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DIREITO DOS CONTRATOS Produzido por Carlos Affonso Pereira de Souza, Rafael Viola, Carolina Sardenberg Sussekind, Cristiano Chaves de Melo, Gisela Sampaio da Cruz, Laura Fragomeni e Monique Geller Moszkowicz Graduação 2013.2 FGV DIREITO RIO Direito dos Contratos 2 SUMÁRIO: Método de Avaliação .......................................... p. 03 Programa da Disciplina .......................................... p. 07 Roteiro das Aulas .......................................... p. 09 Direito dos Contratos 3 MÉTODO DE AVALIAÇÃO A avaliação de desempenho do aluno na disciplina Direito dos Contratos será realizada através do somatório de três notas, correspondentes às seguintes atividades: (i) uma prova escrita a ser realizada no meio do semestre; (ii) uma prova escrita a ser realizada na última aula do curso; além de (iii) um trabalho em grupo escrito e apresentado em sala sobre contratos em espécie. À primeira prova escrita será conferida nota de 0 (zero) a 10 (dez). A segunda prova escrita, por sua, vez, valerá 07 (nove) pontos. Os demais 3 (três) pontos decorrem do trabalho. O aluno que obtiver nota inferior a 07 (sete) e superior ou igual a 04 (quatro) pontos, deverá fazer uma prova final. O aluno que obtiver nota inferior a 04 (quatro) pontos estará automaticamente reprovado na disciplina. Para os alunos que fizerem a Prova Final, a média de aprovação a ser alcançada é 06 (seis) pontos, a qual será obtida conforme fórmula constante no Manual do Aluno / Manual do Professor. Direito dos Contratos 4 PROGRAMA DA DISCIPLINA: Aula 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO Parte I: Princípios Fundamentais do Direito dos Contratos Aula 2: AUTONOMIA PRIVADA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO Aula 3: CONTORNOS DA BOA-FÉ OBJETIVA Aula 4: RELATIVIDADE E SUA FLEXIBILIZAÇÃO Parte II: Teoria Geral dos Contratos Aula 5: ANTES DO CONTRATO: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E CONTRATO PRELIMINAR Aula 6: FORMAÇÃO DO CONTRATO Aula 7: CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS Aula 8: INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS Aula 9: VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO Aula 10: REVISÃO DOS CONTRATOS Aula 11: EXTINÇÃO DOS CONTRATOS Aula 12: ASPECTOS DA CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA Parte III: Contratos em espécie Aula 13: COMPRA E VENDA Aula 14: COMPRA E VENDA (CLÁUSULAS ESPECIAIS) Aula 15: DOAÇÃO Aula 16: LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS Aula 17: EMPRÉSTIMO - COMODATO Aula 18: EMPRÉSTIMO – MÚTUO Aula 19: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E EMPREITADA Aula 20: DEPÓSITO Aula 21: MANDATO Aula 22: FIANÇA Aula 23: SEGURO Direito dos Contratos 5 ROTEIRO DAS AULAS: Aula 1 Título: APRESENTAÇÃO DO CURSO 1. Caso Gerador: O caso gerador narrado abaixo ilustra a conexão necessária entre as duas primeiras disciplinas de Direito Civil lecionadas no curso de graduação (Introdução ao Direito Civil e Obrigações e Responsabilidade Civil). A lide em questão foi baseada em caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Com base nas lições apreendidas, e com a intuição natural do bom profissional jurídico para descobrir onde estão os pontos controvertidos de um caso concreto e, principalmente, para buscar a sua solução, leia a seguinte questão: Três famílias de baixa renda viviam juntas, há mais de dez anos, em uma casa de madeira construída em terreno de sua propriedade na sua periferia de Porto Alegre. Com a expansão dos limites da cidade, uma empresa construtora procurou as três famílias com interesse de construir no local um edifício de apartamentos. Em troca pela cessão do terreno, as famílias receberiam dois apartamentos do edifício a ser construído. O contrato foi devidamente celebrado entre as partes, formalizado em cartório, tendo ainda sido oferecida em garantia do cumprimento do acordo, por parte da construtora, o imóvel onde residia a família do proprietário da empresa. As três famílias passaram a residir, de forma precária, na casa de amigos e conhecidos. Os anos foram se passando e o edifício jamais foi construído. Após cinco anos de espera, as três famílias ingressaram em juízo pleiteando que o imóvel dado em garantia fosse levado a leilão para pagamento do valor relativo ao terreno, acrescido de eventuais atualizações e indenização por dano moral decorrente do inadimplemento da construtora. Nos autos do referido processo, o advogado da construtora alegou que o imóvel dado em garantia não poderia ser objeto de execução, pois estaria protegido pelo regime do “bem de família” (Lei n° 8.009/90). Direito dos Contratos 6 Com base no caso acima responda: (i) Quais princípios da teoria geral das obrigações e dos contratos estão envolvidos na questão? Existe algum conflito entre os mesmos? (ii) No caso narrado, como você decidiria o processo? Justifique a sua decisão com argumentos jurídicos e com base na legislação pertinente. O caso acima foi baseado na seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. BOA-FÉ. Três famílias de baixa renda viviam juntas em uma pequena casa de madeira construída em terreno de sua propriedade. Sucede que aceitaram permutá-lo por dois apartamentos a serem edificados por uma empresa construtora, que deu em garantia do negócio (formalizado em cartório) o imóvel em que morava a família do proprietário da firma, sabidamente protegido pela Lei n. 8.099/1990. Desalojados, esperaram em vão pela construção e, por onze anos, pelejaram em juízo, até que, às vésperas da praça, houve a alegação de o imóvel dado em garantia ser bem de família. Isso posto, a Turma não conheceu do especial, ao acompanhar o entendimento do Min. Relator de que, nessa peculiar hipótese, a impenhorabilidade do bem de família há que ser tratada com temperamentos, cedendo frente ao princípio da boa-fé. O Min. Relator anotou, também, não se cuidar aqui do hipossuficiente que, impensadamente, dá seu bem impenhorável em garantia de negócio (hipótese albergada pela jurisprudência), mas sim de parte que tinha consciência do que estava fazendo. O Min. Carlos Alberto Menezes Direito, por sua vez, aduziu, em apertada suma, que, diante desse específico cenário, é possível entrever a renúncia à impenhorabilidade, renegada pelos Tribunais, mas incidente ao caso pela peculiaridade da hipótese, e ao final, está-se, justamente, a proteger o bem de família daqueles que foram lesados. Resp 554.622/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 17/11/2005. Direito dos Contratos 7 Parte I: Princípios Fundamentais do Direito dos Contratos Aula 2 Título: AUTONOMIA PRIVADA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO Ementário de temas: Autonomia Privada e Função Social do Contrato Leitura obrigatória: MARTINS-COSTA, Judith. “Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos”, in Revista Direito GV nº 01 (maio/2005); pp. 41/66. Leituras complementares: SALOMÃO FILHO, Calixto. “Função social do contrato: primeiras anotações”, in Revista de Direito Mercantil nº 132; pp. 07/24. BUENO DE GODOY, Cláudio Luiz. Função Social do Contrato. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 110/130. 1. Roteiro de aula: Ao se iniciar o estudo da teoria e prática dos contratos, é fundamental ter-se em mente a transição pela qual atravessa esse específico e importante campo do Direito Civil. Tradicionalmente vinculada à soberania da vontade individual (autonomia da vontade), insculpida nos preceitosque tutelam a liberdade contratual, a disciplina dos contratos atualmente vê-se permeada por uma série de interesses que ultrapassam a vontade do particular, gerando um debate sobre os limites da intervenção de dispositivos de ordem pública na regulação das relações contratuais. Pode-se, em linhas gerais, dizer que os princípios tradicionais, que fundamentaram a construção clássica da teoria dos contratos são os seguintes: (i) autonomia privada (ou da vontade); (ii) força obrigatória; e (iii) relatividade. Esses princípios encontram hoje diversas áreas de flexibilização geradas pela ascensão de novos princípios contratuais, como (iv) a função social do contrato; (v) a boa-fé objetiva; e (vi) o equilibrio econômico-financeiro da relação contratual. Todos os seis princípios acima mencionados serão trabalhados nas aulas a seguir. Na presente aula será conferida atenção especial aos princípios da autonomia da vontade e da chamada função social do contrato. Direito dos Contratos 8 A autonomia privada pode ser entendida, segundo lição de Díez-Picaso e Gullón como “o poder de se auto-ditar a lei ou preceito, o poder de governar-se a si próprio.” Conforme complementam os mesmos autores: “Poder-se-ia também defini-la como um poder de governo da própria esfera jurídica, e como essa é formada por relações jurídicas, que são a causa da realização de interesses, a autonomia privada pode igualmente conceituar- se como o poder da pessoa de desregulamentar e ordenar as relações jurídicas nas quais é, ou há de ser, parte.”1 O estudo da autonomia privada assume, na seara contratual, a forma da tutela da liberdade contratual. Nesse particular é importante não confundir “liberdade de contratar” com “liberdade contratual”. A primeira relaciona-se com o momento formativo da relação contratual, isto é, com o grau de liberdade envolvida na decisão sobre concluir ou não um contrato. Já a segunda diz respeito ao conteúdo do contrato. Segundo Francesco Messineo, existem quatro significados para liberdade contratual: (i) o fato de que nenhuma parte pode impor unilateralmente à outra o conteúdo do contrato, e que esse deve ser o resultado de livre debate entre as partes; (ii) liberdade de negociação, no sentido de que o objeto do contrato é livre, salvo bens indisponíveis e exceções previstas no ordenamento; (iii) o poder de derrogar as normas dispositivas ou supletivas; e (iv) o fato de que, em algumas matérias, é admitida a auto-disciplina, ou seja, a regulação estabelecida pelas partes interessadas. 2 Os alicerces sobre os quais se funda a liberdade de contratar podem ser encontrados nos princípios elaborados pela Escola do Direito Natural, responsável por conferir importância crescente à contratualidade, a partir do século XVI, sob a influência do conceito de autonomia da vontade desenvolvido pelo Humanismo. O primado da vontade individual é consolidado no século XVII, quando a própria existência da sociedade passa a ser fundamentada no contrato. Essa tendência é explicita por John Gilissen: 1 Luis Diéz-Picaso e Antonio Gullón. Sistema de derecho civil. Madrid: Editorial Tecnos, S.A., 1994, v. 1, p. 371. 2 Francesco Messineo. Il contratto in genere. Pádua: CEDAM, 1973, pp. 43 e 44. Direito dos Contratos 9 “A Idade Média não reconhecia o primado da vontade individual; esta não era respeitável senão nos limites da fé, da moral e do bem comum. Os interesses da comunidade familiar, religiosa ou econômica, ultrapassam os dos indivíduos que a compõem. (...) É à Escola Jusnaturalista que a autonomia da vontade deve a sua autoridade, o seu primado. Mas foi sobretudo o jurista holandês Hugo Grócio que desenvolveu a nova teoria: a vontade é soberana; o respeito da palavra dada é uma regra de direito natural; pacta sunt servanda é um princípio que deve ser aplicado não apenas entre os indivíduos, mas mesmo entre as nações”.3 Após a consagração dos ideais da Revolução Francesa e a abolição dos privilégios estamentais e corporativos, a promulgação do Código Napoleão em 1804 veio a positivar explicitamente o primado da autonomia da vontade, na máxima de que “o contrato faz lei entre as partes” (art. 1.134), a qual será traduzida na célebre frase de Fouillée: “quem diz contratual diz justo”. A conseqüência imediata desse cenário é a crescente importância conferida pela doutrina contratualista do século XIX para a análise da manifestação da vontade e seus vícios. Com a primazia da autonomia da vontade, interpretar o contrato tornou-se um exercício de descobrimento das reais intenções das partes e das formas pelas quais elas foram verbalizadas. Trata-se de uma verdadeira “mística da vontade”. As restrições à liberdade contratual começam a surgir com a mudança do cenário histórico, assegurando-se, inicialmente, maior igualdade de oportunidades no mercado, em termos da proibição de discriminação em razão de gênero, raça, etnia. Posteriormente, razões sociais passaram a determinar certas discriminações positivas, como o tratamento mais protetivo às partes contratualmente mais vulneráveis (tais como o consumidor, o idoso, o trabalhador). Portanto, razões de justiça e equidade vieram a determinar a intervenção do Estado sobre as relações contratuais, em um movimento que ficou conhecido como dirigismo contratual. Trata-se da inserção, no ordenamento jurídico, de uma série de normas cogentes, a delimitar os assuntos sobre os quais se pode contratar, em que limites se pode dispor de 3 John Gilissen. Introdução histórica ao direito. 2a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, pp. 738 e 739. Direito dos Contratos 10 determinados direitos, e que cláusulas serão consideradas intrinsecamente abusivas e, por conseguinte, nulas. Segundo identifica Eros Roberto Grau: “A mudança de perspectiva sobre a compreensão da autonomia da vontade é, portanto, profunda: deixa-se de considerar o indivíduo como senhor absoluto da sua vontade, para compreendê-lo como sujeito autorizado pelo ordenamento a praticar determinados atos, nos exatos limites da autorização concedida.”4 O mesmo diagnóstico dessa fase de transição é realizado por Gustavo Tepedino ao afirmar que: “Com o Estado intervencionista delineado pela Constituição de 1988 teremos, então, a presença do Poder Público interferindo nas relações contratuais, definindo limites, diminuindo os riscos do insucesso e protegendo camadas da população que, mercê daquela igualdade aparente e formal, ficavam à margem de todo o processo de desenvolvimento econômico, em situação de ostensiva desvantagem”.5 Todavia, a flexibilização da autonomia da vontade a preceitos contidos na legislação não representa uma completa anulação desse princípio nas relações contratuais. Muito ao reverso, a autonomia da vontade, e, mais especificamente, a liberdade contratual, permanecem como princípio, e sua derivação respectivamente, a reger os vínculos contratuais, agora atrelada à função social do contrato, consoante o disposto no art. 421: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Uma constatação de que a autonomia da vontade ainda desempenha papel de destaque na formação dos contratos pode ser encontrado no art. 425 do Código Civil, o qual determina que as partes poderão elaborar contratos atípicos, ou seja, contratos que não seguem os modelos de contrato tipificados na legislação: 4 Eros Roberto Grau. “Um novo paradigma dos contratos”. In RevistaTrimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 5, jan/mar 2001, p. 78. 5 Gustavo Tepedino. Temas de Direito Civil. 2a edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 204. Direito dos Contratos 11 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. A dinâmica existente entre autonomia da vontade e função social pode ser percebida em alguns exemplos retirados da prática dos contratos de locação. Nesse sentido, vale investigar os limites do direito de retomada do imóvel por parte do locador para uso próprio. A lei de locações (Lei nº 8245/91) prevê, no seu art. 52, §1º, que o locador, salvo se remunerar o locatário pelo fundo de comércio, não poderá exercer o mesmo ramo de atividade desempenhado então pelo locatário. É a redação do artigo: “Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: (...) II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. §1º - Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences”. Ao interpretar o referido artigo, Fábio Ulhoa Coelho afirma que, em tela, está-se diante de um conflito entre o direito de inerência ao ponto do locatário e o direito de propriedade do locador. Conforme expressa o autor: “Quando o direito de propriedade do locador entra em conflito com o direito de inerência a ponto do locatário, está em oposição uma simples oposição de interesses privados, individuais.”6 Complementa então o autor afirmando que a restrição ao direito de retomada, constante do art. 52 seria inconstitucional, pois imporia restrições ao direito de propriedade. Essa é justamente a espécie de situação em que a ampla autonomia da vontade cede espaço para mandamentos constantes da lei, impondo a preservação de determinados interesses. Ao afirmar que o dispositivo que veda o restabelecimento do locador no negócio desenvolvido pelo locatário, o legislador não confronta o direito de propriedade, mas o funcionaliza. Nessa direção, o artigo tutela não apenas a função social da propriedade, mas 6 Fábio Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial, v. I. São Paulo, Saraiva, 4ªed., 2000; p. 103. Direito dos Contratos 12 também a função social do contrato de locação, que se transforma em incentivo para que locatários desenvolvam cada vez melhores negócios, seguros de que não sofrerão a retomada do imóvel sob o argumento de uso próprio para que o locador venha a se aproveitar o trabalho realizado no ponto. Cláusulas de não restabelecimento, ou cláusulas de não concorrência, atualmente desempenham importante papel na configuração dos limites da autonomia da vontade nos contratos. A cláusula de não-concorrência pode ser decorrência natural da venda de um negócio, principalmente nos casos em que seja necessário assegurar ao comprador as condições necessárias para que este usufrua integralmente dos benefícios diretos e indiretos da aquisição. A referida cláusula, todavia, deve ser razoavelmente delimitada, no tempo, no espaço e no setor relevante. O próprio código civil estabelece que, salvo estipulação em contrário, na aquisição de estabelecimentos empresariais o alienante não poderá concorrer com o comprador pelo prazo de cinco anos. Essa é a redação do art. 1147 do Código Civil: Art. 1147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos 5 (cinco) anos subseqüentes á transferência.” Ainda na dinâmica dos estabelecimentos empresariais, e mais especificamente nos shopping centers, as cláusulas de não concorrência assumem a feição de cláusulas de raio, sendo comum que no contrato de locação com a empresa que administra o shopping center conste uma cláusula que veda a abertura de estabelecimento idêntico ao que o lojista explora no shopping por uma certa distância especificada no contrato. 2. Caso gerador: A administradora do Shopping Iguatemi, localizado na cidade de Porto Alegre, tem figurado na imprensa por conta de um litígio instaurado com a cadeia de farmácias Panvel. Segundo consta das notícias veiculadas, ela teria ingressado com ação de despejo contra a empresa que explora a farmácia Panvel localiza no shopping por conta da Direito dos Contratos 13 abertura de uma outra farmácia Panvel no shopping Bourbon Country, construído posteriormente e praticamente vizinho do terreno onde se localiza o shopping Iguatemi. Alega a administradora do Shopping Iguatemi que a abertura de uma farmácia Panvel no shopping vizinho representaria violação da cláusula de raio estabelecida no contrato de locação. Vale ressaltar que no shopping Bourbon Country também foram abertas lojas das redes O Boticário e McDonalds. Se você fosse o juiz dessa ação judicial, como seria a sua decisão? Fundamente. Fonte: http://www.portoimagem.com Shopping Bourbon Country Iguatemi Shopping Direito dos Contratos 14 Aula 3 Título: CONTORNOS DA BOA-FÉ OBJETIVA Ementário de temas: As três funções da boa-fé objetiva – Os deveres anexos de conduta – Proibição do comportamento contraditório Leitura obrigatória: TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. “A Boa-Fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil”, in Gustavo Tepedino (org.) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 29/44. Leituras complementares: NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; pp. 115/153. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 148/158. 1. Roteiro de aula: A boa-fé tradicionalmente figura como elemento dos estudos jurídicos quando se deve investigar se o indivíduo possui ou não ciência sobre uma determinada condição, como, por exemplo, se o individuo conhece, ou não, um vício que macula a sua posse sobre determinado terreno. Essa perspectiva da boa-fé convencionou-se denominar boa- fé subjetiva. Existe, todavia, uma outra forma de atuação da boa-fé no direito brasileiro, denominada boa-fé objetiva, a qual foge de qualquer ilação sobre um estado de espírito do agente para se fixar em uma análise voltada para critérios estritamente objetivos. As três funções da boa-fé objetiva É comum delimitar-se três funções típicas desempenhadas pela boa-fé objetiva no direito brasileiro. Sendo assim, pode-se definir a função tríplice da boa-fé objetiva da seguinte forma: A boa-fé objetiva desempenha inicialmente um papel de critério para a interpretação da declaração da vontade nos negócios jurídicos. Essa função é prevista no art. 113 do novo Código Civil: Direito dos Contratos 15 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Esse dispositivo ganha relevo ao indicar que a primeira função da boa-fé objetiva é dirigir a interpretação do juiz ou árbitro relativamente ao negócio celebrado, impedindo que o contrato seja interpretado de forma a atingir finalidade oposta àquela que se deveria licitamente esperar. A boa-fé objetiva atua ainda como forma de valorar o abuso no exercício dos direitos subjetivos, conforme consta do art. 187do Código Civil: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê- lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. E, por fim, a boa-fé objetiva é, ainda, norma de conduta imposta aos contratantes, segundo o disposto no art. 422 do Código Civil: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A função desempenhada pela boa-fé objetiva a partir do dispositivo no art. 422 é, sem dúvida, a sua atuação mais comentada pela doutrina e da qual mais se vale a jurisprudência dos tribunais nacionais. Os deveres anexos de conduta O motivo pelo qual a terceira função da boa-fé objetiva recebeu tamanho destaque deriva justamente do seu próprio conteúdo: impor às partes contratantes deveres objetivos de conduta, que não necessariamente precisam constar do instrumento contratual para que possam ser cobrados e cumpridos. Tratam-se dos chamados deveres secundários, ou anexos, aos quais todas as partes de um negócio devem manter estrita observância. Essa caracterização da boa-fé objetiva como a disposição de deveres de conduta que as partes devem guardar difere frontalmente daquela concepção clássica de boa-fé subjetiva, ligada a um estado psicológico do agente. Direito dos Contratos 16 Os deveres secundários impostos pelo art. 422 foram gradativamente sendo construídos pela doutrina e pela jurisprudência, podendo-se mesmo falar em quatro deveres básicos: (i) dever de informação e esclarecimento; (ii) dever de cooperação e lealdade; (iii) deveres de proteção e cuidado; (iv) dever de segredo ou sigilo. Todavia, diversas derivações podem surgir desses quatro deveres básicos, como bem explicita Judith Martins-Costa, os deveres secundários podem abranger um vasto leque de condutas que deverão ser observadas pelas partes, como, por exemplo: “a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré- contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC, arts. 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares.”7 A imposição desses deveres se reveste de papel fundamental para a ordenação dos contratos na prática, uma vez que se busca, com a sua afirmação, proteger um bem que se encontra na própria essência da contratação: a confiança. Por esse motivo, o enquadramento 7 Judith Martins-Costa. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p. 439. Direito dos Contratos 17 legal da boa-fé objetiva sempre se mostrará atrelada à tutela da confiança, sobretudo no que diz respeito à aplicação desse princípio aos casos de responsabilidade pré-contratual. Mas a redação do art. 422 não está afastada de qualquer espécie de crítica. Muito ao reverso, Antonio Junqueira de Azevedo afirma que a redação do art. 422 se mostra insuficiente, deficiente e desatualizada perante às exigências da prática contratual moderna. Segundo o autor, o artigo seria insuficiente em sua redação pois não deixa claro se os seus dispositivos constituem norma cogente ou meramente dispositiva, além de não mencionar as fases pré e pós-contratuais para fins de responsabilização. O artigo seria ainda deficiente por não prever de forma explícita quais são os chamados deveres anexos. E, por fim, o dispositivo seria desatualizado pois confere poderes desmesurados ao juiz para interferir nas relações contratuais, abrindo possibilidade para se incrementar a sobrecarga de processos que impede o regular funcionamento do Poder Judiciário, além de não serem os juizes tradicionalmente preparados para decidir casos nos quais figurem contratos de extrema especialidade técnica. Nesse sentido, menciona o autor, a época atual estaria passando do paradigma do juiz para o paradigma do árbitro. 8 A proibição de comportamento contraditório A proibição do comportamento contraditório representa uma das principais contribuições dos estudos sobre boa-fé objetiva para a prática contratual. O instituto possui especial aplicação na fase de negociações que antecede a formação do contrato, coibindo as partes de frustrar expectativas legitimamente criadas no pólo contrário das negociações. A expressão nemo potest venire contra factum proprium consolida a idéia de que a ninguém é permitido agir contra a sua própria conduta prévia. Trata-se da reprovação social à adoção de comportamentos contraditórios com efeitos perniciosos a terceiros. O fundamento do venire contra factum proprium, como visto, reside no princípio da boa-fé objetiva, especialmente na sua vertente voltada para a tutela da confiança. A 8 Antonio Junqueira de.Azevedo. “Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 148/158 Direito dos Contratos 18 ausência de regulamentação no direito positivo não impede a aplicação do instituto, o qual vem sendo amplamente utilizado para casos de responsabilidade pré-contratual. A doutrina, contudo, tem adotado entendimento no sentido de que a proibição de comportamento contraditório derivaria do preceito contido no art. 3 o , I, da Constituição Federal, o qual consagra a solidariedade social. 9 Os pressupostos para aplicação do venire contra factum proprium, de acordo com Anderson Schreiber, são os seguintes: (i) um factum proprium,; (ii) a geração na outra parte de confiança legítima no sentido de manutenção da conduta inicialmente adotada; (iii) um comportamento contraditório violador desta confiança; e (iv) dano ou ameaça concreta de dano derivado da contradição. 10 A proibição de comportamento contraditório surge, portanto, em casos em que a conduta adotada por uma das partes gera legítimas expectativas na outra parte, as quais terminam por serem quebradas. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu favoravelmente a agricultoresuma ação com base na quebra das expectativas geradas por uma empresa especializada na fabricação de extratos de tomates, uma vez que a empresa tinha por hábito entregar-lhes sempre as sementes para plantio, e comprar o resultado da posterior colheita. No ano em que a empresa entregou as sementes e não comprou a colheita, os agricultores alegaram ter sofrido prejuízos pela quebra de expectativas geradas pela empresa. Segundo consta do acórdão em questão: “Tanto basta para demonstrar que a ré, após incentivar os produtores a plantar safra de tomate – instando-os a realizar despesas e envidar esforços para plantio, ao mesmo tempo em que perdiam a oportunidade de fazer o cultivo de outro produto – simplesmente desistiu da industrialização do tomate, atendendo aos seus exclusivos interesses, no que agiu dentro do seu poder decisório. Deve, no entanto, indenizar aqueles que lealmente confiaram no seu procedimento anterior e sofreram o prejuízo.”11 9 Anderson Schreiber. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; p. 101. 10 Anderson Schreiber. Ob. cit.; p. 124. 11 TJRS, Ap. 591028295; j. em 06/06/91. Direito dos Contratos 19 A aplicação da vedação ao comportamento contraditório surge na complementação do voto vencedor, ao afirmar que, no caso, “confiaram eles lealmente na palavra dada, na repetição do que acontecera em anos anteriores.” 2. Caso gerador: Caso nº1: No dia 23 de abril de 2004, Bruno e Elizabeth, um casal de namorados que residia no apartamento 303, do prédio de nº 45, na Avenida Vieira Souto, tiveram uma discussão acalorada. Não se sabe ao certo o motivo da discussão, mas o fato é que o casal foi encontrado morto, no dia seguinte, pelo porteiro do prédio. O caso ainda hoje é um mistério para as autoridades policiais. Todos os jornais de circulação na cidade divulgaram por alguns dias a notícia da tragédia e as suas eventuais repercussões. O fatídico apartamento 303 era alugado. O locador, Antônio Mathias, tomou o cuidado de reformar todo o apartamento depois da tragédia. “Foi uma medida mais espiritual do que estética” – chegou a declarar para os amigos. Depois de concluída a reforma, nada mais naquele apartamento lembrava a existência do casal. Mas Antônio estava resolvido a vender o imóvel. Passado algum tempo, conseguiu comprar um outro imóvel e para lá se mudou, colocando o apartamento 303 para ser vendido através dos classificados de um grande jornal. Dois dias depois, Francisco e Carolina, um casal de namorados, foi visitar o apartamento. Eles logo se encantaram com a vista e com as condições para a compra do imóvel. Depois de providenciada toda a documentação, foi devidamente lavrada a escritura de compra e venda do imóvel, que agora passava a ser de legítima propriedade de Francisco. Numa manhã de domingo, ao retornar de uma caminhada na praia, Carolina encontra no elevador com uma moradora do prédio. A senhora, sem muita cerimônia, ao perceber que Carolina nada sabia sobre a tragédia do 303, trata de prontamente relatar todo o evento à nova moradora. Atordoada com a notícia, a jovem corre para contar ao namorado sobre os eventos transcorridos em seu apartamento há menos de dois anos atrás. Francisco, indignado com a má-fé de Antônio, imediatamente contata o seu advogado. Na segunda-feira, após reunião com seu advogado, Francisco está certo de que o negócio será anulado através de decisão judicial e pretende ingressar com a medida na mesma semana. Com base no caso acima, responda: (i) Existe algum princípio da teoria das obrigações e dos contratos aplicável ao caso concreto? Direito dos Contratos 20 (ii) Se você fosse o juiz desse caso, como seria a sua decisão? A venda do apartamento 303 pode ser anulada com fundamento na tragédia ocorrida com Bruno e Elizabeth? Justifique. O presente caso foi baseado na decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na Apelação Cível nº 6421/2004, rel. Des. Maldonado de Carvalho; j. em 31.04.2004. Caso nº 2: Jean-Michel adquiriu em abril de 2001 um carro Citröen Xsara, com todos os acessórios possíveis, fabricado no próprio ano. Nas semanas seguintes à aquisição de seu novo automóvel, Jean-Michel vivia por conta do carro: só conversava com os amigos sobre o carro, só lia revistas especializadas no assunto e até mesmo criou uma comunidade no orkut para congregar felizes proprietários do automóvel. Todavia, o entusiasmo de Jean-Michel não foi duradouro. Passados três meses da compra do veículo, a montadora lançou no mercado uma nova linha estilizada de automóveis Citröen Xsara. O carro de Jean-Michel, que ontem mesmo era o automóvel do ano daquela marca, agora era simplesmente mais um modelo anterior, ainda que do mesmo ano de 2001. Revoltado com a conduta do funcionário da concessionária Citröen na qual o veículo foi adquirido, que não revelou ao mesmo que uma nova versão estilizada do carro seria lançada naquele mesmo ano, ele ingressou com ação judicial pleiteando, dentre outras coisas, a anulação do contrato celebrado com a concessionária pela configuração de defeito no negócio jurídico. A ação judicial movida por Jean-Michel deve ser julgada procedente? O caso acima é uma adaptação do Agravo de Instrumento 693303/DF, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. 3. Questões de concurso: 20º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase 3. Estabeleça a distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, dando exemplos de situações caracterizadoras de cada uma dessas modalidades de boa-fé. 21º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase 3. Um náufrago, perdido em alto-mar, em uma balsa, em situação desesperadora, a quase míngua de víveres e água, contrata o seu resgate com um comandante de navio de Direito dos Contratos 21 transporte de combustível que passava providencialmente no local nessa ocasião, sob a promessa de transferir-lhe a propriedade de vultoso apartamento, metade de seu patrimônio. O comandante assim o faz, mesmo sabendo da proibição peremptória de estranhos a bordo por parte da companhia proprietária do navio, que terá que pagar pesada multa contratual pessoal pelo descumprimento de tal regra e do fato que o resgate, efetuado em condições arriscadas, atrasará a viagem em pelo menos um dia, acarretando diversos prejuízos a seu encargo. Chegando são e salvo ao porto, o náufrago posteriormente recusa-se a cumprir o pactuado no resgate, sob o argumento de que o contrato efetuado em tais condições não é válido e que conseqüentemente também não é devida ao comandante do navio qualquer indenização pelos gastos incorridos com o resgate. Estabeleça se o comandante do navio terá êxito judicial em uma eventual ação contra o náufrago objetivando o cumprimento do contrato e o ressarcimento dos gastos efetuados. 6 - João e Pedro celebram a compra e venda de um fundo de comércio por R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) descrevendo condicionalmente no instrumento contratual que a aquisição teve por motivo determinante a perspectiva de boa e numerosa freguesia, garantida e apontada pelo vendedor Pedro no próprio contrato. Decorridos seis meses, não se caracteriza tal perspectiva. João intenta agora anular o negócio. Estabeleça qual o fundamento de tal pretensão e discorra sobre se terá êxito judicial ou não a pretensão de João. 128º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase 23. Sobre a boa-fé objetiva, é INCORRETO afirmar: (a) implica o dever de conduta probo e íntegro entre as partes contratantes.(b) significa a ignorância de vício que macula o negócio jurídico. (c) implica a observância de deveres anexos ao contrato, tais como informação e segurança. (d) aplica-se aos contratos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Direito dos Contratos 22 Gabarito: 23 (b). Direito dos Contratos 23 Aula 4 Título: RELATIVIDADE E SUA FLEXIBILIZAÇÃO Ementário de temas: Flexibilização do princípio da relatividade Leitura obrigatória: NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; pp. 229/259. Leituras complementares: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 137/147. CORREIA, A. Ferrer. “Da responsabilidade do terceiro que coopera com o devedor na violação de um pacto de preferência”, in Estudo de Direito Civil, Comercial e Criminal. Coimbra: Almedina, 1985; pp. 33/52. 1. Atividade em sala: O contrato é um fenômeno social, econômico e jurídico. Sendo assim, imaginar que a celebração de um contrato apenas interessa às partes contratantes, seria desconsiderar os verdadeiros impactos que um contrato pode ter na própria sociedade. Terceiros não apenas afetam o cumprimento de um contrato, como também podem ser afetados pelos termos que regem uma relação contratual. Dessa forma, surgem duas situações bem distintas: (i) o credor que vê a prestação do contrato ser inadimplida por conta da atuação de um terceiro, estranho ao pactuado na relação contratual; e (ii) um terceiro que passa a sofrer algum prejuizo em sua situação jurídica por conta de um inadimplemento em contrato do qual o mesmo não faz parte. A extensão desse transbordamento dos efeitos de uma relação contratual para atingir pessoas não previamente constantes da avença é o objeto de discussão da presente aula. A partir da leitura da reportagem abaixo, buscar-se-á compreender nessa aula a conturbada relação entre os contratos e os terceiros. Direito dos Contratos 24 Tendo em vista que a agência África não fazia parte do contrato entre o cantor Zeca Pagodinho e a cervejaria Schincariol, poderia a referida agência ser acionada judicialmente? Qual seria o fundamento dessa ação? E como enquadrar juridicamente o comportamento do cantor? A proposta da aula é dividir os alunos em dois grupos, um defendendo a posição da agência Fischer América, e outro defendendo a posição da agência de publicidade África. O caso da troca de anunciantes pelo cantor Zeca Pagodinho é interessante para que os alunos compreendam uma série de derivações não apenas do princípio da relatividade (“o contrato apenas tem efeito entre as partes contratantes”), como também do princípio da boa-fé objetiva. Direito dos Contratos 25 No que tange à possibilidade de se ingressar com ação contra a agência África, que não fazia parte do contrato entre o cantor e a cervejaria Schincariol, veja-se a decisão do TJSP: Na decisão conjunta dos Agravos de Instrumento 346.328.4/5 e 346.344.4/8, em 31 de março de 2004, Relatada pelo Desembargador Roberto Mortari, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão que proibira a Brahma de veicular qualquer campanha publicitária estrelada por Zeca Pagodinho enquanto vigorasse a cláusula de exclusividade que este havia assumido perante a Schincariol: "ainda que a AMBEV não tenha sido signatária do contrato entre Zeca Pagodinho e Schincariol, sua conduta, ao deixar de observar o pacto de exclusividade nele contido, é potencialmente apta a gerar dano indenizável, o que, se de um lado deverá ser alvo de regular contraditório na ação principal a ser proposta, lhe confere, ao menos por ora, status para figurar no pólo passivo da demanda". Direito dos Contratos 26 Parte II: Teoria Geral dos Contratos Aula 5 Título: ANTES DO CONTRATO: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E CONTRATO PRELIMINAR Ementário de temas: Responsabilidade civil pré-contratual - Contrato Preliminar Leitura obrigatória: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Responsabilidade Pré-Contratual no Código de Defesa do Consumidor: Estudo comparativo com a responsabilidade pré- contratual no direito comum”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 173/183. Leituras complementares: LOBO, Carlos Augusto da Silveira. “Contrato Preliminar”, in Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (org). O Direito e o Tempo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; pp. 313/324. 1. Roteiro de aula: Os negócios jurídicos, em geral, são precedidos por uma fase de entendimentos, de negociações, comumente denominada de “tratativas”. Nessa fase do contrato que ainda há de nascer as eventuais partes de uma futura relação contratual discutem como melhor compor os seus interesses para a formação do contrato. A negociação de um contrato é objeto de estudos que ultrapassam o universo estritamente jurídico e alcançam a seara das técnicas e estratégias de negociação, amplamente difundidas através de diversas publicações e cursos especializados. 12 Pode ocorrer, todavia, que as negociações não cheguem ao estágio de formação do contrato. É natural que alguma eventualidade ocorra e que uma das partes tenha que abandonar as tratativas. Contudo, existem hipóteses em que a própria fase pré-contratual gera para as então futuras partes de um contrato uma vinculação capaz de gerar danos caso seja rompida de forma injustificada. 12 Nesse sentido, vide, por todos, Robert Mnookin. Beyond Winning: Negotiating to Create Value in Deals and Disputes. Cambridge: Harvard University Press; 2000. Direito dos Contratos 27 O rompimento injustificado de negociações é apenas uma das hipóteses da chamada responsabilidade pré-contratual. Note-se que nesse momento ainda não existe contrato e que o vínculo existente entre as partes não se baseia na reciprocidade de obrigações devidamente contratadas, mas sim na tutela de um bem cada vez mais relevante para a prática contratual no direito brasileiro: a confiança. Responsabilidade pré-contratual A responsabilidade pré-contratual, ou culpa in contrahendo, se distancia das duas espécies tradicionais de responsabilização uma vez que não pode ser enquadrada como responsabilidade contratual, pois que contrato ainda não existe, e nem mesmo figurar como responsabilidade extra-contratual pois existe um vínculo prévio entre as partes que a diferencia da situação peculiarmente encontrada na chamada responsabilidade aquiliana (extra-contratual). Nesse terceiro gênero de responsabilização, portanto, pode-se encontrar uma interação voltada para a formação de um futuro contrato. Esse vínculo específico caracteriza a responsabilidade pré-contratual. Esse vínculo impõe aos indivíduos o dever de não frustrar as expectativas legitimamente criadas pelos seus próprios atos. A partir desse entendimento surgirá a tutela da confiança aplicada à proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Claramente esse vínculo existente entre as partes surge de um imperativo da boa-fé objetiva, princípio da moderna teoria contratual, já estudado em aulas anteriores. É, portanto, a tutela da confiança o fundamento da responsabilidade pré-contratual. Especificamenteno que diz respeito ao rompimento das tratativas, Regis Fichtner Pereira identifica quatro hipóteses características dessa forma de responsabilização: (i) quando ocorre a ruptura injustificada das tratativas; (ii) quando, no desenvolvimento das negociações, um dos interessados cause dano à pessoa ou ao patrimônio do outro; (iii) quando tenha ocorrido o estabelecimento de contrato nulo ou anulável e um dos interessados conhecia, ou deveria conhecer, o vício no negócio jurídico; (iv) quando, Direito dos Contratos 28 mesmo instaurada a relação jurídica contratual, das negociações preliminares tenham surgido eventuais danos a serem indenizados. 13 Vale destacar que, mesmo sendo uma terceira forma de responsabilidade, apartada das tradicionais responsabilidades contratual e extra-contratual, a responsabilidade pré- contratual não prescinde da análise dos elementos comumente necessários para qualquer pleito de responsabilidade civil, ou seja, a conduta culposa de uma das partes da negociação, o dano causado e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Sendo a responsabilidade pré-contratual uma derivação do princípio da boa-fé objetiva (tutela da confiança) no direito brasileiro, torna-se imediata a conclusão de que as violações que geram esse tipo de responsabilidade são violações aos chamados deveres secundários (ou anexos), típicos da composição do princípio da boa-fé objetiva. Esses deveres acessórios são basicamente os quatro a seguir destacados: (i) dever de informação e esclarecimento; (ii) dever de cooperação e lealdade; (iii) deveres de proteção e cuidado; (iv) dever de segredo ou sigilo. O primeiro dever secundário (dever de informação e esclarecimento) tem por objetivo tornar as comunicações típicas da negociação claras e transparantes, tudo de forma a evitar que a parte contrária venha a incidir em erro na manifestação de sua vontade. O dever de cooperação e lealdade, por seu turno, impõe que as partes apenas permaneçam nas tratativas enquanto possuam um interesse sério e legítimo na formação de um futuro contrato, contando, ainda, com situação jurídica e econômica apta para o seu cumprimento. O dever de proteção e cuidado comanda às partes a observância de todas as precauções possíveis e razoáveis para que a parte contrária não venha a ser lesionada nas tratativas e no futuro contrato. 13 Regis Fichtner Pereira. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria Geral e Responsabilidade pela Ruptura das Negociações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 102. Direito dos Contratos 29 O quarto e último dever secundário, ou seja, o dever de sigilo tem por escopo assegurar que as informações obtidas pelas partes durante as negociações sejam mantidas, salvo disposição em contrário, e de forma razoável, em regime de estrita confidencialidade, não sendo as mesmas utilizadas para fins outros que venham a ser estranhos à conclusão do contrato. Contrato Preliminar O contrato está celebrado e perfeito quando coincidem as vontades dos contratantes em um mesmo ponto e para a obtenção de certos efeitos 14 . No entanto, até o momento da convergência das manifestações de vontades dos contratantes, decorrem uma série de momentos e atos preparatórios e sucessivos 15 até se alcançar o perfeito consenso e formação do contrato com a aceitação da proposta. É comum, todavia, que em razão do avanço das negociações, em que as partes acordem sobre objeto, que se ajuste um contrato em que se determina a celebração de outro contrato. A esse tipo contratual denomina-se contrato preliminar ou pactum de contrahendo. Por esse contrato as partes se obrigar a celebrar um futuro contrato chamado de contrato definitivo. Esse contrato é usualmente utilizado quando não se mostra conveniente às partes celebrar o contrato de forma definitiva, seja pela necessidade de algum fato futuro (liberação da carta de crédito junto à uma instituição financeira), seja porque o pagamento será realizado de modo parcelado. Para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA 1 é “aquele [contrato] por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será contrato principal”. ORLANDO GOMES 2, por sua vez o define como a “convenção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia de contrato que projetaram”. 14 PEREIRA DA SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 15 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. Direito dos Contratos 30 Ainda no mesmo sentido, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO 16 o define como a “convenção provisória, contendo os requisitos do art. 104 do Código Civil e os elementos essenciais do contrato (res, pretium e consensum), tem por objeto concretizar um contrato futuro e definitivo, assegurando pelo começo de ajuste a possibilidade de ultimá-lo no tempo oportuno”. Podemos distinguir o contrato preliminar do principal, então, pois o objeto deste é uma prestação substancial, enquanto que o daquele é concluir outro contrato (obrigação de fazer). Os requisitos do contrato preliminar são aqueles inerentes à qualquer outro negócio jurídico, conforme preceitua o art. 104 do Código Civil: capacidade das partes, objeto, forma e declaração de vontade. No que diz respeito à capacidade das partes, é preciso que além da capacidade gnérica para a prática dos atos da vida civil (art. 3º e 4º), os contraentes tenham a capacidade específica para a celebração do contrato futuro 4 , sob pena de inviabilizar a execução específica do contrato preliminar. Dessa forma, por exemplo, o leiloeiro jamais poderá prometer comprar os bens de cuja venda esteja encarregado (art. 497 do CC) Quanto ao objeto, além da necessidade dele ser lícito, possível, determinado ou determinável, devem ser observadas as regras atinentes ao contrato principal. Sendo assim, na promessa de venda, por exemplo, é necessário que as partes acordem na coisa e no preço. No que concerne à forma, é preciso tecer alguns comentários. Antes do advento do Código Civil de 2002, discutia-se muito a necessidade do instrumento público quando o contrato ao qual se reportava o pactum de contrahendo assim o exigisse. Para alguns a forma do contrato preliminar deveria ser a mesma forma do definitivo, enquanto que para outros a forma era autônoma em relação à do contrato a ser celebrado 2 . O Código Civil, entretanto, pôs fim à celeuma doutrinária e jurisprudencial em seu art. 462. Determina o artigo que o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado. O dispositivo clarifica a 16 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil. Direito das obrigações 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2007. Direito dos Contratos 31 problemática explicitando que o pré-contrato não está sujeito à forma do contrato definitivo. Podemos concluir, portanto, que ainda que o contrato definitivo exija forma pública, será válido o pré-contrato celebrado mediante instrumento particular. Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado Cumpre ressaltar, por fim, que em tema de contrato preliminar, prevalece o princípio da liberdade da forma (art. 107 c/c 462 do CC). Nesse sentido, parece existir contradição entre o artigo em análise e o parágrafoúnico do art. 463. Esse último dispositivo determina que o contrato preliminar deve ser levado ao registro competente. Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente. A interpretação dos dispositivos, todavia, não suscita maiores dúvidas. O registro do contrato preliminar só deverá ser observado quando as partes tiverem interesse em levá-lo ao conhecimento de terceiros, como determina o art. 221 do Código Civil. Nesse sentido, é o enunciado 30 da I Jornada de Direito Civil. Enunciado 30 – A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros. O art. 463 do Código Civil prevê que, realizado o contrato preliminar sem que dele conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes poderá exigir a celebração do contrato definitivo. Para tanto deverá assinar prazo ao outro contraente, que será aquele previsto no contrato ou, em sua ausência, prazo razoável para o cumprimento do pactuado. Direito dos Contratos 32 Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. E caso haja recusa de uma das partes? Nessa hipotése poderá o contratante, mediante requerimento ao juiz, exigir o cumprimento forçado do contrato preliminar. Em outras palavras o inadimplente é compelido a executar o contrato especificamente 2 , determinando o juiz que o efeito do pré-contrato se produza, independentemente do seu consentimento. Ou seja, o juiz suprirá a vontade da parte que descumpriu o pactum de contrahendo e a sentença judicial equivalerá ao próprio contrato que era a pestação ajustada no preliminar 1 . Essa é a solução aventada pelo Código Civil no seu art. 464 e que está em perfeita consonância com o princípio da execução específica das obrigações e do moderno processo civil (art. 461, 461-A, 639 e 641 do CPC). Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação. O dispositivo, no entanto admite uma exceção: quando, pela natureza da obrigação, for impossível conferir caráter definitivo ao contrato preliminar. O artigo em comento refere-se aos casos de obrigações personalíssimas ou intuitu personae em que o fato devido pelo devedor só poderá ser prestado pelo próprio. Nas hipóteses de obrigações infungíveis ou em que não haja mais interesse do credor na realização do contrato, a este só restará exigir perdas e danos, conforme informa o art. 465 do mesmo diploma legal. Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos. Registre-se, por oportuno, que esta solução é subsidiária, pois que a tutela específica das obrigações é a que melhor alcança o interesse do credor. Direito dos Contratos 33 2. Questões de concurso: 20º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase 4. Uma grande empresa privada abre um processo seletivo para preenchimento do cargo de Diretor de Relações Externas. Um candidato é selecionado. As partes acordam o salário, demais condições de contratação e é fixada a data para a admissão. Intempestivamente, sem motivar, a empresa desiste da contratação. O candidato ajuíza em face dela ação de danos materiais e morais. Discorra sobre a fundamentação jurídica dessa pretensão e sua possibilidade de êxito judicial. 22º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase 5 - Disserte sobre o instituto da responsabilidade civil pré-contratual, no rompimento abrupto das negociações durante as tratativas para a celebração de um contrato, e estabeleça a validade ou não desta no ordenamento brasileiro a partir da aprovação do Novo Código Civil. Direito dos Contratos 34 Aula 6 Título: FORMAÇÃO DOS CONTRATOS Ementário de temas: Momento da formação do contrato – Algumas peculiaridades da disciplina da oferta Leitura obrigatória: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – vol. III – contratos. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004; pp. 36/48. Leituras complementares: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 17ª ed., 1996; pp. 57/70. FISCHER, Breno. Dos Contratos por Correspondência. Rio de Janeiro: José Konfino, 1956; pp. 77/164. 1. Roteiro de aula: Um contrato se forma no momento em que as vontades declaradas tornam-se coincidentes. Trata-se do chamado acordo de vontades. Caso a lei não determine que a forma da manifestação do contrato seja expressa, a vontade poderá se manifestar também de forma tácita. A declaração de vontade inicial para a formação do contrato chama-se proposta ou oferta. O seu emissor é denominado proponente ou policitante. A declaração que corresponde à parte contrária é denominada aceitação. O seu emissor é denominado aceitante ou oblato. Da integração entre proposta e aceitação nasce o vínculo contratual. A oferta é a manifestação unilateral de vontade que uma das partes dirige a outra visando à celebração do contrato. Caracteriza-se por ser uma declaração receptícia de vontade, uma vez que é dirigida a outra parte para que a aceite. É importante que a proposta seja séria, evitando-se o mero espírito de emulação, uma vez que ela, guardados determinados requisitos, vincula o emissor ao seu cumprimento. A aceitação, por sua vez, é a manifestação de vontade através da qual o destinatário de uma oferta declara sua aceitação aos termos da proposta, formando assim o contrato entre as partes. Direito dos Contratos 35 Momento da formação do contrato Existem diversas teorias que visam a delimitar um momento específico para a formação do contrato entre partes que não estejam simultaneamente presentes para manifestar a sua vontade. Pode-se identificar, pelo menos, dois grandes sistemas que apontam o momento de formação da relação contratual: o sistema da cognição e o sistema da declaração. De acordo com o sistema da cognição, o contrato torna-se perfeito no momento em que o proponente tem efetivo conhecimento da aceitação da proposta. Nos contratos epistolares, isso faz com que o mesmo não se forme enquanto o proponente leia a mensagem que confirma o aceite. A principal vantagem desse sistema reside na restrição ao fato de que alguém venha a ser vinculado a contrato sem o seu conhecimento. Todavia, as suas desvantagens parecem sobrepujar a referida vantagem, uma vez que se torna muito dificultoso estabelecer um momento preciso para a formação do vínculo contratual. Adicionalmente, esse sistema confere poder desmesurado ao proponente, que pode postergar a ciência do aceite. 17 O segundo sistema, denominado “da declaração”, por sua vez, se divide em três teorias: (i) teoria da declaração propriamente dita; (ii) teoria da expedição; e (iii) teoria da recepção. A primeira teoria, também chamada de teoria da simples aceitação, considera o contrato formado no instante em que o oblato declara a sua vontade no sentido de aceitar a proposta. Segundo essa teoria, independe a formação do contrato tanto da expedição doaceite como de seu conhecimento pelo proponente. Novamente existe dificuldade em precisar com exatidão o momento de formação do contrato. Cumpre ressaltar que a definição de um momento a partir do qual se considera o contrato formado é essencial para uma série de obrigações decorrentes da relação contratual, como, por exemplo, o prazo para cumprimento de uma prestação. 17 Orlando Gomes. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 17ª ed., 1996; p. 68. Direito dos Contratos 36 O inconveniente dessa teoria é retratado de forma contundente por Orlando Gomes ao afirmar que o oblato “ao escrever a carta de aceitação, concluiria o contrato; destruindo- a, o desfaria; tudo isso sem que o proponente tivesse sequer a possibilidade de saber o que se passa.”18 A teoria da expedição, ao reverso, considera o contrato formado não quando o oblato aceita, mas sim quando a aceitação é expedida. A principal vantagem dessa teoria reside no fato de retirar do aceitante o desfazimento, a todo e qualquer momento, do contrato, sem qualquer conhecimento do proponente. Essa foi a teoria adotada pelo Código Civil, no seu art. 434, restando como exceção a previsão do art. 433, que trata da retratação do aceite já expedido, a qual será regida pela terceira teoria desse sistema, a chamada teoria da recepção. Segundo a teoria da recepção, a manifestação de vontade do aceitante apenas forma o contrato quando o proponente recebe o aceite, independentemente do seu conhecimento. Essa teoria vigora no direito brasileiro para fins de retratação, ou seja, o contrato não será formado se a retratação chegar ao proponente antes ou simultaneamente à aceitação. Aqui não importa o conhecimento de ambas as manifestações de vontade: basta que a retratação seja recebida em conformidade com o artigo 433 do Código Civil. Os mencionados dispositivos estão assim redigidos: Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; A dinâmica entre teoria da expedição para o aceite e teoria da recepção para a retratação tem interesse especial para as contratações realizadas através de e-mail, uma vez que as manifestações de vontade são expressas de forma muito mais ágil, mas, por outro lado, ficam suscetíveis, ao bom funcionamento da rede informática e dos servidores de 18 Orlando Gomes. Ob. cit.; p. 69. Direito dos Contratos 37 correio eletrônico. Essa possibilidade será explorada na aula destinada à contratação realizada através de meios eletrônicos. Algumas peculiaridades da disciplina da oferta O Código Civil prevê no art. 427 que a “proposta do contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso”. Esse dispositivo será utilizado por parte da doutrina para dividir a fase pré-contratual em dois momentos: a “fase da oferta” e a “fase das negociações”, variando o seu regime de responsabilização por rompimento das tratativas. 19 A proposta deixará de ser obrigatória, todavia, nas circunstâncias previstas no art. 428, quais sejam: (i) se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita; (ii) se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; (iii) se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; e (iv) se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. O Código de Defesa do Consumidor tornou ainda mais abrangente os efeitos da oferta nas relações de consumo. Segundo prevê o art. 35 do CDC, o fornecedor de produtos ou serviços não poderá deixar de cumprir o constante da oferta, seja ela formal, seja por simples publicidade ou apresentação do produto. Dessa forma, a mera existência de oferta permite ao consumidor o direito de optar dentre as seguintes situações: (i) exigir o cumprimento forçado da obrigação, conforme foi ofertado; (ii) aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; (iii) rescindir o contrato, com direito à restituição de qualquer quantia antecipada, somada a perdas e danos. Essa disciplina destacada da oferta nas relações de consumo será importante para criticar o art. 26 do projeto de lei n 4906/2001, que trata do momento da formação do contrato nas relações de consumo estabelecidas através da Internet. A transferência do 19 Judith Martins-Costa. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2000; p. 510. Direito dos Contratos 38 momento da formação do contrato para o eventual envio de aviso de recebimento por parte do fornecedor tiraria do consumidor a oportunidade de exigir especificamente a prestação avençada, conforme previsto no art. 35 do CDC. Bastaria ao fornecedor não enviar o aviso de recebimento do aceite que não haveria qualquer contrato formado. Essas são hipóteses que conferem importância ao estudo do momento da formação das relações contratuais e fazem com o que o mesmo não seja um mero descortinar de teorias, mas que tenha grande relevância prática. 2. Questões de concurso: 27º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase 14. Se a proposta contiver prazo para a resposta e esta, embora expedida dentro do prazo, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, o contrato: (a) Não se forma, mesmo que o policitante não dê conhecimento ao oblato de que não houve o aperfeiçoamento do contrato; (b) Se forma, arcando o proponente com perdas e danos, caso não comunique o ocorrido ao aceitante; (c) Se forma, devido a teoria acolhida pelo Código Civil no artigo 434; (d) Se forma, arcando o responsável pelo atraso com perdas e danos. Concurso para o cargo de Analista Processual do Ministério Público da União (2004) 59- Sob o ângulo de sua formação, o contrato com declarações intervaladas é aquele em que: (a) deixa de ser obrigatória a proposta se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita; (b) a oferta não obriga o proponente que, depois de tê-la feito, se arrepender desde que a retratação chegue à ciência do oblato antes da proposta ou ao mesmo tempo que ela; Direito dos Contratos 39 (c) se estabelece prazo para a esfera da resposta a uma oferta feita; (d) na hipótese de ser o oblato ausente, o proponente deverá aguardar um lapso de tempo suficiente para que a oferta chegue ao destinatário, calculando-se o tempo conforme o meio de comunicação; (e) a proposta é obrigatória ao policitante. Gabarito: 14 (a); 59 (d). Direito dos Contratos 40 Aula 7 Título: CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS Ementário de temas: Contratos típicos ou nominados – Contratos atípicos ou inominados - Contratos mistos - Contratos bilaterais - Contratos unilaterais - Contratos consensuais - Contratos formais ou solenes - Contratos reais - Contratos onerosos - Contratos gratuitos - Contratos comutativos - Contratos aleatórios - Contratos de execução imediata ou instantâneos - Contratos de duração ou de trato sucessivo - Contratos pessoais ou intuitu personae - Contratos impessoais - Contrato individuais e coletivos Leitura obrigatória: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009; pp. 83/108. Leituras complementares: RIZZARDO, Arnaldo. Contratos.Rio de Janeiro: Forense, 2008; pp. 65/112. 1. Roteiro de aula: A classificação decorre da necessidade de ordenação e clareza das idéias. Ela se dá por meio da organização, em categorias comuns, dos fenômenos que costumam surgir de maneira esparsa e desordenada no cotidiano. Através da classificação é possível diferenciar e analisar as especificidades de cada tipo contratual. Contratos típicos ou nominados. Diz-se contratos típicos os que, além de possuírem nome próprio (nomen juris), que os distingue dos demais, contituem objeto de regulação específica. São, portanto, aqueles em que suas regras disciplinadoras são deduzidas de maneira precisa nos códigos ou nas leis (como, por exemplo, compra e venda, doação, leasing etc). Contratos atípicos ou inominados. São aqueles em que, em razão da liberdade de contratar, foram criados fora dos modelos traçados na lei. Com razão, a mente humana é fértil e capaz de elaborar os mais variados tipos negociais para alcançar os mais variados efeitos. Seria impossível ao Direito dos Contratos 41 legislador prever todos os tipos contratuais. A atipicidade significa ausência de tratamento legislativo específico. O Código Civil, em seu art. 425, autoriza a criação de novos contratos, desde que submetidos os preceitos do referido diploma legal. Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Contratos mistos. Denominam-se mistos aqueles contratos nos quais se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei1. Resultam da combinação de vários tipos contratuais previstos em lei aliados a atipicidade. Contratos bilaterais. No que concerne à presente classificação, é necessário fazer algumas observações acerca da concepção de bilateral. Isto se deve ao fato de que, em sua formação, todos os contratos são bilaterais. Com efeito, todo contrato é um negócio jurídico bilateral, pois implica em duas manifestações de vontades. Portanto, falar em contrato bilateral no sentido subjetivo seria uma redundância. Todavia, no que diz respeito aos efeitos, os contratos podem ser bilaterais ou unilaterais. Bilateral é o contrato em que se criam obrigações para ambas as duas partes. A característica fundamental do contrato bilateral é o sinalaga, ou seja, a existência de prestações correlatas. Trata-se, em verdade, da correspectividade das prestações. Nesse tipo de contrato, uma prestação é a causa da outra. Deixando de existir uma, por conseguinte, deixa de existir a outra. Doutrina, ainda, faz ressalva acerca de uma outra espécie contratual. Seriam os contratos bilaterais imperfeitos. Nesses contratos, criam-se obrigações para uma só das partes, contudo, é possível que surjam obrigações para o outro contratante supervenientemente à celebração do contrato. A diferença reside no fato de que, enquanto nos contratos bilaterais as obrigações são recíprocas e existem desde a formação, nos Direito dos Contratos 42 bilaterais imperfeitos, a obrigação de um dos contratantes surge no curso da execução. Os contratos bilaterais imperfeitos se subordinam às regras dos contratos unilaterais. Contratos unilaterais. São aqueles em que, no momento da formação, geram obrigações para somente uma das partes. Contratos consensuais. Chama-se consensual o contrato que se torna perfeito e acabado por efeito exclusivo da integração das duas vontades. Em outras palavras, formam-se exclusivamente pelo acordo de vontades. Essa, aliás, é a regra nos contratos, conforme preceitua o art. 107 do Código Civil: a liberdade das formas. Contratos formais ou solenes. São aqueles contratos em que não basta o mero acordo de vontades para sua formação, mas ao invés, depende de uma formalidade exigida em lei. Ou seja, só se aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma exigida em lei. É preciso distinguir, entretanto, os contratos formais ad solemnitatem dos contratos formais ad probationem. Nos primeiros a formalidade é da própria essência do contrato e a sua inobservância implica, diretamente, na invalidade do negócio jurídico, de acordo com o art. 104 do Código Civil. Exemplo de contrato formal ad solemnitatem é a fiança (art. 819 do CC). Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva Já nos contratos formais ad probationem, a formalidade é exigida somente para a prova do contrato. O contrato não é formal, mas a formalidade é imposta como técnica probatória. Nesses, o contrato produz seus efeitos, embora só possa ser provado pela forma especificada em lei. Cumpre ressaltar que, ainda que não se tenha realizado o contrato pela forma especificada em lei, é possível a demonstração de sua existência por todos os meios de prova admitidos em direito no curso do processo, sob pena de cerceamento de defesa Direito dos Contratos 43 (art. 5º, LVI da CRFB/88 c/c art. 332 do CPC). Lembre-se que o art. 221, parágrafo único admite que a prova do instrumento particular pode suprir-se por outras de caráter legal. Exemplo desse tipo de contrato é o depósito voluntário (art. 646 do CC). Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito. Contratos reais. São os contratos que se perfazem com a entrega da coisa. Em outras palavras, somente com a traditio se forma o contrato. São exemplos desse contrato o mútuo, o depósito e o comodato. Contratos onerosos. São aqueles contratos em que cada uma das partes visa a obter vantagem. Nesses, ambas as partes obtém proveito, ao qual, corresponde um sacrifício. Diz-se, portanto, que os contratos onerosos são bilaterais. Contratos gratuitos. Chamam-se gratuitos os contratos em que somente uma das partes obtém proveito. É o contrato em que um contratante aufere vantagens ao passo que o outro suporta o encargo. A importância da distinção diz respeito às conseqüências práticas. Nos contratos gratuitos, a interpretação é sempre restritiva (art. 114 do Código Civil). São, ainda, tratados com maior rigor, pois podem implicar em fraude contra credores (art. 158 e 159 do Código Civil). Em regra os contratos gratuitos são unilaterais, todavia, ORLANDO GOMES lembra uma hipótese de contrato unilateral oneroso: mútuo feneratício. Não obstante, existe doutrina que determina se tratar, em verdade, de um contrato bilateral. Direito dos Contratos 44 Contratos comutativos. Nesses contratos, a relação entre vantagem e sacrifício é equivalente. Em outras palvras, as prestações das partes são conhecidas previamente existindo, por conseguinte, um equilíbrio entre as prestações. Contratos aleatórios. Denominam-se aleatórios os contratos em que os contraentes não podem antever ambas as prestações com certeza absoluta. Há uma incerteza para as duas partes sobre se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício. Existe, portanto, um risco, uma álea. A vantagem dessa contratação é que, por envolver um risco, o valor a ser pago pelo contratante será menor. Importante é que haja absoluta incerteza quanto ao resultado final da contratação e falta de equivalência entre as prestações. O risco ou álea, pode dizer respeito ou a própria existência da coisa ou sobre sua quantidade. No primeiro caso o contratante assume o risco da coisa sequer vir a existir. Dessa forma, o preço será devido ainda que nada venha a existir. Trata-se da emptio spei, prevista no art. 458 do Código Civil. Exemplo clássico é da compra de uma colheita, ainda que nada seja colhido. Art. 458. Se o contrato for aleatório,
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