Buscar

PAI E FILHO 1º VOLUME (Salvo Automaticamente)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 78 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 78 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 78 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PAI E FILHO (1º VOLUME)
NO ÔNIBUS
Desde que ficou desempregado o pai está buscando ocupação e, primeiro serviço dentro da sua profissão – contabilista. Mas parece que as coisas não estão dando muito certo para o pai que todo dia dá com a cara na porta deste ou daquele “amigo” que antes quando estava empregado sempre se colocou à disposição do mesmo para “qualquer coisa”.
Depois de bater perna atrás de emprego por toda a cidade de Macapá, o pai resolveu dar uma tentada em Santana e diretamente na BRUMASA. Tudo planejado para ir até a “multi” numa segunda-feira (como tem segunda-feira toda semana...) e escolher o começo do expediente de manhã. Lá chegou e foi informado que só à tarde. Pensou na volta, afinal de contas a gasolina não está assim tão barata para ficar indo e vindo à Santana. Pensou e resolveu que voltaria, deixaria o carro em casa, apanharia o filho e viria pela parte da tarde à Empresa, mas de ônibus.
A viagem de volta foi variando 60 a 65 km, tudo como recomenda a regra do motor em relação ao consumo de combustível, entretanto, sempre tinha que obedecer alguma placa de sinalização que ainda restam na estrada e que dão o limite máximo de velocidade.
Almoçou e ansioso esperou a hora para ir apanhar o transporte. Avisou o filho que logo se arrumou também.
- Pai, o senhor acha que vai dar certo?
- Espero que sim, filho, afinal, a minha experiência pode ser perfeitamente colocada a serviço desta Empresa que, segundo informações que temos, é organizada e necessitada de pessoas de alguma experiência.
- Alguma?
- Quero dizer, com experiência. Puxa filho, você leva tudo ao pé da letra...
Lá vão o pai e o filho para a parada do ônibus que por informação do vizinho tinha orientado o pai em tudo que era possível, chegou até a informar parar tomar cuidado, pois, de repente o ônibus não para na “para-da”.
- Já estamos aqui mais de 30 minutos e nem sinal de ônibus. Era o filho já desconfiado que a informação do vizinho era correta.
- Espere aí, filho. É que estamos acostumados a não esperar e quando esperamos, um minuto é uma hora.
- Tá bem, tá bem...
Depois de mais de uma hora de espera, uma hora e treze minutos, para ser mais exato, eis que chegam dois ônibus na parada e logo vão ouvindo a discussão dos dois motoras e um dizia que o outro tinha amarrado a viagem toda com o objetivo de prejudicá-lo. O outro, por sua vez, justificava dizendo que o motor havia falhado e por isso tinha retardado tanto. 
Para os passageiros que já queriam entrar no ônibus restava ainda esperar para saber qual dos dois veículos sairia para fazer o trecho Macapá/Santana.
Finalmente, o cobrador, de camisa averta entrou na discussão – Têm passageiros esperando e se estão em dúvida, escolham na porrinha, quem ganhar, sai.
- Taí, uma boa ideia. Mas só vou se for na do baixa.
- Topo, vamos na do baixa.
“A do baixa” significa que não são várias as pedidas e quem for apanhado vai “baixando” o palito, isto é, desocupando a mão até ficar sem palito qualquer e aí, ganhar.
Foram 15 minutos de jogo com os passageiros todos torcendo para um ganhar. Pois os dois além de serem vagarosos para gritar os pontos, ainda conseguiam errar os dois, o total de palitos que tinham na mão. Até que, finalmente, um ganhou. Festas. Abraços. Foram molhar a garganta (ninguém soube com o quê).
O que ganhou a disputa na porrinha, veio para frente do que perdeu: para azar dos passageiros, a manobra era difícil, mas considerando necessária pelo “fiscal” da linha que estava lá e que torceu muito na disputa entre os dois motoristas.
- Vamos, embarque. Era o “motora”, avisando que os passageiros poderiam subir, pois, finalmente a viagem deveria começar.
O pai que tinha ficado na fila, quando descobriu que ninguém obedecia a fila, puxou o filho e rumou para dentro do ônibus.
- Puxa pai, quase o senhor arranca o meu braço.
- Pois é, de repente o homem (motorista) ficou com pressa.
- Será que todo tempo é assim?
- Não sei, filho, mas que foi difícil sair, foi. Embora agora esteja tudo calmo, pouca gente dentro do ônibus e o vento já sendo camarada e amenizando o calor.
Primeira parada, entra um conhecido do motorista que já entrou pela porta da frente sob o pretexto do cobrador que ouviu do motorista: “calma, este é o peito”.
O “do peito” trazia um cofo de caranguejo, o que parece com alguns mortos, pois exalava um cheiro quase insuportável. A camisa toda suja, parece que estava na praia pegando os dedudos. 
De repente, resolve vir até o cobrador, a camisa esfregando na cara dos passageiros do corredor e o sovaco do tal parecia que não tinha sido lavado à uma semana. Nessa vinda, o cofo dobra e sai um caranguejo muito esperto que dá um “pique” pelo corredor do ônibus assustando uma senhora idosa e seu neto que estavam nas primeiras cadeiras.
O rapaz voltou e segurou o caranguejo colocando no cofo não deixando de dar uma repassada sobre a cabeça dos passageiros conforme antes (até parece música).
Esse episódio prendeu a atenção do pai e do filho que ficaram sem comentar, afinal a cena dizia tudo e o ônibus, a essa altura na estrada. Pega um passageiro aqui, outro ali e o filho intrigado, falou:
- Pai, esse ônibus para onde não tem placa. Por quê?
- Deve ser por questões próprias, filho, ou porque goste de fazer assim, essa é a única explicação.
- Quer dizer que não obedece a sinalização?
- É, parece que não...
- E a fiscalização?
- E tem!?
- Ih! Pai, vamos para a Fazendinha e acho que pegamos o ônibus errado. Para, para, vamos parar. Pensávamos que esse ônibus fosse para Santana.
- E vai - falou o chofer, olhando para trás.
- Como estamos indo para Fazendinha?
- É porque a linha manda.
- Não entendi nada. Pai, vamos à praia.
Dada a volta na praia, ninguém para descer, nem para subir; o filho não aguentou e afirmou: vamos passear, pai.
- Pois é, enquanto isso, podemos perder a hora na BRUMASA, já são quatro e meia e lá para às cinco.
- Puxa, saímos de casa uma e meia, já estamos nessa luta à três horas e não chegamos em Santana. Pode?
- Já voltamos da Fazendinha, o ônibus tomou a direção de Santana. – O pai suspirou aliviado, não muito, o caranguejo não deixava.
 11/10/84.
NO TRÂNSITO
Depois de mais um dia sem encontrar o emprego que tanto procura e precisa muito, o pai e o filho, mais uma vez juntos, resolvem aproveitar o clima ameno que fazia naquela tarde de quinta-feira para ir até a casa de um compadre que, segundo dizem, poderia ter influências com um figurão para conseguir que ele entrasse pela janela em uma determinada repartição. 
O velho Corcel II, mais velho pelo maltrato do que pelo ano que possui rodando, já estava com alguns problemas na instalação elétrica, mas dando as curvas necessárias para desviar das fiscalizações, das famosas blitz que são realizadas em Macapá.
Ao chegar, a casa do homem era na Pauliceia, bairro da periferia, mais onde só mora barão, verificou que o compadre procurado não estava e logo avisou:
- Filho, vamos voltar, o compadre não está e eu estou desanimado demais para botar conversa agora no finzinho da tarde.
- Nada, pai, vai ver que ele já vendeu o carro e por isso é que não tem carro na garagem.
- Hummm! O compadre já ia fazer isso! Eu lembro que ele deixava de comer para comprar gasolina para o fusqueta dele só para parecer que tinha carro. E olhe que nessa época, morava no Elesbão, numa casa de ponte que não tinha nem sanitário.
- Mesmo assim, vamos confirmar. – Avisou o filho.
Plac! Plac! Plac! Eram as palmas do pai e do filho procurando saber se tinha alguém em casa. Não observaram que uma campainha luminosa, com o escrito “chame” em acrílico fosforescente, bem a sua frente era o lugar certo para fazer a chamada para dentro da casa.
Depois de uma série de palmas, quando o filho passou a olhar com mais atenção, pois já começa a escurecer, deu com a campainha e gritou:
- Pai, é ali! A casa do homem não atende palma, atende àcampainha. Aperta o botão...
Logo na primeira apertada um movimento discreto de uma senhora abriu uma janelinha que tem na porta, que por trás tem um olho mágico ala grandes cidades e falou: - Pronto, meu senhor, do que se trata?
- O compadre está em casa?
- Não, ele foi ao clube.
- A comadre está?
- Não, está no cabelereiro.
- Que horas eles voltam?
- Não posso informar, pois eles não têm hora para voltar.
Nessa altura, um cachorrão negro já começava a latir dando a impressão de que estava treinado para assustar as visitas.
- A senhora poderia dar um recado para ele. Diga que o compadre...
- Não adianta que ele não aceita recado. Tem que ser pessoalmente se quiser falar com ele. E agora me dê licença que ainda estou preparando a ceia deles.
 Nisso fechou a portinha que só dava para aparecer a cara da senhora que atendia e desaparecia.
- Escafedeu-se. – Disse o filho, o pai estava decepcionado com o que acabava de acontecer.
- Mas o compadre que eu emprestei tanto dinheiro pra ele, pouco é certo, mas que quebrava o galho e agora que está por cima da carne-seca se faz de gostoso. Para onde vamos nessa situação?!
- Bem, o que eu sei é que aqui ninguém vai ficar um olhando para cara do outro. É só agora passar a ser descompadre e a situação está resolvida. Afirma o filho.
- Não, vou falar pessoalmente com o compadre e com a comadre em outra oportunidade.
Já de volta e de noite, o relógio do pai marcava sete e quinze, o pai guiava tranquilamente quando de repente:
Um barulho de apito. Era o guarda da esquina que devido uma lanterna traseira apagada, mandava o pai se enquadrar.
- Documentos seus e o carro. – Falou o guarda já aborrecido. Devia não ter jantado em sua casa ou devia ter brigado com a mulher, ou então, nunca ter recebido qualquer orientação para o trabalho.
- Pois não. – O pai começou a escalar os documentos: taxa rodoviária, selo, vistoria, C.I., Pis, Pasep, etc. E o guarda examinando, até o Pasep...
 
Depois de olhar frente e verso de cada documento, conferir data, olhar bem no rosto do pai para ver se a fotografia que estava na carteira de identificação era realmente do pai, disse: - O que acontece coma sua lanterna traseira esquerda?
- Por quê?
- Não está acendendo.
- Ah! Deve ser queimado.
- Deve ter, não. Está queimada.
- Como o senhor sabe, seu guarda? Se eu que sou o dono do carro não sei disso.
- Mas não está acendendo...
Aí entra o filho no papo. – Então está apagada e não queimada...
- Pois bem. Vamos levar o carro para o curral. Encoste ali...
- Mas seu guarda... Isso é um absurdo. Só porque está com a lâmpada apagada, o senhor quer que meu carro seja guinchado? Não vê que pode esculhambar com o veículo se for feito isso e aí então, a minha sorte estaria completa, ou melhor, má sorte.
- Faça alguma coisa. Mas não me faça perder a cabeça, ok? – Ainda era o pai procurando ser coerente com o guarda.
- Bem, para isso temos que “acertar” algumas coisas. Sabe, o sargento está logo ali adiante e vai me perguntar e você sabe como é, eu até que não uso esse processo, mas tenho que atender aos outros. A mercadoria subiu muito e o salário da gente não dá.
- Dez mil dá? Cinco pra um, cinco pra outro.
- Não. A “cota” mais quinze. Mas nada é pra mim, essa falta de sinalização mas ruas dá muita preocupação pra gente e por isso...
Como já estava de mão estendida depois de contar todos os trocados, arrumou onze mil e quinhentos cruzeiros e colocou na mão do guarda que terminou dizendo: “Tá bom, pode ir”.
 14/10/84 
NO CORREIO
Depois de muito procurar emprego para se ocupar e também para ganhar o pão-de-cada-dia, o pai resolveu, enquanto as “coisas não melhoram”, montar um escritório em casa e passar a ativar o seu trabalho que já desenvolvia mesmo quando estava empregado. Uma declaração de Imposto de Renda para cá, um de balanço pra lá e assim engordava o salário a qual era pequeno.
Bem, agora com a crise e depois da onça passar pela firma onde trabalhava e ter pegado o pai desprevenido, o melhor caminho é realmente procurar “se virar” por conta própria, obedecendo a um conselho do filho que, logo que saiu, já tinha alertado o pai que não ia ser muito fácil arranjar outro emprego, mas o pai, sempre confiando nos “amigos” que pensava ter, garantia que não teria dificuldades para encontrar um local onde pudesse mandar assinar a Carteira Profissional.
Para o Escritório (agora com a letra maiúscula) o pai tinha o essencial: uma máquina de escrever, algumas pastas, papel. O restante como formulário, lápis, borracha, entre outros, haveria de comprar, nem que fosse fiado. Por enquanto, a mesa seria a própria de colocar almoço e o arquivo umas das gavetas que até agora tinham sido usadas para guardar os pratos e colheres que são só usadas quando tem visita em casa.
Mas faltavam algumas orientações técnicas. Depois de buscar com os amigos e não encontrar também isso, o único remédio era ir até as livrarias para comprar. Nas livrarias o mesmo não encontrou. Sabe como é Macapá. A livraria tem material escolar somente e algumas também têm material de carnaval. O único remédio era comprar fora.
Depois de pensar como compraria esse material fora de Macapá, chegou a conclusão que se mandasse buscar pelo Correio ficaria mais fácil. Foi debaixo da banquinha de centro onde sempre guardava as revistas que conseguia emprestar e não devolvia para ver se encontrava um anúncio onde indicasse onde tinha livros. Depois de puxar o primeiro monte (o pai gostava muito de emprestar revistas) e não encontrar resolveu pedir ajuda do filho: - Filho, vem cá, vamos procurar um anúncio aqui.
Ao primeiro chamado o filho não veio pois estava no pátio da casa (a casa deles tem pátio) observando uma cocota segundo a sua explicação quando veio da segunda chamada e já aos gritos do pai.
- Vê se encontra um anuncio onde indique onde pode ser encontrado livros a qual possam me auxiliar no escritório.
- Pai, não tem aí, não. Tem lá no quarto da mamãe que é onde ficam as resvistas mais interessantes. Ela tem cuidado de guardar essas. As que estão aí é para quando emprestarem não fazer falta.
- Então vai buscar...
Passados dois minutos, já tinham selecionados uma série de anúncios e já começavam a anotar a parte do material necessário para o escritório. O pai acostumado ter tudo na mão, não prestava a atenção no preço ia escolhendo quando somou o total deu alto e fora do alcance do pai, que lamentando afirmou: não dá.
- Venda o carro, pai.
- Tu queres que a tua mãe me mate, é? Sabes que ela adora esse carro e se ficarmos sem ele, não sei o que vai ser.
- Então vende o som.
- Não!
- Venda as plantas. – Falou o filho depois de pensar e pensar...
- Não, não vou vender nada ainda. Vamos pedir pelo Correio e até lá a gente encontra uma saída. Ainda mais que tanto para vender o carro, como para vender o som, não ia ser fácil, pois as condições dos dois já não são das melhores, tu sabes disso...
Feita a lista, foram para o Correio, não sem antes que o filho fizesse o comentário de que pelo Correio não demora e que agora é tudo em ordem , conforme na televisão.
Quando chegaram ao Correio, por volta do meio-dia, tinham escolhido uma hora exatamente por ter menos gente, avistaram uma fila que não tinham mais tamanho e o comentário do filho foi imediato:
- Acho que todo mundo escolheu a mesma hora que a gente!
- É, acho que foi.
- Quem é o último? - Perguntou o pai, pois o rabo da fila estava igual o rabo de camarão, tinha muitos pontos de final, para um senhor com camisa que tinha escrito “Correio” um pouco em cima do bolso.
- Até agora não sei. Tem gente que chega e sai. Tem gente como eu, estou desde as dez da manhã e essa moreninha aí está torrando o meu saco até agora e ainda tem gente pra danado na minha frente.
- Desde às dez? 
- Sim, desde às dez e, de vez em quando troca um atendente. Aqui está uma zorra.
- Mas como é que na televisão fizque tudo mudou? – Falou o filho.
- Pelo menos para Macapá não mudou nada. Olha, comigo já aconteceram tantos problemas nesse Correio que já não sei o que fazer e se a gente reclama pega gelo na fila. Vou te falar, isso aqui está muito mal administrado, está uma merda...
- Não fale assim – Pediu o pai para o senhor que estava na fila já bastante aborrecido.
- Pai, ali tem menos gente vamos pra lá.
- Ok. Vamos. – Chegaram juntos e falaram quase juntos: “Moço eu queria saber...”
- Não vê que tudo aqui tem fila vá pra fila para falar comigo. Aqui eu só atendo reclamações.
Sim, tinha uma fila só para reclamar das coisas...
Foram para a fila.
Já às duas da tarde, com muita fome, chegaram até uma funcionária finalmente. 
- Puxa! Quase não chego até você. - Afirmou o pai querendo ser gentil.
- Aqui é assim. Vocês enchem o saco da gente!
O pai ficou sem fala por ter ouvido essa resposta tão grossa para uma pergunta sua que foi buscar nas profundezas da sua gentileza.
- Olha, moça! Quem enche o saco da gente são vocês que não estão ligando para quem está aqui do outro lado do balcão. Vocês estão aí exatamente para atender e não temos culpa se fazem o trabalho errado. Essa joça está errada. Contam uma mentira pela televisão dizendo que está tudo bem e agora a gente vem aqui e pega grossura desde a entrada até a saída. Quem me enche o saco são vocês, ouviu?
- Que é isso, garoto?
- Garoto uma ova, já estou de saco cheio e não aguentava mais a grossura de vocês. Nunca tinha visto coisa assim. Isso é uma merda...
- Calma, filho. Acaba com isso, só estamos aqui para colocar uma carta: era o pai colocando a mão na boca do filho que estava uma fera.
O pai entregou a carta, depois das duas horas de espera, a moça do balcão pesou, cobrou o correspondente, enquanto o o pai trazia o filho que estava muito aborrecido para fora.
Na saída o pai falou para o filho: “Você precisa ter calma”.
- Mas como calma, estou com fome, e ainda sendo mal tratado por quem deveria estar tratando bem a gente. Isso é um contrassenso, uma avacalhação...
Vieram o pai e o filho para casa, com fome e mal atendidos, mas com uma esperança de que os pedidos poderiam chegar dentro de uns quinze dias. Traziam também uma preocupação, tinham que voltar para receber a encomenda.
 17/10/84
NA ABERTURA DO COPÃO
Enquanto o pai está esperando a notificação dos Correios que suas encomendas chegaram, vai virando como pode e gastando os últimos cruzeiros da indenização que recebeu, correspondente ao Fundo de Garantia, que tinha depositado no Banco. Está tudo na poupança ainda, entretanto, o tudo é pouco, ou quase nada.
Mas vai experimentando uma economia que considera fundamental para enfrentar sua crise dentro da crise brasileira.
Mesmo assim, ninguém é de ferro e resolveu distrair-se um pouco no Estádio Glicério Marques por ocasião da abertura do X Copão da Amazônia. Como não está fazendo nada, resolveu ir bem cedo para aproveitar tudo o que os dois mil pagos pela entrada poderia oferecer: o melhor lugar, assistir toda a programação e ainda poder orientar o filho, a qual não era muito amigo do futebol, porque ouvia sempre que o nosso futebol está caído e que não animava o pequeno torcedor a se dispor trocar a conversa da porta de casa pelo futebol de marmanjos que não estão com a bola.
Foi bem cedo mesmo, pois ainda não eram seis da tarde – começaria às sete horas da noite – e lá estava o pai e filho comprando a seus ingressos para passarem pelo porteiro que chegava nesse momento, mas ainda apresentava sinais de aborrecimento como se tivesse acabado de apanhar da mulher.
Apresentou o ingresso para o cara-feia que logo estendeu o bração mostrando claramente que não usava qualquer espécie de desodorante.
- Espere um pouco, ainda não recebi orde para deixar quarquer um passar. Ei! Ei! Flávio. FLÁVIOOOOO! – Era o porteiro berrando para o funcionário da Federação que corria de um lado para outro, dizendo o que cada um deveria fazer.
- Já pode entrar? Tem um careta que chegou cedo e já está exigindo entrada, mas ainda não recebi autorização. Como é, vai ou não vai dizer?
Flávio Teixeira fez “OK” com o polegar direito indicado para cima e continuou o corre corre, enquanto o porteiro resmungava: “Isso aqui está uma merda, assim não para a gente trabalhar. Ah! O senhor pode passar. – Falou o porteiro lembrando do pai e do filho a qual esperavam a decisão dos homens, ou do homem da Federação.
Sete horas e nada. Muito embora já estivessem o Prefeito, o Governador, Comandante do 3° FEF e todas as demais autoridades de nossa cidade e mais uma meia dúzia de torcedores que já acompanhavam a inquietação dos árbitros e dos times que estariam jogando o 1° jogo.
Com o troco dos cinco mil – duas entradas custavam quatro mil – resolveu comprar uma laranja. Os quinhentos paus pedidos assustou o pai que jamais imaginaria comprar uma laranja do tamanho de um limão e com o mesmo sabor por esse preço. Ia desistir, mas...
- Não. Já cortei a boca e o senhor tem que ficar, eu não posso ter prejuízo, já revendo para o seu Paulo e não seria eu que ia lhe dar uma laranja de graça ou mesmo lhe dar satisfação de ficar com uma laranja na fazendo pose. – Era o vendedor que nas horas vagas também procurava emprego de contabilista, pois formado pelo CCA, a 2 anos não conseguia emprego por falta de experiência.
Pagou e pediu o troco: não tinha depois de entrar em entendimentos com o vendedor, se conheceram e verificaram que tinha o mesmo problema: ambos contabilistas e desempregados. Entretanto, ninguém podia ajudar um ao outro e o entendimento sobre os quinhentos cruzeiros não sairia enquanto não aparecesse um que trocasse o barão.
- Pai, isso não começa? Já estou ficando de saco cheio.
- Meu filho, tu ficas de saco cheio por qualquer coisa. Toma cuidado com isso, tá bom?
O filho inquieto. Sete e meia e nada. Até que resolveram chamar a banda de musica ao campo. O filho que há muito tempo não vinha ao Estádio, ou ao que parece nunca tinha comparecido a um campo de futebol, foi atraído pela primeira impressão pois pensava que os jogadores é que estavam com os instrumentos.
 - Não, não é filho. É vai haver uma solenidade e a banda da Polícia Militar vem tocar aos dobrados e o Hino Nacional. – Era o pai respondendo a um beliscão do filho que fazia toda a indagação.
Finalmente as autoridades vão para o campo do jogo e sem saber o que fazer, pois ninguém dizia nada. Não como comunicar, ao espectador no que estava acontecendo, o pai também resolveu acompanhar a comitiva. O porteiro olhou muito quando os dois passaram pelo portão do alambrado, mas tanta gente estranha que o porteiro pensou “Vai ver que esse é um Secretário de Governo ou então um visitante – vou deixar passar”.
Já dentro, o filho observou um senhor todo avoado que convidou dois outros senhores que tinha pinta de chefe e falava no campo de jogo do Glicerão
- Olhe, Coronel, tá vendo como esse campo não presta. Qualquer jogador se complica aqui e blá blá...
De tanto balançar a cabeça, o trio chamou a a tenção de um gordinho que até então tinha ficado chupando o dedo num canto e não tomava nenhuma providência que, mesmo sem observar era empurrado por um senhor alto e um senhor baixo, este com a camisa do Flamengo (Rio) para ir para perto para escutar o que estavam dizendo do piso do Estádio.
- Sabe Coronel, quando eu falei para o Doutor Giulito avisei que tínhamos essas dificuldades, ele mandou uma passagem para eu ir até o Rio, mas quando eu cheguei lá, ele tinha ido para Europa, eu expliquei, pedi e pedi, mas ele nada... Ele é bom e toda vez que chama, eu vou ao Rio, sou sempre seu puxa-saco. Mas no Estádio ele não me ajudou.
- Pai, esse baixinho aí é mentiroso, né?
- Acaba com isso, filho, não vê que estás fazendo julgamento sem conhecer as pessoas.
- Mas algo me diz que é. Isso me diz.
Já tinha começado e terminado o primeiro jogo: 3x0 para o timede fora e o desabafo do filho: “TIME RUIM...”
 20/10/84
NO BOTEQUIM
Enquanto esperavam a chegada dos livros pedidos para servir de instrumentos de consulta sobre as novidades discais e aplicá-las no escritório que já está “montado” na sala de jantar da casa, o pai e o filho já começaram a fazer os primeiros contatos para a conquista de clientes, para tanto, deixaram até de andar no velho Corcel II, que passa por um período de merecido “descanso”, para que possa, com mais facilidade, encontrar os clientes que têm que ser procurados de casa-em-casa.
Logo nos primeiros dias de procura, nada mais, nada menos do que seis futuros contratantes já asseguraram que vão experimentar o trabalho do pai, dentre os seis, nenhum, mas nenhum mesmo – para espanto do pai e do filho – são aqueles que se colocavam à disposição quando o pai estava empregado, muito embora tenham sido os primeiros a receberem a visita do pai. Com esse futuro promissor, pois as contabilidades de agora trabalham na base do salário por cliente, no mínimo e, depois de um dia de trabalho resolvem, o pai e o filho, a molhar a garganta: o pai, naturalmente, tomando uma cerveja e o filho um refrigerante e a pé, caminharam muito para encontrar o primeiro Bar e enquanto caminhavam, a sede aumentava e o tornozelo cansava.
Quando chegaram ao barzinho, as duas mesas que normalmente estão desocupadas, estavam ainda, desocupadas. Sentaram e pediram o que tinham combinado: o pai, uma cerveja, e o filho, um refrigerante. Com a sede que estavam não demorou para que os dois secassem rápido seus respectivos copos e logo as suas respectivas garrafas.
- Amigo, veja quanto é a nossa conta. – E foi logo escalando dois mil e quinhentos cruzeiros para pagar.
- Deu menos?!?! – Era o pai que admirava o total apresentado pelo dono do bar que triste, afirmava que sim, era menos.
- Sabe como é, agora tabelaram a cerveja e o refrigerante e ainda há pouco, estiveram aqui dois discais da SUNAB avisando que se vender fora da tabela, vão me multar, fechar o bar e até me prender.
- Mas não é possível!
- É sim, avisaram também que isso é uma ordem e que se não cumprir vai ver como é: avisou logo que não vai aliviar...
-Pai, mas não era a própria SUNAB que não tinha fiscais para fiscalizar o preço da carne de gado?
- Pois é, filho, não tem não, segundo os próprios elementos da SUNAB. Aliás, que isso foi falado na televisão pelo próprio chefão deles e depois, aqui também na televisão pelo chefinho dos daqui.
- Isso é uma pouca vergonha. Não sei para onde vamos. Para fiscalizar o preço da carne, que todos compram, não tem fiscal, mas para fiscalizar barzinhos de esquina ou meio quarteirão, onde só entra quem quer, aí colocam fiscal. Não dá pra entender nada, pai.
Nesse momento, estão de volta os ameaçadores da SUNAB que, vestidos de uma autoridade que não têm, haviam assustado o dono do bar.
- Como é? Está obedecendo a ordem? – Eram dos fiscais que tinham passado duas horas avisando que iam voltar. 
- Claro. Não era para cumprir? – falou na frente do pai que, ainda sentado, saboreava os últimos bocados da cerveja. Pois também, tinha visto o estado de nervos como tinha ficado o botequineiro.
- Não perguntei para o senhor, perguntei para ele. – Falou o fiscal apontando para o dono do botequim.
- Mas quem respondeu foi eu. E não entendo como os senhores podem ser tão sem preparo para executar orientações, que parecem ser, muito mal dadas também.
Nisso o pai se levantou, encarou os dois fiscais e foi firme na continuação da reprovação.
- Quando é para fiscalizar os supermercados com seus aumentos absurdos, as feiras, padarias e os talhos de carne, vocês não têm condições. Mas quando é para ameaçar esses negociantes que não têm nada, aí vocês aparecem, assustam, amedrontam para fazer o prazer de vocês e de quem os dirigem. 
- Olha, meu amigo, estamos aqui para cumprir ordem. Se quer esculhambar, vá lá na SUNAB e esculhambe com o chefe ou mesmo passe um telegrama para Brasília que é de lá a ordem.
- Quer dizer que se mandarem vocês comerem merda, vocês comem? – Era o filho a dar sua opinião...
- Ora seu moleque... - O pai se mete na frente do fiscal valentão e..
- Parado! Esse aí é meu filho, e se o senhor se meter a besta, vai apanhar.
- Calma, calma. – Era o dono do barzinho entrando na dança depois da arruaça que os fiscais ameaçavam iniciar. 
- Discussão não leva a nada, é melhor todos nos acalmarmos para então estudar a situação. Os senhores não querem uma geladinha?
- Bota aí. – Respondeu um dos fiscais que, chamando o seu colega foram até o balcão e rapidamente secaram as duas garrafas que lhes haviam sido aberta pelo próprio homem do bar. Ao terminar, se mandaram.
- Como é? Eles não pagam a cerveja que bebem? 
- Não era disso que eles estavam atrás? Fazem toda essa “onda”, mas se mandam quando lhes oferecem um “trago”.
- Que caras de pau. - Afirmou o filho que ainda estava com a ameaça que o fiscal tinha lhe feito.
- É essa a maior dificuldade que todos enfrentamos hoje. Pouca gente leva a sério as coisas coletivas e preferem “safar” o seu lado, deixando os demais, que neles confiaram, em situações que ninguém aguenta.
- Mas também, vou te contar, pai, essa história de tabelar cerveja e refrigerante, e deixar os gêneros de primeira necessidade sem ser tabelado é coisa para louco entender, pois, na verdade, é uma situação que não tem explicação. 
- É mesmo. – Concordou o pai, pois cerveja e refrigerante bebe quem pode e carne e feijão, como os demais de primeira necessidade, todos precisam para sobreviver. 
- Eu não entendo nada mesmo, ou tem gente burra nessa história... – Arrematou o filho.
 24/10/84.
NO QUEBRA-MAR
Depois de um dia de muito trabalho, o pai já está em atividade em seu escritório improvisado em sua casa e o pai e o filho resolvem aproveitar o início da noite luar, dando um passeio pela cidade. A mãe ainda não chegou de Belém onde foi pagar a promessa do Círio de Nazaré e acabou perdendo a viagem de volta de navio da linha e agora está esperando a nova oportunidade para vir para Macapá. Tem medo de avião e não tem dinheiro para a passagem de veículo mais rápido.
Pois bem, depois de uma série de voltas pelas principais ruas da cidade, o pai e o filho concordam em dar uma chegada até o Quebra-Mar. Como estavam num bairro distante aproveitaram para ligar o rádio do carro, mas não conseguiram sintonizar bem a emissora FM, nem AM, preferida exatamente porque a antena do carro já tinha sido levada a essa altura, já servia de vareta para algum professor da zona rural ou mesmo da zona Urbana do território.
Na volta, passaram por um cruzamento...
- Ih, Pai, olha como está esse sinal: abrindo para os dois lados... que perigo!
- Pois é, filho. Foi aqui que aconteceu o caso do carro que entrou na casa e derrubou o poste na rua. Esses caras não mudam.
- Mas dessa vez, o problema é do sinal.
- Tá bom, é do sinal, entretanto, já era tempo de ter um serviço de manutenção à altura para fazer esses reparos de urgência.
- Cuidado, pai, não se afobe, pois o sinal aberto para os dois lados é um convite para acidente.
- É, mas em caso de falta de atenção do motorista e eu estou acordado para o que vai passando.
 
Conseguiram, finalmente, vencer o cruzamento em que o sinal estava aberto para os dois lados. Isso já era umas sete e meia.
- Cuidado, pai! Um buraco de esgoto ali à frente. Vi na luz do carro... – O pai cuidadosamente diminuiu a velocidade do veículo, aplicando os freios e que rangendo bem alto, paravam o Corcel II, que balançou todinho. Pararam bem a frente do buraco visto pelo filho.
- Pai, perece que é um buraco de ferro. Um buraco de esgoto.
- É sim, esses malandros tiram a tampa e não sei pra quê, e aí a Companhia de Esgotos se vê em dificuldades para recuperar.
- Para que serve uma tampadessas?
- Só para vender como ferro velho, mas não consigo acreditar que alguém tenha coragem de comprar uma peça dessa, sabendo que foi roubada.
- Roubada?! – Era o filho que se assustava com a hipótese levantada pelo pai.
- Sim, roubada, por que o espanto?
- É, pensei que isso não podia acontecer em Macapá, pois não vi ninguém dizer que se rouba tampa de bueiro parar vender em outro lugar.
Nessa altura já tinham passado do bueiro e já estavam indo em direção do Quebra-Mar, quando passaram por uma construção em pleno centro comercial.
- Olha, pai, um bêbado jogado na construção! Olhe ali...
- Como é que pode. Também essa obra há mais de uma década que está iniciada e nada de ser acabada. Essa droga está enfeiando nossa cidade... – Afirmou o pai.
- Não existe como o dono a fazer o serviço?
- Acho que não. Esse negócio de obrigar não funciona, pois, afinal de contas, oque deve prevalecer é o bom senso e não a necessidade de obrigar esse ou aquele a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Finalmente estão fazendo a grande curva que leva ao Quebra-Mar: vários carros, motos, bicicletas e os namoradinhos apoiados no ferro da “baluastradas” do cais, fazem uma visão diferente naquele local escuro, iluminados apenas pelas estrelas e pelos últimos raios da lua que já se punha, o quarto crescente estava começando.
- Pai, o pessoal gosta de vir para essa cais pegar vento, né?
- Sim, afinal de contas, o vento aqui é muito revitalizante e a visão que temos da noite serve para aclamar tudo que se acumulou de nervosismo durante o dia.
- Parece que tem alguns que preferem ficar sem pegar vento.
- Sabe como é filho, os jovens de hoje...
Que jovens que nada. O senhor que está lá é um coroa e a menina, sim, é jovem, deu para ver perfeitamente.
- Deixa de ser xereta, filho. Não presta, eu já te disse. 
- É, mas não culpe os jovens...
- Tá bom. – falou o pai ligando o motor do carro e deslizando até um ponto onde não se via ninguém.
- Cuidado aí! Tem gente na frente.
- Cadê?
- Bem na frente do carro, é que estão com pouca roupa. Olhe... se mandaram e começaram a se vestir.
- Você também, filho...
- Pois é. Esses caras têm cada uma.
- Vai ver que estavam se preparando para tomar banho, pois a maré de enchente é muito boa e o calor que está fazendo não é para brincadeira.
- Você não acha, pai, que se estivessem só querendo tomar banho, não teriam logo parado ali, onde não tem água, aqui só tem praia.
- É possível que estivessem também apenas um vento mais diferente no corpo, filho. Você não acha?
- Eu sei, eu sei, também fiquei com vontade de pegar um vento mais diferente no corpo. Vai ver eu posso. Não é isso mesmo, pai?
- Hummm! – resmungou o pai.
 27/10/84
DE VOLTA AOS CORREIOS
Depois de esperar mais de 15 dias, finalmente, a correspondência da editora a qual o pai havia pedido uns livros que servirão para apoiar seus conhecimentos para exercer, a plena força, as atividades profissionais de um contabilista que tenha realmente a responsabilidade com as firmas que toma conta no aspecto fiscal.
Já era mais de nove horas da manhã, quando o carteiro chegou e perguntou o nome do dono da casa e confirmou que se tratava do pai. A empregada, uma velha conhecida do interior e que morava há muito tempo com o pai, o filho e toda a família, contando quando o pai retorna da rua, afirmou que o carteiro estava muito surpreso, pois trabalhando a mais de três anos na Agência dos Correios somente agora tinha trazido uma carta para aquele endereço.
O pai ansioso foi logo abrindo a correspondência e verificou que era uma comunicação de remessa e também observou que acompanhava um espelho da nota fiscal correspondente à mercadoria que havia encomendado. Tinha vindo tudo.
Um sorriso acompanhava o alegre contabilista que corria a vista pela descrição dos livros, mas, de repente, ficou rubro e preocupado quando dando uma olhada um pouquinho para a direita do espelho da nota, observou que ali estava o total: mais de trezentas milhas.
“E agora?”. O pai perguntou-se preocupado por saber que não tinha todo o dinheiro para retirar a encomenda.
O prazo estava lá, na mesma nota e dizia que em 15 dias a remessa teria que viltar e ainda o pai ficaria em dificuldades para ser atendido em novas encomendas.
- Só tem um jeito. – pensou o pai. – Vou falar com o meu compadre, que é de vereador para estudar a possibilidade de me emprestar a quantia até o fim do outro mês para eu retirar os livros.
Depois de falar para o filho a intenção, o garoto falou:
- É, pai, vale a pena tentar. Pelo menos ele se mostrou sempre muito oferecido quando precisou do nosso apoio para elegê-lo a vereador. O senhor se lembra daquela vez que veio em casa para negociar os votos do pessoal lá da firma? Pois é, provavelmente, ele se lembra que o senhor garantiu o que ele queria.
Lá foram o pai e o filho falar com o vereador. Procuraram na Câmara, na casa do vereador, do pai, da mãe do vereador e o susto foi grande quando ouviu dizer a mãe disse que:
- Meu filho. Faz mais de dois meses que eu não vejo o vereador. Eu aconselho vice ir hoje à noite à Câmara que é provável, que ele passe lá para dar a presença, então nesse momento o senhor fala com ele. Infelizmente, é só nisso que eu posso ajudar...
Um pouco abatido o pai e o filho voltam para casa e procuram se informar o horário exato da reunião da Câmara. Depois de obter a confirmação do horário, já por volta das dez da noite, vão dormir, o pai e o filho, ambos preocupados.
Já no outro dia pela manhã, o filho, antes de ir para a escola, procura acalmar o pai. – Vai ver, pai, que dessa vez não tem problema. – disse o filho esperançoso.
O pai ficou mesmo preocupado com a situação. Afinal, precisa dos livros e não tinha como tirá-los do Correio e quando se lembrou que tinha que ir aos Correios, então a preocupação ficou maior. Sabia que ia ser uma barra.
Ainda eram cinco da tarde e o pai já saía, juntamente com o filho, para a Câmara a fim de falar com o “compadre” vereador. Esperou na frente, até às seis quando estava marcada a sessão.
Ficou preocupado, pois já eram seis e meia, e nada de começar a reunião que sabia, por informações que já tinha obtido, se tratar de uma sessão de importância para determinado setor da sociedade.
As galerias com pouca gente. Seis para ser preciso: o pai, o filho e mais quatro e o plenário também incompleto – faltavam dois vereados. A mesa também não estava toda – faltava um. E desses faltosos, para azar do pai e espanto do filho, era exatamente o compadre do pai (o pai era padrinho de um dos filhos do vereador).
Por volta das oito da noite aparece o vereador-compadre que logo vai saudando:
- Oh! Como está você? Como vai a firma? A comadre? O seu afilhado sempre fala: o padrinho que nunca mais apareceu e blá blá blá...
O pai ficou meio sem palavra, no início, depois falou na direta. – Sabe, compadre. – Já só estava ele, o filho e mais uns nas galerias – Eu estou precisando do senhor para...
- Pode contar comigo, sabe, sou amigo do Prefeito, do Governador e do... e disse o nome de todos os secretários e presidentes da cidade.
- Eu precisava de um empréstimo de quatrocentos mil – falou na reta.
O vereador assustado, deu uma volta, pediu café, passou a mão na boca, pensou, não falou, tirou o paletó e, finalmente, olhando bem na cara do meu pai disse:
- Sabe, compadre, agora eu não tenho, mas se quiser eu falo com o ful...
- Tá bom, não precisa falar, eu precisava era do senhor agora! – não pode então diga.
- Eu não posso agora, mas se Deus quiser, daqui para o início do ano, eu estou recebendo uma indenização e o senhor pode ficar tranquilo queeu pago a conta que lhe devo. Não me esqueço do empréstimo que o senhor me fez...
Foi quando o pai lembrou que o vereador lhe devia cinquenta mil, a preço de agosto de 82.
Decepcionado, o pai vai caminhando para fora, seguido do filho que não fala nada. Pegam o Corcel II,que estava na reserva e não direto para casa. E chegando lá:
- Pai, o senhor pode usar a minha poupança. Tenho lá esse dinheiro pois a mãe não gastou a minha parte, deve dar o suficiente.
- Eu não queria, filho...
- Mas o que fazer. Use.
Depois de tirar o dinheiro do filho da poupança, vai aos Correios e quando chega lá, vê a fila. Sabe que vai esperar mais de duas horas e sabe que vai se aborrecer com a má educação do pessoal que trata os clientes dos Correios em Macapá. Sabe que assim mesmo, terá que aguentar tudo. Sabe que vai contar com o desinteresse dos balconistas e também com a má vontade que se generaliza no pessoal que atende. Pensando numa solução, opina para o filho: “Será que eles ganham muito pouco?”
- Não. – O filho responde porque sabia o que falava, depois de uma propaganda da Escola...
 31/10/84
NA APA
Já com os livros que havia encomendado a sua disposição, o pai, em toda a euforia quando estava estudando, mas também tinha algumas dificuldades para enfrentar: uma falta de dinheiro em reserva para qualquer eventualidade, e alguns vocábulos que ainda estavam desconhecidos do pai e que por serem elementos de origem técnica, a simples definição do velho dicionário do MEC que tinha em casa, não resolvia os problemas e nem explicava as soluções.
Um dia depois de muita procura para define exatamente a palavra “probabilidade”, não encontrou uma descrição no dicionário que tinha e ficou com dificuldades a qual chamou a atenção do filho que, concentrado – mas não muito – num trabalho extraclasse, estava um pouco afastado do pai que estava na sala de jantar onde funciona o escritório – improvisado – e o filho no sofá da sala.
- Pai, o que é que há? O senhor está com uma cara...
 - Acontece, filho, que estou encucado com o significado da palavra “probabilidade”, pois o dicionário não diz exatamente o que é, e eu não consigo encontrar nestes livros explicação que me convença. Eu já ouvi lá no meu antigo serviço o chefe do escritório falar e entendi outra coisa do que está aqui. Você já ouviu falar?
- Não, mas acho que já ouvi esta palavra no Colégio... Não, não foi no Colégio, acho que foi lá no CCA.
- Aquele que o Diretor, de vez em quando, chama de Café Filho.
- Sim, esse mesmo!
- Quem foi? – Perguntou interessado o pai.
- Acho que foi um professor de lá. Talvez seja isso mesmo. Vai ver que no CCA tem essa matéria para os alunos que estudam ali e deve ter o professor para lecionar.
- Vamos lá falar com esse professor?
Saíram os dois, pai e filho, na direção do CCA. Era uma segunda-feira, logo no começo da noite, certamente, o professor deveria estar na escola.
- Quem é o professor que poderia dar a cadeira de probabilidade aqui no CCA? – Era o pai perguntando para um dos Vice-Diretores que estava responsável pelo Colégio – Aqui é assim, tem diretor, mas responsável é o Vice.
- Ah, meu senhor. Agora tá difícil. Os professores não estão no Colégio. Dispensaram as turmas e foram para uma reunião na APA.
- APA?
- Sim. Associação dos Professores do Amapá.
- Estão em reunião para tratar assuntos de melhoria do ensino, certamente.
- Que nada. É que o negócio lá está pegando fogo e ninguém entende. Tá uma bagunça...
- Por quê?
- Já depuseram o Presidente.
- Ih! Então deve estar quente mesmo. Mas será que este professor está realmente na associação? Eu estou com pouca gasolina, sabe...
- Deve estar, saiu daqui – Saiu daqui dizendo que ia botar pra quebrar.
Foram diretamente para o prédio da APA. Quando estacionaram o carro, dois quarteirões distantes da entrada do prédio – tinham muitos carros -, já dava para ouvir as discussões que se tratavam em níveis não amistosos e pouco educativo.
Entraram logo e foram recebidos por um discurso do orador que afirmava: “Os professores de 1º grau são marionetes, são incapazes e são usados pelo presidente para blá blá blá...”
- Pai, esse cara parece não ser daqui, está atacando os professores de 1º grau dessa maneira... Que safado...
- Cuidado, filho, cala a boca. A briga não é nossa, estamos aqui só para saber a definição da palavra “probabilidade”.
E nesse momento, levantou-se um professor, ali atrás de uma professora que, em lágrimas, chamou o discursante de “safado”, “vendido”, “duas caras”, “aproveitador” e mais uma série de intermináveis qualificativos que ao terminar de dizer, já chorando ed dizendo que tinha sido ofendida pelo discursante, retirou-se e dizendo que nunca mais voltaria ali pois não estava ali para ouvir “esculhambação”.
- O que é isso, pai? Será que estamos no lugar certo? Essa é a casa dos professores?
- É, filho. Final dos tempos.
- Vamos perguntar se aquele sabe quem é o professor de probabilidade.
- Oi, meu jovem, você pode informar quem é o professor de probabilidade no CCA?
- Não enche o saco. Não está vendo que estamos em uma reunião importante e que ninguém pode ser perturbado. – O cara falou isso e virou-se para conversar, dando conta para reunião e para o pai que ficou, realmente, preocupado com a importância da reunião.
- Não é possível, é por isso que a nossa educação está ruim mesmo. Esses professores de hoje são um problema e é para esses que estão entregues as nossas crianças. – Lamentava o pai sem se refazer – o cara era professor – que havia respondido para o pai.
- Também não são todos. Lá alguns que ainda têm respeito pela educação e fazem questão de praticá-la, exercitá-la e ainda transferi-la para outras pessoas. Viu, sou bom de palavras e se eu soubesse “probabilidade” já tinha explicado para o senhor.
- É, filho, acho que aqui a gente não arruma nada. Vamos embora...
Lá foi, o pai e o filho, sem ter explicação que buscavam e já em casa, sentaram para ver televisão quando, de repente, para a programação e uma NOTA informa que o Presidente da APA tinha sido deposto da direção da Associação, mas que uma liminar tinha reconduzido ao cargo e que a junta não tinha poder para dirigir a Associação, etc.
- Que briga feia essa situação. Tão chamando gente de ladrão, burro e tudo mais, pode?!?!
 04/11/84
NO ARRAIAL
O pai e o filho, mais um mês, estão programando conhecer o arraial nos moldes de 1984. Todo mundo sabe da polêmica que a construção do Teatro do Amapá, que, normalmente, realizavam as Festividades mundanas do arraial, causou indo, inclusive, buscar argumentos na tradicionalidade, os Vereadores foram unânimes em contestas entretanto, um dos mais coerentes com a tradicionalidade e com a não tradicionalidade, procurou legalizar uma situação que parecia conciliatória entre os lados e os interesses.
Depois de muitas discussões, a Lei entrou em vigor e definições claras, que as áreas de circulação da Rua São José e da Avenida Mendonça Furtado, que ficam às proximidades da Igreja São José, seriam os locais oficiais – e legais. – para a instalação das barracas que servem para justificar o arraial.
Pois bem. Foi para conhecer essa nova proposta, agora já instalada que, o pai e o filho, saíram de casa naquele domingo à noite – e sob a censura da mãe que já havia retornado de Belém e já tinha passado o Círio de Nazaré e a festa do arraial Paraense. Quando chegaram ao local ficou confirmada toda a visão que já se tinha tomado quando deram uma rápida passada no sábado, antes do Círio.
- Pai, até que a coisa ficou boa, né?
- É, parece que sim.
Esse foi o primeiro diálogo entre os dois antes de entrarem à pé, na Mendonça Furtado que, incrivelmente, contava com uma placa de “proibido seguir em frente”, pois não tinha realmente como passar devido a construção de um parque bem no asfalto.
Depois de dar mais uns trinta passos e já dentro do ambiente do arraial, o pai e o filho, cada um na sua parte, começaram a ficar espantados com o número de barraquinhas que tem com variados tipos de jogos.
- Pai, vai ver que as crianças aquivão deitar e rolar. Tem todo tipo de jogo aqui, né? Vai ser uma boa. Vamos encostar ali e pedir uma daquelas argolas para ver se eu estou bom mesmo de pontaria. Ei, moço! Me dá uma dessas argolas, tá?
O rapaz, também era um garoto que estava dentro do cercadinho que também envolvia uma mesa com uma série de números e tendo também para casa número uma cabeça de um animal: via-se sob a luz cabeça de gato, cachorro, cobra e de todos os bichos que já tinha visto no zoológico (?) e também em filmes de televisão (!).
- O que é, garoto?
- Me dá uma argola. – Insistiu o filho.
- É pago.
- O que, rapaz? É pago? Não é de graça?
- É pago, sim, ou tu pensas que estamos todos nós – aí faz questão de dar uma volta com o olho em toda a praça. – negociando para defender o pão-de-cada-dia.
- Minha nossa! Quer dizer que é jogo mesmo. Olha que eu ouvi que não podia ter esse tipo de jogo no Brasil.
- Se não sabia, fica sabendo e vai desencostando daí que tem gente querendo comprar isso.
O rapaz fazia questão de mostrar para o filho um maço de cinco argolas de variadas cores, e fazia com a mão dizendo que são duzentos “pilas” para jogar as cinco argolas.
O filho muito chateado – e surpreso – se afastou puxando o pai que não tinha observado o interrogatório do filho, pois tinha sua atenção chamada para uma tabuleta que estava fixada nos fundos de um barzinho onde lia-se: “xixi 200 e completo 1000”.
- Vê, filho!? – Apontava o pai para a tabuleta num misto de surpresa e admiração e procurava com muito esforço, interpretar a informação que não parecia muito clara.
- Vai ver que é um prato novo ou então aquele feito de galinha, mas que conheço por xinxin de galinha. Só pode ser! – Arrematou o pai, olhando para o filho.
- Vamos lá tirar a dúvida.
-Ei, moço, o senhor tem xinxin de galinha? – Era o pai puxando o “xin” para não deixar dúvida.
- O quê? Não conheço isso, sinceramente.
- Mas a tabuleta diz que...
O dono do bar – se não fosse, mas parecia... – se apressou explicar a placa: “O que está escrito ali é ‘xixi’. MIJO. Entendeu?” – Falou o interlocutor que prosseguiu afirmando, já mais encabulado que os mil eram para caso de o interessado precisar fazer o serviço completo.
- Sabe como é. A gente pega tudo, portanto, não pode deixar de cobrar, principalmente se tratando de casos do completo que deixa a gente em dificuldades por causa do “cheiro” e aí tem que se lavar o ambiente, colocar salsar e mais uma série de providências, que obriga a gente cobra e cobra mais caro. Com o preço da cerveja tabelado a coisa fica mais difícil e a gente deixa de fazer qualquer tipo de negócio que justifique. Sabe, com essa providência, esse serviço que é de suma importância – diga-se de passagem, acaba sendo o que deixa mais lucro e portanto não pode, de maneira nenhuma, ser desprezado.
Depois dessa explicação, o pai e o filho, continuam “vistoriando” o arraial que, para cada atividade de lazer de adultos e crianças há no mínimo, duas bancas de jogo. Esse quadro ia martelando violentamente a inteligência madura do pai e a do filho que, em formação, ia produzindo bom resultado.
De repente, os dois pararam e falaram praticamente juntos – Será que o jogo é tradição na festa do Círio?
Ao mesmo tempo, os dois pararam e o filho, mais afoito tomou a iniciativa de continuar o raciocínio. – Pai, dessa maneira não há tradição que aguente, pois o caso não será o local ou outra qualquer coisa, o caso é ambiente para jogo de azar ou de mais azar.
- Calma, filho. Sei que esse é um problema que vem de muito mas que, certamente, as autoridades, principalmente as diretas, já estão tomando as providências para evitar que no próximo ano, durante a festa de São José, as coisas sejam diferentes e que, realmente as tradições voltem à praça pis. As tradições não estão nestes jogos que tomaram conta do arraial.
- É, isso é verdade. O senhor é que tem muita razão. Mas arrisco: o jogo não é tradição.
07/11/84
NO RESTAURANTE
Era um belo domingo de novembro, o pai e o filho se juntaram à mãe – do filho – para juntos almoçarem num dos restaurantes da cidade e comemorar o recebimento do primeiro dinheiro vindo do “escritório” que o pai havia montado para trabalhar por conta própria. Também era uma oportunidade para, os três, em conjunto analisarem a situação atual da vida, do Amapá e do País. Afinal de contas, muito embora não possa influir na situação, é indiscutível o direito que têm o pai, o filho e a mãe em discutirem os problemas que quiserem.
Logo que entraram no restaurante, observaram que poucos fregueses àquela hora, e que poderia ser a de maior procura, estavam fazendo refeição, para ser mais exato, um casal com duas crianças que pareciam ser seus filhos, um senhor de uma idade avançada sozinho numa mesa e mais dois jovens numa outra mesa, eram a clientela daquele domingo ao meio-dia e meio mais ou menos.
Procuraram um lugar mais conveniente, – sempre se quer um lugar conveniente – o pai e o filho logo foram apontando para a mãe um local onde estavam arrumando a mesa, a cadeira e também, o carrinho de apoio. Sentaram, depois de gentilmente o pai puxar a cadeira para a mãe e sentiram imediatamente a aproximação de um garçom que, sem qualquer delonga, inquiriu os três e apresentou o cardápio fazendo ao mesmo tempo, a sugestão:
- Para hoje, temos feijoada completa e está uma delícia.
- O quê? Feijoada? O que o senhor acha, pai? E a senhora, mãe? – O pai mais afoito foi logo dizendo: Tá bom. Mas a mãe, bem preferiu perguntar:
- Moço, o que é que tem nesta feijoada?
- Ora, feijão e seus ingredientes.
- Só?! – Ficou a mãe com uma cara de interrogação e admiração que levou o garçom a fazer uma cara de riso e mostrar que não tinha os dentes da frente.
- Não, madame, não é bem assim. Acompanha a feijoada arroz, farofa...
- E o que mais?
- Bem... Só.
- Não tem couve? Não tem melancia? Não tem...
- Tá bom, mãe, couve e melancia é demais, não achas, pai?
- É, mas a tua mãe é quem sabe.
- Eu não vou querer essa feijoada. – afirmou a mãe, olhando sério na cara do garçom que já sem muita graça ficou pronto para perguntar: “Então, o que é que vai ser?”. Mas a mãe não deu chance, logo no primeiro lance foi interpelando: “deixa a feijoada e traz... O que é mesmo que vamos beber?” – Olhou a mãe para a cara do filho e mais demoradamente para a do pai que desde a parada fiscal da SUNAB não tinha mais bebido cerveja.
- Eu prefiro um refrigerante. – Adiantou o filho.
- Para mim, traz uma cervejinha, ok?
- Pois para mim, traz um suco de tomate. – Afirmando assim, a mãe pediu para o garçom ir logo buscar o pedido enquanto ficavam com o “menu” para escolher o que comer.
- Minha Nossa Senhora! Como pode, olha só o preço da carne. E do frango então. Isso está demais caro. – O pai e o filho já faziam muito tempo que não iam a um restaurante e junto com a mãe então, nem se lembram mais. Ah! Foi aos cinco anos do filho. Lembrou o pai cortando uma das observações da mãe.
- Mas como subiu... É por isso que todos estão reclamando da situação e há os que já deixaram a situação de lado, pois ela está sem-vergonha.
Finalmente, depois de muitos reclames admirados e uma seleção criteriosa do pedido do pai, do filho e da mãe, chegaram a um acordo com os pedidos e chamaram o garçom: “traz esse pedido o mais rápido possível. Sabe como é, está passando o ‘Show do Esporte’ e eu não posso perder.” – Era o pai procurando motivar o garçom. Por outro lado, a mãe garantiu que gostaria do Vídeo Show e o filho, bem via pouco televisão.
Lá vai o garçom e depois de mais de meia hora chega os pedidos: todos ao contrário do que tinham, casa um imaginando. Mas a essa altura, a fome já era muito grande que nem forças para discutir qualquer assunto tinham e começaram então, a comer o que tinha vindo com o mesmo ânimo de como tivesse vindo o que tinham pensado que vinha.
Passado o primeiro momento, quando todos permaneceram calados e comendo, já com a “primeira” fome morta, mas ainda com menos da metade do caminho percorrido, o filho pergunta àmãe: “Como é, a senhora vai outra vez ao Círio hoje?”
- Vou, meu filho. A procissão é às seis horas da tarde e tenho que ir.
- Mas a senhora já não acompanhou o Círio de Nazaré em Belém?
- Já. E o que é que tem? Quanto mais vezes tivermos oportunidade de estar perto do Salvador, devemos aproveitar. E essa é uma oportunidade.
- A senhora prefere o Círio de Macapá ao mesmo tempo que o de Belém ou assim depois o de Belém fica melhor?
- Não tem muita diferença e os padres estão achando que foi muito bom, sabe. Consideram que apenas o pessoal do interior que perdeu um pouco, pois não estavam preparados pra modificação.
- Ora! Como não tem diferença? Todos reclamaram... – O filho então apressou-se em falar antes da mãe responder à observação do pai: 
- Se não tem diferença e se foi muito bom, por que será que os padres não marcam, definitivamente, o Círio para o mês de novembro?
- Bem, meu filho, talvez isso não tenha passado pela cabeça dos homens que cuidam do Círio de Nazaré e é provável que o Círio de 1985 volte mesmo para Outubro. Parece que ficou muito deslocado e fora de tempos, pois faria a tradição de sempre o Círio de Nazaré em Macapá. Mas, segundo os organizadores, foi bom também.
- Ora, se foi bom, deverão esses organizadores, marcarem a data para o próximo Círio em novembro. Se assim fizeram, aí eu acredito que foi bom – concluiu o filho.
Já no final pegando a conta, uma pergunta do filho para o garçom: “Se você marcasse a data do Círio de Nazaré em Macapá, que data você marcaria?”.
- Ora! E não é em Outubro que é o Círio de Nazaré...
14/11/84
NA EXPOSIÇÃO
Depois de uma leitura nos jornais locais, o pai resolveu atender a um apelo que estava num desses jornais, comparecer à II Feira do Centro Interescolar de Macapá. A primeira medida foi convocar o filho para que juntos realizassem a visita.
Apesar da primeira negativa do filho, o pai não perdeu as esperanças de levar o pródigo com ele que estava classificado como “uma das melhores inteligências do Amapá”. O filho estava se negando a acompanhar o pai por considerar o trabalho do Centro Interescolar não muito expressivo e também por ser concorrente direto – Colégio Amapaense – do TETA, colégio a qual o filho aprendeu a gostar das dificuldades e facilidades, muito embora, reconheça que agora a facilidade está ganhando.
Para não contrariar o pai, o filho se encontrava no portão do estabelecimento para iniciar a visita que tanto o pai queria ver. Entraram e foram diretamente para os painéis que estavam nas salas. Primeiro, tinham combinado – por exigência do filho – dariam uma geral na Exposição e depois se deteriam naquele que mais chamasse atenção. Detalhe: não haveria comentários sobre qualquer assunto que fosse nessa fase.
Depois da geral, quando o pai encontrava-se admirado e o filho não entendia. Mas o pai sorria, retorcia o nariz, abria a boca, olhava, pesquisava autores do trabalho, estava encucando o filho que não conseguia ter a sua atenção chamada para qualquer trabalho a não ser para um desenho de um órgão sexual que estava em umas das salas servindo de gracejo para alunos e alunas que ali viam o “espectro”.
Depois dessa primeira fase, o pai e o filho deveriam o silêncio e passar para os comentários. O filho vai logo avisando que não tinha comentário a não ser um que pediria explicação do pai exatamente pelas diversas maneiras como se manifestou quando estava na visita geral.
O pai procurou explicar:
- Olha, filho, na verdade, não encontrei nada de novidade e parece que o trabalho que dá para realizar esse evento não recompensa o que fica para os alunos e muito menos para os visitantes. Não acrescentei qualquer coisa a minha cultura, a não ser o nível da exposição.
- O que foi o nível? – Perguntou o filho.
- Olha, para dizer a verdade, bem, eu prefiro não dizer, porque vai contrariar os professores que nada tiveram a ver com isso tudo.
- Não tiveram?
- É claro, fizeram o que puderam. – continuou – Olha, filho, eu queria vir exatamente para ter uma ideia e também, porque é só um dia.
- Um dia?!
- Não é só uma semana?
- Não, não é. É uma semana.
- Uma semana?
- Corretamente.
- Puxa, assim é demais. Quero ver quem vai ter saco para aguentar. Agora como é que pode, se alunos estão em plena fase de preparação para avaliação de 4º bimestre e terão que ficar na exposição durante uma semana e assistindo aula e estudando para provas que deverão ser fortes, pois vai ter muito a ver com a matéria da exposição.
- Que nada, pai. Não vai ter aula e nem provas finais.
- Como? – Interferia o pai com um ar espantando e boquiaberto.
- É. Os alunos não terão aulas durante uma semana e nem haverá provas. Todos vão receber quarenta pontos do bimestre praticamente estarão passados.
- Não é possível!
- Não é possível quando se trata de uma desmoralização para o estudante e para o ensino do professor.
Desta vez não descordaram pai e filho e tudo ficou por conta do pasmo do pai que ainda incrédulo, procurava raciocinar...
- Como pode, filho, se falar em Educação séria, se acontece isso. Quem terá dado essa ideia? Será que foi a Secretaria de Educação? 
- Não sei, não, pai, acho que eles devem saber, pois não é possível. – continuou – Agora o principal responsável é o Diretor do Estabelecimento. Ou melhor, os diretores, pois tanto o do Colégio Amapaense como o do Tiradentes está consciente dessa situação.
- Então são três?
- Mas nisso tudo há uma confusão dos diabos. O diretor do Centro Interescolar é mal-de-morte com o diretor do Colégio Amapaense por causa de desentendimento.
- Eh! Então o negócio está feio.
- É, pai, está feio. Vamos embora.
Na saída um rapaz, com uma camisa “tomara que encha”, bate nas costas do pai e faz uma pergunta fazendo um trajeto esquisito. – Como é, gostou?
O pai sem ligar muito para o sujeito, comentou: “parece bicha..”
- É um professor daqui e o pessoal diz que não, só parece...
18/11/84
VENDO A FINAL
Depois de uma semana de trabalho com pouco dinheiro na reserva, mas com algum trabalho para realizar, o pai e o filho resolvem fazer um lazer diferente: ver a partida de futebol que pode decidir o campeonato de 1984.
Depois de escolher a camisa e a calça nas cores de cada qual, considerando as preferências: O pai é Oratório e o filho gosta mais do MV 13 até agora não sabem exatamente porque - essa coisa do futebol - e, portanto com um descaso muito grande de torcer, tanto com um descaso muito grande de torcer, os dois saem cedo para o estádio para evitar as confusões em filas, pegar um bom lugar e conseguir ter os privilégios dos que chegam primeiro. Afinal, tinham visto no rádio de que só um dos litigantes na partida, levaria duas facções muito decididas e que, portanto segundo palavras dos próprios organizadores das torcidas deveriam lotar e colorir o Glicerão.
Na chegada, a primeira surpresa:
- Acho que não é nesse estádio, pai. Não tem ninguém... – Era o filho observando que às sete e meia da noite, o bilheteiro começava a se arrumar para vender os ingressos.
- Me dá duas entradas.
- Ok. – Respondeu o bilheteiro rasgando os passes e entregando ao pai que imediatamente lhe passava duas notas de cinco mil.
- Não, não é tudo isso. – O bilheteiro devolvia uma das notas de cinco e ficava com a outra.
- Barato, filho. – Comentou o pai e foi se retirando quando ouviu: “Ei, moço, tome seu troco” – o bilheteiro balançava um barão na direção do pai.
- Vem cá. Quanto é a entrada desse jogo?
- Dois mil.
- Dois mil?!
- Sim, dois mil.
- Não sei, não, filho. Já comecei a ficar de orelha em pé, sabe que futebol por esse preço... Sei não, sei não...
- Olha, pai, aquele é igual o senhor.
- Como? Não joga bola?
- Não, pai, a sua careca e sua barriga.
No campo de jogo, estava acontecendo uma partida de veteranos entre os dois clubes que deveriam fazer a preliminar. Ainda estava 0x0 mas era um bom jogo para a idade.
Sentaram, olharam: para a direita e para a esquerda e conferiram: onze pessoas para o lado direito e quatro para o lado esquerdo, com dois – paie filho – dezessete torcedores.
- Talvez o jogo não seja hoje!
- Não, é sim. Eu ouvi no rádio. É hoje, sim.
Finalmente, terminou o jogo de veteranos 4x2 para o preto e branco.
Não demora entram em campo os jogadores que deveriam fazer a partida de fundos e o filho muito esperto, logo observa.
- Por que, pai, entraram todos os jogadores de branco no campo. Será que vai ter uma festa religiosa? Será que é pedindo paz?
- Não sei, não, filho. Eu também não estou entendendo nada.
- Veja, pai. Estão criando problema. O homem de preto não vai começar o jogo enquanto não tiver com uma camisa diferente do outro. Tá tudo igual. Vamos chegar ali perto daquele senhor para ouvir no rádio o que está passando.
Já perto do radinho de pilha, o pai e o filho ouviram: “Isso me dá um tic-tic nervoso, tic-tic nervoso”.
- Não estão dizendo nada, não. Mas o rapaz lá no campo está dizendo “corta, corta”...
Depois de algum tempo deu para observar que já tinha som do estádio e aí o locutor afirmava: “Não é possível isso, primeiro foi a troca de camisa e agora dinheiro correndo aqui na banca do representante. A Federação...”
- Oba! Oba! Dinheiro, pai! Vai ver que vão distribuir dinheiro.
- E atenção! A Polícia acaba de prender 480 mil cruzeiros que tinham sido para que dois jogadores fizessem corpo-duro no jogo. Isso não pode, é contra a Lei e blá blá blá...
- O que é corpo-duro, pai?
- Taí uma nova. Não sei o que é corpo-duro, mas por uma comparação com o termo corpo-mole, pode ser que corpo-duro seja...
- Taí, pai, mas uma do futebol. Fazer corpo-duro...
Enquanto o pai e o filho conversavam aconteciam reuniões dentro, fora, do lado na ilharga e em todos os lugares. Reuniam-se jogadores, dirigentes com dirigentes, dirigentes com árbitros e polícia e todo mundo falava e o jogo não começava. E haja providências a serem tomadas. Até que finalmente, os times se arrumam para fazer o jogo.
Depois de um primeiro tempo com poucas emoções, principalmente, pela falta de quem se emocionasse, inicia-se o segundo tempo.
- Acho que os técnicos mexeram nos times. Vamos ver?
- Não, pai, são os mesmos jogadores. Veja pelos números nas camisas.
- É, eles estão gostando... Não sei, não...
Até que sai um gol do time que tinha ficado com a camisa branca e quando todos esperavam aquela danceteria do homem que fez o gol – como faz na televisão – o que se viu foi um jogador do time de azul correndo atrás do árbitro do jogo que “abriu” mostrando as travas da chuteira para todo mundo.
Na saída, um comentário do filho:
- Será que todo tempo é assim, pai?
- Confuso, não é, filho?
21/11/84
NA PRAÇA
Depois de muito trabalhar num dia dessa semana o pai e o filho resolveram fazer uma saída diferente. A noite estava maravilhosa e então resolveram dar uma chegadinha em uma das muitas praças de Macapá.
Logo que chegaram, passavam poucos minutos das sete da noite, e a lua já estava a meio caminho para se puser. Poucas crianças e muitos marmanjos fazendo e aquecendo nos diversos equipamentos. Aliás, que uma coisas interessantes estavam acontecendo: basquete na quadra de futebol de salão e salão na quadra de vôlei. Uma situação estranha e que bem representa a forma como os jovens encaram as coisas organizadas.
- Pai, lá na escola onde estudo, tem uma quadra e só é usada para ensaio de banda na época da disputa, tô vendo a sua cara de admiração por estar aqui tudo trocado, por isso já adianto: não é diferente que lá na escola.
- É, eu também já vi que tem uma quadra num colégio que está coberta de capim e o Diretor do Colégio alega que os professores reclamam da barulheira, pois a quadra fica debaixo das salas de aula e por isso não aconselha a recuperação e tão pouco incentiva a utilização da quadra para prática do esporte.
Enquanto falavam, observavam uma animada partida de futebol que se desenrolava em um dos campos de areia e, de repente... Bimba! Uma bola acertou a cara do pai que sentado na grama – estava perto do gramado – ficou vendo estrelas por uns segundos.
- Cuidado, pai! Não lhe avisei, porque pensei que o senhor sabia que poderia pegar bolada e por isso não falei nada.
O pai já esfregando seguidas vezes o rosto que estava vermelho, de pé, chegava a balbuciar um nome que não pode ser escrito aqui, observava que a bola era pesada demais e não podia esperar que fosse logo lhe acertar.
- Agora eles não me pegam mais! – Afirmou o pai, fazendo uma clara alusão a sai nova posição: estava atrás de um dos postes da CEA que iluminava a praça.
- Tá bom, pai. É assim mesmo. O mal do brasileiro é exatamente este: Só fecha a porta quando está arrombada.
- Não faz mal, agora estou seguro e posso ver todos os acontecimentos desse lugar apesar da bolada e do pouco caso do que chutou a bola, estou gostando do ambiente, muito animado e com muita gente. Acho que até a praça está cumprindo com a sua finalidade, ocupando os jovens que precisam fazer esportes no lugar de caminhar para marginalidade.
Era uma observação que estava coincidido com o noticiário do dia anterior quando foi citado isso a propósito de uma rebelião de presidiários.
- Olha! Olha! Uma fila indiana ali.
- Onde? – perguntou o pai.
- Ali. - apontando com o indicador que estava cortado e com a gaze branca em todo seu perímetro central.
- Não consigo ver...
- Ali, pai, será possível. Todos aqueles cães vira-latas andando em fila, puxados por uma cadela que parece estar usando um perfume muito especial no corpo, pois todos querem cheirá-la.
- Ah sim, agora. Eu pensava que a fila era de gente para comprar pipocas, mas estava vendo o pipoqueiro sozinho e não conseguia sintonizar nada.
- Pois é. Não é interessante?
- É, filho. Interessante pode ser mas que é insaudável, é. Já ouvi dizer que cocô de cachorro na grama ou na areia é um grande transmissor de uma série de doenças e por isso entendo que as autoridades deveriam tomar um pouco de providência para acabar com os cachorros na praça. Olha, nas praças do Rio de Janeiro é proibido isso.
- Parece que por aqui não é. Também esses cachorros não tem donos e por isso, estão soltos colocando em perigo a saúde dos que vêm a praça.
- Bem aí a coisa já fica diferente, pois, se por um lado está bem pela utilização da praça, por outro está ruim pelos detritos deixados pelos cachorros. Mas é bom a gente avisar a vigilância, para providenciar a saída desses bichos daqui.
- Seu guarda! Dá uma atenção aqui. – E lá veio o guarda, sempre olhando para trás, no rumo de um equipamento que mesmo sem ter ninguém, era motivo de preocupação do vigilante.
- Sim. – falou o vigilante atencioso e solicito.
- Seu guarda. Não dá para o senhor espantar esses cachorros daqui. Olhe ali, não mais de trinta e isso pode provocar uma contaminação da praça e colocar em riso a saúde dessa gente que está na praça.
- Larga disso, moço. Não tenho tempo nem para reparar os marmanjos que estão esperando uma oportunidade e um descuido nosso, para destruir os brinquedos das crianças.
- Não é possível.
- É sim. Muito possível. Já por várias vezes peguei esses malandros, mas eles não criam vergonha. Ei! Sai daí, seu moleque. Não vê que esse brinquedo não é para você, seu... seu...
E lá foi o guarda, correndo e ficaram na cabeça do pai e do filho uma grande preocupação e nos pés dos brincantes, um sujo fedorento...
25/11/84
NO SUPERMERCADO
Era um sábado e com pouco trabalho no escritório, afinal de contas, esta história de facilidades para microempresas está colocando todos os clientes em potencial com uma desconfiança que está afastando os pedidos na certeza de que são muitas as facilidades que os microempresários terão para trabalhar em 85.
Sem prever essa situação, o pai começa a sentir os efeitos da mudança politica de tratamento. E nessa política os escritórios de escrituração terão que buscar novos caminhos, aliás, caminhos, que na opinião dos economistas é bem amplo e com alternativas e permitem a continuação de todas as suas possibilidades econômicas.
Bem, nesse sábado, o pai e o filho, que estavamde folga, praticamente, foram ao supermercado mais próximo.
Logo na entrada, observaram um rapaz de camisa já aberta que, agachadinho como um sapo, manuseava um aparelho com semelhança a um revólver.
- Pai, será que aquele rapaz está matando baratas?
- Não sei, filho, parece que está com muito cuidado e não deve ser só uma barata o seu alvo.
- Vamos ver o que ele está fazendo?
- Deixa de querer meter o nariz onde não é chamado. Esse costume tem levado a muita gente para a malquerença.
- O que é malquerença?
- Oh! Filho parece que tu não estudas. Malquerença é mesmo que mal querer, isto é, antipatia, afastamento e outras coisas equivalentes.
- Ah sim. – suspirou o filho que não tirava o olhar do rapaz que abaixado continuava fazendo um tec-tec que chegava a irritar os que estavam mais perto.
- Epa! Epa! – Era o pai exclamando assustado contra os preços que acabava de ver marcado nas papeletas novinhas, novinhas.
- O que é, pai?
- Não pode ser, filho. Ainda ontem o preço desse pacote era mil e quinhentos cruzeiros e agora está dois mil e duzentos cruzeiros. Isso é um roubo. Tá vendo esse risquinho aqui, pois é, fui eu que fiz essa marca exatamente para não ter que escolher de novo a mercadoria, mas olhe aqui: está escrito mil e quinhentos e eu tenho certeza que era o preço que estava ontem e nesse mesmo pacote. – O pai tinha puxado um caderninho com a data do dia anterior e numa página estava constatado, o levantamento de sexta-feira e que, realmente, apresentava o dito pacote com o valor de mil e quinhentos cruzeiros.
- Vou reclamar! Não sei para quem, mas eu vou reclamar.
- Devia ser para a SUNAB, ou não? – Interroga o pai olhando para o outro freguês a qual acariciava um pacote de macarrão e ao mesmo tempo apalpava o bolso e fazia uma negativa com a cabeça.
- Não sei, meu amigo. Eu também estou sem saber, acho que a SUNAB só fiscaliza a cerveja. Mas eu não bebo cerveja e então não serve de nada. Aliás, nunca serviu...
O pai casa vez mais nervoso, acompanhava a lista que tinha feito e sentia que tudo que havia anotado já tinha mudado de preço, o alho, o vinagre, sabão, óleo, etc.
O pai que também tinha planejado ir a feira domingo, já começava a medida a qual enchia o carrinho a imaginar que teria que deixar a feira de domingo de lado, pois não sobraria dinheiro.
O filho que acompanhava todo o drama do pai, já se restringia e entendia o porquê do pai não ter comprado pilha para um rádio que tinha emprestado de uma tia para ouvir músicas de uma fita que carregava para onde ia.
Já depois de muito andar no supermercado, com o carrinho com a metade das compras que havia feito no início do mês, o pai resolveu caminhar para a caixa utilizando o corredor onde o rapaz de camisa aberta continuava atirando no que imaginava ser um toco de baratas, pois não ficava em um só lugar, mas fazia com muita atenção.
Mas uma vez o filho chamou atenção do pai:
- Veja, pai, o rapaz continua a atirar...
- É mesmo, vai ver que deve ter muito inseto e isso é com parra prevenir contra essas imundices que sempre estão nos supermercados a saúde da gente.
- É isso mesmo. – concorda o pai.
- Pai, leva mais um pacotinho dessa bolacha. 
- Pega lá – apontou o pai para um setor que estava próximo do homem que continuava atirando.
- Pai, o homem não está atirando nas baratas, e sim no nosso dinheiro. Está remarcando os preços, acho melhor a gente correr daqui. Deixe tudo. Vamos embora.
E lá se foram o pai e o filho correndo dos tiros do rapaz, que ficou assustado e não entendeu nada...
07/12/84
RECEBI UMA CARTA
Desde a semana passada que o pai e o filho – juntamente com a mãe – estão em Belém aproveitando o sorteio (?) que deu ao pai uma passagem MCP/BEL, BEL/MCP e que propiciou a formação de um crediário numa companhia local – aviação, é claro – para conseguir as duas outras passagens para o filho e a mãe.
Pois bem, mesmo descansando na capital das mangueiras, o pai e o filho são chamados para opinar sobre determinados assuntos, alguns relacionados ao Amapá. Feita a consulta através de uma carta muito bem escrita e que foi dirigida ao filho e ao pai nos seguintes termos: “Macapá, 15 de dezembro de 1984...”. Esse preambulo serviu para alertar o pai sobre um possível problema numa das firmas que tinha acertado preliminarmente para a partir de janeiro, tomar conta da escrituração. O alerta, entretanto, de nada serviu, logo em seguida, o pai descobria que seu pensamento formado de forma apresentada nada tinha a ver com a carta que, depois de identificar o pai e o filho como suas pessoas interessadas em problemas de importância a comunidade frisou: “Não sei, não, mas aqui em Macapá, ninguém comemorou o dia do Engenheiro e do Arquiteto, queria perguntar para o pai se aí em Belém também foi assim, passou em branco. Aqui todos acharam muito estanho, mas ninguém quis ter uma participação direta na responsabilidade, muito embora, o Secretário de Obras seja Engenheiro, mas também até o dia 19, este ano não foi comemorado...”
O pai depois de ler essa parte da carta comentou com o filho afirmando: 
 - E tu que pensavas que em Macapá estaria acontecendo uma supimpa festa dos profissionais de Engenharia e Arquitetura? Quebraste a cara.
- Não sei, não, pai. – falou o filho – Mas todos os anos, o dia do engenheiro era muito comemorado e agora... Não entendo mais nada.
- Pois é. Vai ver que eles esqueceram o dia deles, coisa que é difícil de acreditar, mas possível.
- Como é difícil, pai. Em Macapá, acontece casa coisa...
O pai resolveu continuar a leitura da carta...
“Quero também dizer para você...” Era uma carta que tinha leitura continuada “... que a fiscalização da SUNAB agora está muito atenta... para não fiscalizar onde tem branquinha e a cervejinha para tomar como a ‘cortesia compulsória’ as demais coisas não são fiscalizadas como a carne e os gêneros de 1ª necessidade de modo geral e toda a subida, indiscriminada que acontece no custo de vida. Estamos preocupados para saber se é aqui só que está acontecendo isso...”
O pai olhou para o filho com ar de desconfiança e logo foi comentando:
- Aqueles rapazes continuam os mesmo. Olha, tem uma que tem nome de bicho orelhudo, é filhento que vou te contar.
- Como é isso, pai? Explique...
- Não é preciso explicar, basta entender o espirito da coisa, pois os camaradinhas ali são de morte mesmo. São tão de morte que entendem que não devem pagar a cerveja que bebem e a comida que comem. Olha, outro dia...
- Para, pai. Já estou ficando com raiva dos caras só por causa disso e o senhor vem me contar um fato assim, é demais...
- Que demais, filho. O demais é eles não fiscalizarem o que devem fiscalizar. Quando eu responder a carta para este interessado de Macapá, vou dizer para ele que aqui a fiscalização é muito diferente, se não é feita em cima dos ricos, dos pobre-diabos é que não é, mas mesmo assim sempre são contidas as aberrações existentes nas feiras e nos supermercados sempre procurando um atendimento entre os problemas que vão afetar diretamente o bolso do consumidor. Já pensou se fossem iguais aos de Macapá...
- Que azar que a gente tem. Esses caras que vem de fora...
- Que nada, filho. São de lá mesmo.
- Não é possível.
- É sim, e tem mais, são arrogantes, assim para encobrir a competência deles.
- Só pode ser... a propósito desse assunto, a minha professora do IETA – já estava com saudade do IETA – falou que todos os incompetentes procuram encobrir as suas falhas através de arbitrariedade e de utilização de uma prerrogativa que não tem.
- Mas se não tem, sabe ao mandante das ordens, então corrigir a situação o que não pode é ficar assim com os comerciantes sendo perseguidos por fiscais de um órgão que tem responsabilidade de zelar pelo bem-estar, e de todos.
- Mas é falta de preparo?
- Bem, isso é mais uma realidade, mas também não é por isso que pode sair por aí a fazer arbitrariedades que muito antes de serem ilegais, são imorais.
- Isso é uma verdade, aliás que imoralidade, uma questão de caráter, ou melhor falta de caráter

Outros materiais