIDÁTICA GERAL Seu método chamava-se ironia e funcionava em duas etapas: • A primeira, chamada refutação, era o momento em que ele levantava objeções sobre as opiniões manifestadas pelos discípulos, até quando estes admitissem sua própria ignorância e se dissessem incapazes de definir o que anteriormente haviam dito conhecer tão bem. • A segunda, chamada maiêutica, era o momento em que o discípulo admitia que nada sabia e, partindo do conhecido para o desconhecido, do mais fácil para o mais difícil, Sócrates conduzia, por meio de perguntas, um diálogo capaz de induzir a descoberta do conhecimento pelo interlocutor. Conta-se que ele foi capaz de fazer com que um escravo descobrisse noções de geometria utilizando esse método. Ele afirmava que os mestres deveriam ter paciência com os erros e as dúvidas de seus discípulos, pois eram o ponto de partida para que pudessem progredir. Observação Apesar de antigo, o método socrático não é ultrapassado; pelo contrário, apresenta algumas contribuições imprescindíveis para o nosso contexto atual. Por exemplo: considerar as manifestações e os erros dos estudantes, bem como o diálogo com o professor. Figura 6 – Sócrates. Até hoje, muitos professores utilizam algumas partes de seu método didático Fonte: MONSIAU, N.-A. O debate de Sócrates e Aspásia. 1801. Óleo sobre tela, 65 × 81 cm. Pushkin Museum of Fine Arts, Rússia. 22 Unidade I Exemplo de aplicação Considerando as contribuições de Sócrates, reflita: • No processo de ensino, é importante dar voz ao estudante? Por quê? • Qual a importância do diálogo entre professor e aluno? • Como esta abordagem influencia a didática de ensino? Estas questões serão abordadas e respondidas no decorrer de nosso livro-texto. Quase dois mil anos depois de Sócrates, nascia o pai da didática. João Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante que escreveu a primeira obra clássica sobre didática: a Didactica magna. Segundo Libâneo (1990), Comênio foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão dos conhecimentos e a criar princípios e regras de ensino. Ele desempenhou um papel importante não apenas porque desenvolveumétodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque queria que todos usufruíssem dos benefícios do conhecimento. O sistema de produção capitalista já influenciava a organização da vida social, política e cultural da época de Comênio. Sua didática, com ideias avançadas, que se contrapunham às ideias conservadoras da nobreza e do clero, pautava-se nos seguintes princípios: • A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, por natureza, são parte dos desígnios de Deus. Assim, a educação é um direito natural de todos. • Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com seu desenvolvimento natural, dentro de suas capacidades de conhecimento. Portanto, a tarefa principal da didática é estudar tais características e os métodos de ensino coerentes com elas. • A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente. Por isso, o ensino tem um papel decisivo na percepção sensorial das coisas. O conhecimento deve ser adquirido a partir da observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. • O método intuitivo consiste numa observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. 23 DIDÁTICA GERAL Observação No momento histórico vivido por Comênio, havia uma influência religiosa na construção do conhecimento científico, por isso as suas explicações também eram pautadas na religião. Para Comênio, o planejamento de ensino deveria obedecer ao percurso da natureza infantil; por isso, acreditava que os conteúdos deveriam ser ensinados paulatinamente, um de cada vez, partindo do conhecido para o desconhecido. Apesar da grande novidade dessas ideias naquela época, Comênio não escapou de algumas crenças comuns sobre o ensino. Mesmo partindo da observação e da experiência sensorial, manteve o caráter de transmissão do ensino e, ainda que tenha tentado adaptá-lo às fases de desenvolvimento infantil, o método funcionava de forma única com todos os estudantes. Contudo, Comênio teve um papel importantíssimo, não apenas porque se empenhou em desenvolver métodos de instrução mais eficientes e rápidos, mas porque concedia igual importância a todos os estudantes. Ainda assim, mesmo com as excelentes contribuições de Comênio, naquele momento histórico continuava-se a utilizar os métodos da Idade Média, com ensino intelectualista, verbalista e dogmático, de memorização e repetição mecânica, em que as ideias dos estudantes não eram levadas em consideração. Observação Os pressupostos do Pai da Didática atendem, de certo modo, as tendências atuais pelo fato de respeitarem as diferentes fases do desenvolvimento humano e por atribuírem ao professor a responsabilidade do ensino, já que, para o filósofo, a aprendizagem não se dá de maneira natural, instantânea. Foi um momento histórico de transição dos modos de produção antigos (com o clero e a nobreza dominando) para o modo de produção capitalista. Esse fato pedia uma importante mudança para a valorização do desenvolvimento livre das capacidades e dos interesses individuais. O filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), interpretando bem essas aspirações, propôs uma nova concepção de ensino, com base nas necessidades e nos interesses imediatos dos estudantes. As ideias mais importantes de Rousseau, segundo Libâneo (1990), foram: 24 Unidade I • Os interesses e as necessidades do estudante determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento. O gosto pelo estudo precisa ser despertado, e nada melhor do que a natureza, a experiência e o sentimento para essa conquista. • A educação é um processo natural que se fundamenta no desenvolvimento interior do sujeito. As crianças são boas por natureza, têm uma tendência natural para se desenvolver. Rousseau não elaborou propriamente uma teoria de ensino, nem colocou nada em prática. Quem deu continuidade a essas primeiras influências foi outro pedagogo suíço, Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que trabalhou durante toda a vida com a educação de crianças pobres em suas instituições. Ele atribuiu grande importância ao ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades do ser humano, pelo cultivo do sentimento, da mente e do caráter. Pestalozzi, ao valorizar o método intuitivo, levou muitos educandos a desenvolver o senso de observação, a análise dos objetos, os fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem, aquela capaz de expressar em palavras o resultado das observações. Era uma educação intelectual que enfatizava fortemente a psicologia da criança como base da compreensão do desenvolvimento infantil. As ideias dos gregos antigos, de Comênio, de Rousseau e de Pestalozzi influenciaram outros pedagogos. Podemos dizer que até hoje se encontram traços característicos dessas teorias, mesmo que não de forma intencional, nas práticas de alguns professores. Depois desses pensadores, o pedagogo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) foi um dos que mais influenciaram a formação de uma corrente conservadora da educação. Ele deixou muitos discípulos e ideias que precisam de uma atenção especial, já que tiveram presença constante na história da educação brasileira. Herbart teorizou sobre os fins da educação e da pedagogia como ciência, além de desenvolver uma análise do processo psicológico-didático de aquisição do conhecimento sob a direção do professor. Para ele, a moralidade é o princípio maior da educação, que deve ser atingido mediante a prática educativa. Ao homem, a instrução deve fazê-lo querer o bem, de modo que aprenda a comandar a si próprio. O professor auxilia nesse processo introduzindo ideias corretas na mente do estudante, como um arquiteto da mente, trazendo a sua atenção para as ideias desejadas, controlando seus interesses. O método consiste em provocar uma espécie de acumulação de ideias na mente do sujeito. Herbart buscou também a formulação de um método de ensino único, em conformidade com as leis psicológicas do conhecimento. Ele estabeleceu quatro passos didáticos que deveriam ser rigorosamente seguidos: • apresentação e preparação da nova matéria de forma clara, o que ele denominou clareza; • associação entre o conhecimento antigo e o novo; • sistematização dos conhecimentos, visando à generalização para outras áreas; • aplicação dos conhecimentos aprendidos, o que ele denominou método. 25 DIDÁTICA GERAL Exemplo de aplicação Releia com atenção as etapas do método de ensino proposto por Herbart e reflita: pensando na sua formação enquanto estudante, porventura você já participou de alguma aula cuja estrutura tenha sido semelhante à que ele descreveu? Seus discípulos aperfeiçoaram essa proposta e desenvolveram uma versão com cinco passos: • preparação; • apresentação; • assimilação; • generalização; • aplicação. O sistema pedagógico herbartiano trouxe contribuições válidas para a organização da prática docente. Por exemplo: a necessidade de estruturar e ordenar o processo de ensino, a exigência de compreensão dos assuntos estudados, e não apenas memorização, e o significado educativo da disciplina na formação do caráter. Contudo, o ensino era entendido como uma transferência de conhecimentos da mente do professor para a do estudante, com a necessidade de reprodução das ideias do professor pelo aprendiz. Com isso tivemos, durante um longo período histórico, uma aprendizagem mecânica, que não proporcionava nada além da memorização e reprodução dos conteúdos sem reflexão. Exemplo de aplicação Para sistematizar os conhecimentos sobre a história da didática, você pode situar os filósofos e as suas principais contribuições numa linha do tempo, em ordem cronológica. É uma maneira interessante de resgatar os conteúdos. 1.3 Especificidades Se retomarmos os itens anteriores deste livro-texto, veremos que três conceitos aparecem com frequência, pois são inerentes àdidática. São eles: educação, pedagogia e processo de ensino e aprendizagem. Esses conceitos acompanham a trajetória daqueles que trabalham na área educacional. Além disso, existe a influência de um sobre os outros, determinando a forma como o professor irá conceber o seu papel e, consequentemente, como desenvolverá sua prática. 26 Unidade I O trabalho nas escolas requer dos profissionais da educação o domínio de conceitos básicos, uma vez que influenciam significativamente a postura didático-pedagógica do professor, bem como o desenvolvimento de uma prática coerente com as novas tendências educacionais. Portanto, essa discussão contribui para que você, futuro professor, passe a refletir e olhar de maneira mais questionadora para o termo didática. Primeiro abordaremos os aspectos gerais referentes à educação, como, por exemplo, a influência das tendências didático-pedagógicas na prática do professor. Depois discutiremos melhor a pedagogia e o processo de ensino e aprendizagem. Figura 7 – O professor precisa dominar uma série de conceitos para construir sua didática Disponível em: https://bit.ly/3sw0fX1. Acesso em: 10 fev. 2022. 27 DIDÁTICA GERAL 2 EDUCAÇÃO Diariamente convivemos com o uso social da palavra educação. Algumas frases, inclusive, aparecem com frequência na fala de muitos professores: • Educação vem de berço. • Que falta de educação dessa pessoa! • A educação ficou em casa? • Você não tem educação?! Exemplo de aplicação Para você, o que significa educação? É algo que se restringe à família ou a escola também é responsável pela educação do sujeito? Aprecie o texto de Brandão (1989), que propõe uma reflexão muito interessante e crítica acerca do conceito de educação. Educação? Educações: aprender com o índio Figura 8 – Aprender com o índio Disponível em: https://bit.ly/3Jgnvir. Acesso em: 10 fev. 2022. 28 Unidade I “Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é a coragem minha. Buriti quer todo o azul, e não se aparta de sua água – carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende” (João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas). Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações. E já que pelo menos por isso sempre achamos que temos alguma coisa a dizer sobre a educação que nos invade a vida, por que não começar a pensar sobre ela com o que os índios uma vez escreveram? Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns anos mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa: “Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.” De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas das questões entre as mais importantes estão escritas nessa carta de índios. Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante. Em mundos diversos, a educação existe diferente: em pequenas sociedades tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado, com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas. 29 DIDÁTICA GERAL Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo, ou entre povos que se encontram. Existe entre povos que submetem e dominam outros povos, usando a educação como um recurso a mais de sua dominância. Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender; primeiro sem classes de alunos, sem livros e sem professores especialistas; mais adiante, com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos. A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos. A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a explicar – às vezes a ocultar, às vezes a inculcar – de geração em geração, a necessidade da existência de sua ordem. Por isso mesmo – e os índios sabiam – a educação do colonizador, que contém o saber de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio, na verdade não serve para ser a educação do colonizado. Não serve e existe contra uma educação que ele, não obstante dominado, também possui como um dos seus recursos, em seu mundo, dentro de sua cultura. Assim, quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um dos meios de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é a sua força. No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar servindo a quem o constituiu professor, a fim deusá-lo, e ao seu trabalho, para os usos escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas e nas ideias que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza. 30 Unidade I Aqui e ali será preciso voltar a estas ideias, e elas podem ser como que um roteiro daqui para a frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se tem de uns e outros: “[...] e deles faremos homens”. Mas, na prática, a mesma educação que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz, ou do que inventa que pode fazer: “[...] eles eram, portanto, totalmente inúteis”. Adaptado de: Brandão (1989). É impossível falar sobre educação sem citar o texto de Brandão (1989), que, de maneira reflexiva e bem-humorada, discute seu significado. Como vimos no texto, a educação confunde-se com a cultura e a ela serve, pois tem sua formação com base em pessoas que se revestem de costumes, uma moral, uma ética, comportamentos estabelecidos que são úteis em cada região e/ou grupo particular. Segundo Libâneo (1990), em sentido amplo, a educação se dá simplesmente pelo fato de o sujeito existir socialmente, uma vez que, ao conviver com a sociedade, ele aprende e ensina, formando-a junto a outros membros dessa mesma sociedade. Ela ocorre em todos os campos, como na organização econômica, política, religiosa, dos costumes etc. Já em sentido estrito, ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com a finalidade clara de instrução e ensino, de maneira organizada e planejada. A educação, portanto, além de estar em tudo e ser presente em todos os momentos da vida de cada um de nós, forma a personalidade do sujeito social, uma vez que envolve o exercício de diferentes atividades na sociedade em que vive (profissional, econômica, pessoal etc.). Ela ocorre de maneira intencional e sistemática nas escolas e organizações como educação formal, que tem por fim explícito o ensino e a instrução (sentido estrito); e de maneira não intencional em todos os lugares como educação informal (sentido amplo). Desse modo, dizemos que a educação é, portanto, um fenômeno social, pois está em tudo o que a sociedade abrange. É um processo social também, uma vez que é determinada por sua época e seu contexto histórico. Sendo assim, podemos dizer que a educação se transforma de acordo com as circunstâncias sociais e temporais. Lembrete Educação formal: intencional e sistemática. Ocorre nas escolas. Educação informal: ocorre de maneira não intencional e assistemática em todos os lugares. 31 DIDÁTICA GERAL Figura 9 – A educação, em sentido amplo, confunde-se com a cultura Disponível em: https://bit.ly/3oHDKNr. Acesso em: 11 fev. 2022. O trabalho docente é parte integrante do processo educativo mais global pelo qual os membros da sociedade são preparados para a participação na vida social. A educação – ou seja, a prática educativa – é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e ao funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A prática educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-los em função de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade (LIBÂNEO, 1990, p. 16-17). Podemos afirmar que as considerações de Brandão (1989) e de Libâneo (1990) são coerentes com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/96, que, no art. 1º, adverte que: 32 Unidade I A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996). Por isso, a frase “educação vem de casa” precisa ser revista, pois ela restringe o processo ao meio familiar. E qual seria o papel da escola, que é responsável pela educação formal? Ela necessita ser revista também no sentido de que os estudantes chegam ao ambiente escolar com conhecimentos prévios, pois a educação promovida por outros ambientes, família e comunidade, por exemplo, também proporcionam a ampliação e aquisição de novos conhecimentos, claro que não de maneira sistematizada como na escola, conforme ressaltamos anteriormente. Então, afinal, qual a relação entre a educação e a didática? A educação enquanto produto cultural é um objeto histórico e inconcluso. Portanto, está em constante transformação. Para ensinar é preciso compreender seu movimento, suas manifestações, significados, usos e finalidades. Seria muito incoerente, por exemplo, em pleno século XXI, o professor recorrer a uma didática obsoleta, que não dialogue com a contemporaneidade dos estudantes, ou até mesmo utilizar uma ferramenta tecnológica sem rever, atualizar e adequar a sua didática de ensino. Afinal, a educação acompanha as transformações sociais em seus diferentes âmbitos. Desse modo, se faz necessário compreender a importância da sociologia para os estudos em educação. 2.1 A importância da sociologia da educação A política, a cultura, os costumes e a economia provêm de uma organização social, e a sociologia como ciência busca encontrar uma compreensão mais profunda sobre como tudo isso acontece, como se manifesta e quais são as consequências. Vejamos o que diz Libâneo (1990, p. 26) sobre a sociologia da educação: A sociologia da educação estuda a educação como processo social e ajuda os professores a reconhecerem as relações entre o trabalho docente e a sociedade. Ensina a ver a realidade social no seu movimento, a partir da dependência mútua entre seus elementos constitutivos, para determinar os nexos constitutivos da realidade educacional. A partir disso, estuda a escola como “fenômeno sociológico”, isto é, uma organização social que tem a estrutura interna de funcionamento interligada ao mesmo tempo com outras organizações sociais (conselho de pais, associações de bairros, sindicatos, partidos políticos etc.). A própria sala de aula é um ambiente social que forma, junto com a escola como um todo, o ambiente global da atividade docente organizado para cumprir os objetivos de ensino. 33 DIDÁTICA GERAL A sociologia da educação, portanto, preocupa-se mais especificamente com como as pessoas se organizam coletiva e socialmente e como a educação se envolve com esse fator. Para tanto, se faz necessário desenvolver um olhar crítico sobre as mais diversas relações que acontecem na sociedade, tais quais: educação, trabalho, política, religião etc. Esses conceitos são importantes para ultrapassar o senso comum e se aproximar da ciência, uma vez que, durante muito tempo, a educação esteve vinculada a interesses ideológicos de uma minoria pertencente às elites da sociedade. Pela influência de grandes teorias sociológicas, temos noção de que a busca de uma sociedade democrática, que defenda os interesses de toda a população e não apenas de parte dela, faz-se imprescindível, principalmente no que se refere à garantia dos diretos humanos, como o acesso, a permanência e a conclusão nos níveis de ensino da Educação Básica. Segundo Libâneo (1990), a educação é socialmente determinada, pois os fins e as exigências sociais, políticas e ideológicas guiam todo o processo de funcionamento da sociedade, estabelecendo valores, normase particularidades da estrutura social à qual a educação está subordinada. Desde o início da espécie humana, os homens vivem em grupos e a vida de um está sempre vinculada às vidas de outros e delas depende. Por exemplo, a organização atual, no Brasil, funciona com a existência de um Estado que governa, e dele depende todo o futuro da nação. As ações do governo provocam um efeito cascata, influenciando o preço dos alimentos, o aumento ou a diminuição dos impostos, a oferta de empregos, a qualidade de vida das pessoas, a criminalidade etc. Essa forma de organização, a divisão em classes sociais e o capitalismo, que hoje rege praticamente o mundo todo, vão configurando as relações socioculturais dos homens. Libâneo (1990) explica que, desde quando passaram a viver socialmente, os homens começaram a travar relações de reciprocidade diante da necessidade de organizar seu trabalho em conjunto e garantir a sobrevivência. Essas relações se transformaram, criando novas necessidades e novas maneiras de organizar o trabalho, conforme sexo, idade e ocupações, de maneira que existisse uma distribuição das atividades entre todos os envolvidos nesse processo. O tempo e os interesses de uma parte da população se encarregaram de manifestar as relações de desigualdade econômica e de classe. Para os primitivos, as relações davam igual aproveitamento do trabalho em comum. Contudo, nos momentos seguintes da história da sociedade, cada vez mais aumentavam a distribuição desigual do trabalho e o aproveitamento que se tirava dele. 34 Unidade I Figura 10 – O trabalho, a divisão de classes e o sistema capitalista refletem diretamente em como se configura a escolarização Disponível em: https://bit.ly/3gGuZz2. Acesso em: 11 fev. 2022. A divisão do trabalho fazia com que os indivíduos se rotulassem em sua ocupação da atividade produtiva. Vejamos as etapas descritas por Libâneo (1990, p. 19): — Sociedade escravista: os meios de trabalho e o próprio trabalhador (escravo) eram propriedade dos donos da terra. — Sociedade feudal: os servos trabalhavam gratuitamente para os donos da terra ou lhes pagavam tributos. — Sociedade capitalista: existe uma divisão entre os proprietários privados dos meios de produção (empresas, máquinas, bancos, instrumentos de trabalho etc.) e os que vendem sua força de trabalho para seu próprio sustento, vivendo de um salário. Assim se configurou a história da organização do trabalho até a formação atual da sociedade capitalista, fortemente marcada pela divisão de classes, em que capitalistas e trabalhadores ocupam lugares opostos e antagônicos no processo produtivo. Os proprietários tiram seus lucros da exploração da classe trabalhadora – a maioria da população –, que é obrigada a se submeter às condições impostas pelos proprietários para a sobrevivência; mas o salário mal chega a cobrir as necessidades básicas. 35 DIDÁTICA GERAL Observação E o que isso tem a ver com a educação? Tudo, uma vez que a alienação econômica dos meios e dos produtos do trabalho, que é ao mesmo tempo uma alienação intelectual, determina a desigualdade social, definindo não apenas as condições materiais de vida e de trabalho dos indivíduos, mas também o acesso à cultura e à educação. O poder alcançado pelo detentor do capital influencia toda forma de fomento à manutenção desse sistema, fazendo com que todos os agentes da vida social reproduzam esse modelo de vida. A ausência de outra maneira de organização social provoca no capitalismo tudo o que este precisa para se manter. O desemprego, por exemplo, é um excelente mecanismo para fazer com que o trabalhador implore por um emprego, vendendo sua força de trabalho por qualquer compensação financeira. Historicamente, em especial no final do século XIX e no início do século XX, principalmente no continente europeu, foi notória a divisão entre as escolas dos ricos, onde os professores ensinavam os alunos a pensar, a serem críticos e criativos, para continuar detendo os meios de acumulação de capital, e as escolas dos menos favorecidos, que focavam no trabalho manual como maneira de formar para o trabalho e para a exploração, a fim de que os alunos não pensassem nem questionassem, para não colocar em risco o esquema da elite. Figura 11 – A ideologia dominante faz com que acreditemos que as condições são as mesmas para todos e que somente não prospera quem não se esforça Disponível em: https://bit.ly/3HJDogN. Acesso em: 11 fev. 2022. 36 Unidade I Libâneo (1990, p. 19) destaca as ideias, os valores e as práticas apresentados pela minoria dominante como se fossem representativos dos interesses de todas as classes sociais, o que se conhece pelo nome de ideologia. Ele cita alguns discursos como exemplo da verdade que a minoria dominante quer incutir nos trabalhadores (LIBÂNEO, 1990, p. 19): — O Estado faz a sua parte, as pessoas é que não se esforçam! — Vivemos numa sociedade democrática que dá oportunidades iguais a todos. Se a pessoa não tem um bom emprego ou não consegue estudar, é porque tem limitações individuais. — Os estudantes reprovam porque não se esforçam. Tudo na vida depende do esforço pessoal. As frases mostram ideias e valores que não são reais, mensagens subliminares que expressam a seguinte lógica: o governo, por não cumprir plenamente o seu papel de Estado provedor, atribui ao sujeito a culpa pela sua condição, ou seja, pertencer a uma determinada classe social é uma incompetência individual. Você, futuro professor, certamente deve estar se perguntando: qual a relação das considerações da sociologia da educação com a didática? Se considerarmos o paradigma atual da didática, que requer do professor uma conduta crítica e reflexiva, é incoerente adotar uma postura ingênua, assumindo crenças, valores e concepções equivocadas da sociedade, do próprio papel da escola e dos estudantes no cenário social. Observação A educação não é neutra. O professor tem um papel político-pedagógico, que é transmitido, mesmo que de forma inconsciente, a partir da sua prática docente. Portanto, a ingenuidade, o preconceito e a generalização das frases apresentadas na citação anterior não dialogam com as expectativas contemporâneas acerca da prática do professor. Lembrete É preciso atentar-se ao fato de que é dentro desse contexto social que a escola se insere. No trabalho do professor, estão presentes interesses diversos (sociais, políticos, econômicos e culturais), que precisam ser bem compreendidos. É importante lembrar que esses interesses não são imutáveis. As relações sociais são dinâmicas e passíveis de transformações pelos indivíduos pertencentes à sociedade. 37 DIDÁTICA GERAL Imaginar como seria uma pessoa ideal é um importante exercício para que possamos organizar didaticamente as ações necessárias para chegar a essa pessoa. Talvez traçar qualidades, comportamentos, características que possam ser valorizadas pela sociedade e sejam capazes de municiar suficientemente o sujeito que delas precisar para trabalhar, viver socialmente, ser feliz e produzir cultura. Exemplo de aplicação Mas e a sociedade, como funciona? De qual maneira devemos enxergá-la como educadores: reproduzindo tudo o que já se fez até hoje ou transformando o mundo em algo diferente? A sociologia aplicada à educação pode contribuir para tentar responder a essas questões, assim como enxergar possibilidades educativas em uma perspectiva mais interessante para o professor, para os estudantes e para a própria sociedade. Por esse motivo, o reconhecimento do papel político do docente envolve a luta pela modificação dessas relações de poder. Para quem lida com a educação, tendo em vista a formação de um ser humano, é imprescindível que desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais implicadas em cada acontecimento, em cada situação da vida real e da sua profissão, em cada área de conhecimento que ensina e em seu próprio discurso, nos meios de comunicação de massa, nas relações das pessoas cotidianamentee no trabalho. Conforme Libâneo (1990, p. 22): O campo específico de atuação profissional e política do professor é a escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sólido domínio de conhecimentos e habilidades, o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de pensamento independente, crítico e criativo. Tais tarefas representam uma significativa contribuição para a transformação de cidadãos ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas lutas pela transformação social. Podemos dizer que, quanto mais a minoria dominante refina os meios de difusão da ideologia burguesa, tanto mais a educação escolar adquire importância, principalmente para as classes trabalhadoras. Preparar crianças e jovens para a participação ativa na vida social é o objetivo mais imediato da escola. 38 Unidade I Figura 12 – O conhecimento contribui para a ascensão social do sujeito Disponível em: https://bit.ly/33d9Hpo. Acesso em: 11 fev. 2022. Libâneo (1990) diz que a escolarização básica constitui um instrumento indispensável para a construção de uma sociedade mais democrática. Precisamos dar a todos uma formação que permita o domínio de conhecimentos culturalmente acumulados e um entendimento crítico da realidade. O professor deverá utilizar o estudo das disciplinas escolares e o domínio dos métodos pelos quais desenvolve suas capacidades de conhecimento e habilidades para elaborar independentemente os conhecimentos, a fim de que os estudantes possam expressar de forma elaborada os conhecimentos que correspondem aos interesses majoritários da sociedade e inserir-se ativamente nas lutas sociais para sua transformação. Para a garantia de uma escolarização capaz de lutar pela democratização da sociedade, segundo Libâneo (1990), é necessária a atuação em duas frentes: política e pedagógica. A política tem caráter pedagógico, pois visa formar para a sociedade e para o envolvimento dos educadores nos movimentos sociais e sindicais, nas lutas organizadas em defesa da escola unitária, democrática e gratuita; a pedagógica tem caráter político, pois busca representar interesses estratégicos de toda uma população, e não apenas da elite. A escola deve ser unitária, porque tem que garantir, indiscriminadamente, uma base comum de conhecimentos sólidos e consistentes a toda a população nacional, de um saber sistematizado que dê condições de uma compreensão mais ampla por parte do aluno, a fim de formá-lo criticamente em função dos interesses da população majoritária, sem discriminar por classe, cor de pele, poder aquisitivo, gênero etc. 39 DIDÁTICA GERAL A escola, pública principalmente, deve ser democrática, ou seja, todos devem ter acesso a ela. Além disso, deve garantir a permanência dos estudantes, no mínimo, até o final da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e oferecer um ensino de qualidade, que leve em conta as características específicas daqueles que a frequentam. Deve ser democrática inclusive nos mecanismos de gestão interna: todos devem estar envolvidos e buscar participar do poder que decide os rumos que a instituição de ensino deve tomar. Saiba mais A gratuidade da escola pública é garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/96, no art. 4º. Consulte o texto da lei: BRASIL. Lei n. 9.394, de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: https://bit.ly/3JrYG39. Acesso em: 15 fev. 2022. Para finalizar este tópico do nosso percurso de estudos, é importante ressaltar que deve haver um compromisso social e ético por parte dos professores, que nada mais é do que seu permanente empenho na instrução e na educação dos alunos, dirigindo o ensino e as atividades de estudo de modo que estes dominem os conhecimentos básicos e as habilidades e desenvolvam suas forças, capacidades físicas e intelectuais, tendo em vista equipá-los para enfrentar os desafios da vida prática no trabalho e nas lutas sociais pela democratização da sociedade. 3 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS LIBERAIS Até aqui, ampliamos nossos conhecimentos pedagógicos acerca da definição e dos aspectos históricos relacionados à didática. Agora serão apresentadas as tendências didático-pedagógicas que circundam o contexto escolar, principalmente a prática do professor. Exemplo de aplicação Para ter uma postura mais crítica, ao realizar a leitura deste livro-texto, procure refletir acerca das seguintes questões: • Qual é a importância de conhecer as diferentes tendências didático-pedagógicas? • Como essas tendências podem influenciar a didática do professor? • Você concorda com qual tendência didático-pedagógica? Por quê? 40 Unidade I Segundo Libâneo (1985), verificam-se três tipos de tendências que interpretam o papel da educação na sociedade: • educação como redenção; • educação como reprodução; • educação como transformação da sociedade. Saviani (2003) chama de teorias não críticas o que Libâneo (1985) denomina tendências liberais de educação ou educação como redenção. Todos esses termos convergem para a crença ingênua de que a educação seria, por si só, suficiente como fator de ascensão social, sem que fosse necessário adentrarmos nas questões sociopolíticas que a determinam. Esse tipo de reflexão indica a ausência de uma criticidade sociológica e encontra fatores de perpetuação da desigualdade ou determinantes de uma herança social que coloca a escola como reprodutora de uma sociedade injusta e antidemocrática. Essas teorias pretendem trabalhar com propostas práticas, as quais julgam como suficientemente capazes de tirar o sujeito de sua condição de desigualdade; entretanto, o fazem sem que haja uma atenção a todo o contexto social, o que se configura numa falta de criticidade, ou numa ingenuidade total. São chamadas de liberais pois, ao defenderem a predominância da “liberdade” e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceram uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma forma de manifestação desse tipo de sociedade, que acaba por ser uma forma de justificação do sistema capitalista. Figura 13 – Pedagogia liberal: meio de reprodução do sistema capitalista Disponível em: https://bit.ly/3Bnd9dW. Acesso em: 11 fev. 2022. 41 DIDÁTICA GERAL Saviani (2003) denomina teorias crítico-reprodutivistas o que Libâneo (1985) chamou de educação como reprodução. Elas são assim intituladas porque não apresentam uma proposta prática; apenas se limitam a criticar sociologicamente toda a formação da reprodução social de classes, a ausência de uma democracia. Defendem que a escola reproduz a desigualdade fora dela, mas não fazem nada para combater essa forma de desigualdade. Diferente das tendências não críticas, que não concebiam a educação como capaz de promover a mudança social, combatendo o fenômeno da marginalidade, o que sabemos ser ingenuidade, as teorias crítico-reprodutivistas são, como diz seu nome, “críticas”; mas se limitam a criticar e nada fazer de concreto, não produzem nenhuma proposta de trabalho didático-pedagógico. Por último, há o que Saviani (2003) chamou de teorias críticas da educação, e Libâneo (1985) de educação como transformação da sociedade ou teorias progressistas. Estas, como uma espécie de junção das duas primeiras, são: • críticas, como as crítico-reprodutivistas, por acreditarem nos determinantes sociais a que a escola se submete, como fatores de reprodução da desigualdade existente na sociedade atual, e na falta de uma democracia real e batalhadora de condições mais justas e igualitárias de vida; • práticas, como as liberais, por apresentarem uma forma de trabalho pedagógico que visa atuar dentro das escolas, mas não de forma ingênua, como as liberais, e sim procurando conseguir uma transformação da sociedade em algo mais justo e democrático, combatendo a reprodução da desigualdade
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