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GARCIA ARZENO, M.E. Psicodiagnóstico Clínico: novas contribuições Profa. Ma. Alcimeri Kühl Amaral V. Prata “Afinal, consiste em sabedoria para o psicólogo compreender e aceitar que a psique se revela, ao mesmo tempo que se esconde e, ao esconder-se, dá- se a revelação”. López-Pedraza 1. “A interação clínica psicólogo-paciente verifica-se ao longo de todo o processo diagnóstico. Essas duas pessoas entram em relação e passam a interagir em dois planos, ou seja, o de atitudes e o de motivações. Ambas têm suas funções e papéis e estão na relação diagnóstica não só como psicólogo e paciente, mas, antes de tudo, como pessoas. No plano das atitudes, está o psicólogo com sua função de examinador clínico, e está o paciente com sua sintomatologia e necessidade de ajuda. No plano das motivações, estão o psicólogo e o paciente com seus aspectos inconscientes, assumindo papéis de acordo com seus sentimentos mais primitivos e suas fantasias”. Explique, a partir da colocação acima, o papel da transferência no processo psicodiagnóstico. 2. Explique o papel da resistência como uma forma de transferência no processo psicodiagnóstico. 3. Os fenômenos contratransferenciais também precisam ser levados em consideração no processo psicodiagnóstico. Fale sobre sua relevância. 4. Analise e explique a seguinte colocação de Trinca (1983): “o psicólogo se sente ansioso ante os inúmeros dados que emergem durante o exame psicológico. Em função dessa ansiedade, podem ocorrer erros na formulação diagnóstica, visto que, de forma onipotente, pode considerar as impressões iniciais com amplitude inadequada”. 5. Explique a tarefa do psicólogo no processo psicodiagnóstico. Em todas as atividades clínicas, e entre elas se inclui o psicodiagnóstico, é necessário partir de um enquadre. O enquadre pode ser mais estrito, mais amplo, mais permeável ou mais plástico, conforme as diferentes modalidades do trabalho individual ou conforme as normas da instituição na qual se trabalhe. Varia de acordo com o enfoque teórico que serve como marco referencial predominante para o profissional, conforme a sua formação, suas características pessoais e também conforme as características do consultante. A idade do paciente também influi no enquadre escolhido. Com uma criança pequena, sentaremos para brincar no chão se ela assim o solicitar; mas não com um adulto. Com adolescentes, sabemos que precisamos ser mais tolerantes quanto à sua freqüência, sua pontualidade e suas resistências para realizar certos testes dos quais “não gostam”. Talvez queiram antes acabar de escutar uma música em seu toca-fitas, a escutaremos até ele dizer que podemos começar. Talvez fizéssemos o mesmo com uma criança ou com um adulto psicótico. Impossível trabalhar sem um enquadre, mas não existe um único enquadre. Quando questionados sobre o enquadre que usamos, muitas vezes acontecerá que a reflexão vem a posteriori da prática clínica. Em primeiro lugar, agimos, e depois refletimos sobre como e por que trabalhamos daquela forma. Bion recomenda trabalhar com absoluta atenção flutuante e liberdade, e após terminada a sessão, então sim, é aconselhável tomar notas e pensar sobre o ocorrido. No psicodiagnóstico isto aplica-se principalmente à entrevista inicial. Nas seguintes já é necessário agir de outra forma para atingir nosso objetivo. Seja com um adolescente, um adulto ou com os pais de uma criança, a primeira entrevista nos dará subsídios que facilitarão o enquadre a ser escolhido. Seu comportamento, seu discurso, suas reações, são indicadores que nos ajudam a resolver que tipo de enquadre usaremos, se mais estrito ou mais permissivo. O enquadre inclui não somente o modo de formulação do trabalho mas também o objetivo do mesmo, a freqüência dos encontros, o lugar, os horários, os honorários e, principalmente, o papel que cabe a cada um. Certos aspectos do enquadre que permanecem “mudos” até que alguma circunstância nos obriga a rompê-los, e então aparecem com clareza. Suponhamos que o terapeuta tenha sido sempre pontual, até que um dia um problema no trânsito o obriga a chegar vinte minutos mais tarde. O paciente está esperando furioso, quase o insulta e grita “porque o senhor deve estar aqui quando eu chego”. Se não houvesse surgido esta “ruptura” do enquadre, essa reação teria permanecido sempre encoberta pela seriedade do comportamento do terapeuta. O campo da entrevista também não é fixo, mas dinâmico, o que significa que está sujeito a uma mudança permanente, e a observação deve se estender do campo especifico existente a cada momento à continuidade e sentido dessas mudança. Cada situação humana é sempre única e original, sendo assim também o será a entrevista. Esta originalidade de cada acontecimento não impede o estabelecimento de constantes gerais, ou seja, das condições em que os fatos se repetem com maior freqüência. O individual não exclui o geral nem a possibilidade de introduzir a abstração e categorias de análise, a forma de observar bem é ir formulando hipóteses enquanto se observa, e no transcurso da entrevista verificar e retificar as hipóteses durante seu próprio transcurso em função das observações subseqüentes que, por sua vez, vão ser enriquecidas pelas hipóteses prévias. O enquadre seria o fundo ou a base, e o processo psicodiagnóstico a imagem do que, unindo ambos os conceitos (enquadre e processo) configuraria a situação analítica. O enquadre seria o fator constante, o que não é processo. O processo seria aquilo que é variável, o que se modifica. Isto é o que explica de que forma vai se desenvolvendo o processo terapêutico. No caso de um psicodiagnõstico podemos fazer uso destes conceitos. A situação não é a analítica. Mas, da mesma forma, precisamos observar o indivíduo para fazer um diagnóstico correto. Devemos ter certeza de que aquilo que surgir será material do paciente (variáveis por ele introduzidas) e não nosso. Uma senhora marcou uma consulta para uma menina de seis anos. Chamou minha atenção o fato de que me chamara de você desdé o início. Atualmente, este é um fato comum, mas não há quinze anos. Eu mantive a postura de chamá-la de senhora e disse-lhe que deveria comparecer com seu esposo à primeira entrevista. Ela negou-se terminantemente, alegando que ele viajava constantemente e não dava atenção à menina. Acrescentou ainda que ele “não acreditava nessas coisas” e que a deixava resolver esses assuntos. Esta senhora colocou-se no papel de “dona de casa” e colocou-me num papel tipo o de uma professorinha para a menina que estava com problemas na escola. Sua forma autoritária de dispor o contrário daquilo que eu solicitava já me fazia pensar em outros problemas além daqueles que ela colocava. Expliquei-lhe, sempre ao telefone, que eu tinha interesse em escutar a opinião do pai e que tudo o que fosse resolvido devia ser responsabilidade do pai e não somente da mãe. Mesmo assim, na hora marcada chegou sozinha e tentou constantemente estabelecer comigo uma aliança contra o marido, a quem ao mesmo tempo usava, dispondo, em seu lugar, das suas decisões e da sua situação financeira. Isto poderia ser produto do despeito de uma esposa abandonada, mas de fato impunha a mim a exclusão do marido. Além do mais, esclareceu que a menina era filha adotiva e que não devia sabê-lo nunca. Isto criou dificuldades intransponíveis para trabalhar, pois não só excluia o maridocomo também a própria filha. Devido à minha insistência, o marido assistiu à segunda entrevista e foi possível falar sobre a relação dos problemas de aprendizagem com os desentendimentos do casal e o fato de ocultarem da menina a verdade sobre a sua origem. O marido era, de fato, evasivo e resistente, mas não tanto quanto ela o fazia parecer, devido ao seu rancor de esposa e mãe frustrada. Eu insisti quanto à necessidade de contar à menina sobre a adoção e não aceitei vê-la enquanto eles não decidissem encarar a situação sem mais mentiras. Nunca mais ouvi sobre eles. É muito difícil definir o papel do psicólogo no momento da devolução de informação. Com alguns adultos ou adolescentes poderemos trabalhar com elasticidade e plasticidade, enquanto que com outros deveremos ser mais drásticos. Menina de quatorze anos que já havia passado por um aborto e duas fugas de seu lar com seus namorados. Toda vez que eu tentava mostrar a gravidade destes fatos, os pais, principalmente a mãe, desconsideravam minha opinião, dizendo que esses eram fatos habituais entre os adolescentes. Precisei então adotar um papel mais fechado e definido. Essa senhora era uma executiva importante e não soltou sua pasta durante toda a entrevista, como se isso definisse o seu papel: o de unia executiva. Usando essa linha de pensarnento estabelecida por ela, coloquei: “Bem, a senhora sabe mais do que eu sobre como administrar uma empresa, mas eu sei mais do que a senhora sobre o que é um adolescente, e posso afirmar que o caso da sua filha não é algo habitual nem inconseqüente. Mas ela é sua filha e não minha. Portanto, pode acreditar ou não em mim. Faça de conta que eu fiz nela um exame de sangue e lhe disse que está anêmica e a senhora me responde que é habitual na adolescência. O que acha? Quem está mais próxima da verdade? A ética profissional orienta-nos a dizer a verdade, porque para isso somos consultados, e se em determinados casos precisamos fazer intervenções mais drásticas, é imprescindível fazê-lo, pelos pais, pela filha e por nós mesmos. Muitas vezes o processo psicodiagnóstico não acaba com a aceitação fácil de nossas conclusões. Os consultantes precisam tempo para pensar, para assimilar o que lhes foi dito.
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