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O LETRAMENTO COMO PRÁTICA SOCIAL Angela B. Kleiman IEL/UNICAMP Detenhamo-nos mais um momento no letramento, que entendemos como as práticas e eventos relacionados ao uso, função e impacto social da escrita (Kleiman, 1995). Essa concepção de letramento não o limita aos eventos e práticas comunicativas mediadas pelo texto escrito, isto é, às práticas que envolvem de fato ler e escrever. O letramento está também presente na oralidade, uma vez que, em sociedades tecnológicas como a nossa, o impacto da escrita é de largo alcance: uma atividade que envolve apenas a modalidade oral, como escutar notícias de rádio, é um evento de letramento, pois o texto ouvido tem as marcas de planejamento e lexicalização, típicas da modalidade escrita (a respeito das diferenças entre as modalidades oral e escrita, v., por exemplo, Chafe & Danielewicz, 1987). O letramento adquire múltiplas funções e significados, dependendo do contexto em que ele é desenvolvido, isto é, da agência de letramento por ele responsável. Sabemos hoje, por exemplo, que as instituições políticas são das mais efetivas agências de letramento, aproximando muito rapidamente a oralidade de sujeitos não alfabetizados da oralidade letrada, quanto às suas características argumentativas. Isto é, mesmo que não alfabetizado, o participante de grupos sindicais, por exemplo, traz, na sua argumentação, os traços característicos da escrita, mostrando, na sua ação, a consciência da necessidade dessas formas de argumentação para alcançar o que quer e influenciar os outros (Ratto, 1995). A escola, por outro lado, transforma a oralidade de seus alunos, especificamente, através da introdução do código da escrita, tanto superimpondo marcas formais da fala letrada (particularmente, a fonologia e a morfologia), complementares às de outros registros, em outros contextos, (cuja funcionalidade fica assim restrita ao contexto de sala de aula), bem como acrescentando alguns gêneros para descrever tarefas independentes do contexto (Scribner & Cole, op.cit.; Luria, 1976). Já a família letrada constitui a agência de letramento mais eficiente para garantir o sucesso escolar e, portanto, a reprodução do privilégio (Bourdieu & Passeron, 1975). Nela, as práticas e usos da escrita são fato cotidiano, corriqueiro, inseparável de outros fatores e fazeres: a leitura do jornal como parte integrante do café da manhã; a redação de um bilhete ou a consulta a uma agenda como suportes da memória; a leitura de um livro de cabeceira como aspecto importante do lazer ou do descanso; o rabisco como ocupação manual durante a concentração; o uso do texto escrito como fonte de informações permitem que, antes de conhecer a forma da escrita, a criança conheça seu sentido e sua função. Assim, nesse contexto, o letramento é desenvolvido mediante a participação da criança em eventos que pressupõem o conhecimento da escrita e o valor do livro como fonte fidedigna de informação e transmissão de valores, aspectos estes que subjazem ao processo de escolarização com vistas ao desenvolvimento do letramento acadêmico. Note-se que, para as crianças cujo letramento se inicia no lar, no processo de socialização primária, não procede a preocupação de se ele aprenderá a ler ou não, muito presente, entretanto, nos pais de grupos marginalizados. Numa relação tutorial, a criança aprende novas formas discursivas, cujo conhecimento é pressuposto pela escola, tais como: responder perguntas retóricas, informando o interlocutor sobre aquilo que já é conhecimento partilhado; construir relatos centrados num tópico; fazer e falar sobre este fazer simultaneamente, mediante, por exemplo, a descrição do processo de execução de uma ação ou tarefa; comparar e contrastar fatos, objetos e ações vivenciados, com fatos, objetos e ações livrescos, inventados. A escola não introduz, para esta criança, uma nova maneira de falar sobre o mundo, mas apenas seleciona novos tópicos, mais artificiais para a exercitação de gêneros e formas discursivas já familiares (Heath, 1982, 1983; Cazden, 1989; Kleiman, 1993b). (Retirado do livro: ROJO, R. Alfabetização e Letramento: Perspectivas Linguísticas. São Paulo: Mercado das Letras, p 103 – 104). Disponível em: https://www.academia.edu/6358163/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o_e_letramen to_Perspectivas_lingu%C3%ADsticas_ROJO_Org._
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