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Etica e sustentabilidade

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Prévia do material em texto

P U B L I C A c O E S
FGV Management
Ivanildo Izaias de Macedo
Denize Ferreira Rodrigues
Leandro Pinheiro Chevitarese
Susana Arcangela Quacchia Feichas
S E R I E G E S T A O D E P E S S O A S
sustentabilidade
FGV E D I TO R AIDE
Copyright © 2015 Ivanildo Izaias de Macêdo, Denize Ferreira Rodrigues, Leandro Pinheiro
Chevitarese, Susana Arcangela Quacchia Feichas
Direitos desta edição reservados à
EDITORA FGV
Rua Jornalista Orlando Dantas, 37
22231-010 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil
Tels.: 0800-021-7777 — 21-3799-4427
Fax: 21-3799-4430
editora@fgv.br — pedidoseditora@fgv.br
www.fgv.br/editora
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98).
Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.
1a edição — 2005
Preparação de originais: Sandra Frank
Editoração eletrônica: FA Studio
Revisão: Clarisse Cintra
Capa: aspecto:design
Ilustração de capa: Felipe A. de Souza
Desenvolvimento de eBook: Loope – design e publicações digitais | www.loope.com.br
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Macêdo, Ivanildo Izaias de
Ética e sustentabilidade / Ivanildo Izaias de Macêdo...[et al.]. — Rio de Janeiro: Editora FGV,
2015.
(Gestão de pessoas (FGV Management))
Em colaboração com Denize Ferreira Rodrigues, Leandro Pinheiro Chevitarese, Susana Arcangela
Quacchia Feichas.
Publicações FGV Management.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-225-1747-3
1. Ética empresarial. 2. Responsabilidade social da empresa. 3. Responsabilidade ambiental. 4.
Sustentabilidade e meio ambiente. 5. Desenvolvimento sustentável. I. Rodrigues, Denize Ferreira.
II. Chevitarese, Leandro Pinheiro. III. Feichas, Susana A. Q. (Susana Arcangela Quachia). IV. FGV
Management. V. Fundação Getulio Vargas. VI. Título. VII. Série.
CDD — 174.4
mailto:editora@fgv.br
mailto:pedidoseditora@fgv.br
http://www.fgv.br/editora
http://www.loope.com.br
Aos nossos alunos e aos nossos colegas docentes, que
nos levam a pensar e repensar nossas práticas.
Sumário
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Apresentação
Introdução
1 | Ética, moral e valores
Conceitos, princípios e fundamentos
Ética e moral
Ética e direito
Ética e política
Ética e religião
Breve genealogia dos valores ocidentais: da Grécia à modernidade
A deontologia kantiana e o utilitarismo inglês
Modelos de gestão ética
Como enfrentar dilemas éticos
Desafios éticos na pós-modernidade
Ética e poder nas organizações: o papel do líder
Abuso de poder
Assédio moral
Assédio sexual
Moral nas organizações brasileiras
Código de conduta e comitê de ética
2 | Responsabilidade social e governança
Fundamentos da responsabilidade social
Responsabilidade social e cidadania corporativa
Cidadania corporativa
Balanço social e indicadores GRI
Normas de responsabilidade social
ISE BM&FBovespa
Programa Em Boa Companhia
SA 8000
OHSAS 18000
ISO 26000
Selo Abrinq Amigo da Criança
Fair trade (comércio justo)
Associações representativas de entidades do terceiro setor
Relatórios de agências reguladoras
Governança corporativa
Gestão da reputação
Desenvolvimento moral da organização
Expectativas da alta administração
Fatores individuais
Fatores ambientais
Processos organizacionais
Desenvolvimento moral organizacional
Organizações pré-convencionais
Organizações convencionais
Organizações pós-convencionais
3 | Sustentabilidade como vantagem competitiva
Fundamentos, conceituação e princípios
Objetivos do desenvolvimento sustentável
Do desenvolvimento sustentável ao triple bottom line
Estágios para a sustentabilidade corporativa
Triple bottom line
O pilar econômico – profit
O pilar ambiental – planet
O pilar social – people
Interseção econômico-ambiental
Intercessão socioambiental
Interseção socioeconômica
Múltiplas demandas dos stakeholders
Retorno intangível e gerenciamento do risco corporativo
Modelos de avaliação de sustentabilidade
Conclusão
Referências
Os autores
Ivanildo Izaias de Macêdo
Denize Ferreira Rodrigues
Leandro Pinheiro Chevitarese
Susana Arcangela Quacchia Feichas
Apresentação
Este livro compõe as Publicações FGV Management, programa de educação
continuada da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A FGV é uma instituição de direito privado, com mais de meio século de
existência, gerando conhecimento por meio da pesquisa, transmitindo
informações e formando habilidades por meio da educação, prestando
assistência técnica às organizações e contribuindo para um Brasil sustentável
e competitivo no cenário internacional.
A estrutura acadêmica da FGV é composta por nove escolas e institutos, a
saber: Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape),
dirigida pelo professor Flavio Carvalho de Vasconcelos; Escola de
Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), dirigida pelo professor
Luiz Artur Ledur Brito; Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE),
dirigida pelo professor Rubens Penha Cysne; Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), dirigido pelo
professor Celso Castro; Escola de Direito de São Paulo (Direito GV), dirigida
pelo professor Oscar Vilhena Vieira; Escola de Direito do Rio de Janeiro
(Direito Rio), dirigida pelo professor Joaquim Falcão; Escola de Economia de
São Paulo (Eesp), dirigida pelo professor Yoshiaki Nakano; Instituto
Brasileiro de Economia (Ibre), dirigido pelo professor Luiz Guilherme
Schymura de Oliveira; e Escola de Matemática Aplicada (Emap), dirigida
pela professora Maria Izabel Tavares Gramacho. São diversas unidades com
a marca FGV, trabalhando com a mesma filosofia: gerar e disseminar o
conhecimento pelo país.
Dentro de suas áreas específicas de conhecimento, cada escola é
responsável pela criação e elaboração dos cursos oferecidos pelo Instituto de
Desenvolvimento Educacional (IDE), criado em 2003, com o objetivo de
coordenar e gerenciar uma rede de distribuição única para os produtos e
serviços educacionais produzidos pela FGV, por meio de suas escolas.
Dirigido pelo professor Rubens Mario Alberto Wachholz, o IDE conta com a
Direção de Gestão Acadêmica pela professora Maria Alice da Justa Lemos,
com a Direção da Rede Management pelo professor Silvio Roberto Badenes
de Gouvea, com a Direção dos Cursos Corporativos pelo professor Luiz
Ernesto Migliora, com a Direção dos Núcleos MGM Brasília, Rio de Janeiro
e São Paulo pelo professor Paulo Mattos de Lemos, com a Direção das
Soluções Educacionais pela professora Mary Kimiko Magalhães Guimarães
Murashima e com a Direção dos Serviços Compartilhados pelo professor
Gerson Lachtermacher. O IDE engloba o programa FGV Management e sua
rede conveniada, distribuída em todo o país e, por meio de seus programas,
desenvolve soluções em educação presencial e a distância e em treinamento
corporativo customizado, prestando apoio efetivo à rede FGV, de acordo com
os padrões de excelência da instituição.
Este livro representa mais um esforço da FGV em socializar seu
aprendizado e suas conquistas. Ele é escrito por professores do FGV
Management, profissionais de reconhecida competência acadêmica e prática,
o que torna possível atender às demandas do mercado, tendo como suporte
sólida fundamentação teórica.
A FGV espera, com mais essa iniciativa, oferecer a estudantes, gestores,
técnicos e a todos aqueles que têm internalizado o conceito de educação
continuada, tão relevante na era do conhecimento na qual se vive, insumos
que, agregados às suas práticas, possam contribuir para sua especialização,
atualização e aperfeiçoamento.
Rubens Mario Alberto Wachholz
Diretor do Instituto de Desenvolvimento Educacional
Sylvia Constant Vergara
Coordenadora das Publicações FGV Management
Introdução
Este livro apresenta teorias e práticas sobre ética e sustentabilidade com o
objetivo de facilitar para você, leitor, a reflexão sobre um conjunto de ideias
que sirvam de referência para a leitura crítica de sua realidade, assim
permitindo a identificação do quanto a melhoria da qualidade das relações
éticas e da prática da sustentabilidadenas organizações já exigem ações da
sua parte. A compreensão desenvolvida por meio da leitura dos capítulos
ilumina as atuais questões éticas e de sustentabilidade no âmbito empresarial,
buscando, desse modo, tornar claros seus impactos nos resultados
profissionais e empresariais. O diagnóstico da situação atual orientará a
definição de ações para o alcance de melhorias nas práticas da dignidade
humana nas organizações e da sustentabilidade da vida na Terra.
O primeiro capítulo discute conceitos, princípios e fundamentos da ética e
da moral, coloca a ética no plano da reflexão e a moral no nível das ações,
para demonstrar a relação entre regras morais e moralidade, amoralidade e
imoralidade. Depois, são apresentados dois modelos de gestão ética, um deles
fundamentado na deontologia kantiana e o outro no utilitarismo inglês, para
logo a seguir identificarmos as vantagens e desvantagens de suas aplicações
nas organizações. Os desafios éticos da pós-modernidade servem de cenário
para a discussão sobre a liderança ética e seus efeitos positivos nos resultados
empresariais, no contexto específico da moral patrimonialista presente na
sociedade e nas organizações brasileiras, destacando-se aí o abuso de poder e
os papéis do código de conduta ética e do comitê de ética.
No segundo capítulo, são apresentados fundamentos, indicadores e normas
para estabelecer uma estrutura conceitual capaz de analisar ações de
responsabilidade social desenvolvidas nas organizações. Aproveitamos o
contexto delineado para discutir o papel do terceiro setor e de suas
associações representativas. Em seguida, discorremos sobre a importância do
alinhamento entre objetivos de acionistas e de gestores das organizações por
meio da governança corporativa. Já a reputação da organização é apresentada
como um importante ativo intangível que necessita ser gerenciado e,
finalizando, abordamos o desenvolvimento moral da organização por meio da
análise dos estágios de maturidade pré-convencional, convencional e pós-
convencional.
O terceiro capítulo examina fundamentos, conceitos e princípios da
sustentabilidade; depois destaca os objetivos do desenvolvimento sustentável
e apresenta a evolução conceitual até o triple bottom line. A partir daí,
detalha seus pilares econômico, ambiental e social, bem como os estágios
para a sustentabilidade corporativa. Na sequência, são apresentadas as
múltiplas demandas dos stakeholders, o retorno intangível e o gerenciamento
do risco corporativo, para concluir com a descrição de modelos de avaliação
de sustentabilidade.
Finalmente, apontamos as conclusões possíveis de alcançar em função dos
limites estabelecidos pelos conceitos e experiências apresentados nos
capítulos.
1
Ética, moral e valores
Na atualidade, tem se tornado cada vez mais dramático o clamor pela ética.
Corrupção, interesses políticos, autoritarismo, favorecimento ilícito,
vantagens pessoais, preconceito, discriminação, entre outras atitudes
negativas, têm incomodado significativamente nossa sociedade. A cultura
contemporânea tem, progressivamente, se mostrado mais intolerante a todo
um conjunto de ações prejudiciais à coletividade. Entretanto, muito tem sido
feito no intuito de reverter tal estado de coisas e nem sempre estamos atentos
a isso. Sem dúvida, não basta apenas reclamar de que não há ética, se não
enfrentamos o desafio de pensar sobre o problema e suas possíveis soluções.
O presente capítulo pretende introduzir a temática da ética, inicialmente
distinguindo-a do direito, da moral, da política e da religião. Em seguida,
objetivamos evidenciar a problemática dos valores no processo de tomada
decisão, apresentando suas dificuldades e dilemas. Seguimos com uma
análise da sociedade contemporânea, enfatizando sua condição de cultura
pós-moderna, bem como os desafios éticos que lhe são próprios.
Apresentamos a possibilidade de construção de uma liderança em sintonia
com a contemporaneidade, que nos apresente uma perspectiva de
enfrentamento de tais adversidades. O capítulo considera, ainda, a articulação
entre a prática da ética e os resultados empresariais, bem como a construção
de confiança nas relações entre empresa, parceiros, funcionários e clientes.
Por fim, realizamos uma análise da moralidade presente nas organizações
brasileiras, suas dificuldades e desafios.
Conceitos, princípios e fundamentos
A compreensão adequada do tema exige claras distinções entre ética,
moral, direito, política e religião, tarefa que realizamos a seguir.
Ética e moral
No discurso coloquial, é comum aplicarmos as denominações “ético” e
“moral” como sinônimos. Empregamos tais termos, em geral, para nos
referirmos à aprovação de comportamentos sociais e, correlatamente,
denominamos “antiéticas” ou “imorais” aquelas atitudes que não
reconhecemos como adequadas aos valores sociais vigentes. Segundo
Zajdsznajder (2001:72), “usa-se também o termo ‘ético’ para qualificar
pessoas, instituições e ações. Seu uso convém aos casos em que os deveres e
o bem a ser alcançado são levados em consideração”. Todavia, para os
propósitos aqui estabelecidos, é fundamental estabelecer a distinção
conceitual entre “ética” e “moral”. Uma breve revisão histórica pode nos
ajudar a compreender, por exemplo, a pluralidade de significados
relacionados aos termos em pauta. Conforme Tugendhat (1997:35-37):
Realmente, os termos “ética” e “moral” não são particularmente
apropriados para nos orientarmos. Cabe aqui uma observação sobre sua
origem, antes de tudo curiosa. Aristóteles tinha designado suas
investigações teórico-morais – então denominadas como “éticas” – como
investigações “sobre o ethos”, “sobre as propriedades do caráter”, porque
a apresentação das propriedades do caráter, boas e más (das assim
chamadas virtudes e vícios) era uma parte integrante essencial destas
investigações. Essa procedência do termo “ética”, portanto, não dá conta
daquilo que entendemos por “ética”. No latim o termo grego éthicos foi
traduzido por moralis. Mores significa: usos e costumes. Isto, novamente,
não restitui as nossas compreensões de ética e de moral. Ocorre aí, além
disso, um problema de tradução. Pois na ética aristotélica não apenas
ocorre o termo ethos (com “e” longo), que significa propriedade de
caráter, mas também o termo ethos (com “e” curto) que significa costume,
e é para este segundo termo que serve a tradução latina.
Você, leitor, pode observar como os termos etimologicamente associam-se
tanto a “traços de caráter”, como também àquilo que podemos chamar de
“usos e costumes” de uma sociedade. Considerando uma sintonia melhor com
a compreensão contemporânea, de acordo ainda com Tugendhat, “outra
definição terminológica possível de ‘ética’ é, diferenciando-a da moral,
compreendê-la como reflexão filosófica sobre a ‘moral’” (Tugendhat,
1997:41,grifos meus). Essa mesma concepção pode ser observada em Thiry-
Cherques (2008:30), o qual afirma que a ética “é a denominação da parte da
filosofia que se ocupa das ideias morais”. Esse é o sentido que se pode
constatar na maioria dos autores, e será a concepção aqui adotada. Também
para Marcondes Filho (2007:10), a ética diz respeito aos sistemas prescritivos
e normativos vigentes em uma dada coletividade, ou seja, ao “conjunto de
preceitos que estabelecem e justificam valores e deveres, desde os mais
genéricos, tais como a ética cristã ou estoica, até os mais específicos, como o
código de ética de uma categoria profissional [...]”. É interessante observar a
ênfase na necessidade de justificar valores e deveres, algo que não pode
prescindir de uma atividade crítica e reflexiva – o que é próprio de uma
filosofia ou ciência da moral.
De fato, desde o surgimento dos primeiros agrupamentos sociais, cada um
deles estabeleceu para si mesmo normas de convivência, que assumiram a
forma de valores, referentes ao bem e ao mal, aplicados à conduta de
indivíduos no meio social. Isso é o que se pode chamar de “moral”.
Naturalmente, todo conjunto de valores morais apresenta ampla variabilidade
regional e temporal, relativamente a cadacultura. É nesse sentido que
dizemos que os “valores variam muito dependendo de cada sociedade”. A
ética, por sua vez, distingue-se da moral por ser uma filosofia da moral ou
uma ciência da moral, pela qual se pretendem estabelecer critérios e
princípios racionalmente fundamentados que possam orientar a conduta
diante da diversidade de valores socioculturais. Como observa Chauí
(1994:339):
A simples existência da moral não significa a presença explícita de uma
ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta,
problematize e interprete o significado dos valores morais. Podemos
dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a
ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates.
A tradição filosófica compreende a ética como uma reflexão filosófica
sobre as regras e valores morais, reflexão que se inicia com a filosofia grega,
particularmente com a experiência socrática. Certamente podemos constatar
diversas formas de moralidade antes dos gregos, mas somente a partir de
Sócrates (470-399 a.C.) é que se pode verificar o surgimento da ética.
Sócrates, por sua postura crítica e questionadora, inicia historicamente tal
atividade filosófica de interrogação sobre as normas morais estabelecidas em
um dado contexto cultural.
Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido dos
costumes estabelecidos (ethos com eta: os valores éticos ou morais da
coletividade, transmitidos de geração a geração), mas também indagava
quais as disposições de caráter (ethos com epsilon: características
pessoais, sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levavam
alguém a respeitar ou a transgredir os valores da cidade, e por quê [Chauí,
1994:340].
Daí, leitor, você poder afirmar que, desde suas origens na Grécia antiga até
a atualidade, a ética caracteriza-se como uma atividade reflexiva que procura
interrogar sobre as diferentes práticas morais, buscando estabelecer os
melhores valores que podem nortear a conduta humana.
Por essa perspectiva, não basta afirmar que algo é “antiético”; é necessário
fundamentar teoricamente por que tal atitude não corresponde a um
comportamento ético. Isso é particularmente importante para o cenário de
gestão, pois significa que o gestor precisa justificar suas decisões não
somente para sua equipe, ou para sua organização, mas, acima de tudo, para
toda a sociedade. Justificar, nesse caso, significa evidenciar os critérios e
princípios que fundamentam tal decisão, ou seja, esclarecer o resultado de
uma reflexão racional sobre as práticas morais, enfim, fundamentar
eticamente sua deliberação e responsabilizar-se pelas consequências de sua
ação.
Desse modo, a ética se constitui como uma área ou disciplina filosófica, de
caráter normativo, com pretensão de universalidade. O que se denomina
“ética aplicada” nada mais é que um direcionamento específico, voltado para
uma determinada atividade humana (seja a medicina, a psicologia, a
administração, a gestão de recursos públicos e outros) de uma base de
fundamentação teórica geral que lhe garante legitimidade. É desse modo que
surgem as chamadas éticas profissionais. Este “solo comum”, que serve de
orientação para a conduta no âmbito de uma atividade delimitada, deve ser
compartilhado por todos aqueles que participam de tal prática – o que
novamente recoloca a universalidade no interior desse foco de atividade
humana.
Fundamentado nisso, você, leitor, pode dizer que toda história da ética
constituiu-se pelo enfrentamento de questões filosóficas que poderiam ser
assim formuladas: como devemos agir? Que razões determinam a melhor
maneira de agir diante de uma dada situação? O que justifica nossos
comportamentos sociais?
Este é um ponto particularmente importante: embora não haja uma única
ética dotada de consenso universal, cada matriz do pensamento ético-
filosófico acaba por propor uma resposta ao problema da conduta humana,
formulando sempre juízos com pretensão de universalidade – considerados
aplicáveis a todos os indivíduos na mesma situação.
Por exemplo, ao declararmos, com base nas demandas por
desenvolvimento sustentável, que é ético conciliar o crescimento econômico
com investimentos sociais e promoção da conservação ambiental,
pretendemos que todos, sempre, tenham essa atitude. Por outro lado, isso não
acontece quando afirmamos preferir certo tipo de música, culinária ou estilo
de vida. No primeiro caso, formulamos um juízo ético com pretensão de
universalidade, ou seja, pretendemos que se aplique a todas as pessoas. No
segundo caso, formulamos um juízo estético, de caráter particular, ou seja,
pretendemos que se aplique apenas àquele que o formulou e compreendemos
que existem outras escolhas, tão válidas quanto as nossas.
Podemos também observar a distinção entre juízos éticos e juízos morais,
por meio de exemplos do ambiente corporativo. É comum que nos
identifiquemos moralmente com determinados colegas de trabalho, por
concordarmos com seus valores e costumes; por outro lado, ao mesmo tempo,
qualquer um de nós poderia se lembrar de situações de desconforto em
função de palavras e hábitos de outros funcionários e gestores, em alguns
casos até acompanhados de um sentimento de desrespeito. Tudo isso revela a
diversidade moral: as pessoas têm comportamentos e valores diferentes e tal
situação gera afinidades ou conflitos porque, em geral, julgamos moralmente
– seja de modo positivo ou negativo – o que se apresenta diante de nós. Nesse
cenário, a ética surge quando se torna possível estabelecer valores que
possam ser racionalmente fundamentados para ordenar a conduta coletiva. Na
situação mencionada, sobre diversidade moral, isso corresponderia, por
exemplo, à possibilidade de afirmar, por meio de um juízo ético, que “todos
devemos respeitar a dignidade humana”, buscando assim mútuo tratamento
baseado no respeito e na cordialidade.
Vázquez (1985) estabelece a diferença entre problemas morais e
problemas éticos. Os problemas morais são relativos à prática e localizados
em cada situação específica, podendo afetar uma ou algumas pessoas. Já os
problemas éticos abordam reflexões teóricas sobre comportamentos morais,
são abrangentes e sempre atingem a comunidade como um todo. A definição
do que é bom é um problema ético. De outro lado, é um problema moral
estabelecer o que o indivíduo deve fazer em determinada situação para que
ele possa ser considerado bom. Por exemplo, é um problema ético decidir se
a vida deve ser respeitada. Uma vez que se estabeleça que a vida e a
dignidade humana são valores fundamentais, surge o problema moral de
estabelecer opções práticas, normas e leis para que a vida seja respeitada.
Analisando a necessidade de diferenciar o mundo normativo do mundo
prático, Vázquez (1985) diz que a moral compreende normas e
comportamentos, abrangendo as regras morais em si e suas práticas efetivas.
A necessidade de diferenciar a reflexão ética da dimensão pragmática das
regras e normas fez com que a moralidade passasse a significar a
materialização das normas morais nas relações sociais, por meio de atos
concretos.
Por outro lado, a relação social é classificada como amoral no caso de não
existir qualquer regra prévia para a prática de um ato específico ou não haver
ninguém atingido por ele. Já a imoralidade é a prática de comportamentos
proibidos ou contrários aos recomendados pela moral. Por exemplo, é uma
ação amoral se você praticar sozinho, na sua residência, exercícios físicos,
mas se você aproveitar a oportunidade para fazer um filme e projetar para os
empregados da empresa, com o objetivo de dar exemplo de preservação da
saúde, torna-se um ato moral. Assim, o comportamento simboliza um ato
moral, porque a ação passa a ser revestido de um caráter social positivo. Essa
mesma prática passa a ser imoral caso a liderança incentive o uso de
substâncias estimulantes prejudiciais à saúde; dessa forma, o ato torna-se
socialmente negativo (Srour, 2003).
Ética e direito
Sem dúvida, outra distinção importante a ser tratada é aquela entre “ética”
e “direito”.Há uma confusão muito comum entre essas áreas de
conhecimento e atuação, que se evidencia em afirmações tais como: “Fulano
é corrupto, que falta de ética!”, ou “Este indivíduo é muito ético, sempre
cumpre a lei!”, “O problema ético no Brasil advém da impunidade!”. É
importante esclarecer que a ética não pode ser reduzida simplesmente à
legislação vigente. Certamente, um caso de corrupção não existiria se o
cidadão agisse eticamente, mas no caso de uma transgressão de tal ordem já
se configura um problema legal – que desse modo deve ser tratado.
Correlatamente, simplesmente o fato de um indivíduo cumprir a lei não o
credencia como ético, pois a dimensão da eticidade, embora inclua o
cumprimento da lei, é muito mais ampla do que a esfera legislativa. Mais
absurdo ainda seria afirmar que a falta de ética advém da impunidade, pois
estaríamos invertendo a ordem dos fatores: a dimensão ética precede a esfera
legal. A legislação estabelece o que não pode ser feito, enquanto a ética
dedica-se a pensar o que deve ser feito. De fato, é ético cumprir a lei, mas
esse é apenas um aspecto do nosso horizonte de possibilidades de ação como
cidadãos e profissionais.
Atenção, leitor, tanto a ética como o direito se referem à normatização da
conduta dos indivíduos, buscando contribuir para a ordem social e
aperfeiçoamento da qualidade de vida. Todavia, enquanto o direito prevê
punições efetivas adequadas à natureza do delito, seja civil ou criminal,
visando impedir a realização de novas transgressões, a ética refere-se à
consciência moral dos agentes. Pode-se dizer que no primeiro caso tem-se
uma sanção externa, um tipo de punição que opera como coerção para
adequação da conduta. No segundo caso, diferentemente, trata-se de uma
sanção interna, ou seja, uma forma de autocensura que modifica a conduta do
indivíduo. É possível cometer muitos delitos éticos sem que isso implique
qualquer crime, como é o exemplo da mentira, da intriga pessoal ou do
desrespeito. É possível, ainda, lembrar ações que, embora sigam os trâmites
processuais em uma instituição, por vezes mostram-se antiéticas por muitas
razões que teríamos facilidade em reconhecer; ou, ainda, recordar a atitude de
executivos que buscam as brechas da lei para realizar ações antiéticas,
viabilizando interesses econômicos ou pessoais. O campo ético é, nesse
sentido, muito mais amplo que o universo jurídico, pois envolve um grande
número de aspectos subjetivos, que exigem uma reflexão crítica do agente
moral.
Tal distinção entre ética e direito pode ser facilmente exemplificada no
ambiente corporativo. Em um dado contexto, um gestor considera que é
capaz de cometer, digamos, um crime “perfeito”, ou seja, que seria possível
realizar uma transgressão legal – seja um furto, um dano ambiental, uma
prática de assédio moral ou qualquer outra coisa – sem que ninguém seja
capaz de perceber ou provar. Desse modo, em seu entendimento, não haveria
risco de uma sanção externa, ou seja, não haveria qualquer punição legal.
Nesse caso, o que poderia impedi-lo? Certamente, apenas uma sanção
interna, algo advindo de sua própria consciência. Se ele o faz apenas por
costume, de modo irrefletido, pode-se dizer que o indivíduo reproduziu seu
padrão de comportamento moral. Se, no entanto, além disso, ele é capaz de
formular critérios e princípios pelos quais tal transgressão lhe pareça
inaceitável, pode-se dizer que o indivíduo agiu de modo eticamente
orientado. Tal pessoa afirmaria: “Não importa que eu possa fazer, pois
compreendo que não devo”.
Por fim, é importante, ainda, considerar que em uma sociedade
democrática de direito pretende-se que a legislação vigente esteja em sintonia
com a atualidade da reflexão ética dessa mesma sociedade. Quando isso não
acontece, em geral afirmamos algo como: “Essas leis não são justas!” – o que
pode conduzir a mobilizações de diferentes setores da sociedade, lutas sociais
ou campanhas públicas visando à alteração de tais leis. Desse modo, pode-se
dizer que é tarefa da reflexão ética a reformulação crítica da legislação
vigente. A ética é condição de possibilidade para o aprimoramento das leis e
práticas sociais. “O ético precede o legal e tanto o conteúdo justo ou injusto
das leis, como o seu respeito e acatamento, são de natureza ética”
(Zajdsznajder, 2001:74).
Esse ponto é muito importante. Então, você, leitor deve ler e refletir sobre
sua atual atitude na ambiência organizacional. Em outras palavras: é uma
tarefa ética de todo cidadão não somente cumprir as leis, mas também pensar
criticamente sobre a eticidade delas e, quando necessário, propor mudanças.
Isso se aplica, da mesma maneira, ao ambiente corporativo: não basta
simplesmente cumprir o código de conduta ética da empresa; é também um
compromisso ético refletir criticamente sobre o que se prescreve e, quando
necessário, apresentar sugestões visando ao aperfeiçoamento da empresa ou
instituição na qual trabalhamos.
Ética e política
Segundo Bobbio (2004:954), o termo “política” significa “tudo o que se
refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até
mesmo sociável e social”. Sua origem está ligada ao termo grego polis, que
significa, literalmente, “cidade”. Apesar disso, tal noção adquire, na
atualidade, múltiplos significados, eventualmente pejorativos, associados à
corrupção, interesses escusos ou manipulação social. É importante resgatar o
significado positivo da noção de “política”, pois todo gestor faz política, na
medida em que precisa gerenciar uma multiplicidade de interesses em um
espaço socialmente compartilhado. E, para que se conquiste um bom
gerenciamento, é fundamental que haja ética. Pode-se dizer que fazer política
com ética significa tomar as melhores decisões para gerenciar pessoas
diferentes, que precisam agir em prol de objetivos coletivos, social e
ambientalmente relevantes. Caso não consideremos necessária a articulação
entre ética e política, recairemos na armadilha maquiavélica de que os fins
justificam os meios.
Isso, consequentemente, significa que para agir politicamente com ética é
necessário que nem tudo seja objeto de negociação. O que não se negocia são
os princípios e valores que foram estabelecidos como fruto da reflexão ética.
Enfim, no paradigma democrático hoje vigente, fazer política com ética
significa que nem tudo é negociável – e cabe à contínua análise ética
estabelecer tais limites. Agora, é importante que você, leitor, reflita sobre as
práticas políticas da atualidade.
Ética e religião
Na atualidade, em um cenário de proliferação de inúmeras formas de
religiosidade, conflitos de ordem religiosa têm prejudicado diversas
organizações. Vivemos em um Estado laico, ou seja, não determinado por
qualquer religiosidade, embora defensor do respeito integral à liberdade
religiosa. Todavia a vivência de tais princípios não é algo fácil no cotidiano
das organizações. Cabe, em primeiro lugar, estabelecer uma importante
distinção entre “ética” e “religião”. Conforme Tugendhat (1997:13):
[...] na discussão destas questões, remontamos explícita ou implicitamente
a tradições religiosas. Isso, porém, é ainda possível para nós? A
dificuldade não é a de que as questões que podem ser resolvidas com
normas fundadas na religião envelheceram, mas sim a de que se deve pôr
em dúvida a possibilidade de ainda fundamentar, sobretudo,
religiosamente, as normas morais. Uma tal fundamentação pressupõe que
se é crente. Seria, ademais, intelectualmente desonesto manter-se ligado a
respostas religiosas para as questões morais apenas porque elas permitem
soluções simples, pois isto não corresponderia nem à seriedade das
questões, nem à seriedade exigida pela crença religiosa.
Uma fundamentação para orientação da conduta baseada em qualquer
religião pressupõe sempre que se é crente, ou seja, acaba por nos enredar na
situação de que se “depende da fé de cada um” – o que, obviamente, não
pode ser compartilhado por todos. Por outro lado, isso não significa que
valores religiosos devam ser rejeitados. Em muitos casos, os valores advindosda religião concordam com aqueles que se pretende estabelecer em uma
organização. Todavia, em uma sociedade democrática de direito, é necessário
fundamentar valores racionalmente, estabelecer princípios éticos que possam
ser considerados criticamente por qualquer indivíduo, religioso, ateu ou
agnóstico.
É fundamental, ainda, determinar a distância entre a dimensão pessoal e a
profissional, ou seja, determinar claramente que questões de ordem religiosa
devem ficar restritas ao âmbito pessoal, pois o Estado, bem como a sociedade
e as empresas, deve ser laico. É uma tarefa ética combater o preconceito e
promover o respeito à diversidade religiosa, como também é crucial garantir
o direito de cada profissional de trabalhar em um espaço laico. Isso significa
que nenhum profissional deve ser julgado por sua religião, que é assunto de
foro íntimo, mas, ao mesmo tempo, significa que a religiosidade é algo que
não deve obter expressão no ambiente de trabalho, em função da necessidade
de respeito à diversidade religiosa ou mesmo ao ateísmo. Em suma: pode-se
acreditar no que se quiser e deve-se guardar isso para si, mas seja como for,
as pessoas só devem ser avaliadas pelo que fazem e não por aquilo em que
acreditam. Então, leitor, fica a pergunta: como seria o Brasil se aqui tivesse
uma religião única e obrigatória?
Breve genealogia dos valores ocidentais: da Grécia à
modernidade
Como vimos na seção anterior, a ética inicia-se na Grécia antiga com
Sócrates (470-399 a.C.). Seu principal legado para a civilização ocidental foi
o ensinamento de uma atitude filosófica diante da vida. Trata-se de enfatizar
a fundamental necessidade de se “espantar” (thauma) diante do que parece
comum e ordinário. Sócrates nos convida a uma atitude de inquietação
perante o senso comum, uma postura de dúvida em relação aos
procedimentos e costumes da vida cotidiana, interrogando sobre nossa
relação com a sociedade e a natureza.
Tal atitude crítica permanece ainda hoje como um grande desafio, pois a
maioria de nós acostumou-se apenas a repetir o que a maioria faz. Cabe
ressaltar que esse é um dos grandes obstáculos para a qualificação ética do
processo de tomada decisão: se o gestor é incapaz de uma atitude crítica e
reflexiva, tenderá sempre a decidir impulsivamente ou simplesmente repetirá
paradigmas já consolidados. E quando perguntado sobre o caráter ético de
suas decisões, responderá apenas: “Não sei dizer por que agi desse modo,
mas as coisas sempre foram assim por aqui”.
Seguindo a proposta filosófica de Sócrates, mas distanciando-se de uma
atitude baseada no puro questionamento, Platão (428-348 a.C.) elabora uma
forma de “intelectualismo ético”, associando o conhecimento positivo da
verdade à prática do bem. Somente o ignorante realizaria ações não virtuosas,
pelo desconhecimento da ideia de bem. A razão surge como possibilidade de
contemplar o bem, que é absoluto e universal. Desse modo, o problema ético
torna-se, acima de tudo, um problema de educação. Por meio da dialética
racional, o indivíduo pode libertar-se de crenças e ilusões, chegando ao
conhecimento puro, do qual decorrem ações virtuosas, voltadas para a
coletividade. Apenas tal conhecimento legitimaria o exercício do poder,
representado idealmente em A república pela figura do “rei-filósofo”.
É interessante observar, leitor, como somos herdeiros dessa tradição grega,
e como nos encontramos muito mais próximos de realizar algumas das
idealizações de Platão. Embora possa nos parecer anacrônica a expressão
“rei-filósofo”, em essência ela corresponde, atualmente, aos clamores por
uma gestão definida por competências e por meritocracia. Também a
perspectiva de busca incessante do conhecimento e de qualificação técnica e
ética parece ser um horizonte fundamental nas atuais práticas de gestão. Por
fim, vale ainda destacar a atualidade da “alegoria da caverna”, presente no
livro VII de A república, que descreve as dificuldades do processo de
emancipação individual – abordagem crucial para a problemática do
desenvolvimento pessoal e profissional, bem como para toda e qualquer
discussão sobre gestão de mudanças.
Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, nos apresenta uma distinção entre
saber teorético e saber prático (práxis). O primeiro se refere àquilo que existe
ou acontece independentemente de nós (como a natureza), enquanto o
segundo se aplica àquilo que se refere diretamente às nossas ações (como a
ética). Para o filósofo, a ética não pode ser uma ciência ideal ou exata, mas
sim algo que se aprende com a prática de vida, nos oferecendo a
possibilidade de cultivar uma sabedoria aplicada (phronesis). Ao longo do
curso de aprendizado na vida, é fundamental que o ato deliberativo seja
orientado pela prudência, buscando o meio-termo, a ponderação, tendo em
vista o que é bom para si e para os outros. Isso significa que, em última
análise, nossas ações devem ter como fim último a felicidade (eudaimonia),
mas deve-se ressaltar que a felicidade que se busca é a felicidade da polis, ou
seja, o que se busca é aquilo que contemporaneamente chamamos de bem-
estar social.
Então, leitor, torna-se fundamental observar como se encontra aqui a
gênese de valores capitais para a sociedade moderna, tais como a prudência, o
aprendizado pela experiência e a busca pelo bem-estar coletivo. É fácil
constatar como o processo de tomada de decisão em gestão seria implausível
eticamente se despojado de tais princípios essenciais.
As matrizes de valores platônica e aristotélica serão objeto de retomadas e
desenvolvimentos teóricos no período medieval, bem como no âmbito da
modernidade. Nosso esforço se concentrará em esclarecer o desenvolvimento
teórico desses valores, no âmbito do contraste entre a deontologia de Kant e o
utilitarismo de Bentham e Mill.
A deontologia kantiana e o utilitarismo inglês
Para Immanuel Kant (1724-1804), a ação ética é aquela que é realizada
estritamente por dever. Essa forma de fundamentação baseia-se na
universalidade da razão que nos constitui como seres humanos,
independentemente de qualquer contexto histórico-cultural. Tal dever
constitui-se como uma lei geral que nos é oferecida pela nossa própria razão,
de modo autônomo – afastando-se, portanto, de quaisquer imposições
externas, sejam religiosas ou sociais.
A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se
a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o
poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prática faz a
si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de
ser uma imposição externa feita à nossa vontade e à nossa consciência, é a
expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em
nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a nós mesmos
os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos
autônomos [Chauí, 1994:345].
A lei fundamental da razão pura prática, tal como formulada por Kant em
Fundamentação da metafísica dos costumes é a seguinte: “Age segundo uma
máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei
universal” (Kant, 1984:129).
Por um lado, a natureza instintual nos impele a agir por interesse, segundo
nossas inclinações espontâneas, todavia a razão nos oferece a liberdade
absoluta de agir por dever, em conformidade com a lei da razão pura prática.
Tal forma de orientação da conduta jamais é hipotética, mostrando-se sempre
categórica, incondicional: o dever assume a forma de um imperativo
categórico. Como comenta Chauí:
Essa fórmula permite a Kant deduzir as três máximas morais que
exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. São elas:
1. age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade
em lei universal da Natureza;
2. age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como
na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio;
3. age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para
todos os seres racionais [Chauí, 1994:346].
É importante observar queas máximas são deduções do imperativo
categórico e devem ser realizadas simultaneamente: é tudo ou nada. Trata-se
aqui de uma ética formal, ou seja, Kant nos oferece uma regra geral, que
serve de critério de legitimação para qualquer conduta que se pretenda
adequada. Não existem, portanto, normas específicas (aja desse ou daquele
modo) ou conteúdos fixos que definiriam as virtudes a serem realizadas, mas
sim um princípio geral de orientação para o processo de tomada de decisão.
Desse modo, uma ação ética é aquela que pode ser universalizada e que
respeita a dignidade humana. Isso significa uma atitude que pode ser
realizada por todos, com absoluto respeito à pessoa humana.
Veja, leitor, Kant nos oferece alguns exemplos de aplicação de sua ética.
O caso mais famoso é o da mentira. Se todos nós mentíssemos, se tivéssemos
tal atitude como regra e princípio de nossas vidas, a própria mentira destruiria
a si mesma, pois o mentiroso só mente – e encontra vantagem nisso – porque
a maioria se orienta pelo princípio da veracidade. Além disso, o mentiroso
desrespeita seu interlocutor, tomando-o como meio para obter seus objetivos.
Outro exemplo kantiano é o do feirante que se pergunta sobre a possível
adulteração da balança da feira. Ora, se todos nós adulterássemos as balanças,
é óbvio que ninguém mais acreditaria em nenhuma balança e essa ação
destruiria a si mesma. O feirante que adultera sua balança, além de
desrespeitar seu cliente, promove uma ação de exceção e, por isso mesmo,
antiética.
Por outro lado, pode-se observar facilmente que a veracidade e a
honestidade podem ser ações realizadas por todos com mútuo respeito, e
configuram-se, portanto como ações éticas. Assim, o princípio de
universalização da ação e o princípio de dignidade da pessoa humana surgem
como critérios para determinar se uma ação é ética ou não.
Vejamos agora dois exemplos disso no ambiente corporativo. Um
funcionário solicita liberação do horário previsto para o trabalho em função
de motivos pessoais. Pelo imperativo categórico, a decisão a ser tomada só
pode ser considerada ética se for aplicada como regra para todos os
funcionários. Não importa que os motivos excepcionalmente sejam
justificados: ou se aplica a todos ou não se aplica a ninguém. Do mesmo
modo: um funcionário solicita flexibilização dos prazos para entrega de um
relatório a ele solicitado, por motivos perfeitamente compreensíveis. Pelo
imperativo categórico isso só pode ser considerado ético se for aplicado como
regra a todos aqueles que exercem a mesma função. Não há exceções, pois as
ações devem ser sempre universais, preservando a dignidade, a
imparcialidade e a transparência.
O resultado é que, para Kant, existem três modos de agir: “por dever”,
“conforme o dever” e “contrariamente ao dever”. O agir por dever se aplica
àqueles que agem estritamente por obediência ao princípio ético descrito; o
segundo modo se refere àqueles que agem de acordo com o dever, mas
apenas por conveniência ou porque os resultados mostram-se oportunamente
favoráveis; e o terceiro modo é aquele em que os indivíduos agem de modo
estritamente egoísta, segundo seus interesses, em prejuízo da humanidade.
Isso significa que atos como mentir, roubar, descriminar pessoalmente ou
culturalmente, flexibilizar regras, modificar formas de negociação por
interesses de ocasião e outros – que não estão de acordo com o imperativo
categórico – são eticamente reprováveis em qualquer contexto. Ao agir, cada
um de nós precisa considerar de maneira autônoma se a ação é adequada ao
imperativo categórico.
A ética formulada por Kant exerce, sem dúvida, uma grande influência em
nossa cultura. Princípios como racionalidade, autonomia, liberdade crítica,
imparcialidade, dignidade humana, ação por dever, conduta desinteressada,
transparência e outros mostram-se amplamente presentes na agenda ética
contemporânea.
Além disso, Kant é responsável por uma das mais importantes
considerações éticas acerca do uso da liberdade, tendo em vista a perspectiva
do esclarecimento (Aufklärung), conhecida como “uso público e uso privado
da razão” (Kant, 1974).
Segundo Kant, todo cidadão tem não somente o direito, como também o
dever, de fazer uso público de sua razão, ou seja, tem o compromisso diante
da humanidade de refletir criticamente sobre a sociedade em que vive,
trazendo sugestões e propostas sempre que necessário, visando ao
aperfeiçoamento constante, seja de uma empresa, instituição ou Estado.
Trata-se de zelar por uma sociedade na qual vigore o maior nível possível de
autonomia e o menor nível de coerção. Por outro lado, na medida em que
exerce um cargo público ou função a ele confiada, deve restringir o uso de
sua liberdade e saber respeitar as diretrizes, normas e leis previamente
estabelecidas, pois se todos pudessem simplesmente desrespeitar as regras
vigentes que rejeitam, não seria possível qualquer instituição, empresa ou
Estado. Em suma, o profissional e o cidadão kantiano devem respeitar
normas estabelecidas e, simultaneamente, realizar uma constante “reflexão
pública”, de modo a contribuir criticamente para reformular qualquer
procedimento ou lei que considere inadequado, fomentando a transformação
e o progresso social.
Todavia, em contraste com a teoria ética do dever formulada por Kant,
comumente chamada de deontologia, resgatando uma perspectiva aristotélica
surge o utilitarismo. Elaborada por Jeremy Bentham (1748-1832) e John
Stuart Mill (1806-1873), o utilitarismo tem no princípio da utilidade o critério
de avaliação ética dos atos humanos. De acordo com tal princípio, a ação
dotada de “maior valor ético” é aquela que maximiza a felicidade geral e
minimiza a dor, o sofrimento, ou seja, a ação que beneficia qualitativamente e
qualitativamente um maior número de pessoas. Nas palavras de Bentham
(1979:4): “o princípio aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a
tendência que tem de aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa cujo
interesse está em jogo”, considerando que a felicidade individual está
diretamente relacionada ao bem-estar coletivo. Segundo Mill (2000:187), o
utilitarismo:
Considera que uma ação é correta na medida em que tende a promover a
felicidade, e errada quando tende a gerar o oposto da felicidade. Por
felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, dor,
ou privação do prazer. [...] O fim último, com referência ao qual todas as
coisas são desejáveis (seja quando consideramos o nosso próprio bem ou
o de outras pessoas), traduz-se em uma existência livre, o tanto quanto
possível, de dor e o mais rica possível em prazeres, tanto em relação à
quantidade como à qualidade.
Você, leitor, pode observar que a concepção de “útil” refere-se àquilo que
contribui para o bem da coletividade. Trata-se de uma fundamentação que
oferece um critério consequencialista, distanciando-se da visão kantiana, pois
recorre a uma análise dos resultados prováveis de cada ação, tendo em vista o
bem comum. Desse modo, cada indivíduo, instituição ou empresa deve
escolher suas ações a partir de um cálculo de consequências, assumindo a
responsabilidade diante de seus efeitos na sociedade. É importante observar
que essa fundamentação da ética pressupõe a confiança na capacidade
humana de análise racional das consequências de cada decisão, tendo em
vista a maximização do benefício social.
Como observa Thiry-Cherques (2008:94), “o utilitarismo se opõe
frontalmente às doutrinas não consequencialistas, que sustentam que
determinados atos são certos ou errados em si mesmos (como roubar ou
mentir), e não pelas consequências que acarretam”. De fato, pode-se aqui
evidenciar uma franca oposição entre a deontologia kantiana, na qual o
processo de tomada de decisão deve ser sempre seguir princípios previamente
estabelecidos, e o utilitarismo, no qual a eticidade de uma ação depende de
suas consequências na sociedade.
Se retomarmos os exemplos apresentados anteriormente, referentes ao
ambiente corporativo, pode-se afirmar que o caráter ético da flexibilização do
horário de um funcionárioou do prazo de entrega de um relatório estaria
condicionado a uma análise do caso em questão, por meio do estabelecimento
de um balanço de custos, riscos e benefícios, não somente para a empresa,
mas para todos os seus stakeholders, bem como para toda a sociedade. Trata-
se de um cálculo difícil de ser elaborado, tendo em vista a complexidade e a
subjetividade das variáveis envolvidas. Todavia o utilitarismo aposta na
capacidade humana de analisar contextos específicos e decidir considerando
os melhores interesses da sociedade.
Modelos de gestão ética
Pode-se considerar que cada uma das fundamentações teóricas descritas –
a deontologia kantiana e o utilitarismo inglês – apresentam-se como
caracterizações de modelos de gestão ética distintos, em sintonia com a
abordagem de Srour (2003), que parte da distinção anteriormente
desenvolvida por Max Weber, entre ética da convicção e ética da
responsabilidade. Segundo Weber (1959: 172):
[...] toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas
máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode
orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Isso
não quer dizer que a ética da convicção seja idêntica à ausência de
responsabilidade e a ética da responsabilidade à ausência de convicção.
Não se trata evidentemente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre
a atitude de quem age segundo as máximas da ética da convicção [...] e a
atitude de quem age segundo a ética da responsabilidade, que diz:
“Devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos atos”.
O que Weber denomina ética da convicção relaciona-se a uma
fundamentação teórica necessariamente principialista, ou seja, baseada em
princípios essenciais, sejam conceitos metafísicos, ou direitos humanos, ou a
teoria de kantiana do imperativo categórico. Por outro lado, a chamada ética
da responsabilidade tem suas raízes aristotélicas e mantém sua referência
principal no utilitarismo de Bentham e Mill. No primeiro caso, seguem- -se
princípios e regras estabelecidos de forma absoluta e incondicional – sem,
portanto, qualquer análise de consequências. Segundo Srour (2003:108), a
máxima da Ética da Convicção diz: “cumpra suas obrigações” ou “siga as
prescrições” [...] é uma teoria que se pauta por valores e normas
previamente estabelecidos, cujo efeito primeiro consiste em moldar as
ações que deverão ser praticadas.
No segundo caso, consideram-se os prováveis resultados de uma ação,
buscando escolher a atitude que melhor promova a maximização do bem-
estar social. Trata-se aqui de uma ética consequencialista. De acordo com
Srour, a ética da responsabilidade enfatiza que precisamos sempre planejar e
responder pelos nossos atos:
Em vez de aplicar ordenamentos previamente estabelecidos, os agentes
realizam análises situacionais: avaliam os efeitos previsíveis que uma
ação produz; planejam obter resultados positivos para a coletividade
[Srour, 2003:110].
No âmbito corporativo, esses dois modelos de gestão ética apresentam
vantagens e desvantagens que devem ser objeto de análise de cada gestor em
seu contexto organizacional. Como se diz popularmente, “não existem
soluções perfeitas”; entretanto, pode haver sempre lições aprendidas. A ética
da convicção, intimamente ligada à deontologia kantiana, pode oferecer
padronização da conduta e fidelidade a ideais, promover respeito à ordem,
hierarquia e manutenção dos processos, garantindo ainda a possibilidade de
otimização de procedimentos por meio da atitude crítica e propositiva (pelo
exercício da razão pública). Por outro lado, tal modelo tem dificuldade de
lidar com exceções e situações extraordinárias, pois não se propõe à análise
de contextos específicos. Quando mal aplicado, direcionado apenas ao
cumprimento rigoroso de normas e procedimentos (razão privada), deixando
de lado a proatividade crítica que também lhe é própria (razão pública), tende
ao engessamento dos processos e à falta de atualização organizacional.
Por sua vez, a ética da responsabilidade oferece melhor possibilidade de
analisar o contexto em questão, considerando em cada caso qual a melhor
atitude a ser tomada tendo em vista os interesses de todos os envolvidos, bem
como de toda a sociedade. Sem dúvida, valorizam-se a flexibilidade, a
agilidade e a otimização dos resultados; todavia, por outro lado, tem-se um
risco muito maior de que decisões sejam tomadas de modo precipitado ou
sem visão ampla do contexto em questão, principalmente em contexto tensos,
favorecendo a perda de credibilidade e princípios.
Tem-se, no ambiente organizacional em geral, uma composição desses
dois modelos. Naturalmente, algumas empresas tendem mais a um ou outro
em função de sua cultura organizacional. Mas observe-se: não é possível
misturá-los, pois cada um dos modelos de gestão ética oferece critérios
antagônicos para o processo de tomada de decisão. Aliás, esse é um grande
problema nas organizações, que muitas vezes não refletem sobre tais questões
e acabam oscilando de um modelo a outro, sem definir claramente qual o
critério ético adotado para o processo de tomada de decisão pelos gestores ou
empregados. Isso gera muitos conflitos e prejuízos. A grande questão a ser
avaliada pela organização é: qual o melhor modelo de gestão ética a aplicar,
para que tipo de perfil profissional, em que setor da empresa? Ou seja: o que
aplicar, para quem e onde. Você, leitor, já avaliou qual o modelo mais
adequado para seu caso?
Parece claro que áreas que envolvem necessidade de um grande rigor
normativo e fidelidade a princípios, tais como segurança do trabalho, controle
de qualidade de produtos ou serviços, contabilidade empresarial e fiscal, não
podem deixar de estar submetidas à ética da convicção. Dependendo do
perfil da empresa e de sua gestão, é possível aplicar a ética da
responsabilidade a setores como gestão de pessoas, comercial, estratégia,
marketing e outros, sempre com a cautela que é fundamental para tal modelo.
É comum que empresas iniciantes sejam predominantemente utilitaristas,
mas a necessidade de planejamento, organização e crescimento as conduzam
a perspectivas mais kantianas, como tendem as grandes organizações.
Obviamente, existem empresas que são predominantemente kantianas em
todos os seus setores, deixando eventualmente para cargos de direção
decisões utilitaristas. De qualquer modo, o fundamental é que se tenha em
vista a necessidade de refletir e definir o que se espera eticamente de cada
gestor ou funcionário, e que isso fique claro para todos.
Para melhor evidenciar a distinção entre os modelos éticos descritos, bem
como suas vantagens e desvantagens no âmbito corporativo, observe, leitor, o
quadro 1.
Quadro 1
COMPARAÇÃO ENTRE ÉTICA DA CONVICÇÃO E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE
Ética da convicção – Dever Ética da responsabilidade – Utilitarismo
As decisões decorrem de princípios, ideais e
normas.
As decisões decorrem de análise de circunstâncias,
riscos, custos e benefícios sociais.
Decidir é:
(a) seguir normas e regras estabelecidas;
(b) pensar e propor criticamente.
Decidir é:
(a) calcular os resultados das ações;
(b) responder pelas consequências profissionais e
sociais de cada atitude.
Prós:
Controle; segurança; e manutenção do
processo e da hierarquia.
Prós:
Agilidade; foco nos resultados; adaptabilidade e
flexibilidade.
Contras:
Dificuldade de lidar com exceções, situações
extraordinárias e emergências. Tendência de
“engessamento do processo” e falta de
reflexão crítica e participação.
Contras:
Risco de banalização da perspectiva de que “cada caso
é um caso”; tolerância excessiva, perda de princípios e
de credibilidade. Tendência ao descontrole,
maximização de riscos e imprudência.
Por meio dessa comparação esquemática, podemos melhor considerar as
vantagens e desvantagens de cada modelo de gestão ética, construindo
instrumentos para o enfrentamento de decisões difíceis no campo da ética.
Como enfrentar dilemas éticos
Problemas para os quais não há soluções prontas e as opções possíveis são
de difícil aplicação,envolvendo severas consequências para as partes
envolvidas, podem ser considerados dilemas éticos.
Kidder (2007:203) considera importante diferenciar tentação moral de
dilema ético. Tentação moral é a escolha entre opções que são, de modo
evidente, corretas ou erradas. A pessoa que decide tem consciência disso e,
caso escolha a ação errada, será beneficiada com uma vantagem ou evitará
um prejuízo. Portanto, não se trata de um conflito ético, pois não há dúvida
acerca do que é certo fazer. Trata-se apenas de uma dificuldade moral de
realizar ação correta. Por exemplo: não pagar todos os impostos para
aumentar os lucros; ou não conceder os merecidos benefícios a um
profissional com o qual não tem uma boa relação.
Já dilema ético é a escolha entre o certo e o certo. A pessoa que decide não
obtém nenhum tipo de vantagem com sua decisão. É um momento de grande
sofrimento psicológico para quem decide, pois ao privilegiar uma opção
estará abandonando a outra. Todavia é necessário haver tranquilidade para
empregar os modelos de gestão de que tratamos. Vejamos dois exemplos e
suas respectivas soluções.
a) Você é gerente de uma grande empresa e recebeu ordem do diretor para
executar determinada tarefa. No local da execução, você percebeu que se o
trabalho fosse realizado os empregados estariam expostos a sérios riscos de
acidentes fatais. Obedecer ao chefe hierárquico é certo, mas também é
correto proteger a vida dos trabalhadores. O que você faz?
Para resolver tal dilema deve-se, primeiramente, recorrer à atitude socrática,
desconstruindo hábitos, costumes e condicionamentos, rejeitando ações
impulsivas ou padronizadas. Em seguida deve-se recorrer aos modelos de
gestão ética. Considerando a ética do dever, representada por Kant, é
necessário cumprir normas e procedimentos (razão privada), mas é
fundamental pensar criticamente enquanto ser humano e cidadão (razão
pública). Nesse caso, pode-se observar um conflito entre as duas
dimensões. Seguir as ordens estabelecidas significa pôr em risco a vida de
outros profissionais, ferindo o princípio de dignidade da pessoa humana.
Também não seria possível universalizar tal ação, pois se todos apenas
seguíssemos ordens destruiríamos a condição humana e a capacidade de
reflexão crítica. E sempre que há conflito entre razão privada (normas,
ordens) e razão pública (princípios de dignidade humana e universalização
da ação), há prevalência desta última. Desse modo, conclui-se que, pelo
modelo de gestão do dever, tal ordem não pode ser obedecida. Ao
recorrermos à fundamentação utilitarista temos, nesse caso, a mesma
solução, pois nenhum cálculo de consequências poderia nos dizer que
colocar em risco a vida de outros profissionais maximiza o bem-estar
coletivo. Sendo assim, nesse dilema, os dois modelos de gestão ética – o
dever e o utilitarismo – apresentam a mesma solução: deve-se recusar a
ordem apresentada pelo diretor.
b) O setor sob sua gestão é responsável pelo processo seletivo de
profissionais de uma grande empresa. Segundo o perfil profissional
solicitado, exige-se para determinado cargo, no mínimo, uma pós-
graduação em área afim. Esse foi o principal motivo que impediu o
processo de seleção interna de atingir sucesso. Todavia um dos candidatos
atuais é um conhecido consultor, de extenso currículo e com experiência na
área. Em sua avaliação, leitor, esse profissional apresenta todas as
habilidades e competências necessárias para o cargo, superando inclusive as
expectativas iniciais. Entretanto, ele não possui a titulação solicitada. O que
você faz?
A primeira etapa para resolver esse dilema ético é exercitar a atitude
socrática, ou seja, é necessário desconstruir paradigmas e pensar criticamente,
sem agir por impulso ou por costume.
A segunda etapa é recorrer aos modelos de gestão ética. Considerando a
ética da convicção, baseada na deontologia kantiana, deve-se agir de acordo
com o princípio da universalização da ação e o princípio de dignidade da
pessoa humana, respeitando as regras e procedimentos vigentes (razão
privada), bem como pensando e propondo criticamente (razão pública). Por
essa perspectiva, deve-se descartar o currículo, seguindo as normas da
empresa, ou, no exercício da razão pública, conduzir o caso a uma instância
superior, oferecendo sugestões críticas para alteração do processo em curso.
Por outro lado, considerando a ética da responsabilidade, fundamentada no
utilitarismo de Bentham e Mill, deve-se promover uma análise de custos,
riscos e benefícios sociais, buscando a ação que melhor maximize o bem-
estar coletivo. Por esse ângulo, dependendo do resultado da análise do caso
em questão, seria possível, tendo em vista a significativa contribuição que o
profissional poderia oferecer à empresa e a todos os parceiros envolvidos,
convidar o candidato para o processo seletivo, assumindo as
responsabilidades por essa decisão diante não somente de sua empresa, mas
de toda a sociedade.
Por fim, a terceira etapa para concluir o processo seletivo é promover uma
cuidadosa avaliação de prós e contras de cada uma das alternativas possíveis.
Desse modo, ao final, o gestor estará em melhores condições de decidir e
apresentar a fundamentação ética de sua deliberação, não somente para sua
equipe e para sua empresa, mas também para a sociedade como um todo.
Prezado leitor, para que se possa qualificar eticamente o processo
decisório é importante também compreender o cenário social no qual nos
encontramos. Cabe, pois, uma investigação acerca da condição cultural que
se faz presente, o que promovemos em seguida.
Desafios éticos na pós-modernidade
Habermas (1992) afirma que a modernidade pode ser compreendida como
um projeto baseado em uma ampla confiança na razão humana, na
possibilidade de emancipação, progresso, acesso à verdade. A tentativa de
realização de tal perspectiva expressou-se frequentemente pela elaboração de
grandes sistemas especulativos, um esforço da razão para sistematizar a
totalidade da realidade ou do mundo. A tarefa do pensamento moderno era
conquistar a autonomia e a liberdade crítica que poderiam permitir a
conquista de novas descobertas, abrindo espaço para a melhoria da vida
humana. Assumir seu papel na história correspondia a desenvolver
amplamente a racionalidade em um processo de revolução contínua –
condição para um futuro próspero.
Todavia, a descrença que começa a se desenvolver amplamente a partir de
meados do século XX constitui-se como reação a um exagerado otimismo
inicial do projeto da modernidade. O tempo passa e os resultados esperados
não são obtidos. Os sonhos de progresso e prosperidade universais começam
a se desarticular. Problematiza-se o modelo de conhecimento científico
moderno e sua legitimidade. A ciência perde boa parte da autoridade que um
dia possuiu. A expectativa de que a fundamentação do conhecimento e da
ética produzida pela cultura moderna construísse uma sociedade justa,
democrática e solidária foi interrompida por eventos que marcaram
profundamente a cultura atual. O principal deles foi, sem dúvida, a catástrofe
da II Guerra Mundial e a insuportável lembrança de acontecimentos como
Auschwitz e Hiroshima.
A crise da modernidade toma a forma de uma grave crítica às pretensões
da própria modernidade, acompanhada da crise de conceitos fundamentais ao
pensamento moderno, tais como verdade, razão, legitimidade, universalidade,
sujeito, progresso e outros. Isso faz com que diversos filósofos e sociólogos
prefiram compreender a atualidade como uma “pós-modernidade”.
Bauman (1999:288) compreende a pós-modernidade como a condição
atual da modernidade, que agora, conflituosamente consciente de suas
dificuldades, percebe a problemática implícita em realizar seu projeto
integralmente, pois sua proposta de fundamentação ética não pode prescindir
de muito mais esforço do que se pode prever. Giddens (1991:56), por sua
vez, prefere a noção de “modernidade tardia” ou “modernidade radicalizada”
como mais adequada para referir-se à sociedade em que vivemos. Por outro
lado, Habermas prefere compreendera modernidade como um “projeto
inacabado”, sugerindo que “deveríamos aprender com os desacertos que
acompanham o projeto” (Habermas, 1992:118). Seja como for, a crise da
modernidade nos mostra a necessidade de rever as bases desse projeto, bem
como nos exige reconsiderar a problemática do conhecimento e da ética na
atualidade. Isso significa que qualquer proposta de compreensão da realidade
e orientação para conduta, no contexto contemporâneo, não pode negligenciar
a crise da noção de razão universal, a dificuldade de legitimação do
conhecimento e da ética.
Segundo Giddens (1991:55), “fomos deixados com perguntas que uma vez
pareceram ser respostas [...]. Uma consciência geral deste fenômeno se filtra
em ansiedades cuja pressão todos sentem”. Perguntas contundentes que
outrora pareceram soluções, caminhos que se embaralham, respostas em
suspenso, desorientação, ansiedade, enfim, toda essa pressão sentida na
cultura revela um pouco do modo como experimentamos o advento do
niilismo.
O niilismo talvez seja uma categoria fundamental para a compreensão da
cultura contemporânea. Socialmente, a experiência do niilismo é a vivência
angustiante da perda de sentido e propósito para a vida humana; é a
experiência incontornável da dúvida e da incerteza em relação ao
conhecimento e aos rumos que devem ser seguidos. Instala-se uma sensação
de desorientação e mal-estar, pois “a cultura já não pode mais proporcionar
uma explicação adequada do mundo que nos permita construir ou ordenar
nossas vidas” (Featherstone, 1997:15). Mais especificamente, em relação à
ética, a problemática do niilismo pode ser compreendida, simplificadamente,
como a radical dificuldade que emerge na tentativa de fundamentar valores,
ou qualquer tipo de orientação ética em um contexto de profundo
esvaziamento normativo e relativismo moral. Torna-se cada vez mais difícil
explicar por que determinados valores realmente valem; torna-se cada vez
mais problemático sustentar critérios que legitimem a conduta humana. Um
dos desafios que a ética encontra hoje é, sem sombra de dúvida, enfrentar o
advento do niilismo na atual condição “pós-moderna”. Você, leitor, identifica
o niilismo em sua empresa?
No universo corporativo, tal dificuldade evidencia-se no desafio de
apresentar princípios éticos para profissionais que eventualmente encontram-
se descrentes de quaisquer valores, motivados apenas por perspectivas
financeiras e interesses pessoais.
Além disso, é importante observar que o processo de modernização
acompanhou uma crescente burocratização dos processos de decisão e
exercício do poder. Se, por um lado, esse processo garantiu mais eficiência e
impessoalidade administrativa, por outro, contribuiu para uma centralização
do poder de tomada de decisão e para o risco do surgimento de tecnocracias –
um afastamento da experiência reflexiva, bem como da prática democrática.
Na atualidade, nem sempre parece evidente como as questões éticas não
podem ser reduzidas à decisão dos experts, visto que conhecer os
procedimentos administrativos ou técnico-científicos não garante, de modo
algum, as melhores decisões no campo ético-político. Segundo Zajdsznajder
(2001:74), pode-se afirmar que “vivemos no interior de duas culturas: a
cultura tecnológica e a cultura estratégica”. Se, por um lado, a tecnologia nos
oferece eficácia, por outro lado a estratégia nos seduz com sua promessa de
sucesso. Ao que tudo indica, o grande desafio contemporâneo é conjugar
eficiência, eficácia e sucesso com uma sólida cultura ética. “A cultura ética
parece centrada na ideia de uma vida humana de boa qualidade, isto é, bem
vivida” (Zajdsznajder, 2001:85).
Nossa atual cultura tecnológica encontra-se intimamente articulada a uma
intensa dinamização dos processos de comunicação e informação. Alguns
teóricos consideram que poderíamos conceber a cultura contemporânea como
uma sociedade do conhecimento. Todavia, caberia perguntar se não seria
melhor entendê-la como uma sociedade da informação. De fato, a enorme
diferença entre os conceitos é evidente. “Conhecer” demanda uma capacidade
de reflexão crítica que possa elaborar e discutir criticamente inúmeras
informações. Todavia, nossa atual sociedade parece muita mais dominada
pela dinâmica de acolher e replicar as informações que nos chegam, cada vez
mais, por inúmeros recursos tecnológicos. Nosso grande desafio parece ser
construir uma capacidade crítica para refletir sobre esse turbilhão de
informações que nos invadem cotidianamente. Este também é o desafio de
todo gestor: pensar criticamente sobre as informações que recebe, sem
replicá-las automaticamente, mas sim considerando-as criticamente,
avaliando sua pertinência e atualidade. Em outras palavras, é tarefa ética de
cada gestor pensar criticamente sobre as informações que recebe,
transformando-as em “conhecimento”, ou seja, em um saber fundamentado e
justificado.
Se não cumprimos tal tarefa, permanece sempre a suspeita de que
podemos estar sendo “governados” por interesses econômicos, relações de
poder ou interesses estratégicos, em um contexto de profundo esvaziamento
valorativo e normativo estimulado por um consumismo crescente e um
intenso desenvolvimento tecnológico.
Neste contexto, torna-se importante compreender melhor as relações de
poder nas quais estamos inseridos, bem como o papel ético exigido do líder.
A seguir, leitor, falaremos sobre o líder como sujeito ético.
Ética e poder nas organizações: o papel do líder
A experiência filosófica dos gregos nos apresenta, ainda hoje, importantes
referências para pensarmos o papel de um líder nas organizações. Os gregos
perceberam que os governos se pautavam em uma legitimação que recorria,
em geral, a uma fundamentação militar ou religiosa. A novidade que surge na
Grécia antiga é a possibilidade de experimentar um governo baseado na
democracia. Em vez de termos um líder que se impõe pela força ou pelo
credo, tem-se um líder eleito pela maioria dos cidadãos. Entretanto, a
experiência democrática, por sua vez, revelou suas próprias dificuldades. Em
um contexto de amplo debate público, surgiram os sofistas: grandes mestres
de retórica e oratória que convenciam o povo a votar de acordo com seus
interesses, ou daqueles que os financiavam. Nesse cenário, aparece Sócrates,
que questiona a concepção vigente de que bastaria ser bem-aceito pela
maioria para ser um melhor líder. Para Sócrates, a liderança precisa
demonstrar virtudes práticas e interagir com seus liderados para fomentar seu
próprio desenvolvimento – o que se distingue da proposta de apenas
convencê-los de suas ideias.
É possível, a partir disso, distinguir quatro modelos de liderança bem
definidos, que ainda se fazem amplamente presentes na contemporaneidade:
(a) militar: o gestor se impõe pela força e pela ameaça; (b) religioso: o gestor
se apresenta como salvador, prometendo a “solução de todos os problemas”;
(c) sofista: o gestor argumenta com sua equipe, procurando convencê-la de
suas próprias ideias; (d) socrático: o gestor demonstra virtudes e investe no
crescimento de seus liderados, fomentando o desenvolvimento das
habilidades e competências que lhe são próprias.
Parece clara a importância do modelo socrático de gestão na atualidade.
Sem dúvida, na contemporaneidade, faz-se imprescindível a presença de um
líder que aja segundo as duas máximas socráticas. Por um lado, cabe afirmar
“só sei que nada sei”, ou seja, afirmar que, apesar de todo o conhecimento e
experiência acumulados, é fundamental estar aberto para inovações e para o
diálogo com os liderados. Além disso, cabe praticar a maiêutica, ou seja, ser
um verdadeiro “parteiro de ideias”, possibilitando que cada um traga à tona
seus próprios conceitos. Desse modo, torna-se imprescindível para o líder
socrático praticar ações meritórias, dar exemplo e fomentar o
desenvolvimento de ideias, habilidades e competências de acordo com as
possibilidades de cada funcionário. A liderança se constitui, sem dúvida, pelo
exemplo, mas não somente pelo exercício prático de virtudes, pois, acima de
tudo, trata-seda possibilidade de demonstrar a virtude de dedicar-se ao
desenvolvimento de novos profissionais, quebrando paradigmas e
fomentando um olhar crítico e inovador sobre a realidade que se apresenta.
De fato, parece plausível constatar como muito daquilo que na atualidade
vem sendo chamado de coaching pode encontrar suas raízes filosóficas na
experiência de liderança socrática.
Farah (2004) aponta que a liderança é um fator crítico em relação à cultura
corporativa, uma vez que os líderes podem criar, manter e modificar a cultura
organizacional. Provavelmente, as contribuições mais importantes para a
formação de um clima ético, isto é, uma atmosfera ambiental de trabalho em
que reinem a confiança e o respeito, sejam o estilo, o legado e o exemplo dos
líderes da organização. Um requisito indispensável para que a empresa
consiga implantar uma cultura ética é a presença de gestores dotados de forte
liderança, capacidade de reflexão ética e com uma firme disposição para fazer
com que valores fundamentais guiem as ações e as decisões da organização.
A adoção desse modelo de liderança tem ainda de enfrentar o contexto das
relações de poder que se apresentam em qualquer contexto organizacional ou
social. Conforme Foucault (1995:245-246):
As relações de poder se enraízam profundamente no nexo social [...]. Uma
sociedade “sem relações de poder” só pode ser uma abstração. [...] A
análise, a elaboração, a retomada da questão das relações de poder, e do
“agonismo” entre relações de poder e intransitividade da liberdade, é uma
tarefa política incessante [...] inerente a toda existência social.
De fato, não há sociedade ou organização sem relações de poder. Trata-se
de uma tarefa ética e política compreendê-las e interagir com elas. Cabe
destacar que, para Foucault, as relações de poder atravessam o tecido social e
organizacional, mantendo sempre a “intransitividade da liberdade”, ou seja,
por mais que haja sempre relações de poder, persiste a possibilidade de
exercício da liberdade. O desafio da expressão da liberdade é, por excelência,
o desafio ético. Em outras palavras: diante de contextos organizacionalmente
tensos e complexos persiste sempre a possibilidade de escolhas diferenciadas,
eticamente orientadas. Em cada atitude, o líder acaba também por exercer
poder, ou seja, realiza ações que influenciam outros funcionários. Não
devemos perder a perspectiva de que em cada ação configuramos novas
relações de poder. Nossas atitudes ou decisões são sempre formas de
exercício de poder e devemos assumir a máxima responsabilidade diante
disso. Uma das principais qualidades do líder ético é a coerência entre seu
discurso e suas ações. É a liderança pelo exemplo. O líder que age de modo
coerente com seus princípios ganha credibilidade, torna-se modelo de
conduta para seus seguidores e aumenta sua influência sobre estes pelo
referencial ético que, enquanto líder, passa a simbolizar. Grosso (2005) nos
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conduz à reflexão acerca daquilo que denomina “brechas de valores”, às
quais os líderes geralmente são submetidos. Segundo ele, essas brechas
representam o conjunto de equívocos cometidos no cotidiano, no vasto
terreno ocupado pela ética prática, que o autor trata como “moral cotidiana”.
Para o autor, existem quatro grandes dimensões em que o comportamento
humano se expressa, e que podem gerar contradições entre a conduta
esperada do líder e as atitudes efetivamente observadas. São as seguintes as
quatro dimensões:
o que pensa – que se vincula aos valores que se encontram solidificados em
sua consciência;
o que diz – a forma como seus valores são transmitidos aos demais, a partir
da linguagem empregada e, por conseguinte, da forma como irá influenciar-
lhes a razão;
o que faz – perceptível pelo modo como seu pensamento e suas palavras se
traduzem em ações;
o que demonstra – observável pelo poder da linguagem não verbal, que
transcende as ações e pode modificar a percepção daqueles que o rodeiam.
Esses deslizes, que muitas vezes fogem ao controle, colocam os líderes em
permanente estado de alerta, preocupados com aquilo que suas ações – de
modo intencional ou não – poderão transmitir ou dar a perceber aos seus
seguidores. Você, leitor, neste ponto, já pode identificar exemplos de líderes
éticos e antiéticos.
Diante disso, as questões que se apresentam são: Como agir ou o que
falar? Para quem? De que modo? Onde? Como vimos, a resposta à primeira
pergunta – Como agir ou o que falar? – é, sem dúvida, aquela que mais nos
exige competências éticas. Todavia o interlocutor, o modo de expressão e o
contexto devem também estar presentes em nosso horizonte de reflexão ética.
Ou seja, ainda que saibamos como agir ou que tenhamos o que dizer, é ainda
uma tarefa ética nos perguntarmos qual a melhor maneira de apresentar tais
ações ou considerações, avaliando o ouvinte, a maneira de se expressar e o
local adequados.
Na atualidade, um líder necessita saber por que faz o que faz, ou seja,
precisa saber justificar suas ações, não somente diante de sua equipe e de sua
empresa, mas diante de toda a sociedade. Desse modo, torna-se
imprescindível recorrer a uma fundamentação ética que legitime tais
escolhas, como vimos nas seções anteriores. Além disso, é inexorável que a
liderança se constitua em exemplo para seus liderados, pois não há como
convocar as pessoas a fazer o que não se faz. Por meio de uma ação
eticamente orientada é possível construir um conjunto de ações que
favoreçam a transformação das relações de poder vigentes e habilitem a
construção de mudanças significativas em nossa atual sociedade. Este é o
compromisso que se espera de toda liderança: inspirar novas atitudes,
desenvolver profissionais e conjugar eficiência, sucesso e ética.
Por fim, leitor, vale considerar que a filosofia, particularmente em sua
dimensão ética, tem se destacado na contemporaneidade por sua contribuição
ao aperfeiçoamento do processo de tomada de decisão, bem como à formação
de lideranças. Na atualidade, cada vez mais, tem-se a exigência de um
profissional crítico, reflexivo, questionador, capaz de uma observação
cuidadosa e de descobrir problemas antecipadamente e se posicionar
previamente em face deles. A possibilidade de “estranhar” a realidade
apresentada e levantar questões criticamente parece fundamental para quem
pretende conquistar funções de liderança e consolidar uma boa gestão, ao
mesmo tempo eficiente e ética, de suas atividades profissionais. A capacidade
de pensar de modo reflexivo diante de conflitos de conduta e dilemas éticos é
condição básica para o exercício de funções estratégicas – quem não o faz
permanece confinado em posições meramente reprodutoras de procedimentos
previamente fixados. Isso, sem dúvida, se aplica ao processo de tomada de
decisão em gestão, do mesmo modo que é fundamental para as perspectivas
de responsabilidade social e sustentabilidade. Em outras palavras, em
concordância com a sabedoria popular, “quem não sabe pensar, quem não
sabe criar, apenas copia e repete”.
E quanto a você, leitor, sente-se preparado para assumir a tarefa da
liderança ética?
Podemos inferir que os líderes são atores morais que traduzem,
demonstram e fomentam a conduta ética empresarial e incorporam a ética
empresarial à cultura organizacional. Isso reforça o permanente diálogo entre
a ética e o sucesso das organizações.
Não é sempre que encontramos líderes éticos nas organizações. Uma
cultura paternalista e autoritária, somada com características pessoais de líder
e liderados, pode produzir relações de poder abusivas. Esse é o tema que
analisaremos a seguir.
Abuso de poder
Robbins, Judge e Sobral (2010:406) entendem que a dependência é a
chave para o poder e anunciam o seguinte postulado geral: “Quanto maior a
dependência de B em relação a A, maior o poder de A sobre B”.
Se A controla algo que B deseja, então B é dependente de A. Se B não tem
nenhuma outra alternativa para substituir o algo desejado, então B é
totalmente dependente de A. Por outro lado, quanto mais alternativas B
possui para substituir o

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