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P U B L I C A c O E S FGV Management Ivanildo Izaias de Macedo Denize Ferreira Rodrigues Leandro Pinheiro Chevitarese Susana Arcangela Quacchia Feichas S E R I E G E S T A O D E P E S S O A S sustentabilidade FGV E D I TO R AIDE Copyright © 2015 Ivanildo Izaias de Macêdo, Denize Ferreira Rodrigues, Leandro Pinheiro Chevitarese, Susana Arcangela Quacchia Feichas Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 22231-010 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil Tels.: 0800-021-7777 — 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430 editora@fgv.br — pedidoseditora@fgv.br www.fgv.br/editora Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98). Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores. 1a edição — 2005 Preparação de originais: Sandra Frank Editoração eletrônica: FA Studio Revisão: Clarisse Cintra Capa: aspecto:design Ilustração de capa: Felipe A. de Souza Desenvolvimento de eBook: Loope – design e publicações digitais | www.loope.com.br Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Macêdo, Ivanildo Izaias de Ética e sustentabilidade / Ivanildo Izaias de Macêdo...[et al.]. — Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. (Gestão de pessoas (FGV Management)) Em colaboração com Denize Ferreira Rodrigues, Leandro Pinheiro Chevitarese, Susana Arcangela Quacchia Feichas. Publicações FGV Management. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-225-1747-3 1. Ética empresarial. 2. Responsabilidade social da empresa. 3. Responsabilidade ambiental. 4. Sustentabilidade e meio ambiente. 5. Desenvolvimento sustentável. I. Rodrigues, Denize Ferreira. II. Chevitarese, Leandro Pinheiro. III. Feichas, Susana A. Q. (Susana Arcangela Quachia). IV. FGV Management. V. Fundação Getulio Vargas. VI. Título. VII. Série. CDD — 174.4 mailto:editora@fgv.br mailto:pedidoseditora@fgv.br http://www.fgv.br/editora http://www.loope.com.br Aos nossos alunos e aos nossos colegas docentes, que nos levam a pensar e repensar nossas práticas. Sumário Capa Folha de Rosto Créditos Apresentação Introdução 1 | Ética, moral e valores Conceitos, princípios e fundamentos Ética e moral Ética e direito Ética e política Ética e religião Breve genealogia dos valores ocidentais: da Grécia à modernidade A deontologia kantiana e o utilitarismo inglês Modelos de gestão ética Como enfrentar dilemas éticos Desafios éticos na pós-modernidade Ética e poder nas organizações: o papel do líder Abuso de poder Assédio moral Assédio sexual Moral nas organizações brasileiras Código de conduta e comitê de ética 2 | Responsabilidade social e governança Fundamentos da responsabilidade social Responsabilidade social e cidadania corporativa Cidadania corporativa Balanço social e indicadores GRI Normas de responsabilidade social ISE BM&FBovespa Programa Em Boa Companhia SA 8000 OHSAS 18000 ISO 26000 Selo Abrinq Amigo da Criança Fair trade (comércio justo) Associações representativas de entidades do terceiro setor Relatórios de agências reguladoras Governança corporativa Gestão da reputação Desenvolvimento moral da organização Expectativas da alta administração Fatores individuais Fatores ambientais Processos organizacionais Desenvolvimento moral organizacional Organizações pré-convencionais Organizações convencionais Organizações pós-convencionais 3 | Sustentabilidade como vantagem competitiva Fundamentos, conceituação e princípios Objetivos do desenvolvimento sustentável Do desenvolvimento sustentável ao triple bottom line Estágios para a sustentabilidade corporativa Triple bottom line O pilar econômico – profit O pilar ambiental – planet O pilar social – people Interseção econômico-ambiental Intercessão socioambiental Interseção socioeconômica Múltiplas demandas dos stakeholders Retorno intangível e gerenciamento do risco corporativo Modelos de avaliação de sustentabilidade Conclusão Referências Os autores Ivanildo Izaias de Macêdo Denize Ferreira Rodrigues Leandro Pinheiro Chevitarese Susana Arcangela Quacchia Feichas Apresentação Este livro compõe as Publicações FGV Management, programa de educação continuada da Fundação Getulio Vargas (FGV). A FGV é uma instituição de direito privado, com mais de meio século de existência, gerando conhecimento por meio da pesquisa, transmitindo informações e formando habilidades por meio da educação, prestando assistência técnica às organizações e contribuindo para um Brasil sustentável e competitivo no cenário internacional. A estrutura acadêmica da FGV é composta por nove escolas e institutos, a saber: Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), dirigida pelo professor Flavio Carvalho de Vasconcelos; Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), dirigida pelo professor Luiz Artur Ledur Brito; Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), dirigida pelo professor Rubens Penha Cysne; Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), dirigido pelo professor Celso Castro; Escola de Direito de São Paulo (Direito GV), dirigida pelo professor Oscar Vilhena Vieira; Escola de Direito do Rio de Janeiro (Direito Rio), dirigida pelo professor Joaquim Falcão; Escola de Economia de São Paulo (Eesp), dirigida pelo professor Yoshiaki Nakano; Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), dirigido pelo professor Luiz Guilherme Schymura de Oliveira; e Escola de Matemática Aplicada (Emap), dirigida pela professora Maria Izabel Tavares Gramacho. São diversas unidades com a marca FGV, trabalhando com a mesma filosofia: gerar e disseminar o conhecimento pelo país. Dentro de suas áreas específicas de conhecimento, cada escola é responsável pela criação e elaboração dos cursos oferecidos pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE), criado em 2003, com o objetivo de coordenar e gerenciar uma rede de distribuição única para os produtos e serviços educacionais produzidos pela FGV, por meio de suas escolas. Dirigido pelo professor Rubens Mario Alberto Wachholz, o IDE conta com a Direção de Gestão Acadêmica pela professora Maria Alice da Justa Lemos, com a Direção da Rede Management pelo professor Silvio Roberto Badenes de Gouvea, com a Direção dos Cursos Corporativos pelo professor Luiz Ernesto Migliora, com a Direção dos Núcleos MGM Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo pelo professor Paulo Mattos de Lemos, com a Direção das Soluções Educacionais pela professora Mary Kimiko Magalhães Guimarães Murashima e com a Direção dos Serviços Compartilhados pelo professor Gerson Lachtermacher. O IDE engloba o programa FGV Management e sua rede conveniada, distribuída em todo o país e, por meio de seus programas, desenvolve soluções em educação presencial e a distância e em treinamento corporativo customizado, prestando apoio efetivo à rede FGV, de acordo com os padrões de excelência da instituição. Este livro representa mais um esforço da FGV em socializar seu aprendizado e suas conquistas. Ele é escrito por professores do FGV Management, profissionais de reconhecida competência acadêmica e prática, o que torna possível atender às demandas do mercado, tendo como suporte sólida fundamentação teórica. A FGV espera, com mais essa iniciativa, oferecer a estudantes, gestores, técnicos e a todos aqueles que têm internalizado o conceito de educação continuada, tão relevante na era do conhecimento na qual se vive, insumos que, agregados às suas práticas, possam contribuir para sua especialização, atualização e aperfeiçoamento. Rubens Mario Alberto Wachholz Diretor do Instituto de Desenvolvimento Educacional Sylvia Constant Vergara Coordenadora das Publicações FGV Management Introdução Este livro apresenta teorias e práticas sobre ética e sustentabilidade com o objetivo de facilitar para você, leitor, a reflexão sobre um conjunto de ideias que sirvam de referência para a leitura crítica de sua realidade, assim permitindo a identificação do quanto a melhoria da qualidade das relações éticas e da prática da sustentabilidadenas organizações já exigem ações da sua parte. A compreensão desenvolvida por meio da leitura dos capítulos ilumina as atuais questões éticas e de sustentabilidade no âmbito empresarial, buscando, desse modo, tornar claros seus impactos nos resultados profissionais e empresariais. O diagnóstico da situação atual orientará a definição de ações para o alcance de melhorias nas práticas da dignidade humana nas organizações e da sustentabilidade da vida na Terra. O primeiro capítulo discute conceitos, princípios e fundamentos da ética e da moral, coloca a ética no plano da reflexão e a moral no nível das ações, para demonstrar a relação entre regras morais e moralidade, amoralidade e imoralidade. Depois, são apresentados dois modelos de gestão ética, um deles fundamentado na deontologia kantiana e o outro no utilitarismo inglês, para logo a seguir identificarmos as vantagens e desvantagens de suas aplicações nas organizações. Os desafios éticos da pós-modernidade servem de cenário para a discussão sobre a liderança ética e seus efeitos positivos nos resultados empresariais, no contexto específico da moral patrimonialista presente na sociedade e nas organizações brasileiras, destacando-se aí o abuso de poder e os papéis do código de conduta ética e do comitê de ética. No segundo capítulo, são apresentados fundamentos, indicadores e normas para estabelecer uma estrutura conceitual capaz de analisar ações de responsabilidade social desenvolvidas nas organizações. Aproveitamos o contexto delineado para discutir o papel do terceiro setor e de suas associações representativas. Em seguida, discorremos sobre a importância do alinhamento entre objetivos de acionistas e de gestores das organizações por meio da governança corporativa. Já a reputação da organização é apresentada como um importante ativo intangível que necessita ser gerenciado e, finalizando, abordamos o desenvolvimento moral da organização por meio da análise dos estágios de maturidade pré-convencional, convencional e pós- convencional. O terceiro capítulo examina fundamentos, conceitos e princípios da sustentabilidade; depois destaca os objetivos do desenvolvimento sustentável e apresenta a evolução conceitual até o triple bottom line. A partir daí, detalha seus pilares econômico, ambiental e social, bem como os estágios para a sustentabilidade corporativa. Na sequência, são apresentadas as múltiplas demandas dos stakeholders, o retorno intangível e o gerenciamento do risco corporativo, para concluir com a descrição de modelos de avaliação de sustentabilidade. Finalmente, apontamos as conclusões possíveis de alcançar em função dos limites estabelecidos pelos conceitos e experiências apresentados nos capítulos. 1 Ética, moral e valores Na atualidade, tem se tornado cada vez mais dramático o clamor pela ética. Corrupção, interesses políticos, autoritarismo, favorecimento ilícito, vantagens pessoais, preconceito, discriminação, entre outras atitudes negativas, têm incomodado significativamente nossa sociedade. A cultura contemporânea tem, progressivamente, se mostrado mais intolerante a todo um conjunto de ações prejudiciais à coletividade. Entretanto, muito tem sido feito no intuito de reverter tal estado de coisas e nem sempre estamos atentos a isso. Sem dúvida, não basta apenas reclamar de que não há ética, se não enfrentamos o desafio de pensar sobre o problema e suas possíveis soluções. O presente capítulo pretende introduzir a temática da ética, inicialmente distinguindo-a do direito, da moral, da política e da religião. Em seguida, objetivamos evidenciar a problemática dos valores no processo de tomada decisão, apresentando suas dificuldades e dilemas. Seguimos com uma análise da sociedade contemporânea, enfatizando sua condição de cultura pós-moderna, bem como os desafios éticos que lhe são próprios. Apresentamos a possibilidade de construção de uma liderança em sintonia com a contemporaneidade, que nos apresente uma perspectiva de enfrentamento de tais adversidades. O capítulo considera, ainda, a articulação entre a prática da ética e os resultados empresariais, bem como a construção de confiança nas relações entre empresa, parceiros, funcionários e clientes. Por fim, realizamos uma análise da moralidade presente nas organizações brasileiras, suas dificuldades e desafios. Conceitos, princípios e fundamentos A compreensão adequada do tema exige claras distinções entre ética, moral, direito, política e religião, tarefa que realizamos a seguir. Ética e moral No discurso coloquial, é comum aplicarmos as denominações “ético” e “moral” como sinônimos. Empregamos tais termos, em geral, para nos referirmos à aprovação de comportamentos sociais e, correlatamente, denominamos “antiéticas” ou “imorais” aquelas atitudes que não reconhecemos como adequadas aos valores sociais vigentes. Segundo Zajdsznajder (2001:72), “usa-se também o termo ‘ético’ para qualificar pessoas, instituições e ações. Seu uso convém aos casos em que os deveres e o bem a ser alcançado são levados em consideração”. Todavia, para os propósitos aqui estabelecidos, é fundamental estabelecer a distinção conceitual entre “ética” e “moral”. Uma breve revisão histórica pode nos ajudar a compreender, por exemplo, a pluralidade de significados relacionados aos termos em pauta. Conforme Tugendhat (1997:35-37): Realmente, os termos “ética” e “moral” não são particularmente apropriados para nos orientarmos. Cabe aqui uma observação sobre sua origem, antes de tudo curiosa. Aristóteles tinha designado suas investigações teórico-morais – então denominadas como “éticas” – como investigações “sobre o ethos”, “sobre as propriedades do caráter”, porque a apresentação das propriedades do caráter, boas e más (das assim chamadas virtudes e vícios) era uma parte integrante essencial destas investigações. Essa procedência do termo “ética”, portanto, não dá conta daquilo que entendemos por “ética”. No latim o termo grego éthicos foi traduzido por moralis. Mores significa: usos e costumes. Isto, novamente, não restitui as nossas compreensões de ética e de moral. Ocorre aí, além disso, um problema de tradução. Pois na ética aristotélica não apenas ocorre o termo ethos (com “e” longo), que significa propriedade de caráter, mas também o termo ethos (com “e” curto) que significa costume, e é para este segundo termo que serve a tradução latina. Você, leitor, pode observar como os termos etimologicamente associam-se tanto a “traços de caráter”, como também àquilo que podemos chamar de “usos e costumes” de uma sociedade. Considerando uma sintonia melhor com a compreensão contemporânea, de acordo ainda com Tugendhat, “outra definição terminológica possível de ‘ética’ é, diferenciando-a da moral, compreendê-la como reflexão filosófica sobre a ‘moral’” (Tugendhat, 1997:41,grifos meus). Essa mesma concepção pode ser observada em Thiry- Cherques (2008:30), o qual afirma que a ética “é a denominação da parte da filosofia que se ocupa das ideias morais”. Esse é o sentido que se pode constatar na maioria dos autores, e será a concepção aqui adotada. Também para Marcondes Filho (2007:10), a ética diz respeito aos sistemas prescritivos e normativos vigentes em uma dada coletividade, ou seja, ao “conjunto de preceitos que estabelecem e justificam valores e deveres, desde os mais genéricos, tais como a ética cristã ou estoica, até os mais específicos, como o código de ética de uma categoria profissional [...]”. É interessante observar a ênfase na necessidade de justificar valores e deveres, algo que não pode prescindir de uma atividade crítica e reflexiva – o que é próprio de uma filosofia ou ciência da moral. De fato, desde o surgimento dos primeiros agrupamentos sociais, cada um deles estabeleceu para si mesmo normas de convivência, que assumiram a forma de valores, referentes ao bem e ao mal, aplicados à conduta de indivíduos no meio social. Isso é o que se pode chamar de “moral”. Naturalmente, todo conjunto de valores morais apresenta ampla variabilidade regional e temporal, relativamente a cadacultura. É nesse sentido que dizemos que os “valores variam muito dependendo de cada sociedade”. A ética, por sua vez, distingue-se da moral por ser uma filosofia da moral ou uma ciência da moral, pela qual se pretendem estabelecer critérios e princípios racionalmente fundamentados que possam orientar a conduta diante da diversidade de valores socioculturais. Como observa Chauí (1994:339): A simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. Podemos dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates. A tradição filosófica compreende a ética como uma reflexão filosófica sobre as regras e valores morais, reflexão que se inicia com a filosofia grega, particularmente com a experiência socrática. Certamente podemos constatar diversas formas de moralidade antes dos gregos, mas somente a partir de Sócrates (470-399 a.C.) é que se pode verificar o surgimento da ética. Sócrates, por sua postura crítica e questionadora, inicia historicamente tal atividade filosófica de interrogação sobre as normas morais estabelecidas em um dado contexto cultural. Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido dos costumes estabelecidos (ethos com eta: os valores éticos ou morais da coletividade, transmitidos de geração a geração), mas também indagava quais as disposições de caráter (ethos com epsilon: características pessoais, sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os valores da cidade, e por quê [Chauí, 1994:340]. Daí, leitor, você poder afirmar que, desde suas origens na Grécia antiga até a atualidade, a ética caracteriza-se como uma atividade reflexiva que procura interrogar sobre as diferentes práticas morais, buscando estabelecer os melhores valores que podem nortear a conduta humana. Por essa perspectiva, não basta afirmar que algo é “antiético”; é necessário fundamentar teoricamente por que tal atitude não corresponde a um comportamento ético. Isso é particularmente importante para o cenário de gestão, pois significa que o gestor precisa justificar suas decisões não somente para sua equipe, ou para sua organização, mas, acima de tudo, para toda a sociedade. Justificar, nesse caso, significa evidenciar os critérios e princípios que fundamentam tal decisão, ou seja, esclarecer o resultado de uma reflexão racional sobre as práticas morais, enfim, fundamentar eticamente sua deliberação e responsabilizar-se pelas consequências de sua ação. Desse modo, a ética se constitui como uma área ou disciplina filosófica, de caráter normativo, com pretensão de universalidade. O que se denomina “ética aplicada” nada mais é que um direcionamento específico, voltado para uma determinada atividade humana (seja a medicina, a psicologia, a administração, a gestão de recursos públicos e outros) de uma base de fundamentação teórica geral que lhe garante legitimidade. É desse modo que surgem as chamadas éticas profissionais. Este “solo comum”, que serve de orientação para a conduta no âmbito de uma atividade delimitada, deve ser compartilhado por todos aqueles que participam de tal prática – o que novamente recoloca a universalidade no interior desse foco de atividade humana. Fundamentado nisso, você, leitor, pode dizer que toda história da ética constituiu-se pelo enfrentamento de questões filosóficas que poderiam ser assim formuladas: como devemos agir? Que razões determinam a melhor maneira de agir diante de uma dada situação? O que justifica nossos comportamentos sociais? Este é um ponto particularmente importante: embora não haja uma única ética dotada de consenso universal, cada matriz do pensamento ético- filosófico acaba por propor uma resposta ao problema da conduta humana, formulando sempre juízos com pretensão de universalidade – considerados aplicáveis a todos os indivíduos na mesma situação. Por exemplo, ao declararmos, com base nas demandas por desenvolvimento sustentável, que é ético conciliar o crescimento econômico com investimentos sociais e promoção da conservação ambiental, pretendemos que todos, sempre, tenham essa atitude. Por outro lado, isso não acontece quando afirmamos preferir certo tipo de música, culinária ou estilo de vida. No primeiro caso, formulamos um juízo ético com pretensão de universalidade, ou seja, pretendemos que se aplique a todas as pessoas. No segundo caso, formulamos um juízo estético, de caráter particular, ou seja, pretendemos que se aplique apenas àquele que o formulou e compreendemos que existem outras escolhas, tão válidas quanto as nossas. Podemos também observar a distinção entre juízos éticos e juízos morais, por meio de exemplos do ambiente corporativo. É comum que nos identifiquemos moralmente com determinados colegas de trabalho, por concordarmos com seus valores e costumes; por outro lado, ao mesmo tempo, qualquer um de nós poderia se lembrar de situações de desconforto em função de palavras e hábitos de outros funcionários e gestores, em alguns casos até acompanhados de um sentimento de desrespeito. Tudo isso revela a diversidade moral: as pessoas têm comportamentos e valores diferentes e tal situação gera afinidades ou conflitos porque, em geral, julgamos moralmente – seja de modo positivo ou negativo – o que se apresenta diante de nós. Nesse cenário, a ética surge quando se torna possível estabelecer valores que possam ser racionalmente fundamentados para ordenar a conduta coletiva. Na situação mencionada, sobre diversidade moral, isso corresponderia, por exemplo, à possibilidade de afirmar, por meio de um juízo ético, que “todos devemos respeitar a dignidade humana”, buscando assim mútuo tratamento baseado no respeito e na cordialidade. Vázquez (1985) estabelece a diferença entre problemas morais e problemas éticos. Os problemas morais são relativos à prática e localizados em cada situação específica, podendo afetar uma ou algumas pessoas. Já os problemas éticos abordam reflexões teóricas sobre comportamentos morais, são abrangentes e sempre atingem a comunidade como um todo. A definição do que é bom é um problema ético. De outro lado, é um problema moral estabelecer o que o indivíduo deve fazer em determinada situação para que ele possa ser considerado bom. Por exemplo, é um problema ético decidir se a vida deve ser respeitada. Uma vez que se estabeleça que a vida e a dignidade humana são valores fundamentais, surge o problema moral de estabelecer opções práticas, normas e leis para que a vida seja respeitada. Analisando a necessidade de diferenciar o mundo normativo do mundo prático, Vázquez (1985) diz que a moral compreende normas e comportamentos, abrangendo as regras morais em si e suas práticas efetivas. A necessidade de diferenciar a reflexão ética da dimensão pragmática das regras e normas fez com que a moralidade passasse a significar a materialização das normas morais nas relações sociais, por meio de atos concretos. Por outro lado, a relação social é classificada como amoral no caso de não existir qualquer regra prévia para a prática de um ato específico ou não haver ninguém atingido por ele. Já a imoralidade é a prática de comportamentos proibidos ou contrários aos recomendados pela moral. Por exemplo, é uma ação amoral se você praticar sozinho, na sua residência, exercícios físicos, mas se você aproveitar a oportunidade para fazer um filme e projetar para os empregados da empresa, com o objetivo de dar exemplo de preservação da saúde, torna-se um ato moral. Assim, o comportamento simboliza um ato moral, porque a ação passa a ser revestido de um caráter social positivo. Essa mesma prática passa a ser imoral caso a liderança incentive o uso de substâncias estimulantes prejudiciais à saúde; dessa forma, o ato torna-se socialmente negativo (Srour, 2003). Ética e direito Sem dúvida, outra distinção importante a ser tratada é aquela entre “ética” e “direito”.Há uma confusão muito comum entre essas áreas de conhecimento e atuação, que se evidencia em afirmações tais como: “Fulano é corrupto, que falta de ética!”, ou “Este indivíduo é muito ético, sempre cumpre a lei!”, “O problema ético no Brasil advém da impunidade!”. É importante esclarecer que a ética não pode ser reduzida simplesmente à legislação vigente. Certamente, um caso de corrupção não existiria se o cidadão agisse eticamente, mas no caso de uma transgressão de tal ordem já se configura um problema legal – que desse modo deve ser tratado. Correlatamente, simplesmente o fato de um indivíduo cumprir a lei não o credencia como ético, pois a dimensão da eticidade, embora inclua o cumprimento da lei, é muito mais ampla do que a esfera legislativa. Mais absurdo ainda seria afirmar que a falta de ética advém da impunidade, pois estaríamos invertendo a ordem dos fatores: a dimensão ética precede a esfera legal. A legislação estabelece o que não pode ser feito, enquanto a ética dedica-se a pensar o que deve ser feito. De fato, é ético cumprir a lei, mas esse é apenas um aspecto do nosso horizonte de possibilidades de ação como cidadãos e profissionais. Atenção, leitor, tanto a ética como o direito se referem à normatização da conduta dos indivíduos, buscando contribuir para a ordem social e aperfeiçoamento da qualidade de vida. Todavia, enquanto o direito prevê punições efetivas adequadas à natureza do delito, seja civil ou criminal, visando impedir a realização de novas transgressões, a ética refere-se à consciência moral dos agentes. Pode-se dizer que no primeiro caso tem-se uma sanção externa, um tipo de punição que opera como coerção para adequação da conduta. No segundo caso, diferentemente, trata-se de uma sanção interna, ou seja, uma forma de autocensura que modifica a conduta do indivíduo. É possível cometer muitos delitos éticos sem que isso implique qualquer crime, como é o exemplo da mentira, da intriga pessoal ou do desrespeito. É possível, ainda, lembrar ações que, embora sigam os trâmites processuais em uma instituição, por vezes mostram-se antiéticas por muitas razões que teríamos facilidade em reconhecer; ou, ainda, recordar a atitude de executivos que buscam as brechas da lei para realizar ações antiéticas, viabilizando interesses econômicos ou pessoais. O campo ético é, nesse sentido, muito mais amplo que o universo jurídico, pois envolve um grande número de aspectos subjetivos, que exigem uma reflexão crítica do agente moral. Tal distinção entre ética e direito pode ser facilmente exemplificada no ambiente corporativo. Em um dado contexto, um gestor considera que é capaz de cometer, digamos, um crime “perfeito”, ou seja, que seria possível realizar uma transgressão legal – seja um furto, um dano ambiental, uma prática de assédio moral ou qualquer outra coisa – sem que ninguém seja capaz de perceber ou provar. Desse modo, em seu entendimento, não haveria risco de uma sanção externa, ou seja, não haveria qualquer punição legal. Nesse caso, o que poderia impedi-lo? Certamente, apenas uma sanção interna, algo advindo de sua própria consciência. Se ele o faz apenas por costume, de modo irrefletido, pode-se dizer que o indivíduo reproduziu seu padrão de comportamento moral. Se, no entanto, além disso, ele é capaz de formular critérios e princípios pelos quais tal transgressão lhe pareça inaceitável, pode-se dizer que o indivíduo agiu de modo eticamente orientado. Tal pessoa afirmaria: “Não importa que eu possa fazer, pois compreendo que não devo”. Por fim, é importante, ainda, considerar que em uma sociedade democrática de direito pretende-se que a legislação vigente esteja em sintonia com a atualidade da reflexão ética dessa mesma sociedade. Quando isso não acontece, em geral afirmamos algo como: “Essas leis não são justas!” – o que pode conduzir a mobilizações de diferentes setores da sociedade, lutas sociais ou campanhas públicas visando à alteração de tais leis. Desse modo, pode-se dizer que é tarefa da reflexão ética a reformulação crítica da legislação vigente. A ética é condição de possibilidade para o aprimoramento das leis e práticas sociais. “O ético precede o legal e tanto o conteúdo justo ou injusto das leis, como o seu respeito e acatamento, são de natureza ética” (Zajdsznajder, 2001:74). Esse ponto é muito importante. Então, você, leitor deve ler e refletir sobre sua atual atitude na ambiência organizacional. Em outras palavras: é uma tarefa ética de todo cidadão não somente cumprir as leis, mas também pensar criticamente sobre a eticidade delas e, quando necessário, propor mudanças. Isso se aplica, da mesma maneira, ao ambiente corporativo: não basta simplesmente cumprir o código de conduta ética da empresa; é também um compromisso ético refletir criticamente sobre o que se prescreve e, quando necessário, apresentar sugestões visando ao aperfeiçoamento da empresa ou instituição na qual trabalhamos. Ética e política Segundo Bobbio (2004:954), o termo “política” significa “tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável e social”. Sua origem está ligada ao termo grego polis, que significa, literalmente, “cidade”. Apesar disso, tal noção adquire, na atualidade, múltiplos significados, eventualmente pejorativos, associados à corrupção, interesses escusos ou manipulação social. É importante resgatar o significado positivo da noção de “política”, pois todo gestor faz política, na medida em que precisa gerenciar uma multiplicidade de interesses em um espaço socialmente compartilhado. E, para que se conquiste um bom gerenciamento, é fundamental que haja ética. Pode-se dizer que fazer política com ética significa tomar as melhores decisões para gerenciar pessoas diferentes, que precisam agir em prol de objetivos coletivos, social e ambientalmente relevantes. Caso não consideremos necessária a articulação entre ética e política, recairemos na armadilha maquiavélica de que os fins justificam os meios. Isso, consequentemente, significa que para agir politicamente com ética é necessário que nem tudo seja objeto de negociação. O que não se negocia são os princípios e valores que foram estabelecidos como fruto da reflexão ética. Enfim, no paradigma democrático hoje vigente, fazer política com ética significa que nem tudo é negociável – e cabe à contínua análise ética estabelecer tais limites. Agora, é importante que você, leitor, reflita sobre as práticas políticas da atualidade. Ética e religião Na atualidade, em um cenário de proliferação de inúmeras formas de religiosidade, conflitos de ordem religiosa têm prejudicado diversas organizações. Vivemos em um Estado laico, ou seja, não determinado por qualquer religiosidade, embora defensor do respeito integral à liberdade religiosa. Todavia a vivência de tais princípios não é algo fácil no cotidiano das organizações. Cabe, em primeiro lugar, estabelecer uma importante distinção entre “ética” e “religião”. Conforme Tugendhat (1997:13): [...] na discussão destas questões, remontamos explícita ou implicitamente a tradições religiosas. Isso, porém, é ainda possível para nós? A dificuldade não é a de que as questões que podem ser resolvidas com normas fundadas na religião envelheceram, mas sim a de que se deve pôr em dúvida a possibilidade de ainda fundamentar, sobretudo, religiosamente, as normas morais. Uma tal fundamentação pressupõe que se é crente. Seria, ademais, intelectualmente desonesto manter-se ligado a respostas religiosas para as questões morais apenas porque elas permitem soluções simples, pois isto não corresponderia nem à seriedade das questões, nem à seriedade exigida pela crença religiosa. Uma fundamentação para orientação da conduta baseada em qualquer religião pressupõe sempre que se é crente, ou seja, acaba por nos enredar na situação de que se “depende da fé de cada um” – o que, obviamente, não pode ser compartilhado por todos. Por outro lado, isso não significa que valores religiosos devam ser rejeitados. Em muitos casos, os valores advindosda religião concordam com aqueles que se pretende estabelecer em uma organização. Todavia, em uma sociedade democrática de direito, é necessário fundamentar valores racionalmente, estabelecer princípios éticos que possam ser considerados criticamente por qualquer indivíduo, religioso, ateu ou agnóstico. É fundamental, ainda, determinar a distância entre a dimensão pessoal e a profissional, ou seja, determinar claramente que questões de ordem religiosa devem ficar restritas ao âmbito pessoal, pois o Estado, bem como a sociedade e as empresas, deve ser laico. É uma tarefa ética combater o preconceito e promover o respeito à diversidade religiosa, como também é crucial garantir o direito de cada profissional de trabalhar em um espaço laico. Isso significa que nenhum profissional deve ser julgado por sua religião, que é assunto de foro íntimo, mas, ao mesmo tempo, significa que a religiosidade é algo que não deve obter expressão no ambiente de trabalho, em função da necessidade de respeito à diversidade religiosa ou mesmo ao ateísmo. Em suma: pode-se acreditar no que se quiser e deve-se guardar isso para si, mas seja como for, as pessoas só devem ser avaliadas pelo que fazem e não por aquilo em que acreditam. Então, leitor, fica a pergunta: como seria o Brasil se aqui tivesse uma religião única e obrigatória? Breve genealogia dos valores ocidentais: da Grécia à modernidade Como vimos na seção anterior, a ética inicia-se na Grécia antiga com Sócrates (470-399 a.C.). Seu principal legado para a civilização ocidental foi o ensinamento de uma atitude filosófica diante da vida. Trata-se de enfatizar a fundamental necessidade de se “espantar” (thauma) diante do que parece comum e ordinário. Sócrates nos convida a uma atitude de inquietação perante o senso comum, uma postura de dúvida em relação aos procedimentos e costumes da vida cotidiana, interrogando sobre nossa relação com a sociedade e a natureza. Tal atitude crítica permanece ainda hoje como um grande desafio, pois a maioria de nós acostumou-se apenas a repetir o que a maioria faz. Cabe ressaltar que esse é um dos grandes obstáculos para a qualificação ética do processo de tomada decisão: se o gestor é incapaz de uma atitude crítica e reflexiva, tenderá sempre a decidir impulsivamente ou simplesmente repetirá paradigmas já consolidados. E quando perguntado sobre o caráter ético de suas decisões, responderá apenas: “Não sei dizer por que agi desse modo, mas as coisas sempre foram assim por aqui”. Seguindo a proposta filosófica de Sócrates, mas distanciando-se de uma atitude baseada no puro questionamento, Platão (428-348 a.C.) elabora uma forma de “intelectualismo ético”, associando o conhecimento positivo da verdade à prática do bem. Somente o ignorante realizaria ações não virtuosas, pelo desconhecimento da ideia de bem. A razão surge como possibilidade de contemplar o bem, que é absoluto e universal. Desse modo, o problema ético torna-se, acima de tudo, um problema de educação. Por meio da dialética racional, o indivíduo pode libertar-se de crenças e ilusões, chegando ao conhecimento puro, do qual decorrem ações virtuosas, voltadas para a coletividade. Apenas tal conhecimento legitimaria o exercício do poder, representado idealmente em A república pela figura do “rei-filósofo”. É interessante observar, leitor, como somos herdeiros dessa tradição grega, e como nos encontramos muito mais próximos de realizar algumas das idealizações de Platão. Embora possa nos parecer anacrônica a expressão “rei-filósofo”, em essência ela corresponde, atualmente, aos clamores por uma gestão definida por competências e por meritocracia. Também a perspectiva de busca incessante do conhecimento e de qualificação técnica e ética parece ser um horizonte fundamental nas atuais práticas de gestão. Por fim, vale ainda destacar a atualidade da “alegoria da caverna”, presente no livro VII de A república, que descreve as dificuldades do processo de emancipação individual – abordagem crucial para a problemática do desenvolvimento pessoal e profissional, bem como para toda e qualquer discussão sobre gestão de mudanças. Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, nos apresenta uma distinção entre saber teorético e saber prático (práxis). O primeiro se refere àquilo que existe ou acontece independentemente de nós (como a natureza), enquanto o segundo se aplica àquilo que se refere diretamente às nossas ações (como a ética). Para o filósofo, a ética não pode ser uma ciência ideal ou exata, mas sim algo que se aprende com a prática de vida, nos oferecendo a possibilidade de cultivar uma sabedoria aplicada (phronesis). Ao longo do curso de aprendizado na vida, é fundamental que o ato deliberativo seja orientado pela prudência, buscando o meio-termo, a ponderação, tendo em vista o que é bom para si e para os outros. Isso significa que, em última análise, nossas ações devem ter como fim último a felicidade (eudaimonia), mas deve-se ressaltar que a felicidade que se busca é a felicidade da polis, ou seja, o que se busca é aquilo que contemporaneamente chamamos de bem- estar social. Então, leitor, torna-se fundamental observar como se encontra aqui a gênese de valores capitais para a sociedade moderna, tais como a prudência, o aprendizado pela experiência e a busca pelo bem-estar coletivo. É fácil constatar como o processo de tomada de decisão em gestão seria implausível eticamente se despojado de tais princípios essenciais. As matrizes de valores platônica e aristotélica serão objeto de retomadas e desenvolvimentos teóricos no período medieval, bem como no âmbito da modernidade. Nosso esforço se concentrará em esclarecer o desenvolvimento teórico desses valores, no âmbito do contraste entre a deontologia de Kant e o utilitarismo de Bentham e Mill. A deontologia kantiana e o utilitarismo inglês Para Immanuel Kant (1724-1804), a ação ética é aquela que é realizada estritamente por dever. Essa forma de fundamentação baseia-se na universalidade da razão que nos constitui como seres humanos, independentemente de qualquer contexto histórico-cultural. Tal dever constitui-se como uma lei geral que nos é oferecida pela nossa própria razão, de modo autônomo – afastando-se, portanto, de quaisquer imposições externas, sejam religiosas ou sociais. A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de ser uma imposição externa feita à nossa vontade e à nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos autônomos [Chauí, 1994:345]. A lei fundamental da razão pura prática, tal como formulada por Kant em Fundamentação da metafísica dos costumes é a seguinte: “Age segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal” (Kant, 1984:129). Por um lado, a natureza instintual nos impele a agir por interesse, segundo nossas inclinações espontâneas, todavia a razão nos oferece a liberdade absoluta de agir por dever, em conformidade com a lei da razão pura prática. Tal forma de orientação da conduta jamais é hipotética, mostrando-se sempre categórica, incondicional: o dever assume a forma de um imperativo categórico. Como comenta Chauí: Essa fórmula permite a Kant deduzir as três máximas morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. São elas: 1. age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza; 2. age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio; 3. age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais [Chauí, 1994:346]. É importante observar queas máximas são deduções do imperativo categórico e devem ser realizadas simultaneamente: é tudo ou nada. Trata-se aqui de uma ética formal, ou seja, Kant nos oferece uma regra geral, que serve de critério de legitimação para qualquer conduta que se pretenda adequada. Não existem, portanto, normas específicas (aja desse ou daquele modo) ou conteúdos fixos que definiriam as virtudes a serem realizadas, mas sim um princípio geral de orientação para o processo de tomada de decisão. Desse modo, uma ação ética é aquela que pode ser universalizada e que respeita a dignidade humana. Isso significa uma atitude que pode ser realizada por todos, com absoluto respeito à pessoa humana. Veja, leitor, Kant nos oferece alguns exemplos de aplicação de sua ética. O caso mais famoso é o da mentira. Se todos nós mentíssemos, se tivéssemos tal atitude como regra e princípio de nossas vidas, a própria mentira destruiria a si mesma, pois o mentiroso só mente – e encontra vantagem nisso – porque a maioria se orienta pelo princípio da veracidade. Além disso, o mentiroso desrespeita seu interlocutor, tomando-o como meio para obter seus objetivos. Outro exemplo kantiano é o do feirante que se pergunta sobre a possível adulteração da balança da feira. Ora, se todos nós adulterássemos as balanças, é óbvio que ninguém mais acreditaria em nenhuma balança e essa ação destruiria a si mesma. O feirante que adultera sua balança, além de desrespeitar seu cliente, promove uma ação de exceção e, por isso mesmo, antiética. Por outro lado, pode-se observar facilmente que a veracidade e a honestidade podem ser ações realizadas por todos com mútuo respeito, e configuram-se, portanto como ações éticas. Assim, o princípio de universalização da ação e o princípio de dignidade da pessoa humana surgem como critérios para determinar se uma ação é ética ou não. Vejamos agora dois exemplos disso no ambiente corporativo. Um funcionário solicita liberação do horário previsto para o trabalho em função de motivos pessoais. Pelo imperativo categórico, a decisão a ser tomada só pode ser considerada ética se for aplicada como regra para todos os funcionários. Não importa que os motivos excepcionalmente sejam justificados: ou se aplica a todos ou não se aplica a ninguém. Do mesmo modo: um funcionário solicita flexibilização dos prazos para entrega de um relatório a ele solicitado, por motivos perfeitamente compreensíveis. Pelo imperativo categórico isso só pode ser considerado ético se for aplicado como regra a todos aqueles que exercem a mesma função. Não há exceções, pois as ações devem ser sempre universais, preservando a dignidade, a imparcialidade e a transparência. O resultado é que, para Kant, existem três modos de agir: “por dever”, “conforme o dever” e “contrariamente ao dever”. O agir por dever se aplica àqueles que agem estritamente por obediência ao princípio ético descrito; o segundo modo se refere àqueles que agem de acordo com o dever, mas apenas por conveniência ou porque os resultados mostram-se oportunamente favoráveis; e o terceiro modo é aquele em que os indivíduos agem de modo estritamente egoísta, segundo seus interesses, em prejuízo da humanidade. Isso significa que atos como mentir, roubar, descriminar pessoalmente ou culturalmente, flexibilizar regras, modificar formas de negociação por interesses de ocasião e outros – que não estão de acordo com o imperativo categórico – são eticamente reprováveis em qualquer contexto. Ao agir, cada um de nós precisa considerar de maneira autônoma se a ação é adequada ao imperativo categórico. A ética formulada por Kant exerce, sem dúvida, uma grande influência em nossa cultura. Princípios como racionalidade, autonomia, liberdade crítica, imparcialidade, dignidade humana, ação por dever, conduta desinteressada, transparência e outros mostram-se amplamente presentes na agenda ética contemporânea. Além disso, Kant é responsável por uma das mais importantes considerações éticas acerca do uso da liberdade, tendo em vista a perspectiva do esclarecimento (Aufklärung), conhecida como “uso público e uso privado da razão” (Kant, 1974). Segundo Kant, todo cidadão tem não somente o direito, como também o dever, de fazer uso público de sua razão, ou seja, tem o compromisso diante da humanidade de refletir criticamente sobre a sociedade em que vive, trazendo sugestões e propostas sempre que necessário, visando ao aperfeiçoamento constante, seja de uma empresa, instituição ou Estado. Trata-se de zelar por uma sociedade na qual vigore o maior nível possível de autonomia e o menor nível de coerção. Por outro lado, na medida em que exerce um cargo público ou função a ele confiada, deve restringir o uso de sua liberdade e saber respeitar as diretrizes, normas e leis previamente estabelecidas, pois se todos pudessem simplesmente desrespeitar as regras vigentes que rejeitam, não seria possível qualquer instituição, empresa ou Estado. Em suma, o profissional e o cidadão kantiano devem respeitar normas estabelecidas e, simultaneamente, realizar uma constante “reflexão pública”, de modo a contribuir criticamente para reformular qualquer procedimento ou lei que considere inadequado, fomentando a transformação e o progresso social. Todavia, em contraste com a teoria ética do dever formulada por Kant, comumente chamada de deontologia, resgatando uma perspectiva aristotélica surge o utilitarismo. Elaborada por Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), o utilitarismo tem no princípio da utilidade o critério de avaliação ética dos atos humanos. De acordo com tal princípio, a ação dotada de “maior valor ético” é aquela que maximiza a felicidade geral e minimiza a dor, o sofrimento, ou seja, a ação que beneficia qualitativamente e qualitativamente um maior número de pessoas. Nas palavras de Bentham (1979:4): “o princípio aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência que tem de aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo”, considerando que a felicidade individual está diretamente relacionada ao bem-estar coletivo. Segundo Mill (2000:187), o utilitarismo: Considera que uma ação é correta na medida em que tende a promover a felicidade, e errada quando tende a gerar o oposto da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, dor, ou privação do prazer. [...] O fim último, com referência ao qual todas as coisas são desejáveis (seja quando consideramos o nosso próprio bem ou o de outras pessoas), traduz-se em uma existência livre, o tanto quanto possível, de dor e o mais rica possível em prazeres, tanto em relação à quantidade como à qualidade. Você, leitor, pode observar que a concepção de “útil” refere-se àquilo que contribui para o bem da coletividade. Trata-se de uma fundamentação que oferece um critério consequencialista, distanciando-se da visão kantiana, pois recorre a uma análise dos resultados prováveis de cada ação, tendo em vista o bem comum. Desse modo, cada indivíduo, instituição ou empresa deve escolher suas ações a partir de um cálculo de consequências, assumindo a responsabilidade diante de seus efeitos na sociedade. É importante observar que essa fundamentação da ética pressupõe a confiança na capacidade humana de análise racional das consequências de cada decisão, tendo em vista a maximização do benefício social. Como observa Thiry-Cherques (2008:94), “o utilitarismo se opõe frontalmente às doutrinas não consequencialistas, que sustentam que determinados atos são certos ou errados em si mesmos (como roubar ou mentir), e não pelas consequências que acarretam”. De fato, pode-se aqui evidenciar uma franca oposição entre a deontologia kantiana, na qual o processo de tomada de decisão deve ser sempre seguir princípios previamente estabelecidos, e o utilitarismo, no qual a eticidade de uma ação depende de suas consequências na sociedade. Se retomarmos os exemplos apresentados anteriormente, referentes ao ambiente corporativo, pode-se afirmar que o caráter ético da flexibilização do horário de um funcionárioou do prazo de entrega de um relatório estaria condicionado a uma análise do caso em questão, por meio do estabelecimento de um balanço de custos, riscos e benefícios, não somente para a empresa, mas para todos os seus stakeholders, bem como para toda a sociedade. Trata- se de um cálculo difícil de ser elaborado, tendo em vista a complexidade e a subjetividade das variáveis envolvidas. Todavia o utilitarismo aposta na capacidade humana de analisar contextos específicos e decidir considerando os melhores interesses da sociedade. Modelos de gestão ética Pode-se considerar que cada uma das fundamentações teóricas descritas – a deontologia kantiana e o utilitarismo inglês – apresentam-se como caracterizações de modelos de gestão ética distintos, em sintonia com a abordagem de Srour (2003), que parte da distinção anteriormente desenvolvida por Max Weber, entre ética da convicção e ética da responsabilidade. Segundo Weber (1959: 172): [...] toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Isso não quer dizer que a ética da convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade à ausência de convicção. Não se trata evidentemente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a atitude de quem age segundo as máximas da ética da convicção [...] e a atitude de quem age segundo a ética da responsabilidade, que diz: “Devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos atos”. O que Weber denomina ética da convicção relaciona-se a uma fundamentação teórica necessariamente principialista, ou seja, baseada em princípios essenciais, sejam conceitos metafísicos, ou direitos humanos, ou a teoria de kantiana do imperativo categórico. Por outro lado, a chamada ética da responsabilidade tem suas raízes aristotélicas e mantém sua referência principal no utilitarismo de Bentham e Mill. No primeiro caso, seguem- -se princípios e regras estabelecidos de forma absoluta e incondicional – sem, portanto, qualquer análise de consequências. Segundo Srour (2003:108), a máxima da Ética da Convicção diz: “cumpra suas obrigações” ou “siga as prescrições” [...] é uma teoria que se pauta por valores e normas previamente estabelecidos, cujo efeito primeiro consiste em moldar as ações que deverão ser praticadas. No segundo caso, consideram-se os prováveis resultados de uma ação, buscando escolher a atitude que melhor promova a maximização do bem- estar social. Trata-se aqui de uma ética consequencialista. De acordo com Srour, a ética da responsabilidade enfatiza que precisamos sempre planejar e responder pelos nossos atos: Em vez de aplicar ordenamentos previamente estabelecidos, os agentes realizam análises situacionais: avaliam os efeitos previsíveis que uma ação produz; planejam obter resultados positivos para a coletividade [Srour, 2003:110]. No âmbito corporativo, esses dois modelos de gestão ética apresentam vantagens e desvantagens que devem ser objeto de análise de cada gestor em seu contexto organizacional. Como se diz popularmente, “não existem soluções perfeitas”; entretanto, pode haver sempre lições aprendidas. A ética da convicção, intimamente ligada à deontologia kantiana, pode oferecer padronização da conduta e fidelidade a ideais, promover respeito à ordem, hierarquia e manutenção dos processos, garantindo ainda a possibilidade de otimização de procedimentos por meio da atitude crítica e propositiva (pelo exercício da razão pública). Por outro lado, tal modelo tem dificuldade de lidar com exceções e situações extraordinárias, pois não se propõe à análise de contextos específicos. Quando mal aplicado, direcionado apenas ao cumprimento rigoroso de normas e procedimentos (razão privada), deixando de lado a proatividade crítica que também lhe é própria (razão pública), tende ao engessamento dos processos e à falta de atualização organizacional. Por sua vez, a ética da responsabilidade oferece melhor possibilidade de analisar o contexto em questão, considerando em cada caso qual a melhor atitude a ser tomada tendo em vista os interesses de todos os envolvidos, bem como de toda a sociedade. Sem dúvida, valorizam-se a flexibilidade, a agilidade e a otimização dos resultados; todavia, por outro lado, tem-se um risco muito maior de que decisões sejam tomadas de modo precipitado ou sem visão ampla do contexto em questão, principalmente em contexto tensos, favorecendo a perda de credibilidade e princípios. Tem-se, no ambiente organizacional em geral, uma composição desses dois modelos. Naturalmente, algumas empresas tendem mais a um ou outro em função de sua cultura organizacional. Mas observe-se: não é possível misturá-los, pois cada um dos modelos de gestão ética oferece critérios antagônicos para o processo de tomada de decisão. Aliás, esse é um grande problema nas organizações, que muitas vezes não refletem sobre tais questões e acabam oscilando de um modelo a outro, sem definir claramente qual o critério ético adotado para o processo de tomada de decisão pelos gestores ou empregados. Isso gera muitos conflitos e prejuízos. A grande questão a ser avaliada pela organização é: qual o melhor modelo de gestão ética a aplicar, para que tipo de perfil profissional, em que setor da empresa? Ou seja: o que aplicar, para quem e onde. Você, leitor, já avaliou qual o modelo mais adequado para seu caso? Parece claro que áreas que envolvem necessidade de um grande rigor normativo e fidelidade a princípios, tais como segurança do trabalho, controle de qualidade de produtos ou serviços, contabilidade empresarial e fiscal, não podem deixar de estar submetidas à ética da convicção. Dependendo do perfil da empresa e de sua gestão, é possível aplicar a ética da responsabilidade a setores como gestão de pessoas, comercial, estratégia, marketing e outros, sempre com a cautela que é fundamental para tal modelo. É comum que empresas iniciantes sejam predominantemente utilitaristas, mas a necessidade de planejamento, organização e crescimento as conduzam a perspectivas mais kantianas, como tendem as grandes organizações. Obviamente, existem empresas que são predominantemente kantianas em todos os seus setores, deixando eventualmente para cargos de direção decisões utilitaristas. De qualquer modo, o fundamental é que se tenha em vista a necessidade de refletir e definir o que se espera eticamente de cada gestor ou funcionário, e que isso fique claro para todos. Para melhor evidenciar a distinção entre os modelos éticos descritos, bem como suas vantagens e desvantagens no âmbito corporativo, observe, leitor, o quadro 1. Quadro 1 COMPARAÇÃO ENTRE ÉTICA DA CONVICÇÃO E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE Ética da convicção – Dever Ética da responsabilidade – Utilitarismo As decisões decorrem de princípios, ideais e normas. As decisões decorrem de análise de circunstâncias, riscos, custos e benefícios sociais. Decidir é: (a) seguir normas e regras estabelecidas; (b) pensar e propor criticamente. Decidir é: (a) calcular os resultados das ações; (b) responder pelas consequências profissionais e sociais de cada atitude. Prós: Controle; segurança; e manutenção do processo e da hierarquia. Prós: Agilidade; foco nos resultados; adaptabilidade e flexibilidade. Contras: Dificuldade de lidar com exceções, situações extraordinárias e emergências. Tendência de “engessamento do processo” e falta de reflexão crítica e participação. Contras: Risco de banalização da perspectiva de que “cada caso é um caso”; tolerância excessiva, perda de princípios e de credibilidade. Tendência ao descontrole, maximização de riscos e imprudência. Por meio dessa comparação esquemática, podemos melhor considerar as vantagens e desvantagens de cada modelo de gestão ética, construindo instrumentos para o enfrentamento de decisões difíceis no campo da ética. Como enfrentar dilemas éticos Problemas para os quais não há soluções prontas e as opções possíveis são de difícil aplicação,envolvendo severas consequências para as partes envolvidas, podem ser considerados dilemas éticos. Kidder (2007:203) considera importante diferenciar tentação moral de dilema ético. Tentação moral é a escolha entre opções que são, de modo evidente, corretas ou erradas. A pessoa que decide tem consciência disso e, caso escolha a ação errada, será beneficiada com uma vantagem ou evitará um prejuízo. Portanto, não se trata de um conflito ético, pois não há dúvida acerca do que é certo fazer. Trata-se apenas de uma dificuldade moral de realizar ação correta. Por exemplo: não pagar todos os impostos para aumentar os lucros; ou não conceder os merecidos benefícios a um profissional com o qual não tem uma boa relação. Já dilema ético é a escolha entre o certo e o certo. A pessoa que decide não obtém nenhum tipo de vantagem com sua decisão. É um momento de grande sofrimento psicológico para quem decide, pois ao privilegiar uma opção estará abandonando a outra. Todavia é necessário haver tranquilidade para empregar os modelos de gestão de que tratamos. Vejamos dois exemplos e suas respectivas soluções. a) Você é gerente de uma grande empresa e recebeu ordem do diretor para executar determinada tarefa. No local da execução, você percebeu que se o trabalho fosse realizado os empregados estariam expostos a sérios riscos de acidentes fatais. Obedecer ao chefe hierárquico é certo, mas também é correto proteger a vida dos trabalhadores. O que você faz? Para resolver tal dilema deve-se, primeiramente, recorrer à atitude socrática, desconstruindo hábitos, costumes e condicionamentos, rejeitando ações impulsivas ou padronizadas. Em seguida deve-se recorrer aos modelos de gestão ética. Considerando a ética do dever, representada por Kant, é necessário cumprir normas e procedimentos (razão privada), mas é fundamental pensar criticamente enquanto ser humano e cidadão (razão pública). Nesse caso, pode-se observar um conflito entre as duas dimensões. Seguir as ordens estabelecidas significa pôr em risco a vida de outros profissionais, ferindo o princípio de dignidade da pessoa humana. Também não seria possível universalizar tal ação, pois se todos apenas seguíssemos ordens destruiríamos a condição humana e a capacidade de reflexão crítica. E sempre que há conflito entre razão privada (normas, ordens) e razão pública (princípios de dignidade humana e universalização da ação), há prevalência desta última. Desse modo, conclui-se que, pelo modelo de gestão do dever, tal ordem não pode ser obedecida. Ao recorrermos à fundamentação utilitarista temos, nesse caso, a mesma solução, pois nenhum cálculo de consequências poderia nos dizer que colocar em risco a vida de outros profissionais maximiza o bem-estar coletivo. Sendo assim, nesse dilema, os dois modelos de gestão ética – o dever e o utilitarismo – apresentam a mesma solução: deve-se recusar a ordem apresentada pelo diretor. b) O setor sob sua gestão é responsável pelo processo seletivo de profissionais de uma grande empresa. Segundo o perfil profissional solicitado, exige-se para determinado cargo, no mínimo, uma pós- graduação em área afim. Esse foi o principal motivo que impediu o processo de seleção interna de atingir sucesso. Todavia um dos candidatos atuais é um conhecido consultor, de extenso currículo e com experiência na área. Em sua avaliação, leitor, esse profissional apresenta todas as habilidades e competências necessárias para o cargo, superando inclusive as expectativas iniciais. Entretanto, ele não possui a titulação solicitada. O que você faz? A primeira etapa para resolver esse dilema ético é exercitar a atitude socrática, ou seja, é necessário desconstruir paradigmas e pensar criticamente, sem agir por impulso ou por costume. A segunda etapa é recorrer aos modelos de gestão ética. Considerando a ética da convicção, baseada na deontologia kantiana, deve-se agir de acordo com o princípio da universalização da ação e o princípio de dignidade da pessoa humana, respeitando as regras e procedimentos vigentes (razão privada), bem como pensando e propondo criticamente (razão pública). Por essa perspectiva, deve-se descartar o currículo, seguindo as normas da empresa, ou, no exercício da razão pública, conduzir o caso a uma instância superior, oferecendo sugestões críticas para alteração do processo em curso. Por outro lado, considerando a ética da responsabilidade, fundamentada no utilitarismo de Bentham e Mill, deve-se promover uma análise de custos, riscos e benefícios sociais, buscando a ação que melhor maximize o bem- estar coletivo. Por esse ângulo, dependendo do resultado da análise do caso em questão, seria possível, tendo em vista a significativa contribuição que o profissional poderia oferecer à empresa e a todos os parceiros envolvidos, convidar o candidato para o processo seletivo, assumindo as responsabilidades por essa decisão diante não somente de sua empresa, mas de toda a sociedade. Por fim, a terceira etapa para concluir o processo seletivo é promover uma cuidadosa avaliação de prós e contras de cada uma das alternativas possíveis. Desse modo, ao final, o gestor estará em melhores condições de decidir e apresentar a fundamentação ética de sua deliberação, não somente para sua equipe e para sua empresa, mas também para a sociedade como um todo. Prezado leitor, para que se possa qualificar eticamente o processo decisório é importante também compreender o cenário social no qual nos encontramos. Cabe, pois, uma investigação acerca da condição cultural que se faz presente, o que promovemos em seguida. Desafios éticos na pós-modernidade Habermas (1992) afirma que a modernidade pode ser compreendida como um projeto baseado em uma ampla confiança na razão humana, na possibilidade de emancipação, progresso, acesso à verdade. A tentativa de realização de tal perspectiva expressou-se frequentemente pela elaboração de grandes sistemas especulativos, um esforço da razão para sistematizar a totalidade da realidade ou do mundo. A tarefa do pensamento moderno era conquistar a autonomia e a liberdade crítica que poderiam permitir a conquista de novas descobertas, abrindo espaço para a melhoria da vida humana. Assumir seu papel na história correspondia a desenvolver amplamente a racionalidade em um processo de revolução contínua – condição para um futuro próspero. Todavia, a descrença que começa a se desenvolver amplamente a partir de meados do século XX constitui-se como reação a um exagerado otimismo inicial do projeto da modernidade. O tempo passa e os resultados esperados não são obtidos. Os sonhos de progresso e prosperidade universais começam a se desarticular. Problematiza-se o modelo de conhecimento científico moderno e sua legitimidade. A ciência perde boa parte da autoridade que um dia possuiu. A expectativa de que a fundamentação do conhecimento e da ética produzida pela cultura moderna construísse uma sociedade justa, democrática e solidária foi interrompida por eventos que marcaram profundamente a cultura atual. O principal deles foi, sem dúvida, a catástrofe da II Guerra Mundial e a insuportável lembrança de acontecimentos como Auschwitz e Hiroshima. A crise da modernidade toma a forma de uma grave crítica às pretensões da própria modernidade, acompanhada da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razão, legitimidade, universalidade, sujeito, progresso e outros. Isso faz com que diversos filósofos e sociólogos prefiram compreender a atualidade como uma “pós-modernidade”. Bauman (1999:288) compreende a pós-modernidade como a condição atual da modernidade, que agora, conflituosamente consciente de suas dificuldades, percebe a problemática implícita em realizar seu projeto integralmente, pois sua proposta de fundamentação ética não pode prescindir de muito mais esforço do que se pode prever. Giddens (1991:56), por sua vez, prefere a noção de “modernidade tardia” ou “modernidade radicalizada” como mais adequada para referir-se à sociedade em que vivemos. Por outro lado, Habermas prefere compreendera modernidade como um “projeto inacabado”, sugerindo que “deveríamos aprender com os desacertos que acompanham o projeto” (Habermas, 1992:118). Seja como for, a crise da modernidade nos mostra a necessidade de rever as bases desse projeto, bem como nos exige reconsiderar a problemática do conhecimento e da ética na atualidade. Isso significa que qualquer proposta de compreensão da realidade e orientação para conduta, no contexto contemporâneo, não pode negligenciar a crise da noção de razão universal, a dificuldade de legitimação do conhecimento e da ética. Segundo Giddens (1991:55), “fomos deixados com perguntas que uma vez pareceram ser respostas [...]. Uma consciência geral deste fenômeno se filtra em ansiedades cuja pressão todos sentem”. Perguntas contundentes que outrora pareceram soluções, caminhos que se embaralham, respostas em suspenso, desorientação, ansiedade, enfim, toda essa pressão sentida na cultura revela um pouco do modo como experimentamos o advento do niilismo. O niilismo talvez seja uma categoria fundamental para a compreensão da cultura contemporânea. Socialmente, a experiência do niilismo é a vivência angustiante da perda de sentido e propósito para a vida humana; é a experiência incontornável da dúvida e da incerteza em relação ao conhecimento e aos rumos que devem ser seguidos. Instala-se uma sensação de desorientação e mal-estar, pois “a cultura já não pode mais proporcionar uma explicação adequada do mundo que nos permita construir ou ordenar nossas vidas” (Featherstone, 1997:15). Mais especificamente, em relação à ética, a problemática do niilismo pode ser compreendida, simplificadamente, como a radical dificuldade que emerge na tentativa de fundamentar valores, ou qualquer tipo de orientação ética em um contexto de profundo esvaziamento normativo e relativismo moral. Torna-se cada vez mais difícil explicar por que determinados valores realmente valem; torna-se cada vez mais problemático sustentar critérios que legitimem a conduta humana. Um dos desafios que a ética encontra hoje é, sem sombra de dúvida, enfrentar o advento do niilismo na atual condição “pós-moderna”. Você, leitor, identifica o niilismo em sua empresa? No universo corporativo, tal dificuldade evidencia-se no desafio de apresentar princípios éticos para profissionais que eventualmente encontram- se descrentes de quaisquer valores, motivados apenas por perspectivas financeiras e interesses pessoais. Além disso, é importante observar que o processo de modernização acompanhou uma crescente burocratização dos processos de decisão e exercício do poder. Se, por um lado, esse processo garantiu mais eficiência e impessoalidade administrativa, por outro, contribuiu para uma centralização do poder de tomada de decisão e para o risco do surgimento de tecnocracias – um afastamento da experiência reflexiva, bem como da prática democrática. Na atualidade, nem sempre parece evidente como as questões éticas não podem ser reduzidas à decisão dos experts, visto que conhecer os procedimentos administrativos ou técnico-científicos não garante, de modo algum, as melhores decisões no campo ético-político. Segundo Zajdsznajder (2001:74), pode-se afirmar que “vivemos no interior de duas culturas: a cultura tecnológica e a cultura estratégica”. Se, por um lado, a tecnologia nos oferece eficácia, por outro lado a estratégia nos seduz com sua promessa de sucesso. Ao que tudo indica, o grande desafio contemporâneo é conjugar eficiência, eficácia e sucesso com uma sólida cultura ética. “A cultura ética parece centrada na ideia de uma vida humana de boa qualidade, isto é, bem vivida” (Zajdsznajder, 2001:85). Nossa atual cultura tecnológica encontra-se intimamente articulada a uma intensa dinamização dos processos de comunicação e informação. Alguns teóricos consideram que poderíamos conceber a cultura contemporânea como uma sociedade do conhecimento. Todavia, caberia perguntar se não seria melhor entendê-la como uma sociedade da informação. De fato, a enorme diferença entre os conceitos é evidente. “Conhecer” demanda uma capacidade de reflexão crítica que possa elaborar e discutir criticamente inúmeras informações. Todavia, nossa atual sociedade parece muita mais dominada pela dinâmica de acolher e replicar as informações que nos chegam, cada vez mais, por inúmeros recursos tecnológicos. Nosso grande desafio parece ser construir uma capacidade crítica para refletir sobre esse turbilhão de informações que nos invadem cotidianamente. Este também é o desafio de todo gestor: pensar criticamente sobre as informações que recebe, sem replicá-las automaticamente, mas sim considerando-as criticamente, avaliando sua pertinência e atualidade. Em outras palavras, é tarefa ética de cada gestor pensar criticamente sobre as informações que recebe, transformando-as em “conhecimento”, ou seja, em um saber fundamentado e justificado. Se não cumprimos tal tarefa, permanece sempre a suspeita de que podemos estar sendo “governados” por interesses econômicos, relações de poder ou interesses estratégicos, em um contexto de profundo esvaziamento valorativo e normativo estimulado por um consumismo crescente e um intenso desenvolvimento tecnológico. Neste contexto, torna-se importante compreender melhor as relações de poder nas quais estamos inseridos, bem como o papel ético exigido do líder. A seguir, leitor, falaremos sobre o líder como sujeito ético. Ética e poder nas organizações: o papel do líder A experiência filosófica dos gregos nos apresenta, ainda hoje, importantes referências para pensarmos o papel de um líder nas organizações. Os gregos perceberam que os governos se pautavam em uma legitimação que recorria, em geral, a uma fundamentação militar ou religiosa. A novidade que surge na Grécia antiga é a possibilidade de experimentar um governo baseado na democracia. Em vez de termos um líder que se impõe pela força ou pelo credo, tem-se um líder eleito pela maioria dos cidadãos. Entretanto, a experiência democrática, por sua vez, revelou suas próprias dificuldades. Em um contexto de amplo debate público, surgiram os sofistas: grandes mestres de retórica e oratória que convenciam o povo a votar de acordo com seus interesses, ou daqueles que os financiavam. Nesse cenário, aparece Sócrates, que questiona a concepção vigente de que bastaria ser bem-aceito pela maioria para ser um melhor líder. Para Sócrates, a liderança precisa demonstrar virtudes práticas e interagir com seus liderados para fomentar seu próprio desenvolvimento – o que se distingue da proposta de apenas convencê-los de suas ideias. É possível, a partir disso, distinguir quatro modelos de liderança bem definidos, que ainda se fazem amplamente presentes na contemporaneidade: (a) militar: o gestor se impõe pela força e pela ameaça; (b) religioso: o gestor se apresenta como salvador, prometendo a “solução de todos os problemas”; (c) sofista: o gestor argumenta com sua equipe, procurando convencê-la de suas próprias ideias; (d) socrático: o gestor demonstra virtudes e investe no crescimento de seus liderados, fomentando o desenvolvimento das habilidades e competências que lhe são próprias. Parece clara a importância do modelo socrático de gestão na atualidade. Sem dúvida, na contemporaneidade, faz-se imprescindível a presença de um líder que aja segundo as duas máximas socráticas. Por um lado, cabe afirmar “só sei que nada sei”, ou seja, afirmar que, apesar de todo o conhecimento e experiência acumulados, é fundamental estar aberto para inovações e para o diálogo com os liderados. Além disso, cabe praticar a maiêutica, ou seja, ser um verdadeiro “parteiro de ideias”, possibilitando que cada um traga à tona seus próprios conceitos. Desse modo, torna-se imprescindível para o líder socrático praticar ações meritórias, dar exemplo e fomentar o desenvolvimento de ideias, habilidades e competências de acordo com as possibilidades de cada funcionário. A liderança se constitui, sem dúvida, pelo exemplo, mas não somente pelo exercício prático de virtudes, pois, acima de tudo, trata-seda possibilidade de demonstrar a virtude de dedicar-se ao desenvolvimento de novos profissionais, quebrando paradigmas e fomentando um olhar crítico e inovador sobre a realidade que se apresenta. De fato, parece plausível constatar como muito daquilo que na atualidade vem sendo chamado de coaching pode encontrar suas raízes filosóficas na experiência de liderança socrática. Farah (2004) aponta que a liderança é um fator crítico em relação à cultura corporativa, uma vez que os líderes podem criar, manter e modificar a cultura organizacional. Provavelmente, as contribuições mais importantes para a formação de um clima ético, isto é, uma atmosfera ambiental de trabalho em que reinem a confiança e o respeito, sejam o estilo, o legado e o exemplo dos líderes da organização. Um requisito indispensável para que a empresa consiga implantar uma cultura ética é a presença de gestores dotados de forte liderança, capacidade de reflexão ética e com uma firme disposição para fazer com que valores fundamentais guiem as ações e as decisões da organização. A adoção desse modelo de liderança tem ainda de enfrentar o contexto das relações de poder que se apresentam em qualquer contexto organizacional ou social. Conforme Foucault (1995:245-246): As relações de poder se enraízam profundamente no nexo social [...]. Uma sociedade “sem relações de poder” só pode ser uma abstração. [...] A análise, a elaboração, a retomada da questão das relações de poder, e do “agonismo” entre relações de poder e intransitividade da liberdade, é uma tarefa política incessante [...] inerente a toda existência social. De fato, não há sociedade ou organização sem relações de poder. Trata-se de uma tarefa ética e política compreendê-las e interagir com elas. Cabe destacar que, para Foucault, as relações de poder atravessam o tecido social e organizacional, mantendo sempre a “intransitividade da liberdade”, ou seja, por mais que haja sempre relações de poder, persiste a possibilidade de exercício da liberdade. O desafio da expressão da liberdade é, por excelência, o desafio ético. Em outras palavras: diante de contextos organizacionalmente tensos e complexos persiste sempre a possibilidade de escolhas diferenciadas, eticamente orientadas. Em cada atitude, o líder acaba também por exercer poder, ou seja, realiza ações que influenciam outros funcionários. Não devemos perder a perspectiva de que em cada ação configuramos novas relações de poder. Nossas atitudes ou decisões são sempre formas de exercício de poder e devemos assumir a máxima responsabilidade diante disso. Uma das principais qualidades do líder ético é a coerência entre seu discurso e suas ações. É a liderança pelo exemplo. O líder que age de modo coerente com seus princípios ganha credibilidade, torna-se modelo de conduta para seus seguidores e aumenta sua influência sobre estes pelo referencial ético que, enquanto líder, passa a simbolizar. Grosso (2005) nos ■ ■ ■ ■ conduz à reflexão acerca daquilo que denomina “brechas de valores”, às quais os líderes geralmente são submetidos. Segundo ele, essas brechas representam o conjunto de equívocos cometidos no cotidiano, no vasto terreno ocupado pela ética prática, que o autor trata como “moral cotidiana”. Para o autor, existem quatro grandes dimensões em que o comportamento humano se expressa, e que podem gerar contradições entre a conduta esperada do líder e as atitudes efetivamente observadas. São as seguintes as quatro dimensões: o que pensa – que se vincula aos valores que se encontram solidificados em sua consciência; o que diz – a forma como seus valores são transmitidos aos demais, a partir da linguagem empregada e, por conseguinte, da forma como irá influenciar- lhes a razão; o que faz – perceptível pelo modo como seu pensamento e suas palavras se traduzem em ações; o que demonstra – observável pelo poder da linguagem não verbal, que transcende as ações e pode modificar a percepção daqueles que o rodeiam. Esses deslizes, que muitas vezes fogem ao controle, colocam os líderes em permanente estado de alerta, preocupados com aquilo que suas ações – de modo intencional ou não – poderão transmitir ou dar a perceber aos seus seguidores. Você, leitor, neste ponto, já pode identificar exemplos de líderes éticos e antiéticos. Diante disso, as questões que se apresentam são: Como agir ou o que falar? Para quem? De que modo? Onde? Como vimos, a resposta à primeira pergunta – Como agir ou o que falar? – é, sem dúvida, aquela que mais nos exige competências éticas. Todavia o interlocutor, o modo de expressão e o contexto devem também estar presentes em nosso horizonte de reflexão ética. Ou seja, ainda que saibamos como agir ou que tenhamos o que dizer, é ainda uma tarefa ética nos perguntarmos qual a melhor maneira de apresentar tais ações ou considerações, avaliando o ouvinte, a maneira de se expressar e o local adequados. Na atualidade, um líder necessita saber por que faz o que faz, ou seja, precisa saber justificar suas ações, não somente diante de sua equipe e de sua empresa, mas diante de toda a sociedade. Desse modo, torna-se imprescindível recorrer a uma fundamentação ética que legitime tais escolhas, como vimos nas seções anteriores. Além disso, é inexorável que a liderança se constitua em exemplo para seus liderados, pois não há como convocar as pessoas a fazer o que não se faz. Por meio de uma ação eticamente orientada é possível construir um conjunto de ações que favoreçam a transformação das relações de poder vigentes e habilitem a construção de mudanças significativas em nossa atual sociedade. Este é o compromisso que se espera de toda liderança: inspirar novas atitudes, desenvolver profissionais e conjugar eficiência, sucesso e ética. Por fim, leitor, vale considerar que a filosofia, particularmente em sua dimensão ética, tem se destacado na contemporaneidade por sua contribuição ao aperfeiçoamento do processo de tomada de decisão, bem como à formação de lideranças. Na atualidade, cada vez mais, tem-se a exigência de um profissional crítico, reflexivo, questionador, capaz de uma observação cuidadosa e de descobrir problemas antecipadamente e se posicionar previamente em face deles. A possibilidade de “estranhar” a realidade apresentada e levantar questões criticamente parece fundamental para quem pretende conquistar funções de liderança e consolidar uma boa gestão, ao mesmo tempo eficiente e ética, de suas atividades profissionais. A capacidade de pensar de modo reflexivo diante de conflitos de conduta e dilemas éticos é condição básica para o exercício de funções estratégicas – quem não o faz permanece confinado em posições meramente reprodutoras de procedimentos previamente fixados. Isso, sem dúvida, se aplica ao processo de tomada de decisão em gestão, do mesmo modo que é fundamental para as perspectivas de responsabilidade social e sustentabilidade. Em outras palavras, em concordância com a sabedoria popular, “quem não sabe pensar, quem não sabe criar, apenas copia e repete”. E quanto a você, leitor, sente-se preparado para assumir a tarefa da liderança ética? Podemos inferir que os líderes são atores morais que traduzem, demonstram e fomentam a conduta ética empresarial e incorporam a ética empresarial à cultura organizacional. Isso reforça o permanente diálogo entre a ética e o sucesso das organizações. Não é sempre que encontramos líderes éticos nas organizações. Uma cultura paternalista e autoritária, somada com características pessoais de líder e liderados, pode produzir relações de poder abusivas. Esse é o tema que analisaremos a seguir. Abuso de poder Robbins, Judge e Sobral (2010:406) entendem que a dependência é a chave para o poder e anunciam o seguinte postulado geral: “Quanto maior a dependência de B em relação a A, maior o poder de A sobre B”. Se A controla algo que B deseja, então B é dependente de A. Se B não tem nenhuma outra alternativa para substituir o algo desejado, então B é totalmente dependente de A. Por outro lado, quanto mais alternativas B possui para substituir o
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