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Angela Rios Fisioterapeuta especialista em saúde da mulher Apoiadora da Rede Cegonha pelo Ministério da Saúde Ativista da Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA PARTO É um assunto de todos nós! Não nos interessamos por esse assunto Não falamos de parto, sexo e vagina Nem todo nascimento é lindo Não podemos ignorar o sofrimento destas mulheres Parto é Dor! Parto é Sofrimento! A DOR DO PARTO Dor: sensação física Sofrimento: percepção de ameaça ao corpo ou à alma; perda de controle e ausência de ajuda; recursos insuficientes para lidar com a situação; medo de morrer ou perder o bebê DOR Tensão Medo De acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo: 1:4 Retratos da Violência Obstétrica - carlareiter.com/1em4 CONDUTAS CLARAMENTE PREJUDICIAIS OU INEFICAZES E QUE DEVERIAM SER ELIMINADAS • Uso rotineiro de enema. • Uso rotineiro de raspagem dos pelos púbicos. • Infusão intravenosa rotineira em trabalho de parto. • Administração de ocitócicos a qualquer hora antes do parto de tal modo que o efeito delas não possa ser controlado. • Uso rotineiro da posição de litotomia com ou sem estribos durante o trabalho de parto e parto. • Esforços de puxo prolongados e dirigidos (manobra de Valsalva) durante o período expulsivo. • Revisão rotineira (exploração manual) do útero depois do parto. WHO, 1996. Care in normal birth. A practical guide. PROCEDIMENTOS CONSIDERADOS INVASIVOS E DANOSOS À MULHER NO PARTO • Episiotomia • Intervenções com finalidades didáticas • Intervenções de verificação e aceleração do parto • Falta de esclarecimento e consentimento da paciente • Manobra de Kristeller • Restrição da posição do parto • Restrição da escolha do local do parto • Restrição de alimentação e hidratação Dossiê da Violência Obstétrica “Parirás com Dor” – Parto do Princípio, 2012 EPISIOTOMIA A episiotomia, ou “pique”, é uma cirurgia realizada na vulva, cortando a entrada da vagina com uma tesoura ou bisturi, algumas vezes sem anestesia. Afeta diversas estruturas do períneo, como músculos, vasos sanguíneos e tendões, que são responsáveis pela sustentação de alguns órgãos, pela continência urinária e fecal e ainda têm ligações importantes com o clitóris. EPISIOTOMIA • Não é recomendado realizar episiotomia de rotina. A episiotomia deve ser evitada sempre que possível, pois causa maior chance de trauma perineal posterior, maior necessidade de sutura e maiores complicações. • Todos os anos, milhões de mulheres têm suas vaginas cortadas cirurgicamente sem que haja qualquer indicação clínica para isso. Isso implica em questões sexuais graves e de grande impacto. Ponto do marido: durante a sutura, é realizado um ponto mais apertado, que tem a finalidade de deixar a vagina bem apertada para “preservar” o prazer masculino nas relações sexuais, depois do parto. PROCEDIMENTOS INVASIVOS E DOLOROSOS COM FINALIDADE DIDÁTICA Submeter uma mulher a procedimentos desnecessários, dolorosos, com exposição a mais riscos e complicações, com a única e exclusiva finalidade de antecipar o exercício da prática desse procedimento em detrimento do aprendizado do respeito à integridade física das pacientes, bem como seu direito inviolável à intimidade é considerado, no contexto dos direitos reprodutivos, violência obstétrica de caráter institucional , físico e, não raro, sexual. “Senti meu corpo totalmente exposto, me sentia um rato de laboratório, com aquele entra e sai de pessoas explicando procedimentos me usando para demonstração. O médico mal falou conosco, abriu minhas pernas e enfiou os dedos, assim, como quem enfia o dedo num pote ou abre uma torneira.” A.F.G.G., atendida na rede pública em , Belo Horizonte-MG PROCEDIMENTOS INVASIVOS E DOLOROSOS COM FINALIDADE DIDÁTICA “[...] Perguntei baixinho se ela poderia estimar quanto se fazia de episiotomia e de indução ali, ao que ela cochichou ‘perto de 100%’. Eu perguntei:’Perto de 100%? Por que?’. ‘Porque eles têm que aprender (olha de soslaio para os residentes) e as mulheres são o material didático deles, falou, fazendo uma concha com a mão em minha direção.” (DINIZ, 2001) “Nós precisamos aspirar todos os bebês que nascem, porque senão, como os internos (do 4° ano de medicina) vão aprender a fazer o procedimento? Sei que ele é necessário em apenas 10% dos casos, mas não podemos correr o risco de o médico não aprender a técnica” (Dr. A. Médico Pediatra) INTERVENÇÕES PARA ACELERAÇÃO DO PARTO “Na hora do expulsivo, eu não tive alternativa de posição, então tive que me deitar na mesa obstétrica, minhas pernas foram amarradas aos estribos, um campo cirúrgico foi erguido de modo que eu não via quem eram as pessoas que entravam na sala e me viam de pernas abertas, embora escutasse a porta abrindo e fechando o tempo todo. Ainda não estava com dilatação completa quando ela me orientou a fazer ‘força comprida’ durante as contrações.” (Vania, atendida na Maternidade São Lucas em Ribeirão Preto-SP com pagamento particular) Durante um exame de toque, eu pedi para parar pois estava sentindo muita dor. O médico disse: “na hora de fazer tava gostoso, né?”. Nessa hora me senti abusada. (F. atendida na rede pública em São Paulo-SP) Amniotomia Ocitocina para acelerar as contrações Descolamento de membranas Puxos dirigidos Toques vaginais dolorosos Indução do trabalho de parto FALTA DE ESCLARECIMENTO E CONSENTIMENTO DA MULHER PARA AS INTERVENÇÕES Omitir informações, não informar sobre os procedimentos realizados, não negociar com a paciente a realização desses procedimentos, viola os seus direitos e nega sua autonomia. As condutas desnecessárias e arriscadas são consideradas violações ao direito da mulher à sua integridade corporal. A imposição autoritária e não informada desses procedimentos atenta contra o direito à condição de pessoa. “Durante a pesquisa de campo, pudemos constatar que as pacientes não eram consultadas nas tomadas de decisão com relação à realização de qualquer procedimento cirúrgico ou acerca de quem na equipe iria executar esses procedimentos. Raramente sabiam o nome de qualquer profissional da equipe médica, muito menos se se tratava de um médico ou um estudante de medicina. Elas raramente eram informadas de antemão que seriam submetidas a intervenções cirúrgicas como episiotomias e episiorrafias.” (HOTIMSKY, 2007) RESTRIÇÃO DA ALIMENTAÇÃO E HIDRATAÇÃO RESTRIÇÃO DE POSIÇÃO E MOVIMENTO ATENDIMENTO DEGRADANTE P er eg rin aç ão e m b us ca d e va ga Omissão de informações Descaso e abandono Desprezo e humilhação Ameaça e coação Preconceito e discriminação C ulpabilização, chantagem DESCUMPRIMENTO DA LEI DO ACOMPANHANTE LEI 11.108 Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. • § 1o O acompanhantede que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. • § 2o As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo. Menos de 20% das mulheres se beneficiam da presença contínua do acompanhante durante todo o período de internação, sendo esse ainda um privilégio das mulheres com maior renda e escolaridade, brancas, usuárias do setor privado e que tiveram cesarianas MANOBRA DE KRISTELER SEPARAÇÃO MÃE E BEBÊ O ABORTO NA REALIDADE DA ATENÇÃO OBSTÉTRICA NO BRASIL • A complicação de aborto é uma das principais causas de mortalidade materna registradas no Brasil, sendo considerado que é subnotificado devido às questões legais, culturais e religiosas de mulheres e profissionais de saúde. Em 2002, 11,4% de todas as mortes maternas foram relacionadas a complicações registradas de aborto • “A curetagem pós-abortamento representa o segundo procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação da rede pública de serviços de saúde, superada apenas pelos partos normais.” (BRASIL, 2005) Norma técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, Brasil 2011 • Não cabe objeção de consciência no atendimento de complicações derivadas de abortamento inseguro, por se tratarem de casos de urgência. Não se pode negar o pronto-atendimento à mulher em qualquer caso de abortamento. • Diante de abortamento espontâneo ou provocado, o(a) médico(a) ou qualquer profissional de saúde não pode comunicar o fato à autoridade policial, judicial, nem ao Ministério Público, pois o sigilo na prática profissional da assistência à saúde é dever legal e ético, salvo para proteção da usuária e com o seu consentimento. O não cumprimento da norma legal pode ensejar procedimento criminal, civil e éticoprofissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os danos causados à mulher. • Deve-se oferecer medicamentos para alívio da dor a todas as mulheres. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA Essa tendência ao tratamento rude e humilhante é especialmente intensa quando as mulheres estão mais vulneráveis à discriminação, como no caso de mulheres pobres em geral, negras, portadoras do HIV, prostitutas, solteiras e adolescentes, usuárias de drogas, entre outras, entre as quais são freqüentes os relatados de negligência e omissão de socorro, o que configuraria claramente violações dos direitos reprodutivos e humanos das mulheres. O PARTO MAL ASSISTIDO “a violência da imposição de rotinas, da posição de parto e das interferências obstétricas desnecessárias perturbam e inibem o desencadeamento natural dos mecanismos fisiológicos do parto, que passa a ser sinônimo de patologia e de intervenção médica, transformando-se em uma experiência de terror, impotência, alienação e dor. Desta forma, não surpreende que as mulheres introjetem a cesárea como melhor forma de dar à luz, sem medo, sem risco e sem dor” CESARIANA AGENDADA: DIREITO À ESCOLHA? A VERDADE É QUE: • Falta equipe obstétrica treinada para assistência ao parto com o mínimo de intervenções e com segurança • Os espaços dos hospitais não são adequados para o parto normal – parto no centro cirúrgico • A remuneração do médico pelo parto normal é baixa, comparada à produtividade da cesariana • O parto normal não é lucrativo para os hospitais e planos de saúde • Ignora-se os riscos elevados das cesarianas desnecessárias A INDÚSTRIA DO NASCIMENTO • 3 milhões de bebês nascem ao ano no Brasil • Mais da metade (56%) nascem por cesarianas • Processo extremamente violento para a mãe do bebê FALSAS INDICAÇÕES DE CESARIANA MACHISMO E A APROPRIAÇÃO DO CORPO DA MULHER PARTO É SEXO! CASO EMBLEMÁTICO • Adelir Carmem Lemos de Góes, foi conduzida à maternidade sob força policial, por decisão judicial, e submetida a uma cesárea sem seu consentimento no dia 1º de abril de 2014. • A violência sofrida por Adelir explicita a violência institucional à qual muitas mulheres são submetidas na atenção obstétrica. É intolerável que mulheres continuem sendo desconsideradas nos seus processos de gestação, parto e abortamento. Todas as mulheres têm direito ao acesso a um atendimento à saúde digno, de qualidade, humanizado; têm direito a receber esclarecimentos em linguagem adequada, respeitosa, compreensível sobre o seu estado de saúde, sobre os procedimentos propostos, seus riscos, complicações e alternativas, inclusive à recusa ou ao consentimento livre, voluntário e esclarecido sobre os procedimentos a serem realizados em seus corpos. Todas as mulheres têm direito de participar das decisões sobre seu parto, sendo corresponsáveis pelas escolhas realizadas de modo informado; têm direito de escolher livremente seu acompanhante; têm direito ao sigilo de todas as suas informações pessoais. Todas as mulheres têm direito ao acolhimento respeitoso nos serviços de saúde, livre de qualquer discriminação e livre de qualquer violência. A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NAS MÍDIAS SOCIAIS: MULHERES AJUDAM MULHERES PELA INTERNET SUGESTÃO DE FILMES: • Violência Obstétrica: A voz das Brasileiras Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eg0uvonF25M Aproximadamente 51 minutos • A dor além do parto Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cIrIgx3TPWs&index=2&list=PLcJ7NJcCyztAXi6Qumz Y6GdshOxoM5Hoh Aproximadamente 20 minutos A melhor assistência é aquela que consegue uma mulher e um bebê saudáveis, sem ou com o mínimo possível de intervenção, fazendo-se o possível para facilitar ao invés de atrapalhar a fisiologia do parto e do nascimento (Enkin e cols, 1996; OMS, 1996). REFERÊNCIAS Dossiê Violência Obstétrica: Parirás com Dor – Parto do Princípio Teste da Violência Obstétrica – Parto do Princípio Carta da Conselho Nacional de Direito da Mulhere – 30 de maio de 2014 Violência Obstétrica - a voz das brasileiras12. Vídeodocumentário popular produzido por Bianca Zorzam, Ligia Moreiras Sena, Ana Carolina Franzon, Kalu Brum, Armando Rapchan. Disponível em: http://youtu.be/eg0uvonF25M Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Área Técnica de Saúde da Mulher. – 2. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2011. Rehuna, 1993; Diniz, 1996; Voloshko, 1996. Diniz, CSG. Entre a técnica e os direitos humanos: possibilidades e limites da humanização da assistência ao parto. Tese Doutorado FMUSP, 2001 Aguiar, JM. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero. Tese de Doutorado, FMUSP, 2010.
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