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Capítulo 2 Citricultura brasileira: aspectos econômicos Margarete Boteon e Evaristo Marzabal Neves CITROS20 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 21 Foto da página anterior: Pomar de laranja Valência na região central do Estado de São Paulo (SP) (Centro APTA Citros Sylvio Moreira/ IAC) CITROS20 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 21 1 Brasil: maior produtor mundial de laranja Como o Brasil se tornou o maior produtor mundial de laranja? A história da citricultura bra- sileira confunde-se com a da nossa colonização, iniciando com os portugueses que vieram habitar a nova terra em meados do século XVI. Ao se rever a história, conclui-se que, por mais avassaladora que seja uma doença ou por pior resultado eco- nômico obtido, sempre houve uma saída, graças aos esforços técnico e comercial dos agentes da citricultura brasileira. O potencial citrícola1 ficou adormecido por cer- ca de 400 anos no Brasil. Somente no século XX, começou o plantio de citros em larga escala, esti- mulado pela crise do café no final da década de 1920. Os principais mercados e pólos produtores, no começo do século passado, eram São Paulo e Rio de Janeiro. Nas terras paulistas, a citricultura iniciou, comercialmente, nas mãos de descenden- tes italianos, enquanto os portugueses eram os principais empreendedores no Rio de Janeiro. Ou- tros Estados também desenvolveram estruturas de produção e comercialização nesse período, porém em menor escala. Desde o início da sua fase comercial, a citricul- tura paulista e a carioca já eram planejadas para atender ao mercado externo, ainda que esse canal representasse apenas 15% da produção nacional na década de 1920. A partir de 1926, iniciaram- se as exportações para a Europa, antes concentra- das para a Argentina. Pelas estatísticas, o Brasil era o quinto maior produtor mundial na década de 1920, superado pelos Estados Unidos, Espa- nha, Japão e Itália. Quanto ao volume exportado, figurava entre os nove maiores. Com a decadência do café na década de 1930, o setor citrícola acabou desenvolvendo-se mais em São Paulo. O ano de 1939 foi um marco importante para a citricultura brasileira, especial- mente para a paulista. A exportação bateu um re- corde ainda não ultrapassado: 197 mil toneladas de laranja. O crescimento do mercado externo foi inter- rompido com a Segunda Guerra Mundial (1939- 1945), que causou a primeira crise de preços do setor. Os principais mercados importadores europeus cortaram os pedidos e as sobras internas foram grandes. A produção brasileira havia pas- sado de 12 milhões de caixas de 40,8 kg em 1930 para 36 milhões em 1940. A falta de mercado desanimou os produtores, especialmente os paulistas, que reduziram os tra- tos culturais. Além da disseminação de doenças conhecidas, surgiu uma nova, a tristeza. Esse mal, caracterizado posteriormente como uma doença causada pelo vírus da tristeza dos citros, aliado ao abandono da cultura em vista dos baixos preços, favoreceram a redução drástica da área de citros na década de 1940. A saída contra a tristeza foi a descoberta, na mesma década, de porta-enxertos tolerantes a essa doença, entre os quais o limão Cravo, por pesquisadores do Instituto Agronômico e do Instituto Biológico. Superado o desafio da tristeza, surge nos anos cinqüentas outro inimigo, o cancro cítrico, que só veio a ter um controle mais efetivo a partir da década de 1970, com a criação do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). A citricultura carioca, por outro lado, não con- seguiu sair da crise causada pela Segunda Guerra Mundial. Para piorar o quadro, surgem a mosca- do-mediterrâneo e outras doenças. Paralelamente, a área rural foi reduzida com o loteamento urbano da região fomentado pelo processo de industriali- zação da baixada fluminense. O ressurgimento da citricultura paulista acon- tece na década de 1960. Esse período é o divi- sor de águas no perfil da citricultura brasileira, mudando o foco comercial de fruta fresca para a produção de matéria-prima voltada à indús- tria, consolidando São Paulo como o maior pólo citrícola nacional e mundial (Tabela 1). O início do desenvolvimento do parque industrial paulista foi alavancado pela falta de matéria-prima nos Estados Unidos, em decorrência das geadas na Flórida. Graças às condições naturais do Brasil, aliadas à existência de empreendedores nacio- nais que souberam aproveitar essa oportunidade, o País, em 1965, já exportava mais de 5.000 toneladas de suco. Em 1966, as vendas estavam consolidadas e os embarques, desde então, não pararam de crescer (Tabela 2). A indústria processadora foi impulsionada também pela legislação criada no Brasil para beneficiar as exportações por meio de incentivos 1 A evolução da citricultura brasileira, bem como as estatísticas de produção e exportação entre os anos de 1920 e 1966, baseiam-se em Hasse (1987). Registros sobre a evolução da citricultura carioca foram obtidos em Soares (1952). CITROS22 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 23 Tabela 1 Produção mundial de laranja e participação brasileira e norte-americana - 1961 a 2004 Ano Mundo Brasil EUA Brasil EUA t % total mundial 1961 15.946.492 1.761.768 4.583.450 11 29 1965 18.768.619 2.285.524 4.698.890 12 25 1970 24.922.858 3.099.440 7.278.428 12 29 1975 32.289.706 6.313.171 9.294.059 20 29 1980 40.004.524 10.891.814 10.733.810 27 27 1985 40.865.354 14.214.307 6.095.000 35 15 1986 42.220.423 13.233.370 6.782.000 31 16 1987 43.780.282 14.611.100 6.982.000 33 16 1988 46.029.077 14.975.260 7.757.000 33 17 1989 50.860.257 17.773.580 8.118.000 35 16 1990 49.651.159 17.520.520 7.026.000 35 14 1991 51.836.037 18.936.344 7.120.000 37 14 1992 54.208.546 19.682.292 8.082.000 36 15 1993 55.476.226 18.797.188 9.972.000 34 18 1994 54.720.187 17.445.968 9.370.000 32 17 1995 59.302.944 19.837.212 10.371.000 33 17 1996 61.295.423 21.079.044 10.366.000 34 17 1997 65.639.428 23.046.800 11.514.000 35 17 1998 62.298.698 20.850.504 12.401.000 33 20 1999 62.316.698 22.893.312 8.912.180 36 14 2000 64.249.220 21.330.258 11.790.680 32 18 2001 60.282.774 16.983.248 11.086.700 28 18 2002 61.644.115 18.530.624 11.225.500 30 18 2003 60.740.954 16.902.600 10.473.450 28 17 2004 63.039.736 18.262.632 11.729.900 29 19 Fonte FAO (2005) fiscais. A partir da década de 1980, o Brasil se consolidou também como o maior produtor mun- dial de suco de laranja. O custo de produção competitivo, a pesquisa de ponta, o produto de excelente qualidade e ainda uma logística muito eficiente de distribuição tornaram a citricultura paulista um negócio viável mesmo com a recupe- ração dos pomares da Flórida. Da instalação das plantas industriais até hoje, o foco principal da citricultura paulista é a produção de suco destina- do ao mercado externo. 1.1 Os altos e baixos da citricultura paulista2 O comércio externo de suco sempre foi um ne- gócio para poucos. Em 1970, a Citrosuco Paulista S.A. e a Sucocítrico Cutrale Ltda. já representavam 63% da capacidade instalada em São Paulo, segundo Maia (1992), com essas duas empresas mantendo a liderança até hoje. Nossos principais compradores também são poucos países. Até o final da década de 1980, 2 Os dados de preços em dólar são deflacionados pelo CPI norte-americano para valores de dezembro de 2003. Todas as estatísticas mencionadas nesta seção referem-se às Tabelas 1 e 2 e a Figura 1. CITROS22 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 23 Tabela 2 Exportação mundial e brasileira de suco de laranja concentrado e participação brasileira no comér- cio externo - 1961 a 2003 Ano Mundo Brasil Brasil t % total mundial 1961 35.904 0 0 1965 38.229 5.760 15 1970 88.775 33.468 38 1975 262.619 180.897 69 1980 555.207 401.02672 1985 660.922 484.782 73 1990 1.252.966 953.969 76 1991 1.170.711 913.738 78 1992 1.235.797 972.428 79 1993 1.454.001 1.165.350 80 1994 1.430.866 1.146.920 80 1995 1.218.276 961.193 79 1996 1.402.732 1.182.240 84 1997 1.416.105 1.179.570 83 1998 1.470.654 1.227.870 83 1999 1.402.663 1.168.140 83 2000 1.518.812 1.224.460 81 2001 1.650.346 1.348.190 82 2002 1.737.203 1.176.265 68 2003 1.725.400 1.347.226 78 Fonte FAO (2005); Abecitrus (2005) os Estados Unidos eram o maior comprador do suco de laranja brasileiro e, a partir da década de 1990, a União Européia passou a ocupar essa posição. Poucos vendedores e compradores tornam a citricultura nacional bastante vulnerável às osci- lações internacionais de demanda ou de oferta, gerando uma elevada volatilidade de preços do suco no mercado externo e também para o produ- tor nacional (Figura 1). Por se tratar de uma cultura perene, o ajuste de oferta e de preços não ocorre de uma safra para outra. A duração de um ciclo de preços baixos leva de três a cinco anos. Nas décadas de 1970 e 1980, atribuíram-se as alterações das cotações na indústria paulista e no mercado internacional do suco às oscilações da demanda norte-americana pelo suco brasileiro (Figura 1). As altas internacionais estavam rela- cionadas aos prejuízos com geadas na Flórida, impulsionando as vendas brasileiras de suco para aquele mercado. Em 1975, o Brasil participava com 20% da produção mundial de laranjas (6 milhões de toneladas) e com 69% do suco de laranja concen- trado e congelado comercializado no mundo (181 mil toneladas). Naquele ano, o suco de laranja na Bolsa de Nova Iorque era cotado a US$ 2.600,00 por tonelada, enquanto o produtor paulista recebia da indústria US$ 3,50 por caixa de 40,8 kg na árvore (sem contar a colheita e o frete). Após 10 anos, a produção brasileira mais que duplicou (14 milhões de toneladas), passando a corresponder a 35% do volume global de laranja e a 73% do comércio mundial do suco (cerca de 500 mil tonela- das). Sob reflexo das geadas na Flórida, os Estados Unidos reduziram sua produção de laranja de 9 milhões de toneladas, em 1975, para 6 milhões de toneladas em 1985, impulsionando a cotação do suco naquele ano para US$ 3.500,00 por tonelada em Nova Iorque, com o produtor paulista receben- do o equivalente a US$ 5,50 por caixa. CITROS24 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 25 Fonte Cepea (2004); Bolsa de Nova Iorque (2004) Figura 1 Evolução dos preços da laranja paulista e do suco de laranja na Bolsa de Nova Iorque - 1970 a 2003) Na década de 1990, a Flórida recuperou seus pomares e os Estados Unidos deixaram de depender do suco brasileiro. Já em 1995, os nor- te-americanos produziram cerca de 10 milhões de toneladas. Paralelamente, o plantio acelerado em São Paulo na década de 1980 gerou excedentes de oferta de matéria-prima nos anos noventas, e o Brasil manteve um volume crescente até 1997, quando o País chegou ao recorde de 23 milhões de toneladas. Nesse período, a oferta maior que a procura nacional e mundial, mesmo conquistando o mercado europeu como principal comprador, gerou uma queda significativa das cotações inter- nacionais do produto e dos preços recebidos pelos citricultores paulistas. O auge da crise foi quando o produtor recebeu US$ 0,45 por caixa em 1992, seguido por dois anos recebendo US$ 1,60 por caixa Na virada do milênio, a falta de tratos cultu- rais, em decorrência da crise de preços na década passada, aliada a fatores como o aumento da incidência de pragas e doenças e a substituição dos pomares pela cultura da cana-de-açúcar aca- baram reduzindo o parque citrícola e estimulando um novo ciclo de alta dos preços ao produtor, principalmente entre 2001 e 2003. O produtor negociava contratos em torno de US$ 2,50 a US$ 3,50 por caixa posta na indústria, segundo o Cen- tro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). A reação dos preços pagos pela indústria novamente fez valorizar a laranja destinada a esse segmento que, mais uma vez, atraiu parte da produção destinada ao mercado doméstico. A produção brasileira de laranjas em 2003 foi de 17 milhões de toneladas (28% do volume mundial). As saídas para conviver com os altos e baixos no mercado foram o aumento da produtividade nos pomares, a busca de novos mercados e o ganho de escala nas lavouras e no setor industrial. Esses fatores foram decisivos para manter a citricultura paulista na liderança das exportações de suco. Um dos principais pontos de instabilidade, nos últimos quarenta anos, continua sendo a relação comercial entre o produtor e a indústria. Desde a primeira fábrica instalada no Brasil, no início da década de 1960, a base da relação comercial en- tre produtor e processador sempre foi por meio de contratos. A redução de riscos de suprimento da matéria-prima, no lado da indústria, e a garantia de compra, do lado do produtor, são as vantagens apontadas por ambos para o estabelecimento de contratos na relação venda/compra. Mesmo após quarenta anos de acordos contratuais, o principal ponto de discórdia continua sendo o mecanismo de fixação de preços entre o produtor e o proces- sador. Até o momento, o sistema de definição de preços é frágil, o desenho atual dos contratos não tem flexibilidade para absorver fortes oscilações de preços, gerando conflituosas renegociações ou até rupturas contratuais. A falta de transparência na internalização do preço internacional para valorar a matéria-prima e o elevado poder das indústrias nas negociações são queixas freqüentes dos produtores. Do lado da indústria, a dificuldade de repassar os riscos de oscilações internacionais para o mercado interno em vista da rigidez dos preços nos contratos é o principal problema na relação comercial com o produtor. 2 Liderança paulista A maioria dos estados brasileiros cultiva frutas cítricas. Entretanto, São Paulo domina tanto a pro- dução de laranja quanto a de lima ácida Tahiti e de tangerinas (Tabelas 3 e 4). A instalação de um parque industrial voltado ao mercado externo de suco e a proximidade das metrópoles nacionais de maior poder aquisitivo tornaram São Paulo o maior pólo mundial citrícola. Os números paulistas indicam sua representa- tividade. O Estado produziu 79% do volume na- cional de frutas cítricas, em 2003, segundo o Ins- CITROS24 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 25 tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quanto ao parque citrícola, na safra 2003/2004, contava com 188 milhões de árvores em produção e 27 milhões de árvores novas, segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA). O cinturão citrícola paulista pode ser dividido em quatro pólos produtores: a região central (São Carlos - Araraquara), norte (Bebedouro - São José do Rio Preto), a sudeste (Araras - Mogi Guaçu), denominada tradicionalmente como “sul citrícola”, e o novo pólo centro-sul (Bauru - Itapetininga). O mapa da produção paulista de cítricos mostra sua especialização comercial. Em geral, os pólos situados nas regiões norte e central se especializaram na laranja para fins industriais, concentrando as principais unidades processado- ras. Já na região Sudeste, localizam-se os pomares voltados à produção do consumo fresco, como as tangerinas e as laranjas de mesa. A lima ácida Tahiti tem sua maior produção na região centro- norte, principalmente nos municípios próximos à cidade de Itajobi. A região norte, com base no inventário de plantas do IEA de 2003, representa 40% da pro- dução do Estado. O restante é dividido entre o centro e o sul da área citrícola. Os pólos de produção paulista, contudo, têm apresentado mudanças. Estatísticas de produção e de árvoresnovas do IEA3 apontam que o sul tem aumentado sua participação desde o final da dé- cada de 1990. Inicialmente, foram os municípios mais tradicionais do sudeste que elevaram sua re- presentatividade, quando a clorose variegada dos citros (CVC) se expandiu no norte. Por outro lado, o pólo Araras a Mogi Guaçu apresenta outras do- enças, como a pinta-preta em laranja e a alterná- ria em Murcott, que prejudicam as exportações e a produtividade. Após o aparecimento da morte sú- bita dos citros (MSC), em 1999, foi a vez de outra região, a Centro-Sul, incrementar sua produção de laranja. Trata-se de um novo pólo citrícola, que en- globa desde a área central (próxima de Bauru) até Itapetininga (sul do Estado). Essa região tem um regime mais regular de chuva e tornou mais atrati- va a produção de laranja. Nesse pólo, o desenvol- vimento das tangerinas sem sementes pelo IAC, em Capão Bonito, pode também favorecer a região a produzir frutas frescas para a exportação. Tabela 4 Participação por Estado na produção brasileira de frutas cítricas em 2003 Estado Produção de laranja, % São Paulo 79,0 Bahia 4,6 Sergipe 4,1 Minas Gerais 3,9 Paraná 2,1 Produção de lima ácida e limão, % São Paulo 80,0 Bahia 4,6 Rio de Janeiro 3,0 Rio Grande do Sul 3,0 Espírito Santo 2,0 Produção de tangerina, % São Paulo 67,0 Paraná 28,0 Rio Grande do Sul 13,0 Minas Gerais 7,0 Rio de Janeiro 4,7 Espírito Santo 1,8 Fonte IBGE (2004) Os demais Estados representam 21% da pro- dução nacional de laranjas - com destaque para Bahia, Sergipe, Minas Gerais e Paraná (Tabelas 3 e 4). A citricultura baiana ocupou, em 2003, o segundo lugar como pólo produtor de laranja e de limão, correspondendo cada um a 4,6% da produção, segundo o IBGE. A principal região produtora na Bahia é o litoral norte, responsável por 60% da área plantada, onde está o município de Rio Real, o principal produtor daquele Estado. 3 A migração da citricultura paulista foi avaliada através das estatísticas dos Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDR) do Instituto de Economia Agrícola (IEA), entre 1999 e 2003. Os registros de número de árvores e a produção no período foram coletados em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/ibcoiea.htm>. Acesso: 24 ago. 2004. Tabela 3 Produção nacional de citros em 2003 Item Laranja Limãoa Tangerina Produção, t 16.917.558 981.339 1.304.743 Área, ha 836.689 51.262 65.115 a Total de limões e lima ácida Tahiti Fonte IBGE (2004) CITROS26 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 27 Essa região, juntamente com o litoral sul de Sergi- pe, representam o principal pólo citrícola do Nor- deste em laranja e o segundo produtor nacional. Os dois Estados juntos são responsáveis por 8,7% da produção brasileira de laranjas. O terceiro pólo produtor de laranja é Minas Gerais, com origem na Zona da Mata, estimulado pelas exportações cariocas da fruta no início da década de 1920. Seu crescimento foi pequeno e com foco, principalmente, no mercado local, mas com vistas também nas “janelas” do mercado pau- lista. A falta de um parque industrial nos moldes do paulista também inibiu uma maior expansão. As regiões mineiras com foco empresarial são o Triângulo Mineiro, Sul de Minas e norte do Estado, de acordo com Souza & Lobato (2001). Segundo esses autores, a região norte dedica-se mais ao cultivo do Tahiti. O Triângulo Mineiro é um pro- longamento da citricultura do Norte paulista e sua safra também é direcionada às indústrias proces- sadoras de São Paulo. Já a região Sul de Minas é mais voltada à produção da Ponkan. No Paraná, o destaque é o noroeste do Estado, sobretudo a região de Paranavaí, que apresenta um pólo industrial de suco também voltado à ex- portação. Ali, a citricultura ocupa uma área de 7 mil hectares de uma região que abrange cerca de 150 municípios (Chiara, 2003). 3 Da fruta ao suco Avaliando o agronegócio citrícola paulista, constata-se que os principais participantes priva- dos são as indústrias de insumos, os citricultores, os processadores e os comerciantes da fruta fresca. O foco comercial da cadeia é a produção/ comercialização industrial da laranja. Atualmente, 70 a 80% da produção paulista destina-se à indus- trialização, entre 20 e 30% são comercializados no mercado interno e menos de 1% é exportado in natura (Tabela 5). Na produção de suco, 98% do volume é vendido ao mercado internacional, com a maior parte sendo engarrafada pelas empresas européias e norte-americanas. Tabela 5 Plantas em produção, volume produzido e destinos da comercialização de citros no Estado de São Paulo - 1975 a 2004 Safra Árvores em produção Produção de laranja Destinos da comercialização Processamento Exportação da fruta fresca Mercado interno a milhões milhões cxb %c 1975-76 56 85 62 2,1 35,9 1980-81 66 170 81 0,5 18,5 1985-86 87 239 92 0,6 7,4 1990-91 109 242 83 0,9 16,1 1992-93 128 314 87 0,9 12,1 1993-94 148 306 81 0,7 18,3 1994-95 154 311 79 1,1 19,9 1995-96 163 357 74 0,8 25,2 1996-97 173 366 73 0,7 26,3 1997-98 178 420 76 0,5 23,5 1998-99 169 342 82 0,5 17,5 1999-00 165 395 76 0,6 23,4 2000-01 162 355 76 0,5 23,5 2001-02 161 280 79 1,2 19,8 2002-03 160 365 84 0,3 15,7 2003-04 159 280 77 0,6 22,4 2004-05 160 360 78 0,7 21,3 a Volume disponível para o mercado interno b cx = caixas de 40,8 kg c Participação do destino da produção em comparação com o total de laranja produzida em São Paulo Fonte Citrus Reference Book (2005) CITROS26 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 27 No mercado interno in natura, os principais compradores da fruta são os “barracões”, que, por sua vez, comercializam com os atacadistas e supermercados. Alguns deles são exportadores da fruta fresca. Outro comprador que tem aumen- tado sua participação no mercado interno são as indústrias processadoras/engarrafadoras de suco pronto para o consumo. Por trás de todo o caminho que percorre a produção da fruta até chegar às mãos dos con- sumidores, há uma cadeia que gera empregos e movimenta economias locais, já que a citricultura paulista é concentrada em poucos municípios, bas- tante dependentes da cultura. 3.1 Indústrias de insumos Como suporte à produção, as principais indús- trias dessa cadeia são as de defensivos, fertilizan- tes, tratores/máquinas e implementos, juntamente com os viveiros de mudas. O segmento de insumos faturou, em 2003, 362 milhões de dólares (Tabe- la 6). A maior fatia é da indústria de defensivos (39%), seguida pela de fertilizantes/corretivos (29%). A importância da citricultura na rentabili- dade de ambos setores é expressiva e oscilações nos preços recebidos pelos produtores afetam diretamente suas receitas. O destaque é para as vendas de acaricidas, que têm a citricultura como seu maior mercado no Brasil, responsável por 90% das compras do pro- duto e por gerar a essa indústria um faturamento total estimado em 80 milhões de dólares em 2003. No conjunto de produtos das empresas de defen- sivos, sobressaem-se aqueles para o controle dos ácaros da leprose e da ferrugem. Em 2003, na média nacional, o citricultor consumiu4 500 kg ha-1 de fertilizantes, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), e 20 kg ha-1 de ingrediente ativo considerando todas as classes de defensivos (herbicidas, acaricidas, fungicidas e inseticidas); nesse caso, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Defensi- vos Agrícolas (Sindag). Em termos financeiros, es- ses insumos representaram, respectivamente, US$ 120,00 e US$ 160,00 por hectare em média. O uso intensivo da tecnologia na produção de citros impulsionou dois setores à modernização: o de viveiros e o de irrigação. Ambos, indireta- mente, impulsionam outros, como as vendas de estufas, de máquinase implementos. Segundo cálculos de Neves & Lopes (2004), a área irrigada de citros foi estimada em 84 mil hectares (56 mil hectares em sistema localizado e 28 mil hectares por aspersão), representando 10% da área total plantada com citros no Brasil em 2003. A produ- ção de mudas em viveiros telados em São Paulo é uma realidade, com um potencial de produção em torno de 23,4 milhões de mudas/ano, segundo o Fundecitrus (Neves & Lopes, 2004). 4 Os dados de consumo de defensivos e fertilizantes na citricultura brasileira encontram-se em Neves & Rodrigues (2004). Tabela 6 Valores da cadeia citrícola (eixos central e de su- porte) em 2003 Eixo Central milhões US$ i) Antes da fazenda 362,0 Defensivos 141,0 Implementos 43,0 Fertilizantes 89,3 Mudas 17,1 Tratores 36,0 Irrigação 20,1 Corretivos 15,5 ii) Produção agrícola (fazenda) 809,9 iii) Pós-fazenda 1.695,6 Suco concentrado, outros sucos, pellets e óleos essenciais 1.332,9 Fruta fresca: mercado interno 265,8 Fruta fresca: exportada 25,4 Suco pronto fresco 12,9 Suco pasteurizado 58,6 Eixo de suporte milhões US$ iv) Suporte 347,9 Mão-de-obra na colheita 76,0 Combustíveis 66,4 Embalagens de frutos 44,0 Transporte do fruto empacotado 40,0 Empresas extratoras 30,0 Serviços portuários 20,0 Pedágio 14,1 Transporte do suco concentrado 15,7 Embalagens de suco 10,0 Transporte do packinghouse 19,2 Transporte de pellets 12,5 Fonte Neves & Lopes (2004) CITROS28 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 29 Tabela 7 Demanda por força de trabalho nas seis principais culturas agrícolas do Estado de São Paulo - 1998 a 2002 Cultura Demanda por força de trabalho 1998 1999 2000 2001 2002 EDH ha-1 Cana-de-açúcar 16,1 16,0 15,8 16,1 16,3 Milho 4,7 4,7 4,7 4,6 4,6 Laranja 21,5 21,5 18,7 18,7 20,1 Soja 3,3 3,3 3,3 3,3 3,3 Café 74,6 73,8 63,7 56,5 60,1 Feijão 17,4 17,5 17,2 17,4 17,3 Fonte Dayoub et al. (2001); Neves & Rodrigues (2004) 3.2 Produtores A citricultura é, em números, composta por pequenos produtores, mas, em volume, a produ- ção está concentrada em grandes propriedades. Segundo cálculos de Neves & Lopes (2004), os citricultores paulistas com mais de 150 mil plantas (área acima de 400 ha) representaram menos de 1% das propriedades citrícolas paulistas e 45% da produção de laranja em 2003. Com base nos principais destinos da produção paulista e nos preços recebidos pelos produtores em 2004, coletados pelo Cepea, o valor da pro- dução de São Paulo foi em torno de 831 milhões de dólares, dos quais o setor produtivo voltado à indústria faturou 626 milhões de dólares e o mer- cado da fruta fresca, 205 milhões de dólares. A maioria dos produtores destina sua produção às indústrias. Normalmente, essa comercialização é individual, mas há também grupos, denomina- dos pools com o objetivo de ganhar escala, reduzir custos e, principalmente, melhorar o poder de bar- ganha junto às indústrias no momento da fixação dos preços dos contratos. Em menor proporção, há produtores que diversificam sua comercialização com o mercado da fruta in natura. Esses têm maior variedade de cultivares e de mercados, com alguns preparando a fruta fresca para exportação. O manejo dos citros e sua colheita empregam elevado contingente de mão-de-obra por hectare, só inferior ao café no Estado de São Paulo. Neves et al. (2002) estimaram que a laranja vem reque- rendo, em média, cerca de 20 EDH ha-1, enquanto outras culturas que também utilizam tecnologias intensivas em capital, como soja e milho, não pas- sam de 5 EDH ha-1 (Tabela 7).5 5 EHD significa “equivalente dia-homem”, medida que representa a demanda por força de trabalho por hectare-dia. Os gastos com a cultura variam muito, depen- dendo da escala de produção, formas de comer- cialização (indústria ou fruta fresca), variedade, incidência de pragas e doenças, entre outros. Neves et al. (2004) estimaram o custo total de produção em US$ 3,31 por caixa para um pomar com densidade de 400 plantas ha-1 e uma produ- ção de 2,5 caixas por planta, em abril de 2004 (Tabela 8). O custo de produção paulista é o principal fator de competitividade internacional do setor, já que a matéria-prima, a laranja, é o principal dispêndio da indústria, responsável por 60% dos custos de produção do suco. Muraro et al. (2003) compararam os principais dispêndios com a cul- tura em São Paulo e na Flórida e observaram que está na colheita a maior vantagem comparativa nacional: nos Estados Unidos é quatro vezes mais cara que no Brasil. 3.3 Processadoras Em São Paulo, a estrutura industrial do suco pode ser caracterizada por um oligopsônio (pou- cos compradores de matéria-prima) e, simulta- neamente, um oligopólio (poucos exportadores). Antes da saída da Cargill, em 2004, as grandes processadoras eram denominadas “as cinco C’s” (Cutrale, Citrosuco, Cargill, Coinbra e Citrovita), que representavam mais de 80% da capacidade instalada paulista e 90% das exportações nacio- nais de suco. A necessidade de economia de escala e de uma logística eficiente de distribuição favoreceram as processadoras a se verticalizarem tanto para a CITROS28 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 29 Tabela 8 Estimativa do custo total de produção (média anual de 15 anos) para um pomar de laranja no Estado de São Pauloa, abril/2004 Componentes do custo R$/ha US$/hab i) Custos fixos totais 1.531,54 526,30 ii) Custos variáveis totais 6.471,17 2.223,77 ii.1) Custos variáveis indiretos (impostos e outras contribuições, despesas administrativas, energia elétrica, salários, encargos e seguros) 959,93 329,87 ii.2) Custos variáveis diretos 5.511,24 1.893,90 Defensivos 2.439,10 838,18 Corretivos e fertilizantes 989,22 339,94 Máquinas 439,86 151,15 Empreita de colheita 1.595,73 548,36 Manutenção de benfeitorias 47,33 16,26 iii) Custo operacional total (i + ii) 8.002,71 2.750,07 iv) Remuneração do capital fixo 741,54 254,82 v) Remuneração anual do valor da terra 864,00 296,91 vi) Custo econômico ou total (iii + iv + v) 9.608,25 3.301,80 Custo operacional total por caixa de 40,8 kg 8,02 2,76 Custo econômico ou total por caixa de 40,8 kg 9,63 3,31 a Propriedade de 25 hectares, densidade de 400 plantas/ha, com produção média anual de 2,5 caixas por planta b US$ 1= R$ 2,91 (abr. 2004) Fonte Neves et al. (2004) frente, na distribuição do suco, quanto para trás, no controle da matéria-prima. A obtenção do pro- duto é garantida, principalmente, pelos pomares próprios e por contratos de médio e longo prazo e o restante, cerca de 20%, é adquirido no mercado spot (portão). A maioria dos processadores não investe em marca própria, tampouco na distribuição até o consumidor. Seus esforços se concentram na redu- ção do custo de processamento, em melhoria na logística e no comércio do suco em escala global. Para consolidar como grandes atacadistas no mercado internacional de suco, os processadores investiram em terminais portuários nos seus prin- cipais mercados compradores. As grandes indús- trias do Brasil têm terminais privados no próprio País, na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. O principal sistema de distribuição é a granel, redu- zindo significativamente os custos com transporte quando comparados ao sistema de tambor. So- mente pequenas indústrias, ou as grandes quando os portos de recepção não oferecem estrutura para a descarga de graneleiros de suco, ainda utilizam a distribuição do suco em tambores. Outra estratégia para sua consolidação no cenário mundial foi a aquisição de fábricas de suco também na Flórida, a partir de 1992, para ampliar sua escala de atuação. 3.4 Comerciantes da fruta fresca Os principais agentes envolvidos na comercia- lização da fruta fresca são os seguintes:3.4.1 Packinghouses (barracões) Esses são responsáveis pela limpeza, padroni- zação e empacotamento da fruta. Seus principais clientes são os atacadistas nacionais e as grandes redes de supermercados e, em menor proporção, exercem também a função de exportador. Muitos produtores têm seu próprio barracão e escritórios nas Ceasas (Centrais de Abastecimento), comer- cializando diretamente com o varejo. A relação comercial entre barracões e produtores geralmente é informal, sem contrato. Segundo estatísticas da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, citadas por Neves & Lopes (2004), em 2003, havia 564 barracões em São Paulo. CITROS30 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 31 3.4.2 Atacado Os principais mercados atacadistas nacionais são representados pelas Centrais de Abasteci- mento (Ceasas). A cidade de São Paulo apre- senta a maior delas, a Ceagesp. As Ceasas têm diminuído sua participação como centralizadoras da distribuição de frutas cítricas no mercado va- rejista desde meados dos anos noventas. Os bar- racões tomaram o lugar das Ceasas e negociam diretamente com o varejo. 3.4.3 Plataforma de recepção (gran- des redes varejistas) As principais redes de supermercados, como o grupo Pão de Açúcar e Carrefour, compram de packinghouses e recebem a laranja através das centrais de compras próprias. 4 Gigantismo brasileiro A hegemonia da citricultura paulista será ga- rantida se o setor continuar buscando ações de crescimento do mercado consumidor de frutas e de sucos, seja ele interno ou externo. O aumento da exportação, principalmente para o suco con- centrado, dependerá de reduções das barreiras tarifárias dos tradicionais países compradores - europeus e Estados Unidos - e da expansão do consumo de suco nos países não tradicionais, como o bloco asiático, em especial a China. A diminuição nas tarifas alfandegárias pro- porcionaria redução no custo final do produto, tornando o suco brasileiro ainda mais competitivo e melhorando a rentabilidade do setor. Nos Esta- dos Unidos, a taxa de importação é US$ 418,00 por tonelada e, na União Européia, é sobre o valor importado, 12,5%. O acordo fechado na Organização Mundial do Comércio (OMC) em agosto de 2004, em Genebra, abre novas perspectivas para o Brasil. Apesar de não citar diretamente na diminuição de barreiras tarifárias, obteve dos seus 147 paí- ses-membros o comprometimento de abolir todas as formas de subsídios à exportação e reduzir substancialmente os apoios à produção domés- tica. Contudo, o prazo para tais medidas não foi determinado, mas já representa um avanço importante na área agrícola. As negociações na OMC, além de mais amplas do que as bilaterais, podem também destravar os acordos regionais nos quais o Brasil está envolvido, como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e o Mercosul-União Européia, já que os países mais desenvolvidos desses blocos sempre aliaram suas negociações às decisões na OMC. Outro resultado favorável das negociações internacionais do suco foi a entrada da China na OMC, favorecendo a queda das alíquotas de im- portação do país a partir de 2001. Para ingres- sar na OMC, os países têm de fazer concessões para os demais membros; com isso, a alíquota chinesa para o suco de laranja caiu de 75% para 7%. Após essa redução, as exportações brasilei- ras para China passaram de 2,5 mil toneladas de suco em 2000 para 38 mil toneladas em 2004, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Se- cex). O Brasil é o principal fornecedor de suco de laranja para o mercado chinês, representando 80% do total importado pelo país em 2003 (FAS/ USDA, 2005). A Ásia, principalmente a China, é um mercado bastante atrativo para o suco brasileiro neste início de década devido ao elevado crescimento eco- nômico, que segue a taxas bastante superiores à média mundial. As projeções indicam que, dentro de 10 a 20 anos, o mercado chinês poderia con- sumir cerca de 400 mil toneladas em equivalente de suco concentrado – quase metade do que hoje enviamos à União Européia (Worsley, 2004). Contudo, os esforços em novos mercados não podem somente ser concentrados na China. Seus déficits de suco de laranja poderão ser menores no futuro devido ao crescimento do seu parque citrícola. Em 2004, a produção de citros chinesa era de 13,5 milhões de toneladas, sendo que 30% desse volume foi de laranja, ocupando uma área de 590 mil hectares (FAS/USDA, 2005). Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a China foi o terceiro maior produtor mundial de citros em 2004. Nos países/blocos compradores tradicionais, a União Européia, há dois caminhos para o Bra- sil crescer. Um é ganhando a briga constante no sentido de reduzir as tarifas, já discutido anterior- mente; e o outro trata da diversificação na pauta de exportação. Analisando as vendas brasileiras do suco concentrado para a União Européia, observa-se que se encontra desvalorizado e sua demanda, estagnada. Por outro lado, avaliando os outros tipos de suco exportado, incluindo-se o not from concentrated (NFC), constata-se um CITROS30 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 31 aumento substancial deste grupo na participação da receita brasileira nos últimos anos. Em 2004, segundo a Secex, os sucos de laranja não conge- lados, com °Brix inferior a 20, já representavam 8% da receita gerada com as exportações totais de suco para a União Européia, enquanto em 2000 não havia sequer registros de exportação desses produtos. Quanto ao segundo maior mercado comprador do suco brasileiro, o norte-americano, o aumento da produção interna de laranja e de suco desde o final da década passada, na Flórida, inviabiliza perspectivas de aumento das exportações brasilei- ras do suco, principalmente se as tarifas de impor- tação permanecerem nos atuais valores. Por outro lado, a ameaça dos Estados Unidos se tornarem um forte concorrente externo do Brasil, em função do aumento de excedentes internos de suco, é remota. Seu elevado custo de produção impede de ofertar a um preço competitivo, principalmente para concorrer com o concentrado brasileiro na Europa. Investindo em outros tipos de suco na Europa e conquistando novos mercados, como o asiático, o setor conseguiu obter na safra 2003/2004 valores recordes nas exportações de suco de laranja (Tabela 9). De acordo com a Secex e, convertido em equivalente de suco concentrado pela Associação Brasileira dos Exportadores de Citros (Abecitrus), embarcou-se 1,35 milhão de toneladas do produto entre julho de 2003 e junho de 2004, volume 5% superior ao da safra passa- da. O principal destino do suco brasileiro foi a União Européia, responsável por 71% das vendas nacionais. Em seguida, aparecem os Estados Uni- dos, com uma participação de 12% do volume exportado pelo Brasil, e a Ásia, que adquiriu 10% do suco embarcado. Quanto à exportação da fruta fresca, a me- lhoria da qualidade, organização da comercia- lização, redução das barreiras tarifárias e fitos- sanitárias, somadas ao melhor aproveitamento das oportunidades do mercado externo poderiam auxiliar o desenvolvimento desse mercado. O volume exportado do produto in natura é muito pequeno diante de nossa participação nas vendas mundiais de suco ou mesmo comparado com o nosso mercado interno de fruta fresca. Em 2004, o Brasil exportou cerca de 90 mil tonela- das de laranja, 37 mil toneladas de limão/lima ácida Tahiti e 18 mil toneladas de tangerinas (Tabela 10). Avaliando o montante financeiro em 2004, a laranja foi o destaque, com 21,5 milhões de dólares, seguido pelo limão/lima ácida, com 18 milhões, e pela tangerina, com 8 milhões (Secex). Tabela 9 Principais compradores do suco brasileiro - 1989 a 2004 Safra União Européia Nafta Ásia Outros Totalx 1.000 t 1989/90 423 467 - - 953 1990/91 402 303 68 12 786 1991/92 500 341 90 21 952 1992/93 608 325 84 29 1.045 1993/94 544 364 102 25 1.034 1994/95 631 216 146 31 1.024 1995/96 709 190 98 33 1.031 1996/97 789 193 125 30 1.138 1997/98 867 204 108 38 1.217 1998/99 756 210 93 37 1.096 1999/00 725 253 113 40 1.120 2000/01 846 265 99 25 1.234 2001/02 762 131 124 51 1.069 2002/03 867 231 126 60 1.285 2003/04 969 166 148 67 1.350 Fonte Abecitrus (2005) CITROS32 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 33 O Tahiti, ao contrário da laranja e da tangeri- na, vem apresentando crescimentos significativos nos últimos anos. O potencial para produzir um fruto de excelente qualidade, aliado à imagem da lima ácida com a aguardente para a confecção da caipirinha, despertaram o interesse principalmente do consumidor europeu. Alguns entraves para o crescimento são a qualidade e o comportamento oportunista de alguns agentes brasileiros que não apresentam estrutura para a exportação e enviam a fruta de forma desorganizada e com baixa qua- lidade, prejudicando o valor e a imagem da fruta no exterior. O Tahiti brasileiro abastece a União Européia praticamente o ano todo; em algumas épocas, há maior concorrência com a lima ácida mexicana, principalmente, no segundo semestre, período de baixa oferta do produto brasileiro. Nos casos da laranja e da tangerina, o Brasil abastece o mercado externo sobretudo nos meses em que há “janelas” deixadas por outros países competidores. Para a Europa, principal destino da laranja, o Brasil comercializa na entressafra da Espanha (agosto a outubro), maior exportadora mundial dessa variedade. A tangerina na Europa 6 As principais considerações desse item foram extraídas de Boteon (1999). Tabela 10 Evolução das exportações brasileiras das frutas cítricas in natura - 1990 a 2004 Ano Laranja Limão/lima ácida Tangerina Total t 1990 77.133 2.833 4.622 84.588 1991 109.497 3.861 7.917 121.275 1992 82.527 3.840 7.260 93.627 1993 89.888 4.141 6.062 100.091 1994 140.276 2.766 7.900 150.942 1995 114.061 1.180 7.933 123.174 1996 99.223 1.425 7.599 108.247 1997 91.662 1.512 9.325 102.499 1998 65.614 2.301 5.308 73.223 1999 103.086 5.336 7.518 115.940 2000 75.345 8.607 12.032 95.984 2001a 139.581 14.811 17.258 171.650 2002 a 40.373 21.826 19.553 81.752 2003 a 68.015 34.011 18.311 120.337 2004 a 90.118 37.326 18.014 145.459 Fonte FAO (2004); a Secex (2005) também é comercializada na entressafra espanho- la (julho a setembro), mas seu principal mercado é a Ásia, que foi responsável por 50% dos embar- ques nacionais em 2004, de acordo com a Secex. Além da concorrência, outro grande entrave às exportações de laranja/tangerina são as barrei- ras fitossanitárias da União Européia. Em 2003, várias cargas foram rejeitadas pelo bloco sob ale- gação da presença de doenças nas frutas que não ocorrem naquele território. 5 Brasil: um consumidor ainda es- quecido6 O mercado doméstico de frutas cítricas sempre contou com uma estrutura própria de comercialização, com packinghouses e centrais de abastecimento nas principais regiões de São Paulo e de outros Estados. Entretanto, não se investiu muito em cultivares típicos de mesa, diversificação de produtos processados e apri- moramento de técnicas de comercialização. O fortalecimento da indústria paulista de suco de laranja é um dos fatores que contribuíram para essa não-modernização. CITROS32 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 33 Até o final da década de 1980, o mercado interno dependeu muito do comportamento da indústria. O setor produtivo atuava nos dois seg- mentos (indústria e mercado) sem maiores inves- timentos porque o produto (laranja) era o mesmo para ambos. Essa estrutura foi lucrativa até o final dessa década, quando a oferta de frutas cítricas para esse mercado ainda era restrita, havia pouca competição com outros tipos de frutas e a indús- tria absorvia boa parte da produção, com preços atraentes em função dos altos valores no mercado internacional. Na década de 1990, o panorama citrícola do Brasil e do suco de laranja no mercado inter- nacional apresentaram profundas modificações, gerando elevados excedentes de produção. Nes- se cenário, o mercado interno representou uma alternativa para o escoamento, aumentando, consideravelmente, a disponibilidade da fruta doméstica. O crescimento das vendas internas nesse perí- odo não se deu somente em função da maior dis- ponibilidade de frutas, mas, também, da expan- são do mercado consumidor, proporcionada pela estabilidade econômica do País, principalmente após a implantação do Plano Real. Isso possibilitou a entrada de novos agentes no setor, principalmente das indústrias de suco pronto para beber, a partir de 1992. Em pouco mais de 11 anos, esse setor saiu do zero para 300 milhões de litros por ano, segundo cálculos da Abecitrus, referentes a 2003. Na virada do milênio, a elevação dos preços da fruta pagos pela indústria, pela redução dos excedentes de oferta, novamente diminuiu o vo- lume de laranja in natura disponível ao mercado interno. No mesmo período, ocorreu também um desaquecimento da economia nacional, reduzindo o poder de compra do consumidor brasileiro. Quanto ao mercado interno de suco pronto, mesmo com a alta do preço da laranja, ele con- tinuou crescendo, mas o tipo fresco foi, em parte, substituído pelo reconstituído, derivado do concen- trado das tradicionais processadoras, tendo em vista o menor custo de produção. Contudo, esse mercado ainda é pequeno e absorveria em torno de 15 milhões de caixas de 40,8 kg. Neste novo milênio, caso aumentem os exce- dentes da produção paulista, o escoamento para o mercado interno pode ser mais difícil que na década passada devido à maior concorrência com outros tipos de frutas disponíveis o ano todo - com excelente qualidade - e com sucos prontos de di- versos sabores e formas de processamento (base de soja, misturas com iogurte, entre outros). Esfor- ços devem ser direcionados na produção de frutas cítricas in natura de alta qualidade (restringindo o mercado de qualidade inferior) e no crescimento do mercado de suco. Essa segmentação pode tor- nar o setor mais competitivo, mais bem estruturado e menos dependente do comportamento externo do suco concentrado. A modernização do setor citrícola destinado ao mercado interno é essencial para melhorar a rentabilidade do setor produtivo e escoar os exce- dentes da produção paulista. O comércio externo é protegido por diversos tipos de barreiras, en- quanto o mercado brasileiro tem grande potencial de crescimento. 6 Futuro da citricultura brasileira Sob a ótica comercial, os pontos fortes da ci- tricultura brasileira - sobretudo da paulista - são o seu custo de produção competitivo e um parque industrial que atua em escala global. Por outro lado, o ponto fraco encontra-se no principal ativo: os pomares. Nos últimos anos, o aparecimento de severas doenças (MSC e huan- glongbing ou ex-greening) comprometeu o custo e a oferta futura. A história mostra que o setor acabou encon- trando soluções graças à habilidade e à agilidade de uma pesquisa de ponta, aliada à elevada ca- pacidade técnica de agrônomos para difundir tec- nologias e dos produtores para absorvê-las. Mas, o aparecimento das novas doenças neste início de milênio é um risco econômico muito presente no setor e pode comprometer nossa competitividade no futuro. Independentemente das doenças, para manter a estrutura citrícola nacional rentável, só há um ca- minho: aumentar o consumo. No mercado externo, nosso principal comprador, a União Européia, quer cada vez mais diversidade de sucos de laranja e não só o concentrado. Novidades, principalmente em frutas, também conquistammercados, como o caminho que está trilhando a lima ácida Tahiti na Europa, aliado à nossa bebida genuinamente nacional: a caipirinha. O reinado do suco concentrado porém, ainda se deve sustentar por décadas na citricultura, mesmo que sua participação relativa esteja ame- CITROS34 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 35 açada em alguns mercados de países mais desen- volvidos, como os Estados Unidos e os participan- tes da UE, pelo suco tipo NFC. A sua facilidade de transporte e o baixo custo transformam-no em principal commodity do setor e abrem frentes em novos mercados. Em se tratando de “mer- cados potenciais”, há um já muito conhecido: o brasileiro, que deve ser olhado menos de forma oportunista, apenas em situações de excedentes de oferta, e mais como uma nova e relevante alternativa. Algumas ações rumo a esse crescimento já foram empreendidas, com vistas a manter a hege- monia da citricultura nacional, particularmente da paulista. A guerra, porém, nunca acaba para o se- tor; uma das batalhas importantes que precisa ser vencida é a redução das barreiras tarifárias e fitos- sanitárias. Em algum momento, só sua eliminação dará espaço para a continuidade do crescimento no âmbito externo. Ao setor produtivo é necessário escala, para produzir uma laranja com um custo competitivo, principalmente em se tratando do comércio com a indústria. Já para a venda da fruta fresca, são precisos investimentos em qualidade e na mo- dernização da sua estrutura de beneficiamento e comercialização. Essas ações só serão possíveis com melhor organização dos produtores, princi- palmente do pequeno e do médio citricultor. 7 Agradecimento À jornalista Ana Paula da Silva, do Cepea/ Esalq/USP, pelas sugestões para a construção final do texto. CITROS34 Citricultura brasileira: aspectos econômicos 35 8 Referências bibliográficas ABECITRUS - Associação Brasileira dos Exportadores de Citros. Série histórica de exportação de suco de laranja. Disponível em: <http://www.abecitrus.com.br>. Acesso em: 3 fev. 2005. BOLSA DE NOVA IORQUE. Série histórica do suco de laranja (1970-2003). Disponível em: <http:// www.nybot.com>. Acesso em: 20 jan. 2004. BOTEON, M. Mercado interno de frutas cítricas, 1999. 84p. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba. CEPEA - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. Série histórica de preços da laranja (1994- 2003). Disponível em: <http://cepea.esalq.usp.br>. Acesso em: 24 ago. 2004. CHIARA, M. 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