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PADRÕES BRASILEIROS
Até a segunda metade do século XIX, os modelos de tensão e frequência existentes no Brasil ora seguiam as referências europeias, ora as americanas, em virtude do custo, local ou procedência dos equipamentos fornecidos. Essa diversidade só deixou de existir a partir da década de 1960, quando as medidas foram uniformizadas por meio de leis e decretos. Conheça esse processo.
Em geral, padrões são definidos por aqueles que regulam um determinado setor a partir, principalmente, da utilização de produtos ou serviços pelos consumidores finais. Sua definição depende dos interesses envolvidos neste processo; do período histórico em que tal fato acontece; do impacto que esta definição deve ter; e do custo da criação de um padrão, que unifica e uniformiza produtos, conceitos e mentalidades. Criar um padrão passa não só pelo estabelecimento de normas e modelos para a indústria seguir, mas, sobretudo, por uma mudança de mentalidade da população, técnica ou leiga, para se adequar às alterações.
Quando as primeiras e pequenas usinas de geração de energia elétrica se instalaram no Brasil, na segunda metade do século XIX, não havia padrões nacionais, fosse para frequência, tensão ou tipo de corrente adotada. Os modelos, inclusive, demoraram muitos anos até que fossem estabelecidos e, mais importante, seguidos. Porque, cabe lembrar aqui, que, no Brasil, há leis e decretos que “pegam”, quando são seguidos e cumpridos como a legislação determina, e outros que “não pegam”, quando a população continua a viver como se aquelas leis não existissem.
Até que esse hiato entre a elaboração de uma legislação que regulamentasse e estabelecesse padrões de funcionamento no País e o efetivo cumprimento, o setor elétrico brasileiro se desenvolveu e consolidou. Da criação da primeira hidrelétrica brasileira, a usina de Ribeirão do Inferno, na cidade de Diamantina, em Minas Gerais, no ano de 1883, até a década de 1970, quando efetivamente os padrões se tornaram modelos institucionalizados, muito aconteceu. Até as décadas de 1960 e 1970, a utilização de determinada frequência elétrica, por exemplo, era definida pelas máquinas usadas em cada empreendimento e não por um padrão nacional. 
Cada interessado adotava o utilizado pelos países que vendiam os equipamentos. Assim, foram estabelecidos os primeiros padrões estaduais. Quem comprasse máquinas motrizes dos Estados Unidos para instalar em uma pequena usina geradora, que, no início, também era distribuidora e transmissora, teria padrões diferentes daqueles que adquirissem produtos alemães. As principais frequências em questão e que eram usadas no Brasil eram a de 50 Hz e a de 60 Hz. Sendo, de modo geral, 60 ciclos o adotado pelos americanos e 50 pelos europeus.
O engenheiro eletricista e ex diretor da divisão de potência do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (IEE/USP), Duílio Moreira Leite, explica que no Brasil “inicialmente foram adotadas as duas frequências, cuja escolha dependia dos geradores comprados para as usinas geradoras”. Essas diferenças eram percebidas até mesmo nas duas principais cidades brasileiras. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, o fornecimento era feito em 50 Hz, enquanto em São Paulo, em 60 Hz. Isso até meados do século XX.
Mas isso não só aconteceu com a frequência. As tensões elétricas utilizadas dependiam mais da instalação, do fornecimento da empresa elétrica e dos equipamentos que utilizariam a fonte elétrica. Ambas as questões foram uniformizadas no Brasil na segunda metade do século XX, quase 100 anos após o início do setor no País.
PRIMÓRDIOS
A energia elétrica chegou ao Brasil primeiro para fornecimento de iluminação pública, mais eficiente do que as anteriormente adotadas, como gás ou querosene, em um período histórico que o País fazia parte do grupo de pioneiros mundiais na aplicação de energia elétrica. Isso foi graças ao interesse do imperador Dom Pedro II, um entusiasta da ciência, pela nova tecnologia surgida depois da chamada Segunda Revolução Industrial, quando a eletricidade se firmou como principal fonte energética, em detrimento das máquinas a vapor.
Em 1879, Dom Pedro II inaugurou o primeiro serviço de iluminação elétrica permanente do País, o da antiga estação da Corte, hoje chamada de Estação Dom Pedro II, na estrada de ferro Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Nela, segundo o artigo A energia elétrica no Brasil, foram instaladas seis lâmpadas de arco voltaico tipo Jablockhoff, que substituíram 46 bicos de gás. Depois dessas, em 1881, 16 outras lâmpadas foram instaladas no Campo da Aclamação, hoje Praça da República, também no Rio de Janeiro, com energia fornecida de um locomóvel com dois dínamos.
Em seguida, em 1883, a cidade de Campos dos Goytacazes, litoral norte fluminense, foi a primeira cidade sul-americana a receber iluminação elétrica pública. O imperador inaugurou naquele município uma máquina térmica acionadora por três dínamos com potência de 52 kW, que era capaz de fornecer energia para 39 lâmpadas de duas mil velas cada. Considerando que a lâmpada elétrica foi inventada por Thomas Alva Edison em 1879, podemos perceber como o Brasil, de fato, era pioneiro na aplicação dessa tecnologia e seus experimentos eram contemporâneos aos dos demais países desenvolvedores de técnicas, equipamentos e conceitos relativos à eletricidade.
Mas a definição de padrões se fez mais importante só depois que a energia passou a ser gerada no País em usinas, que ampliavam a capacidade produtiva e potencializavam a distribuição. A primeira usina de geração hidrelétrica para uso privado também é de 1883. Ela, a Usina do Ribeirão do Inferno, aproveitava as águas do afluente do rio Jequitinhonha, localizado na cidade de Diamantina, em Minas Gerais.
Seis anos depois, em 1889, no ano da Proclamação da República, foi inaugurada a primeira hidrelétrica para serviço de utilidade pública também em Minas Gerais, mas, dessa vez, no município de Juiz de Fora. A usina, chamada de Marmelos Zero, foi instalada no rio Paraibuna, próxima à estrada União Indústria, que ligava a cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, a Juiz de Fora. Em Marmelos Zero foram instalados dois geradores monofásicos de 125 kW cada, com tensão de 100 V e frequência de 60 Hz.
Com a instalação de usinas, a energia gerada no País passou a atender, gradativamente, a mais tipos de consumidores. A iluminação pública, os transportes públicos, o fornecimento para empresas e, por último, o atendimento a residências. Aos poucos, a energia elétrica foi se tornando parte da vida das pessoas, mas, para que o fornecimento pudesse atingir cada vez mais consumidores, a geração tinha que aumentar e os equipamentos a serem beneficiados por essa energia tinham que seguir um mesmo padrão de grandezas elétricas.
Assim, as máquinas tinham que estar preparadas para receber a tensão exata de fornecimento, caso contrário, poderiam não funcionar e, inclusive, oferecer risco aos usuários e deveriam estar também de acordo com a frequência elétrica correta. Como o Brasil tem dimensões territoriais, até que isso se tornasse uma verdade no País, muito tempo e trabalho foram necessários.
FREQUÊNCIA ELÉTRICA
A frequência elétrica é uma grandeza física que indica quantos ciclos a corrente elétrica completa em um segundo. Se ela não for a correta, os equipamentos elétricos não funcionam ou funcionam de modo inadequado. Quando as empresas de eletricidade começaram a se instalar no Brasil, elas funcionavam de acordo com as máquinas importadas, projetadas para determinada frequência. As advindas da Alemanha funcionavam em 50 Hz, e as americanas em 60 Hz.
O engenheiro Duílio Leite explica a origem dessas diferenciações: “sempre houve duas frequências para o sistema de potência, 50 Hz na Europa e 60 Hz na América do Norte (Estados Unidos e Canadá)”. A origem, no primeiro caso, conta Duílio, é que “os europeus sempre pensaram no sistema métrico, múltiplos e submúltiplos de 10 (comono caso do metro, decímetro, centímetro, etc.). Por isso, pensaram que o segundo deve ter 100 meios ciclos ou 50 ciclos”, surgindo aí a definição da frequência em 50 Hz, porque ela é dependente de tempo em segundos.
Por sua vez, “os americanos pensaram que, como a frequência depende do tempo e o sistema do tempo sexagesimal é universal, a hora tem 60 minutos, o minuto tem 60 segundos, portanto, o segundo deve ter 60 ciclos. Parece lógico, não?”, questiona o ex-diretor da divisão de potência do IEE/USP.
Mas não só dessas duas faixas de frequência vivia o mundo e, em especial, o Brasil. A adoção de uma frequência para o intercâmbio energético dentro de um mesmo país era imprescindível, mas como o Brasil é territorialmente muito grande, as faixas de frequência adotadas até a metade do século XX eram diversas, como apresenta o livro Energia elétrica no Brasil.
Além da divisão entre 60 Hz e 50 Hz, havia cidades como Curitiba, no Estado do Paraná, que adotava a frequência de 42 Hz. Outros exemplos da pluralidade brasileira eram as cidades de Jundiaí, em São Paulo, e de Petrópolis, no Rio de Janeiro, que utilizavam 40 Hz e 125 Hz, respectivamente.
Na Europa, no mesmo período, de acordo com o livro, coexistiram até 11 frequências diferentes. Na Alemanha, a frequência utilizada era de 50 Hz. Assim, as cidades brasileiras que importavam mais equipamentos alemães utilizavam essa frequência como padrão, como era o caso da então capital brasileira, a cidade do Rio de Janeiro.
O documento Companhias interligadas da região centro-sul, da São Paulo Light, de 1964, explicitava os problemas que poderiam ser causados pela variação dessa grandeza e a utilização de frequência abaixo do padrão. Diz ele que “experiências realizadas na França mostraram que 1% de abaixamento na frequência determinou abaixamento de 0,7% na carga e 1% na diminuição na tensão diminuiu a carga em 1,6%”.
Experimentos na zona de concessão da empresa mostraram, em 1964, que “procurando reduzir o consumo de água, o Despacho de Carga da São Paulo Light realizou experiências que indicaram que com o abaixamento de 60 ciclos por segundo para 59 há uma queda de aproximadamente 3% na geração instantânea. Destes, podemos considerar que cerca de 1% foi devido à queda de tensão que acompanha o abaixamento de frequência e os outros 2% devidos à queda de frequência propriamente”.
Quando as empresas de produção de energia elétrica começaram a crescer e a incorporar outras pequenas usinas, começou um processo próprio de unificação para que elas pudessem fazer um intercâmbio energético. Não só a definição de um padrão de frequência era importante para interligar e conectar usinas e sistemas, era necessário que a frequência fosse mantida o mais constante possível para uma melhor eficiência de funcionamento das geradoras.
A PADRONIZAÇÃO
Essa necessidade de padronização de frequência ficou ainda mais clara quando o Grupo Light decidiu interligar as usinas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Acontece que uma parte estava em 50 Hz e a outra em 60 Hz. A solução provisória adotada foi a criação da estação inversora de frequência de Aparecida, no Estado de São Paulo, mas próxima ao Rio de Janeiro, para fazer a mudança da frequência de um estado para o outro. Ela dispunha de um conversor de frequência com potência de 50 MW. 
Antes disso, entretanto, o governo federal publicou o Decreto Lei nº 852, de 11 de novembro de 1938, para padronizar a frequência em todo o território nacional em 50 ciclos por segundo. Deu um prazo, improrrogável, de oito anos para o cumprimento dessa disposição. O engenheiro eletricista e historiador Gildo Magalhães conta que esse decreto não foi obedecido e essa questão foi se arrastando até a década de 1960, quando foi, de fato, estabelecido o padrão de 60 Hz.
Há registros de uniformizações estaduais, como a que aconteceu no Rio Grande do Sul. A Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), concessionária daquele Estado, cerca de quatro anos após a data do primeiro decreto lei, alterou a frequência adotada nas poucas cidades rio-grandenses que operavam em 60 Hz para 50 Hz, a exemplo de Caxias do Sul, Garibaldi, Tupanciretã e Rio Grande. Por outro lado, algumas concessionárias de outros estados, em especial do Centro Sul, continuaram a operar em 60 ciclos por segundo. Conforme o folheto explicativo da CEEE, a frequência foi mantida “devido principalmente às dificuldades criadas pela Segunda Guerra Mundial e, depois de terminado o conflito, continuaram a expandir-se na mesma frequência”. 
O engenheiro eletricista e mecânico, ex-diretor presidente da Light e ex-diretor de Operação de Sistemas da Eletrobrás José Marcondes Brito de Carvalho acrescenta que o Decreto nº 41.019, de 26 de fevereiro de 1957, estabelecia no artigo 46 que, “nos serviços de energia elétrica será adotada a corrente alternativa, trifásica, sendo admitida, enquanto não for unificada a frequência no País, as frequências de 50 e 60 ciclos por segundo, de acordo com a zona em que estiverem instaladas”. A delimitação das zonas de frequências ficaria a critério do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), órgão extinto do Ministério de Minas e Energia que deu origem à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Dessa forma, é possível perceber que definitivamente não havia uma frequência unificada no País. “A interligação dos diversos sistemas para um aproveitamento mais racional de energia gerada exigiu uma solução definitiva para este problema da unificação da frequência. Esta situação já trazia preocupações ao governo, desde 1954, quando instituiu o Plano Nacional de Eletrificação”, relembra Brito.
O fato é que a frequência de 60 Hz tinha uma predominância cada vez mais acentuada no País, notadamente em áreas de grande desenvolvimento industrial e econômico, como São Paulo e outras cidades da região CentroSul. Este fator, entre outros, levou o governo federal a adotar esta frequência como padrão. Foi então com a publicação, pelo presidente Castelo Branco, da Lei nº 4.454, de 6 de novembro de 1964, que a frequência de 60 ciclos por segundo foi adotada. A lei dispôs sobre a unificação de frequência da corrente elétrica no País e dizia que o emprego de frequência seria progressivo, definido pelo MME.
A partir de 1965, a Light iniciou o processo de conversão de frequência na área do Rio de Janeiro que levou sete anos, concluído em 1971, sendo que ela tinha como prazo até 1973. Além disso, o Estado do Rio Grande do Sul, que alterou sua frequência com o decreto-lei de 1938 e 26 anos depois, pela lei de 1964, teve que modificar novamente seus sistemas, aderindo ao novo padrão por completo em 1978, depois de um trabalho de conversão de frequência, iniciado em 1969 pela Eletrobrás, Eletrosul e CEEE.
A lei determinava ainda que nenhuma nova instalação de geração de distribuição de energia elétrica para serviços públicos ou de utilidade pública seria autorizada sem que operasse ou pudesse operar em 60 Hz, salvo em circunstâncias excepcionais. Um caso excepcional a ser citado foi da Usina Hidrelétrica de Itaipu, empreendimento binacional construído pelo Brasil e Paraguai, no rio Paraná, em território pertencente aos dois países.
O fato é que o Paraguai, bem como os demais países do cone sul latino americano (Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai), utiliza como padrão a frequência em 50 Hz. Como o Brasil divide metade da energia gerada pela binacional com o país vizinho, a definição de como essa energia seria produzida foi uma questão polêmica, das muitas, envolvendo a obra da usina.
A historiadora Ivone Teresinha Carletto de Lima, autora de Itaipu: as faces de um mega projeto de desenvolvimento, explica que “a questão da frequência não havia sido contemplada pelo Tratado de Itaipu. Para uma barragem das proporções de Itaipu, com investimentos grandiosos e consequências econômicas igualmente relevantes, esse fator era de vital importância”. Como o Brasil tinha maior aporte financeiro e seria o que consumiria maior parte da energiaa solução mais prática seria o Paraguai mudar de frequência.
Contudo, por pressão política, o povo paraguaio considerava uma questão de supremacia nacional não se submeter ao desejo brasileiro, e também uma medida econômica, pois o país pretendia ainda construir outra usina com a Argentina, que utiliza a mesma frequência padrão. Assim, ficou definido que Itaipu teria duas frequências. Uma metade, referente à energia brasileira, seria gerada em corrente alternada em 60 Hz, enquanto a outra metade, referente ao Paraguai, seria em 50 Hz.
Como já tinha ficado acertado pelo tratado de construção da geradora, a sobra da energia que o país guarani não consumisse seria vendida ao Brasil. A energia então gerada em 50 Hz é convertida e transmitida em corrente contínua e, próxima ao centro de consumo é então convertida em corrente alternada na frequência de 60 Hz, pronta para ser transmitida e distribuída aos consumidores brasileiros.
INFLUÊNCIAS
É importante ressaltar mais uma vez que a vitória da frequência de 60 Hz sobre a de 50 ciclos por segundo se deveu também à tardia industrialização brasileira. Depois do fim do ciclo do café, em 1930, desenvolvido sobretudo no Estado de São Paulo, e do início da industrialização de base, no mesmo período, com Getúlio Vargas, concentrada também nessa unidade federativa, diversos empreendimentos industriais foram desenvolvidos. Isso contribuiu para que a demanda energética dessa região fosse mais acentuada, concentrando um maior número de usinas, empresas e empreendimentos que utilizavam máquinas motrizes, tais como os motores.
O engenheiro Duílio Leite lembra que, nesse período, “a escolha de padrão 60 Hz para o Brasil foi pela predominância dos equipamentos industriais nessa frequência em todo o país. Havia poucos aparelhos eletrodomésticos que usavam motores e o custo para os usuários de energia era pequeno. Muitos funcionavam não tão bem em outra frequência, mas o usuário não percebia”.
Quando foi estabelecida a lei que determinava a frequência brasileira tal como é hoje, em 1964, o País vinha de um período de industrialização acentuada, do governo de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961, e acabaria por entrar em período conhecido como Milagre Econômico, entre 1969 e 1973, durante o regime militar, quando o Brasil experimentaria um período de grande crescimento econômico, puxado, mais uma vez, pelas indústrias e pelo crescimento populacional.
TENSÃO
Já na questão do padrão de tensão de distribuição, o processo se deu de forma um pouco diferente. A tensão elétrica inicialmente dependia da companhia distribuidora, que, até a desverticalização do setor elétrico brasileiro, era realizada pela mesma empresa que gerava a energia. Nesse período, o que determinava a tensão, segundo Duílio, era o custo. Isso porque “quanto maior fosse a tensão, menores seriam os custos da distribuição e menores também os custos para os consumidores nas suas instalações residenciais ou industriais”.
Em São Paulo, por exemplo, existiam três faixas de tensão: 208 V/120 V, na região central da cidade, onde há uma instalação subterrânea; 230 V/115 V, o chamado sistema híbrido; e 220 V/ 127 V. Nas regiões em que havia consumidores residenciais e industriais na mesma área, a São Paulo Light adotava um sistema híbrido que fornecia energia trifásica em 230 V e monofásica em 115 V ou 230 V. Nesse ponto, Duílio relata que “os transformadores trifásicos ou bancos de transformadores monofásicos tinham um ponto central em um dos secundários que não era o neutro. Deste enrolamento ou deste transformador com ponto central saíam as alimentações para as residências e do conjunto de transformadores (ou de um transformador trifásico) saíam as tensões trifásicas para as oficinas e fábricas”.
Algumas fábricas recebiam, então, os dois sistemas: 230 V/115 V, para iluminação, e 230 V, trifásico, para as máquinas. Essas diversas faixas de distribuição, entretanto, geravam confusão e alguns choques aconteciam. Especialmente quando uma pessoa pegava um fio direto do trifásico (em 230 V) e um terra e aplicava a um novo circuito, com cerca de 180 V entre fase e neutro. Isso gerava a queima de lâmpadas e de pequenos aparelhos monofásicos.
Por conta disso, em muitas cidades, por escolha da distribuidora local, foram usadas as soluções 220 V/110 V ou 220 V monofásico, 220 V/127 V ou ainda 208 V/120 V. Essas diferentes faixas geravam para o consumidor comum residencial uma diferença na duração e no rendimento das lâmpadas, além de redução da vida útil de funcionamento dos eletrodomésticos. Só que alguns desses problemas não são percebidos pelas pessoas leigas, não conhecedoras dos processos elétricos.
Para tentar criar um padrão, otimizar o fornecimento, melhorar o rendimento dos equipamentos e a eficiência energética deles, a Eletrobrás nomeou, na década de 1970, uma comissão para escolher um modelo brasileiro de tensão. Essa comissão culminou na publicação, pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, do Decreto nº 73.080, de 5 de novembro de 1973, que regulamentou os serviços de energia elétrica e estabeleceu os padrões de tensões nominais para novas instalações.
De acordo com o texto legal, ficou estabelecido que, para transmissão e subtransmissão em corrente alternada, as tensões poderiam ser de 750 kV, 500 kV, 230 kV, 138 kV, 69 kV, 34,5 kV e 13,8 kV. Já para distribuição primária de corrente alternada em redes públicas, as tensões padrões deveriam ser de 34,5 kV ou 13,8 kV; e, por fim, para distribuição secundária de corrente alternada em redes públicas, poderiam ser 380 V/ 220 V, 220 V/ 127 V, em redes trifásicas a quatro fios, três fases e um neutro, e 230 V/ 115 V, em redes monofásicas a três fios.
A solução mais econômica encontrada pela Eletrobrás, de 380 V/ 220 V, era adotada na Europa e foi adotada em muitos estados, “mas não se pode, de uma hora para outra, trocar a tensão onde havia um número muito maior de consumidores, em São Paulo, principalmente”, opina o engenheiro eletricista Duílio Moreira Leite.
Apesar da definição de valores de tensão a serem seguidos, para o engenheiro eletricista e historiador Gildo Magalhães, não se pode afirmar, na verdade, que há uma padronização no País, porque é possível encontrar diferentes Estados e regiões com instalações em tensões diferentes. Apesar de “todos recebermos 220 V em casa, em duas linhas, que têm diferença de 110 V cada uma para o neutro e de 220 V entre elas, é possível ainda hoje fazer instalação de iluminação, por exemplo, toda em 220 V e ter tomadas em 110 V/127 V ou 220 V”.
Como todas as residências recebem 220 V, a tensão residencial depende mais da instalação feita nas casas, do que do fornecimento. Apesar disso, pode-se dividir algumas cidades por maior utilização de determinada faixa de tensão. “Sobre o uso domiciliar de energia elétrica, a alimentação depende da carga a ser atendida. Na maior parte do País, nas residências, a ligação monofásica prevalece, na tensão de 127 V, como é o caso do Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Belo Horizonte, Corumbá, Cuiabá, Curitiba, Foz do Iguaçu, Porto Alegre, Salvador e Santarém. A tensão de 220 V é usada em Brasília, Florianópolis, Fortaleza, Recife e São Luís”, pontua o ex-presidente da Light, José Brito de Carvalho.
A diferença de utilização de tensão fornecida pelas distribuidoras ao longo do País, por exemplo, mais instalações em Estados do Nordeste em 220 V enquanto no CentroSul se concentra mais circuitos em 110 V/127 V, pode ser explicado, para Gildo Magalhães, por dois fatores: um cultural e outro econômico.
Isso porque, para ele, em lugares que há mais influência europeia e que, por isso, antigamente adquiria-se
Mais equipamentos fabricados naquele continente, encontra-se mais facilmente instalações de 220 V, já que é o modelo adotado em alguns países do outro lado do Atlântico. Por outro lado, a instalação em 220 V é, em teoria, mais econômica, por isso, é possível que esse tipo de sistema tenha sobressaído em regiões em que há um percentual de pessoasmais pobres.
Por fim, hoje a Eletropaulo, concessionária que atende à cidade de São Paulo, vem procurando substituir os sistemas 230 V/115 V por 220 V/127 V e em outras cidades do Estado de São Paulo as companhias distribuidoras padronizaram aos poucos o 220 V/127 V.
AS CORRENTES ELÉTRICAS
As primeiras experiências de geração de energia elétrica foram feitas por meio de corrente contínua. Antes da instalação de usinas geradoras, a fonte de fornecimento da eletricidade provinha de baterias e dínamos
elétricos. Estes são aparelhos que geram corrente contínua convertendo energia mecânica em elétrica, através de indução eletromagnética, enquanto aqueles são dispositivos que armazenam energia química e a disponibiliza em forma de energia elétrica.
Nesse período, no final do século XIX, fosse no Brasil ou no restante do mundo, as instalações que eram abastecidas com energia elétrica a recebiam de maneira limitada, normalmente, durante só um determinado
período do dia e a fonte geradora precisava estar a uma curta distância da consumidora. Isso porque, quando se aumentavam as distâncias, eram registradas muitas perdas elétricas, já que a técnica não estava aprimorada. Era o período inicial de exploração da eletricidade enquanto fonte energética. Só depois do desenvolvimento comercial da corrente alternada e de inauguradas as primeiras usinas geradoras com maior capacidade instalada, gerar, transmitir e distribuidor energia elétrica a um número maior de pessoas se tornou possível.
A transmissibilidade da corrente alternada, que permite que a energia seja transmissível e transportável a grandes distâncias com baixas perdas, contribuiu para que a utilização da eletricidade fosse desenvolvida. O século XX, que viu o início, o desenvolvimento e diversas crises de eletricidade, foi marcado pela dominação da corrente alternada sobre a contínua. Entretanto, é possível encontrar importantes circuitos alimentados por corrente contínua que não tenham o fornecimento provindo de baterias elétricas. É o caso do linhão de Usina Hidrelétrica de Itaipu, que tem metade da sua geração em corrente contínua.
“O Brasil tem a linha de mais alta tensão em corrente contínua existe só mais uma no mundo (em 600 kV) e certamente a de maior potência (metade da potência de Itaipu a que coube ao Paraguai). Está prevista outra linha também em 600 kV para mandar para o sudeste a energia das usinas em construção no rio Madeira”, pontua o engenheiro eletricista e ex-diretor da Divisão de Potência do Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (IEE/USP) Duílio Moreira Leite.
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