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1.1 CONCEITO DE DIREITO DE FAMÍLIA. ESTÁGIO ATUAL
O Direito de Família pode ser conceituado como sendo o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo o estudo dos seguintes institutos jurídicos: 
a) casamento; 
b) união estável; 
c) relações de parentesco; 
d) filiação; 
e) alimentos; 
f) bem de família; 
g) tutela, curatela e guarda.
1.2 DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL E DIREITO DE FAMÍLIA
O Direito Civil Constitucional pode ser encarado como um novo caminho metodológico que procura analisar os institutos de Direito Privado, tendo como ponto de origem a Constituição Federal de 1988.
Não se trata apenas de estudar os institutos privados previstos na Constituição Federal de 1988, mas sim de analisar a Constituição sob o prisma do Direito Civil, e vice-versa. Para tanto, deverão irradiar de forma imediata as normas fundamentais que protegem a pessoa, particularmente aquelas que constam nos arts. 1.º a 6.º do Texto Maior.
Deve-se reconhecer a necessidade da constitucionalização do Direito de Família, pois “grande parte do Direito Civil está na Constituição, que acabou enlaçando os temas sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas relações de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do novo texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do Direito Civil à luz da nova Constituição” (DIAS, Maria Berenice. Manual..., 2007, p. 36).
1.2.2 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988)
Enuncia o art. 1.º, III, da CF/1988 que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. 
Trata-se daquilo que se denomina princípio máximo, ou superprincípio, ou macro-princípio, ou princípio dos princípios. 
Diante desse regramento inafastável de proteção da pessoa humana é que está em voga, atualmente, falar em personalização, repersonalização e despatrimonialização do Direito Privado (FACHIN, Luiz Edson.E statuto..., 2001). Ao mesmo tempo em que o patrimônio perde a importância, a pessoa é supervalorizada.
Na concepção de dignidade humana, deve-se ter em mente a construção de Kant, segundo a qual se trata de um imperativo categórico que considera a pessoa humana como um ser racional, um fim em si mesmo.
Especialmente quanto à interação família-dignidade, ensina Gustavo Tepedino que a família, embora tenha o seu prestígio ampliado pela Constituição da República, deixa de ter valor intrínseco, como uma instituição meramente capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir. (A disciplina..., Temas..., 2004, p. 398).
Assim, a família passa a ser valorizada de maneira instrumental, tutelada como um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes.
Alguns exemplos de aplicação, pela jurisprudência nacional, do princípio da dignidade da pessoa humana no Direito de Família.
De início, pode ser citado o comum entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o imóvel em que reside pessoa solteira é bem de família, estando protegido pela impenhorabilidade constante da Lei 8.009/1990. Vejamos:
“Processual. Execução. Impenhorabilidade. Imóvel. Residência. Devedor solteiro e solitário – Lei 8.009/1990. A interpretação teleológica do art. 1.º, da Lei 8.009/1990, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1.º da Lei 8.009/1990, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário” (STJ, EREsp 182.223/SP, j. 06.02.2002, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rel. acórdão Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 07.04.2003, p. 209, REVJUR, vol. 306, p. 83; Veja: STJ, REsp 276.004/SP (RSTJ 153/273, JBCC 191/215), REsp 57.606/MG (RSTJ 81/306), REsp 159.851/SP – LEXJTACSP 174/615 –, REsp 218.377/ES – LEXSTJ 136/111, RDR 18/355, RSTJ 143/385).
Como exemplo de incidência da dignidade humana, pode ser invocada a tese do abandono paterno-filial. Em mais de um julgado, a jurisprudência pátria condenou pais a pagarem indenização aos filhos, pelo abandono afetivo, por clara lesão à dignidade humana. Vejamos:
“Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 
7. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 24.04.2012,D Je 10.05.2012).
1.2.3 Princípio da solidariedade familiar (art. 3.º, I, da CF/1988)
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 3.º, I, da CF/1988, no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. 
Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, eis que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais.
A solidariedade familiar justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso da sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do atual Código Civil. 
A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio, considerando o dever de prestar alimentos mesmo nos casos de união estável constituída antes da entrada em vigor da Lei 8.971/1994, que concedeu aos companheiros o direito a alimentos e que veio tutelar os direitos sucessórios decorrentes da união estável:
“Alimentos x união estável rompida anteriormente ao advento da Lei 8.971, de 29.12.1994. 
A união duradoura entre homem e mulher, com o propósito de estabelecer uma vida em comum, pode determinar a obrigação de prestar alimentos ao companheiro necessitado, uma vez que o dever de solidariedade não decorre exclusivamente do casamento, mas também da realidade do laço familiar. Precedente da Quarta turma” (STJ, REsp 102.819/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4.ª Turma, j. 23.11.1998, DJ 12.04.1999, p. 154).
1.2.4 Princípio da igualdade entre filhos (art. 227, § 6.º, da CF/1988 e art. 1.596 do CC)
Determina o art. 227, § 6.º, da CF/1988 que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Complementando o texto constitucional, o art. 1.596 do CC/2002tem exatamente a mesma redação, consagrando ambos os dispositivos o princípio da igualdade entre filhos.
Esses comandos legais regulamentam especificamente na ordem familiar a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, constante do art. 5.º, caput, da CF/1988, um dos princípios do Direito Civil Constitucional (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”).
Está superada, nessa ordem de ideias, a antiga discriminação de filhos que constava da codificação anterior, principalmente do art. 332 do CC/1916, cuja redação era a seguinte:
“O parentesco é legítimo, ou ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consanguinidade, ou adoção”. 
Como é notório, este dispositivo já havia sido revogado pela Lei 8.560/1992, que regulamentou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
Juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga. 
Diante disso, não são cabidas as expressões filho adulterino ou filho incestuoso que são discriminatórias. Igualmente, não podem ser utilizadas, em hipótese alguma, as expressões filho espúrio ou filho bastardo, comuns em passado não tão remoto. Apenas para fins didáticos utiliza-se o termo filho havido fora do casamento, eis que, juridicamente, todos são iguais.
1.2.5 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 5.º, da CF/1988 e art. 1.511 do CC)
Assim como há a igualdade entre filhos, como outra forma de especialização da isonomia constitucional a lei reconhece a igualdade entre homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal ou convivencial formada pelo casamento ou pela união estável (art. 226, § 3.º, e art. 5.º, I, da CF/1988).
Consigne-se que o art. 1.º do atual Código Civil utiliza a expressão pessoa, não mais o termo homem, como fazia o art. 2.º do CC/1916, deixando claro que não será admitida qualquer forma de distinção decorrente do sexo, mesmo que terminológica. Especificamente, prevê o art. 1.511 do CC/2002 que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Por óbvio, essa igualdade deve estar presente na união estável, também reconhecida como entidade familiar pelo art. 226, § 3.º, da CF/1988 e pelos arts. 1.723 a 1.727 do Código Civil.
Diante do reconhecimento dessa igualdade, como exemplo prático, o marido ou companheiro pode pleitear alimentos da mulher ou companheira, ou mesmo vice-versa. Além disso, um pode utilizar o nome do outro livremente, conforme convenção das partes (art. 1.565, § 1.º, do CC).
1.2.6 Princípio da igualdade na chefia familiar (arts. 1.566, III e IV, 1.631 e 1.634 do CC e arts. 226, § 5.º, e 226, § 7.º, da CF)
Como decorrência lógica do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, surge o princípio da igualdade na chefia familiar, que pode ser exercida tanto pelo homem quanto pela mulher em um regime democrático de colaboração, podendo inclusive os filhos opinar (conceito de família democrática). Substitui-se uma hierarquia por uma diarquia.
O princípio em questão pode ser percebido pelo que consta dos incisos III e IV do art. 1.566 do CC, pois são deveres do casamento a mútua assistência e o respeito e consideração mútuos, ou seja, prestados por ambos os cônjuges, de acordo com as suas possibilidades pessoais e patrimoniais.
Complementando, enuncia o art. 1.631 do CC que durante o casamento ou união estável compete o poder familiar aos pais. Na falta ou impedimento de um deles, o outro exercerá esse poder com exclusividade. Em caso de eventual divergência dos pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer um deles recorrer ao juiz para a solução do desacordo.
1.2.7 Princípio da não intervenção ou da liberdade (art. 1.513 do CC)
Dispõe o art. 1.513 do CC em vigor que: “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. 
Trata-se de consagração do princípio da liberdade ou da não intervenção na ótica do Direito de Família. 
O princípio é reforçado pelo art. 1.565, § 2.º, da mesma codificação, pelo qual o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma de coerção por parte de instituições privadas ou públicas em relação a esse direito.
1.2.8 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (art. 227, caput, da CF/1988 e arts. 1.583 e 1.584 do CC)
Prevê o art. 227, caput, da CF/1988, com redação dada pela Emenda Constitucional 65, de 13 de julho de 2010, que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 
Essa proteção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), que considera criança a pessoa com idade entre zero e 12 anos incompletos, e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade. 
Quanto ao jovem, foi promulgada, depois de longa tramitação, a Lei 12.825/2013, conhecida como Estatuto da Juventude, e que reconhece amplos direitos às pessoas com idade entre quinze e vinte e nove anos de idade, tidas como jovens.
Em reforço, o art. 3.º do próprio ECA determina que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Também complementando o que consta do Texto Maior, o art. 4.º do ECA enuncia que: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio de melhor interesse da criança, ou best interest of the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional da Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças.
1.2.9 Princípio da afetividade
O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares.
Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana.
Apesar de algumas críticas contundentes e de polêmicas levantadas por alguns juristas, não resta a menor dúvida de que a afetividade constitui um princípio jurídico aplicado ao âmbito familiar.
Dessa forma, apesar da falta de sua previsão expressa na legislação, percebe-se que a sensibilidade dos juristas é capaz de demonstrar que a afetividade é um princípio do nosso sistema.
Deve ser esclarecido que o afeto equivale à interação entre as pessoas, e não necessariamente ao amor, que é apenas uma de suas facetas.
1.2.10 Princípio da função social da família.
As relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade.
Sem dúvida que a socialidade também deve ser aplicada aos institutos de Direito de Família, assim como ocorre com outros ramos do Direito Civil.

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