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1 CHESTER I. BARNARD (1886-1961) Só para que você o localize como pessoa e profissional, Barnard foi executivo da American Telephone and Telegraph (ATT), presidente da Fundação Rockfeller, presidente do Conselho de Administração da Fundação Nacional de Ciências, membro da Associação Americana para o Progresso da Ciência e fundador da Sociedade Bach de New Jersey. Tudo isso para demonstrar que a experiência de Barnard foi especialmente obtida não nos meios acadêmicos (embora tenha se graduado em Harvard), mas sim na gerência de organizações complexas, como a ATT, onde trabalhou aproximadamente 40 anos. E essa experiência foi ordenada, estruturada, escrita e publicada em 1938, sob o título As funções do executivo. A proposta de Barnard é explicitada no prefácio de seu próprio livro, ou seja, fornecer uma teoria global do comportamento cooperativo nas organizações formais. A realização desse propósito, algo simultaneamente complexo e pretensioso pelo seu grau de abrangência, estava calcada em um diagnóstico experiencial, fruto da vivência crítica de Barnard no dia-a-dia das organizações e por ele explicitada da seguinte maneira: Os sociólogos, os psicólogos sociais, os economistas, os historiadores e os estudiosos de ciência política — segundo eu depreendia de seus trabalhos — haviam descrito muitos dos fenômenos resultantes dessas forças [referia-se ele às forças, ações e comportamentos operantes na organização], haviam dado algumas explicações a respeito deles. Não consegui, porém, encontrar a menor concordância entre eles. Sempre me pareceu que os estudiosos da sociedade — de qualquer modo que se aproximassem — apenas atingiam a orla da organização, como eu a compreendia e logo se afastavam...4 É ainda Barnard que nos diz: Nada do que eu conhecia tratava a organização sob uma forma que parecesse corresponder tanto à minha experiência, como à concepção explícita no procedimento daqueles que se revelaram eficientes na prática da gerência e no comando de organizações.5 É a partir desse diagnóstico que Barnard, um executivo e não um acadêmico, não encontrando uma teoria que o ajudasse a explicitar suas vivências e as de outros executivos, procurou teorizar sobre suas próprias experiências e publicá-las. As palavras-chave para descrever o trabalho de Barnard são: cooperação, comunicação, responsabilidade, propósito, ser eficiente e efetivo, qualidade moral na liderança. Kenneth Andrews,6 no prefácio à obra de Barnard, procura sintetizá-la: A cooperação se origina da necessidade de um indivíduo atingir propósitos para os quais ele é biologicamente inapto. Com a sequência de cooperação de outros indivíduos começa um sistema constantemente em mudança, formado pela inter-relação de elementos biológicos, psicológicos e sociais. Para sobreviver, este sistema deve ser efetivo, no sentido de atingir os propósitos da organização, e eficiente. O conceito de eficiência usado por Barnard não é usual daquele boje prevalente na teoria administrativa. Para ele, o conceito de eficiência estava conectado à satisfação das motivações dos integrantes da organização. Já para a teoria da administração prevalente, eficiência está ligada à “parcimônia no uso dos recursos, custos reduzidos, não desperdício, diminuição no tempo de operações”, no sentido de satisfazer as motivações individuais. O executivo deve 2 presidir e adaptar, em cada caso, o processo que relaciona o sistema cooperativo com o ambiente e que promove a satisfação individual. O conceito inicial de cooperação leva à definição da organização como um sistema de atividades ou forças conscientemente organizadas de duas ou mais pessoas. Essencial para a sobrevivência da organização é a disposição em cooperar, as habilidades em comunicar, a existência e a aceitação do propósito. As funções do executivo são, então, prover um sistema de comunicação, de manter a disposição em cooperar e assegurar a contínua integridade do propósito da organização. A elaboração de Barnard das funções do Executivo leva à consideração da liderança como a capacidade pessoal para confirmar decisões que emprestam qualidade e moralidade à coordenação da atividade da organização e à formulação de seu propósito. BARNARD E A RESPONSABILIDADE DO EXECUTIVO O livro de Barnard, The functions of the executive (1938),7 já mencionado, contém um capítulo sobre “A natureza da responsabilidade do executivo” que antecipa em três décadas as preocupações contemporâneas relativas à qualidade moral da liderança dos executivos. O autor oferece alguns insights importantes para o estudioso dos fenômenos ligados à liderança e às organizações. Ele destaca a necessidade do executivo ou do líder de criar uma “moralidade organizacional” como elemento indispensável para conseguir uma atitude de esforço cooperativo dentro da organização; sustenta, também, a necessidade da existência de uma liderança moral, partindo da premissa “objetiva” segundo a qual nenhuma organização pode funcionar sem a mesma, e baseia sua discussão quanto à natureza da moralidade desejável mais na necessidade imperativa do esforço cooperativo voluntário por parte dos empregados do que em elementos religiosos ou filosóficos. Barnard traz uma mensagem importante para a administração pública contemporânea. LIDERANÇA TÉCNICA E LIDERANÇA MORAL Barnard conceitua a liderança nas: a liderança técnica e a liderança moral, do executivo dentro de duas categorias: a liderança técnica e a liderança moral. Ele visualiza a liderança técnica como peculiar ao indivíduo e associada à superioridade dos pontos de vista de estrutura corporal, habilidade, tecnologia, percepção, conhecimento, memória e imaginação. A liderança técnica está sujeita a um processo de desenvolvimento específico por meio do condicionamento, treinamento e educação; é sobremaneira significativa quando em conjunção com determinadas condições; é essencial à ação positiva; infunde admiração e emulação.8 O aspecto moral da liderança é visto por ele como tendo um caráter mais geral, mais constante, menos sujeito a desenvolvimento específico; mais absoluto, refletindo as atitudes e ideais da sociedade e suas instituições. Ele a associa com superioridade individual em determinação, persistência, coragem; mais frequentemente inferida a partir daquilo que não é feito, ou seja, a partir da abstenção, do que da ação; uma qualidade que infunde respeito, até reverência.9 Barnard equipara esse aspecto da liderança com aquilo que comumente queremos significar com a palavra “‘responsabilidade’, a qualidade que proporciona confiança e determinação à conduta humana, bem como ponderação e certeza aos propósitos”.10 3 QUE SIGNIFICA "MORAL"? Barnard assim define os fatores morais em discussão: Princípios morais são forças ou propensões pessoais de caráter geral e estável nos indivíduos, as quais tendem a inibir, controlar ou modificar desejos, impulsos ou interesses específicos, imediatos e inconsistentes, e intensificar aqueles que sejam consistentes em relação a tais propensões ... Essa tendência ... é antes uma questão de sentimento, impressão, emoção, compulsão interna do que de processos racionais ou deliberação ... Uma condição de responsabilidade existe quando a tendência é forte e estável.11 Barnard, com essa definição, também antecipa uma das melhores definições contemporâneas do termo “ética”, desenvolvida por Hazel Barnes em Uma ética existencial (1967).12 Ela diz que aquilo que chamamos “ética” nasce: a) do reconhecimento de que nossas ações têm consequências e b) do reconhecimento de que nossos interesses de longo prazo, às vezes, se constituem em freios para impulsos momentâneos. Por esta última definição, ética é o equivalente de um controle interior, ou autodisciplina, que governa a ação de alguém. Cada adulto, portanto, tem sua própria ética, uma vez que há sempre alguns impulsos imediatos que serão refreados em favor de outros objetivos ou considerações “maiores” ou de longo prazo, os quais moderam a ação de cada um. Esses objetivos de longo prazo constituem o elemento que proporciona uma sensação de significado à nossa existência. Optar por ser ético, portanto, é optar por dar algum significado a nossa própria existência. Por essa definição, a ética significa algo muito próximo da “autodisciplina”, e autodisciplina vem sendo há muito identificada como uma das qualidades necessárias à liderança. UM SISTEMA ÉTICO/MORAL COERENTE Os filósofos destacam que nenhuma consideração ética tem sentido senão dentro de um sistema coerente que inclua: a) pressupostos relativos à natureza do mundo ou ao contexto dentro do qual se esteja atuando; b) noções sobre a natureza do homem, sua capacidade e suas limitações e c) alguma noção de propósito que conceda significado às ações próprias que se realize, bem como ao reforço cooperativo feito com as demais pessoas. Em muitos aspectos, e para fins de análise de suas práticas éticas tradicionais, uma organização em funcionamento pode ser considerada um sistema coerente. Barnard foi um dos primeiros autores a destacar isso, em sua ênfase sobre a qualidade moral da decisão voluntária de fazer parte do risco cooperativo que chamamos de “organização”. A ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA COOPERATIVO John Locke,13 Jean Jacques Rousseau14 e Emile Durkheim,15 juntamente com muitos outros autores,16 refletiram sobre a natureza do vínculo social que toma possível o esforço cooperativo nas comunidades humanas. A visão de Barnard sobre o “mundo” organizacional tomou por base a noção de que são tão numerosos os fatores entrópicos tendentes a dissipar qualquer senso de unidade porventura existente dentro de um gmpo que qualquer esforço cooperativo continuado é um pequeno milagre, e que o papel da liderança é “inspirar uma decisão pessoal de cooperar, através da criação de fé”: As limitações impostas pelo ambiente físico e pela constituição biológica dos seres humanos, as incertezas quanto ao resultado da cooperação, as dificuldades do entendimento comum quanto aos propósitos, a delicadeza dos sistemas de comunicação essenciais à organização, as tendências dispersivas dos indivíduos, a necessidade de 4 assentimento individual quanto ao estabelecimento de autoridade para fins de coordenação, o grande papel da persuasão no processo de assegurar adesão à organização e submissão às suas exigências, a complexidade e instabilidade dos motivos, a carga interminável da decisão — todos esses elementos da organização, nos quais o fator moral encontra sua expressão concreta, conjuram a necessidade de liderança, o poder dos indivíduos de inspirar decisões pessoais no sentido de cooperação mediante à criação de fé: fé no entendimento comum, fé na probabilidade de sucesso, fé na satisfação máxima dos assuntos pessoais, fé na integridade da autoridade objetiva, fé na superioridade do propósito comum como objetivo daqueles que nele tomam parte. Pode-se observar, no parágrafo acima, os elementos do sistema coerente dentro do qual Barnard discute os aspectos morais do esforço cooperativo: a) O contexto: qualquer cooperação organizada entre pessoas deve vencer um certo número de fatores entrópicos, os quais drenam continuamente a energia para organizar. Dentre eles, desta- cam-se elementos como: ➢ limitações físicas e biológicas; ➢ a incerteza dos resultados; ➢ problemas de compreensão na comunicação de propósitos; ➢ tendências dispersivas dos objetivos individuais; ➢ complexidade e instabilidade dos motivos humanos. b) A natureza humana: a existência de organizações demonstra ser possível a cooperação humana sistemática. No entanto, as “tendências dispersivas” encontradas nos objetivos individuais, bem como a complexidade e instabilidade das motivações pessoais, tomam necessária ao líder a criação de um clima de “fé” como prelúdio e condição para essa cooperação. c) A noção de propósito: o líder deve criar fé “na superioridade do objetivo comum”, o que significa fazer as pessoas acreditarem na existência de uma probabilidade de sucesso coletivo, dentro do qual as motivações pessoais possam essencialmente ser satisfeitas desde que o gmpo confie na integridade da “autoridade objetiva” exercida pela liderança. d) A noção de códigos morais múltiplos: sem estabelecer julgamento a respeito de superioridade de uns sobre outros, Barnard observou que cada membro de uma organização possui diversos códigos privados que afetam suas decisões e seu comportamento. Como ilustração, ele conta a história do sr. A, cidadão de Massachusetts, membro da Igreja Batista, com pais vivos, uma esposa e dois filhos, operador de máquinas (especialista), funcionário de uma estação de bombeamento de um importante sistema de distribuição de água.18 Barnard observa que diversos códigos morais são imputáveis ao sr. A: ➢ ética cristã; ➢ código patriótico de cidadania; ➢ código de responsabilidade familiar; ➢ código profissional; ➢ código derivado da sua organização. Barnard destaca ainda que o sr. A não está, na realidade, consciente de todos esses 5 códigos, os quais são parte do sistema pessoal de valores nele arraigado, a partir dos ensinamentos recebidos na infância e das experiências há muito esquecidas, ou, no total, nunca reconhecidas pelo que são. Não tem ele, igualmente, qualquer conhecimento consciente da ordem de importância imperante entre esses diferentes códigos. Barnard arrisca uma conjetura quanto à hierarquização desses códigos, com base no comportamento provável do sr. A em circunstâncias de crise. Em outras palavras, ele sugere que, quando as pessoas são colhidas por um processo de crise, sua hierarquia inerente de valores vem à tona sozinha. Em suas palavras, Por seus filhos, ele matará, roubará, logrará o Governo, furtará da Igreja, abandonará a estação de bombeamento num momento crítico, fará apressadamente um trabalho malfeito. Se os seus filhos não estiverem diretamente sob risco, ele sacrificará dinheiro, saúde, tempo, conforto, conveniência, biscates e obrigações religiosas para manter em funcionamento as bombas; exceto por seus filhos ou pela estação de bombeamento, ele nunca poderá ser induzido a fazer um mau trabalho mecânico ... para cuidar dos seus pais ele irá mentir, roubar ou fazer qualquer coisa contrária ao seu código de cidadão ou seu código religioso; caso o Governo lhe ordene, legalmente, a violar seu código religioso, ele preferirá antes ir para a prisão do que fazê-lo. Ele, não obstante, é um homem muito responsável.19 Barnard comenta que pode parecer exagero chamar de código moral um sentimento de devoção a um sistema de distribuição de água; comenta, igualmente, que muitas pessoas parecem ignorar a força dos códigos derivados de organizações ou de lealdades profissionais. Muitas organizações, no entanto, dependem muito da autodisciplina engendrada pela devoção ao “fazer bem-feito”, devoção que conduz a um tipo predominante de código moral que afeta o trabalho especializado de operadores de máquinas, contabilistas, engenheiros, administradores, ou seja, qualquer um que se considere “profissional”. 1. O EXECUTIVO COMO LÍDER MORAL Se cada membro de uma organização possui certo número de códigos morais que afetam suas decisões e ações, a posição executiva implica, para quem assumi-la, trabalhar com um número ainda maior de códigos. Adicionalmente aos códigos morais próprios, e independentemente da posição que ocupe, essa incumbência implica a aceitação pelo executivo de diversos códigos adicionais de sua organização. Estes variam de organização para organização e consistem em uma acumulação de práticas habituais, experiências e tradições incorporadas na “cultura” da mesma. São elementos intangíveis, relacionados com a visão que a organização tem de si mesma, bem como percepções de como ela é vista a partir de fora, em suas relações com a clientela. O comportamento e as decisões do executivo se estabelecem como um símbolo da tonalidade moral da organização, tanto internamente quanto do ponto de vista da clientela. Segundo o entendimento de Barnard, o executivo “responsável” é, e deve ser, firmemente governado pelos próprios códigos morais, bem como pelos da organização, quando decide como responder aos muitos impulsos imediatos, desejos, interesses e/ou problemas que surgem. Se ele mostra consistência moral, na tomada de decisões, que pareça de acordo com aqueles códigos, o executivo será visto como um líder “responsável”, merecedor de posições mais altas no mundo organizacional. 6 2. CONFLITO ENTRE CÓDIGOS MORAIS Quanto mais alto o nível atingido pelo executivo, maior será o número de vezes nas quais será acionado para tomar decisões em questões não-rotineiras, envolvendo conflitos entre códigos morais que estejam em processo de competição. O processo de decisão, assim, se toma moral e tecnicamente mais complexo. Possuindo o executivo um alto senso de responsabilidade, só lhe restam dois caminhos para resolver esses conflitos: a) tentar descobrir, por meio de desenvolvimento de análise, aquela ação “correta”, que não viole algum código moral; ou b) adotar um propósito novo, detalhado, consistente com os objetivos gerais do grupo. Barnard destaca que ambos os métodos são teste de habilidade geral, sendo o primeiro relativo à habilidade de discriminação e análise, e o segundo, à de imaginação, invenção e inovação. Em resumo, “as complicações das funções executivas, então, podem somente ser suportadas por aqueles que possuam uma habilidade comensurável”.20 3. CRIANDO CÓDIGOS PARA OS DEMAIS A responsabilidade executiva requer não apenas conformação a um complexo código de morais dentro da organização, mas também a criação de códigos morais para as demais pessoas. Para Barnard, o aspecto geralmente reconhecido dessa função consiste em assegurar, criar, inspirar “moral” em uma organização, o que inclui inculcar pontos de vista, atitudes fundamentais e lealdades para o sistema cooperativo de autoridade objetiva, de modo tal que os interesses individuais e os menores ditames dos códigos pessoais estejam subordinados ao benefício do todo cooperativo. Isso inclui o estabelecimento de moralidade para os padrões de trabalho de toda a organização. Barnard acredita que o aspecto criativo da responsabilidade executiva é o maior exemplo dos aspectos éticos da liderança, afirmando que Onde está envolvida a moralidade criativa, o senso de responsabilidade pessoal — de sinceridade e honestidade, em outras palavras — é agudamente enfatizado... Poucas pessoas podem fazê-lo por muito tempo, exceto à base de convicção pessoal — não convicção de que estejam formalmente obrigadas a tal, mas convicção no sentido de que, o que quer que façam, fazem-no acreditando pessoalmente estar fazendo aquilo que é certo para o bem da organização.21 Barnard observa que as pessoas que compõem a organização informal subjacente a toda a organização formal são as que “nada percebem mais rapidamente do que a insinceridade”. Sem sinceridade da parte do executivo, Toda a organização está morrendo, pois ela é o elemento indispensável na criação do desejo de adesão — para o qual não há incentivo que o substitua — por parte daqueles cujos esforços, voluntariamente dados, constituem a organização.22 4. MORALIDADE ORGANIZACIONAL E ERROS DO EXECUTIVO Barnard introduziu a interessante noção de que uma alta moralidade organizacional cria um ambiente capaz de autocorrigir as decisões do executivo, ações que, embora empreendidas com sinceridade, acabam por se tomar erros estratégicos, táticos ou econômicos. Cada executivo, ainda que talentoso, comete enganos de tempos em tempos, que são percebidos como lapsos pelos colaboradores na organização. Barnard sustenta que uma alta tonalidade moral na organização tende a levar seus membros a perdoar os erros do executivo, enquanto em condições de baixa moralidade organizacional, esses enganos tendem a acelerar a quebra entrópica de confiança na organização e a levar os 7 integrantes da mesma a desejarem cooperar cada vez menos com os objetivos compartilhados. Diz Barnard que “uma moralidade baixa não sustenta a liderança por muito tempo; sua influência rapidamente evanesce e ela não pode sequer fazer sua própria sucessão”23. Em contraste, uma moralidade organizacional alta “é o espírito que supera as forças centrífugas dos interesses e motivações individuais”, sobrepujando as tendências constantes dos indivíduos de procurar os próprios caminhos. Pode-se condensar os argumentos de Barnard em favor da importância de uma alta tonalidade moral nas funções de liderança do executivo nos seguintes itens: 1. Em razão da natureza inerente do elemento humano nas organizações, há uma necessidade de o líder renovar constantemente o espírito embutido no esforço cooperativo, o qual constitui elemento fundamental para a existência de todas as organizações. Sem essa energia unificadora a organização morre, tal como uma fogueira não alimentada. Há uma necessidade de o líder renovar constantemente o espírito embutido no esforço cooperativo, o qual constitui elemento fundamental para a existência de todas as organizações. 2. O caráter geral dessa energia unificadora é a tonalidade moral, expressa por meio de pontos de vista, atitudes fundamentais, lealdades e outros elementos intangíveis incorporados à autoimagem da organização, os quais são moldados e expressos pela liderança executiva. 3. Todas as pessoas analisam o que está acontecendo e como devem responder àquilo que percebem, mediante o uso de códigos múltiplos, aplicados seletivamente, de maneira situacional. O executivo deve ser capaz de lidar com os múltiplos códigos morais expressos pelos membros da organização, combinando-os com os seus próprios em algo que exprima uma “moralidade da organização”. Esta se toma a energia unificadora que renova continuamente o desejo e a disposição individual dos membros da organização de cooperar para atingir o total dos propósitos da mesma, cooperação que é absolutamente essencial para a vida da organização. 4. Caso o executivo tenha sucesso na criação de um alto nível de moralidade organizacional, passará a existir um tipo de ambiente favorável à autocorreção de decisões que só tardiamente seriam percebidas como erradas. Se a tonalidade moral é baixa, os erros acabam conduzindo à desintegração da organização. Você não concorda que Barnard, ainda que preocupado com o comportamento humano na organização, especialmente o desempenho dos executivos, vai efetivamente muito além? Caso você se entusiasme com a disciplina de TGA, As funções do executivo é um clássico que você não deveria deixar de ler, um verdadeiro must. Não é uma leitura que flua “docemente” — afinal, o livro foi escrito já há algum tempo —, mas tem muita substância concentrada e um profundo senso pragmático, de alguém preocupado em obter resultados, respeitando parâmetros éticos. CONCLUSÕES E INFERÊNCIAS A teoria de Barnard, no que tange à participação e à autoridade, pode ser considerada algo muito especial e que gerou um sem-número de polêmicas entre os estudiosos: “A autoridade deriva do direito de a gerência comandar ou é baseada na aceitação por parte daqueles em posições subordinadas?” Barnard não despendeu tempo para responder às críticas que suas ideias geraram. Entretanto, em uma entrevista concedida dois meses antes de sua morte, ele concordou ter enfatizado, em demasia, o aspecto autoridade em detrimento da responsabilidade. 8 Na opinião do professor William B. Wolf, um estudioso da obra de Barnard, “A autoridade é matéria subordinada em sua obra. Ela é um aspecto secundário e derivado da responsabilidade”. O tratamento dado por Barnard à ética, pouco usual no meio gerencial em sua época, mostra- se absolutamente atual nesta primeira década do terceiro milênio. Daí a ênfase que lhe foi por nós atribuída. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO 1. O que diferencia Barnard de outros autores que escrevem sobre teorias organizacionais? Qual seu ponto de partida? 2. Quão convincente é a visão de Barnard de que a organização formal é dinâmica e não estática? 3. Qual sua visão ao que diz respeito à existência de códigos morais nas organizações? Código único ou pluralidade de códigos? 4. Autoridade e responsabilidade: como Barnard interpretava uma e outra? Qual sua visão pessoal? 5. O que justifica a cooperação na organização?
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