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1 MATERIAL DIDÁTICO PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br Impressão e Editoração 2 SUMÁRIO UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ..................................................................................... 3 UNIDADE 2 – O DESENVOLVIMENTO HUMANO .................................................... 5 2.1 DEFININDO DESENVOLVIMENTO ............................................................................. 5 2.2 A IMPORTÂNCIA, OS FATORES E OS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ......... 7 2.3 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................ 8 2.4 AS MULTIDIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................... 11 UNIDADE 3 – PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM ................................................ 12 3.1 CONCEITOS DE APRENDIZAGEM ........................................................................... 12 3.2 CLASSES DE COMPORTAMENTO E APRENDIZAGEM ................................................. 15 3.3 CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM .................................................................. 20 3.4 OS PRODUTOS DA APRENDIZAGEM ....................................................................... 23 UNIDADE 4 – TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO/APRENDIZAGEM .................. 29 UNIDADE 5 – CONDIÇÕES DE APRENDIZAGEM ................................................. 52 5.1 CONDIÇÕES BIOLÓGICAS ..................................................................................... 52 5.2 CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS ................................................................................. 52 5.3 CONDIÇÕES PEDAGÓGICAS .................................................................................. 54 UNIDADE 6 – INTRODUÇÃO ÀS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E ESCRITA ............................................................................................... 56 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69 3 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO Falar em Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento nos leva de imediato a uma constatação essencial ao seu estudo: a importância da aprendizagem na transformação do ser humano em uma pessoa integrada ao ambiente sociocultural, no qual terá que viver e colaborar. Quando consideramos as habilidades, os interesses, as atitudes, os conhecimentos, as informações adquiridas, dentro e fora da escola, suas relações com a conduta, a personalidade e a maneira de viver do ser humano, estamos falando necessariamente de aprendizagem, que nos acompanha ao longo de toda a vida. Não vamos radicalizar e dizer que vivemos pior ou melhor de acordo com a aprendizagem, mas podemos afirmar que vivemos de acordo com o que aprendemos e esse é nosso ponto de partida para as discussões acerca da importância e do lugar da aprendizagem em nossas vidas. O primeiro tópico deste módulo trata da definição de desenvolvimento, sua importância, os fatores, os aspectos, princípios básicos e algumas dimensões do desenvolvimento humano. Dando sequência, teremos conceitos, características, classes de comportamento, a aprendizagem e os seus produtos como, por exemplo, a aprendizagem cognitiva, os automatismos e a aprendizagem apreciativa ou afetiva. As contribuições teóricas de alguns pesquisadores conceituados serão apresentados na unidade quatro, com certa ênfase para Piaget e Bronfenbrenner. A unidade 5 discorrerá sobre as condições biológicas, psicológicas e pedagógicas e, por fim, faremos uma breve introdução aos problemas de aprendizagem relacionados à leitura e escrita. Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma 4 redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos estudos. 5 UNIDADE 2 – O DESENVOLVIMENTO HUMANO A psicologia é considerada uma ciência tanto das áreas sociais, ou humanas, como da área de biomédicas, portanto, estuda muito mais do que o comportamento humano, encontrando no cérebro a principal parte do corpo humano que é seu objeto de estudo. À Psicologia do desenvolvimento reserva-se o estudo científico das mudanças de comportamento relacionadas à idade durante a vida de uma pessoa. Essas mudanças relacionam-se com as habilidades motoras, habilidades de resolver problemas, entendimento conceitual, aquisição da linguagem, entendimento da moral e também da formação da identidade. Os seus métodos de estudo podem ser quantitativos, qualitativos e até mesmo utilizar-se de processos conscientes como a introspecção. Dentre os processos psíquicos e comportamentais estudados pela psicologia, encontramos a personalidade, a aprendizagem, a motivação, memória, desenvolvimento, comportamento em grupo, processos psicoterapêuticos. A psicologia do desenvolvimento humano estuda exatamente o desenvolvimento humano (que representa tanto o desenvolvimento mental quanto o crescimento orgânico) em todos os seus aspectos, ou seja, físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e social, desde o nascimento até a idade adulta. 2.1 Definindo Desenvolvimento No dicionário Aurélio ‘desenvolvimento’ reporta-se a crescimento, progresso. Por analogia e nos reportando ao ser humano, podemos dizer que desenvolvimento são mudanças que ocorrem na pessoa ao longo do tempo, de maneira ordenada e relativamente duradoura, e afetam as estruturas físicas e neurológicas, os processos de pensamento, as emoções, as formas de interação social e muitos outros comportamentos (MARTURANO, 2008). Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser. 6 Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem- estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades (ONU, 2012). O desenvolvimento compreende um conjunto de tarefas relevantes para cada estágio no ciclo da vida, definidas de acordo com os contextos culturais em que o indivíduo se desenvolve. Entretanto, uma vez cumpridas, as tarefas não perdem importância. Embora a saliência dessas tarefas possa declinar, diminuir em relação a questões que vão emergindo, as tarefas permanecem importantes para a adaptação ao longo do tempo. A resolução bem sucedida de uma questão saliente em um estágio precoce do desenvolvimento aumenta a probabilidade de ajustamento bem sucedido em etapas posteriores. À medida que cadanova tarefa relevante para o desenvolvimento em um determinado estágio assume posição central, surgem oportunidades para crescimento e consolidação, tanto quanto desafios associados com novas vulnerabilidades (MARTURANO, 2008). Nesse contexto, a noção corrente de tarefa de desenvolvimento implica em um conjunto de critérios, alguns universais, outros específicos de determinada cultura ou momento histórico, através dos quais se avalia a competência do indivíduo no enfrentamento dos desafios psicossociais típicos de cada etapa. Pressupõe-se que o grau de sucesso no cumprimento das tarefas em uma dada etapa afeta o desenvolvimento em etapas posteriores, de modo que a competência individual em um dado momento da vida decorre do interjogo entre condições internas e externas, passadas e presentes (MARTURANO, 2008). A competência é vista como a habilidade de usar com sucesso recursos internos e externos para resolver questões que são proeminentes no estágio de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra. A competência pode ser definida com atributos adaptativos, cognitivos, emocionais, comportamentais e sociais, complementados pelas crenças e expectativas da pessoa sobre sua possibilidade de ter acesso a esses atributos e sua habilidade para implementá-los. Trata-se de um conceito fundamentado em uma perspectiva de desenvolvimento, segundo a qual o desenvolvimento ótimo consistiria em um processo contínuo de reorganização e integração ativa, pelo indivíduo, das diversas competências adquiridas ao longo da vida (MARTURANO, 2008). 7 Assim sendo, a competência para resolver questões em um período de desenvolvimento não prediz necessariamente a competência posterior; em vez disso, pensa-se que a competência em um período torna o indivíduo, em sentido amplo, adaptado ao ambiente e preparado para desenvolver competência no período seguinte. Os contextos onde o indivíduo se desenvolve podem contribuir tanto para a competência, em maior ou menor grau, como para a vulnerabilidade aos riscos, tanto aqueles inerentes a cada etapa do ciclo da vida, como os decorrentes de circunstâncias de vida adversas ao desenvolvimento (MARTURANO, 2008). Enfim, a mesma autora resume em três os motivos pelos quais estudamos o desenvolvimento humano: compreender mudanças universais (compartilhadas); explicar a continuidade na pessoa (diferenças individuais); entender como a pessoa em desenvolvimento é influenciada pelo ambiente. 2.2 A importância, os fatores e os aspectos do desenvolvimento humano A importância do estudo do desenvolvimento humano reside no fato de que o ser humano se percebe e se comporta de maneira própria diante do mundo, de acordo com a faixa etária, e se faz necessário estudar tais comportamentos e conhecer o sujeito por dois motivos principais, quando se trata de indivíduo em idade escolar: saber o que planejar e como ensinar esse aluno. Alguns fatores que influenciam o desenvolvimento são: 1. A hereditariedade: a carga genética estabelece o potencial do indivíduo, que pode ou não desenvolver-se. A inteligência pode desenvolver-se de acordo com as condições do meio em que se encontra. 2. Crescimento orgânico: refere-se ao aspecto físico. 3. Maturação neurofisiológica: é o que torna possível determinado padrão de comportamento. 4. Meio: o conjunto de influências e estimulações ambientais altera os padrões de comportamento do indivíduo (MEDKE, 2008). 8 Os aspectos estudados pela psicologia do desenvolvimento humano são: aspecto físico-motor – refere-se ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica. Ex.: A criança que leva a chupeta à boca; aspecto intelectual – é a capacidade de pensamento, raciocínio. Ex.: A criança de dois anos que usa um cabo de vassoura para puxar um brinquedo que está em baixo de um móvel; aspecto afetivo-emocional – é o modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências. A sexualidade faz parte desse aspecto. Ex.: A vergonha que sentimos em algumas situações; aspecto social – é a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras pessoas. Ex.: Quando em um grupo há uma criança que permanece sozinha. Como diz Medke (2008) não é possível encontrar um exemplo puro, porque todos esses aspectos relacionam-se permanentemente. 2.3 Os princípios básicos do desenvolvimento humano Os princípios básicos do desenvolvimento no ciclo de vida humana podem ser assim distinguidos: causalidade múltipla – como o desenvolvimento tem uma variedade de causas, ver o comportamento somente do ponto de vista da psicologia seria incompleto. O estudo do desenvolvimento humano requer a parceria de estudiosos de diversos campos. Por exemplo, como podemos compreender inteiramente o impacto psicológico da menopausa sem conhecer as mudanças biológicas que ocorrem no corpo da mulher ou o modo como as diferentes culturas consideram esta transição?; auto-organização – o processo de desenvolvimento é caracterizado por uma integração hierárquica de sistemas de comportamento, através da qual as estruturas mais antigas são incorporadas a estruturas mais recentes, sob formas cada vez mais complexas. O indivíduo participa ativamente deste processo, trazendo para as novas experiências as atitudes, expectativas e sentimentos derivados de uma história de interações que influenciam a 9 maneira como as pistas e os estímulos ambientais são interpretados e organizados. O desenvolvimento ótimo consistiria em um contínuo de reorganização e integração ativa, pelo indivíduo, das diversas competências adquiridas ao longo da vida; plasticidade – muitas habilidades podem ser significativamente modificadas com treinamento e prática, mesmo tarde na vida, mas o potencial para mudança não é ilimitado; influências transacionais – cada pessoa se desenvolve dentro de um conjunto específico de circunstâncias ou condições definidas pelo tempo e lugar. Durante o curso de desenvolvimento, os seres humanos influenciam e são influenciados por seu contexto histórico e social. Eles não apenas respondem a seu ambiente, mas interagem com ele e o modificam; multidirecionalidade – o desenvolvimento durante a vida envolve um equilíbrio entre crescimento e declínio. Na medida em que as pessoas ganham numa área, podem perder em outra, e em taxas variáveis. As crianças crescem principalmente em uma direção – para cima –, tanto em tamanho quanto em habilidades. Na idade adulta, o equilíbrio muda gradativamente. Algumas habilidades, tais como o vocabulário, continuam a crescer; outras, como a capacidade de resolver problemas desconhecidos, normalmente diminuem; e alguns novos atributos, como a sabedoria, podem aparecer (MARTURANO, 2008). As principais etapas do desenvolvimento humano acontecem em ciclos ou etapas que são assim divididos por Marturano (2008): primeira infância – de zero a três anos; segunda infância – de três a seis anos; meninice – de seis a doze anos; adolescência – dos doze aos vinte anos; adulto jovem – de 20 a 40 anos; meia-idade – 40 a 65 anos; velhice – a partir dos 65 anos. 10 Abaixo temos exposto de maneira sucinta os principais marcos, as tarefas desenvolvimentais e o contexto social relevante aos períodos de vida enumerados acima. PERÍODO DA VIDA MARCOS E TAREFAS DESENVOLVIMENTAIS CONTEXTOS SOCIAIS RELEVANTES Infância Adquirir habilidades de linguagem. Desenvolver controle de impulso. F a m íl ia d e o ri g e m E s c o la Meninice Entrarna escola. Aprender a ler e escrever. Desenvolver habilidades sociais. Entrar na puberdade. G ru p o d e p a re s Adolescência Namorar. Desenvolver independência. Sair de casa. Escolher uma profissão. Estudar na universidade. P a rc e ir o ( a ) T ra b a lh o Início da vida adulta Casar-se. Ter filhos. Criar filhos pequenos e em idade escolar. F a m íl ia d e p ro c ri a ç ã o Maturidade Criar filhos adolescentes. Afirmar-se profissionalmente. Filhos deixam o lar. Filhos se casam. Cuidar de um progenitor enfermo. Torna-se avó ou avô. E s c o la d o s f ilh o s G ru p o d e p a re s 11 Velhice Aposentar-se. Lidar com enfermidades. Cuidar do cônjuge enfermo. Lidar com a morte do cônjuge. Lidar com a morte de amigos. G ru p o d e p a re s F a m íl ia p ó s - p a re n ta l Fonte: Adaptado de Marturano (2008). 2.4 As multidimensões do desenvolvimento humano Dentre as dimensões do desenvolvimento humano temos a dimensão biológica que diz respeito ao organismo, a hereditariedade, ao ambiente e ao desenvolvimento motor. Ocorrem mudanças no corpo, na capacidade sensorial e nas habilidades motoras. A dimensão subjetiva também chamada de psicossocial está voltada para as mudanças nos relacionamentos com os outros e no modo de a pessoa sentir, reagir e se comportar. Diz respeito ao desenvolvimento psicossexual e social e ao desenvolvimento da linguagem. A dimensão cognitiva se relaciona com o desenvolvimento cognitivo e moral, quando ocorrem mudanças na capacidade mental, raciocínio, memória e aprendizagem. 12 UNIDADE 3 – PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM 3.1 Conceitos de aprendizagem Foram muitos os estudos e pesquisas científicas, empreendidos não só pelos psicólogos como por uma gama de diversos outros especialistas, os quais buscavam responder o que é aprendizagem e quais suas características. Evidentemente que os resultados passaram por diferentes conceitos e definições, muitos divergentes, devido à natureza dos processos e mecanismos particulares, os quais foram se organizando de acordo com as teorias e tomando por base os fatos investigados. Desta seara complexa, tomamos emprestadas algumas considerações sobre a aprendizagem reunidas por Campos (2011): um processo de associação entre uma situação estimuladora e a resposta, como se verifica na teoria conexionista da aprendizagem; o ajustamento ou adaptação do indivíduo ao ambiente, conforme a teoria funcionalista; um processo de reforço do comportamento, segundo a teoria baseada em um sistema dedutivo-hipotético, formulada por Hull; um condicionamento de reações, realizado por diversas formas, tal como se verifica, por exemplo, no condicionamento contíguo de Guthrie ou no condicionamento operante de Skinner; um processo perceptivo, em que se dá uma mudança na estrutura cognitiva, de acordo com as proposições das teorias gestaltistas. Face a essas formas de considerar a aprendizagem, aqui apresentadas a título de exemplificar e sem a intenção de transcrever todas as já formuladas, pode- se concluir da dificuldade para conceituar a aprendizagem de forma inteiramente satisfatória. Da análise, porém, dos estudos realizados pelos especialistas, pode-se conceituar a aprendizagem, de um ponto de vista funcional, como a modificação sistemática do comportamento, em caso de repetição da mesma situação 13 estimulante ou na dependência da experiência anterior com dada situação. Esta noção implica o reconhecimento dos seguintes fatos: existência de fatores dinâmicos, como os da motivação, sem o que nenhum exercício, treino ou prática se torna possível, pois, se o indivíduo não for impulsionado a agir, não poderá se exercitar; possibilidade de modificação funcional dos indivíduos, segundo certas características do ambiente, que se tornam seletivas para dirigir suas reações aos estímulos ambientais; aparecimento de resultados cumulativos ou continuados da prática. De um ponto de vista estritamente operacional, bastam dois dos caracteres mencionados – modificação sistemática do comportamento e efeito da prática – para se conceituar a aprendizagem. Hilgard (1966 apud CAMPOS, 2011) assinala que certos problemas nas definições podem, geralmente, ser resolvidos recorrendo-se à definição de termos e, frequentemente, é satisfatório definir a aprendizagem como aquilo que está de acordo com o significado usual, socialmente aceito e que constitui parte de nossa herança comum. Quando devem ser feitas distinções, com maior precisão, devem sê-las através de tipos de inferências cuidadosamente especificadas, extraídas da experimentação. Assim, a aprendizagem pode ser definida como uma modificação sistemática do comportamento, por efeito da prática ou experiência, com um sentido de progressiva adaptação ou ajustamento. “Comportamento”, aqui, não é tomado apenas no sentido de reações explícitas ou de ação direta sobre o ambiente físico, como manipular, locomover-se, juntar coisas, separá-las, construir; mas, também, no de reações simbólicas, que tanto interessam à compreensão da vida social, observadas em gestos, na fala, na linguagem gráfica, como, ainda, no de comportamentos implícitos, que as reações simbólicas vêm a permitir, como perceber, compreender, imaginar e pensar de modo coerente. Por outro lado, o termo “prática” não significa a exata repetição de uma reação qualquer, mesmo porque, repetições dessa espécie jamais ocorrem no 14 transcurso da aprendizagem: prática significa a reiteração dos esforços de quem aprende, no sentido de progressiva adaptação ou ajustamento a uma nova situação que se ofereça. Desta maneira, podemos salientar dois aspectos de suma importância: a atividade própria de quem aprende e a integração dos modos de ajustamento em padrões gradativamente mais complexos. É interessante enfatizar que definir a aprendizagem como “uma mudança de comportamento” não se pretende significar qualquer tipo de mudança, porque, neste caso, poder-se-ia confundi-la com outras mudanças resultantes de crescimento, maturação, fadiga etc., que se podem dar com a repetição e o progresso, ou não. Mais uma vez Campos (2011) se baseia em Hilgard (1966) para apresentar a definição satisfatória para despertar a atenção sobre os problemas envolvidos em qualquer definição de aprendizagem: Aprendizagem é o processo pelo qual uma atividade tem origem ou é modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as características da mudança de atividade não possam ser explicadas por tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários do organismo (por exemplo, fadiga, drogas, etc.). Do ponto de vista estrutural e funcional, há mais ou menos acordo em que a aprendizagem seja as modificações que interessam aos sistemas receptores e efetores, em suas conexões anatômicas e funcionais referentes ao sistema nervoso central e que foram retidas como pertencentes ao campo da aprendizagem. Entretanto, no que se refere à natureza dos processos e mecanismos particulares em jogo na aprendizagem, isto é, que intervêm no estabelecimento e conservação dos sistemas de traços e que só podem ser inferidos, é que surgem as discussões causadoras das diversas teorias formuladas sobre a aprendizagem. Quanto ao conceito acadêmico de aprendizagem,cabem algumas considerações, pois uma pessoa, quando não versada em Psicologia, tende a conceber a aprendizagem como significando apenas adquirir habilidade em leitura, escrita, conhecimentos de geografia, história, etc. Trata-se de uma concepção estreita de aprendizagem, que é muito mais do que isso! As pessoas aprendem os valores culturais; aprendem a desempenhar papéis de acordo com o sexo; 15 aprendem a amar, a odiar, a temer e a ter confiança em si mesmas, aprendem a ter desejos, interesses, traços de caráter e de personalidade (CAMPOS, 2011). Em suma, a aprendizagem não é apenas a aquisição de conhecimentos ou do conteúdo dos livros, como pode ser compreendida por uma concepção estreita e acadêmica do fenômeno, como também não pode se limitar apenas ao exercício da memória. Toda aprendizagem resulta da procura do restabelecimento de um equilíbrio vital, rompido pela nova situação estimuladora, para a qual o sujeito não disponha de resposta adequada. A quebra deste equilíbrio determina, no indivíduo, um sentimento de desajustamento, ao enfrentar uma situação nova, e o único meio de ajustar-se é agir ou reagir até que a resposta conveniente à nova situação venha fazer parte integrante de seu equipamento de comportamento adquirido, o que constitui o que se chama aprendizagem. A eficiência da aprendizagem está condicionada à existência de problemas, que surgem na vida do educando, que lhe deem a impressão de fracasso e que o levem a sentir-se compelido a resolvê-los. Na busca e obtenção dessas soluções, o educando aprende, de fato, e não apenas memoriza fórmulas feitas, sem nenhum efeito no ajustamento de sua personalidade. A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas quanto mentais e afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos estes aspectos são necessários. 3.2 Classes de comportamento e aprendizagem Mais adiante discorreremos sobre as características da aprendizagem, o que requer de pronto, uma breve introdução às classes de comportamento que possibilitam distinguir os efeitos dos fatores genéticos ou hereditários e da experiência no desenvolvimento do comportamento. Essas classes de comportamento envolvem os reflexos, os instintos, a estampagem e as primeiras experiências. 16 Os reflexos são comportamentos ou respostas específicas a estímulos específicos, não suscetíveis à modificação proveniente de experiência anterior. São peculiares a cada espécie de organismo vivo, portanto são advindos de fatores genéticos. Como exemplos podem ser citados o reflexo rotular no ser humano ou os reflexos de Babinski e de Darwin nas crianças até cerca de 180 dias. Enquanto o reflexo é um comportamento simples, o instinto refere-se a comportamento complexo que, entretanto, parece desenvolver-se sem os benefícios da aprendizagem. O reflexo ocorre em um grupo específico de efetores1 e é evocado pela estimulação de uma superfície sensorial específica. O comportamento instintivo não depende, em geral, de qualquer receptor específico e envolve, de forma característica, grande parte dos efetores do corpo inteiro, ao invés de se limitar a uma só glândula ou a um só grupo muscular. Como todo comportamento complexo, o comportamento instintivo envolve elementos reflexos, pois a sua segunda fase, a consumatória, é consideravelmente reflexa. Na procura de alimento, pelo animal, por exemplo, a procura e obtenção do alimento são preparatórias, enquanto que a mastigação, salivação e deglutição são consumatórias. Um atributo especial do comportamento instintivo é não ter necessidade de ser ensinado ou de ser adquirido pela prática, embora possa incluir elementos da aprendizagem, o que não ocorre com os reflexos puros ou não condicionados. É interessante referir, porém, que a designação “comportamento instintivo” tem sido empregada com uma significação aproximada, porque vem impregnada de uma série de conotações que lhe afetaram o uso preciso. Em resumo, o comportamento instintivo caracteriza-se como complexo, previsível de acordo com a espécie, inflexível, automático e mecânico, revelando muito pouca variabilidade ou possibilidade de aprendizagem, isto é, não requerendo condições especiais de aprendizagem para seu aparecimento. Quando contrariado, o instinto parece cego e estúpido. 1 Órgão que produz um efeito, geralmente em resposta a um estímulo. 17 Outra categoria de comportamento na qual a variabilidade e a aprendizagem são mínimas é a estampagem (imprinting). Um comportamento resultante da estampagem é fixado pela ligação estabelecida entre um padrão complexo de comportamento exibido e um estímulo presente no momento apropriado. Na estampagem são encontradas quase todas as características do comportamento instintivo, porém depende também de certa experiência do organismo, implicando aprendizagem. Entretanto, não se trata de aprendizagem comum, mas de tipo especial e limitado. Experimentos e pesquisas com várias espécies de aves mostraram a existência de uma ligação social durável com membros da espécie com a qual travaram o primeiro contato, portanto, elementos de outra espécie tornaram-se seus pais. Quando uma ave sai do ovo, o primeiro objeto que vê, torna-se normalmente um de seus pais. O patinho vendo uma galinha, desde que saiu da casca, passará a segui-la, como sua mãe. Nas primeiras 24 horas da cria, esta visão tem um efeito durável e é muito importante para algumas espécies, como determinante do comportamento na maturidade. A estampagem constitui um tipo de aprendizagem muito especial, também chamada aprendizagem primitiva, e que apresenta as seguintes características: 1. Só se dá em um período crítico, sendo em geral constituído das primeiras 12 a 24 horas de vida, dependendo da espécie. 2. Não requer reforço primário, como, por exemplo, o alimento. 3. Uma simples experiência não parece suficiente para que haja a estampagem. 4. Tem a sua maior eficiência quando uma experiência de treino é reduzida a um intervalo relativamente curto de tempo, sendo então resultante de prática mais maciça, do que distribuída, contrariamente ao que ocorre na aprendizagem. 5. O comportamento a ser estampado e a própria estampagem são ambos acelerados por um estímulo nocivo (choque, por exemplo], apresentado durante o processo de estampagem, enquanto que tem efeito desorganizador na aprendizagem. 18 6. É eliminada por certas drogas, como os tranquilizantes, o que não ocorre na aprendizagem. 7. Na estampagem, a primeira experiência com uma situação é a mais importante. Assim caracterizada, pode-se definir a estampagem como a associação entre um padrão complexo de comportamento e um complexo padrão de estímulos presente, por acaso, na primeira, ou nas primeiras ocorrências deste comportamento. Embora, em certo sentido, possa ser considerada como uma forma primitiva de aprendizagem, a estampagem desta se diferencia, portanto. Em sua forma mais profunda, a estampagem é um fenômeno característico das aves. Entretanto, o mesmo tipo de efeito pode aparecer entre mamíferos, embora o período de aprendizagem requerido seja muito maior. O carneiro alimentado na mão e mantido afastado de outros carneiros durante o crescimento não se junta ao rebanho, quando colocado no campo e, se permitido, irá se aproximar do pastor.A estampagem vem sendo objeto de especulações em relação ao comportamento humano (CAMPOS, 2011). A expressão “primeira experiência” é usada para designar um comportamento que faz parte do equipamento genético do organismo, mas que jamais ocorreu anteriormente, não podendo então receber a denominação de comportamento aprendido. Tecnicamente falando, a experiência pode ser definida como o padrão de estimulação de um órgão dos sentidos: as combinações e sequências de estímulos que afetam o organismo, sem mencionar a questão dos possíveis processos de consciência que surgem daí. Assim, pode-se tratar das primeiras experiências de um peixe ou de um recém-nascido, sem que isso implique que qualquer um desses organismos tenha processos nervosos suficientemente elaborados para que essas experiências envolvam “consciência” ou “conhecimento”. Do nascimento em diante, a complexidade de estimulação de um recém- nascido aumenta, grandemente. O bebê não parece ser afetado por essa 19 estimulação e costumava-se pensar que se trataria apenas de um período de crescimento, durante o qual o meio ambiente era importante apenas para fornecer alimento e manter temperatura adequada. Sabe-se agora que a situação é bem diferente e que as teorias da personalidade e do desenvolvimento vêm atribuindo grande importância às primeiras experiências do organismo individual. As estimulações sensoriais do meio ambiente, a fim de determinar as primeiras experiências, são necessárias para a manutenção de algumas estruturas neurais, que seriam de outra forma degeneradas, e para a ocorrência da aprendizagem essencial para o desenvolvimento normal do organismo. A falta das primeiras experiências parece restringir a capacidade ulterior de aprendizagem e limitar, desta maneira, o desenvolvimento normal. Vêm sendo realizadas pesquisas com animais, como cães, macacos, etc., submetendo-os à privação de uma estimulação normal durante a fase de desenvolvimento. Esta falta das primeiras experiências próprias da espécie determinou o aparecimento de animais, apresentando, em comparação com irmãos da mesma idade, características tais como: pouca inteligência, deficiência na capacidade de aprender, deficiência na tendência normal a saciar a curiosidade, alterações na emotividade e prováveis deficiências na capacidade de perceber a dor. A restrição precoce produziu animais que podem permanecer imaturos para sempre, isto é, cuja capacidade para aprender parece destorcida e diminuída de maneira permanente. Sem dúvida, consequências semelhantes no comportamento humano vêm sendo objeto de pesquisas, face às repercussões no plano educacional. A aprendizagem é uma classe de comportamento que consiste em uma modificação sistemática de conduta, advinda da repetição de uma mesma situação. Evidentemente que tanto os comportamentos aprendidos como os não aprendidos são da maior importância no desenvolvimento dos organismos vivos. Parece claro que o comportamento superior do adulto depende, fundamentalmente, da experiência na infância, enquanto o comportamento reflexo 20 ou o instintivo não exige experiência anterior, a motivação normal, a percepção e a inteligência requerem primeiras experiências em condições normais. Entretanto, o comportamento inato, como também o comportamento superior que está sujeito às primeiras experiências, dependem da hereditariedade e dos processos de crescimento, garantidores dos olhos, ouvidos, receptores da pele e um sistema nervoso no qual ocorre a aprendizagem. Atualmente, não se cogita mais se determinado comportamento advém da hereditariedade ou da aprendizagem, mas de que maneira ambas colaboram para produzi-lo. Apenas o reflexo não condicionado prescinde da aprendizagem para se desenvolver, enquanto que todos os outros tipos de comportamento, incluindo mesmo a maior parte dos instintivos, envolvem a aprendizagem determinada pelas experiências da infância. Grande parte do comportamento não é adquirida, mas ainda assim depende da existência de outra aprendizagem anterior. Esses entendimentos são de grande relevância para o Psicólogo quando ele promove investigações sobre o desenvolvimento do ser humano, como também poderá colaborar clinicamente nesse processo, tal como para o educador, cuja missão é procurar propiciar todos os meios a seu alcance para o aproveitamento mais adequado e eficiente de todo o potencial hereditário de cada indivíduo. 3.3 Características da aprendizagem A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas quanto mentais e afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos esses aspectos são necessários. Daí podemos falar em características da aprendizagem, relacionando com o ambiente escolar. 1. A aprendizagem é um processo dinâmico, não é de absorção passiva, pois sua característica mais importante é a atividade daquele que aprende. Portanto, a aprendizagem só se faz através da atividade do aprendiz. É evidente que não se trata apenas de atividade externa física, mas, também, 21 de atividade interna, mental e emocional, porque a aprendizagem é um processo que envolve a participação total e global do indivíduo, em seus aspectos físico, intelectual, emocional e social. Na escola, o aluno aprende pela participação em atividades, tais como leitura de textos escolares, redações, resoluções de problemas, ouvindo as explicações do professor, respondendo oralmente às questões, fazendo exames escritos, pesquisando, trabalhando nas oficinas, fazendo experiências no laboratório, participando de atividades de grupo, etc. Assim, a aprendizagem escolar depende não só do conteúdo dos livros, nem só do que os professores ensinam, mas muito mais da reação dos alunos a fatores, tais como livros, professores e ambiente social da escola. Os métodos de ensino da escola moderna tornaram-se ativos, suscitando o máximo de atividade, da parte do aprendiz, face à caracterização da aprendizagem como um processo dinâmico. A aprendizagem é um processo contínuo: desde o início da vida, a aprendizagem se acha presente. Ao sugar o seio materno, a criança enfrenta o primeiro problema de aprendizagem: terá que coordenar movimentos de sucção, deglutição e respiração. As horas de sono, as de alimentação, os diferentes aspectos de criação impõem, já ao infante, numerosas e complexas situações de aprendizagem. Na idade escolar, na adolescência, na idade adulta e até em idade mais avançada, a aprendizagem está sempre presente. A família, a escola e, enfim, todos os agentes educacionais precisam selecionar os conteúdos e comportamentos a serem exercitados, porque, sendo a aprendizagem um processo contínuo, o indivíduo poderá aprender algo que venha prejudicar seu ajustamento e o bom desenvolvimento de sua personalidade. A aprendizagem é um processo global: qualquer comportamento humano é global ou “compósito”; inclui sempre aspectos motores, emocionais e ideativos ou mentais, que podemos já dizer, são produtos da aprendizagem. Portanto, a aprendizagem, envolvendo uma mudança de comportamento, terá que exigir a participação total e global do indivíduo, para que todos os aspectos constitutivos de sua personalidade entrem em atividade no ato de 22 aprender, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio vital, rompido pelo aparecimento de uma situação problemática. A aprendizagemé um processo pessoal: ninguém pode aprender por outrem, pois a aprendizagem é intransferível de um indivíduo para outro. As concepções antigas supunham que o professor, apresentando o conteúdo a ser aprendido, realizando os movimentos necessários, levava, obrigatoriamente, o aluno à aprendizagem. Atualmente, a compreensão do caráter pessoal da aprendizagem levou o ensino a se concentrar na pessoa do aprendiz, tornando-se paidocêntrica (o aluno no centro) a orientação da escola moderna. A maneira de aprender e o próprio ritmo da aprendizagem variam de indivíduo para indivíduo, face ao caráter pessoal da aprendizagem. A aprendizagem é um processo gradativo: é um processo que se realiza através de operações crescentemente complexas, porque, em cada nova situação, envolve maior número de elementos. Cada nova aprendizagem acresce novos elementos à experiência anterior, sem idas e vindas, mas numa série gradativa e ascendente. Este caráter gradativo repercutiu na organização dos programas escolares, na organização dos cursos e em sua respectiva seriação. A aprendizagem é um processo cumulativo, ou seja, com um sentido de progressiva adaptação e ajustamento social. Analisando-se o ato de aprender, verifica-se que, além da maturação, a aprendizagem resulta de atividade anterior, ou seja, da experiência individual. Ninguém aprende senão por si e em si mesmo, pela automodificação. Desta maneira, a aprendizagem constitui um processo cumulativo, em que a experiência atual se aproveita das experiências anteriores. Estas modificações de comportamento, resultantes da experiência, podem levar a frustrações e perturbações emocionais, quando não se dá a integração do comportamento, isto é, a aprendizagem. Quando, na realidade, a aprendizagem se realiza, surge um novo comportamento, capaz de solucionar a situação problemática encontrada, levando o aprendiz à adaptação, ou à integração de sua personalidade, ou ao ajustamento social. A acumulação das experiências leva à organização de 23 novos padrões de comportamento, que são incorporados, adquiridos pelo sujeito. Daí se afirma que quem aprende modifica o seu comportamento (CAMPOS, 2011). 3.4 Os produtos da aprendizagem Toda aprendizagem resulta em alguma mudança ocorrida no comportamento daquele que aprende. Assim, observam-se mudanças nas maneiras de agir, de fazer coisas, de pensar em relação às coisas e às pessoas e de gostar, ou não gostar, de sentir-se atraído ou retraído das coisas e pessoas do mundo em que vive. Desta maneira, verifica-se que os produtos da aprendizagem são de natureza diferente, sendo possível sua classificação, embora forçando um pouco os fatos, porque, geralmente, não se encontra um produto de aprendizagem puro, mas o predomínio de um dos produtos sobre os outros, em cada situação. Comumente, os produtos da aprendizagem são agrupados em automatismos (em que predominam os elementos motores), elementos cognitivos e elementos afetivos ou apreciativos, estes últimos porque o homem é um organismo que pensa, sente e atua, portanto, todo o processo aprendido possui componentes motores, ideativos e afetivos. Ninguém jamais adquire um hábito motor, como, por exemplo, a patinação, sem algum nexo afetivo, ou consequência cognitiva. O indivíduo que aprende pensa sobre o que faz, ao aprender; forma, pelo menos, uma noção da natureza geral e do significado deste processo: se é interessante ou enfadonho, se constitui uma forma adequada de socialização, ou um exercício físico sadio. Ao mesmo tempo, adquire alguns sentimentos referentes à atividade: passa a apreciá-la ou desprezá-la, a detestá-la ou valorizá-la, e a atividade adquire uma conotação positiva ou negativa, atraindo-o ou repelindo-o (CAMPOS, 2011). Qualquer atividade predominantemente cognitiva (conceitual), também possui componentes, relações ou consequências motoras. O pensamento é, parcialmente, muscular ou possui repercussões motoras. Quando alguém imagina estar passeando pela rua, pode-se captar impulsos periódicos dos músculos da perna. Foi demonstrado que ligeiros movimentos da língua e da laringe ocorrem em pessoas normais, durante a reflexão; os surdos- mudos, que utilizam a linguagem de sinais, executam ligeiros movimentos dos 24 dedos, mãos e braços, tanto ao pensar, como sonhando. Estas mesmas pesquisas revelam que o relaxamento muscular completo e a reflexão são incompatíveis; quando os músculos estão perfeitamente relaxados, o indivíduo adormece e não pode pensar. Ao contrário, quando se percebe, ou se pensa, há um aumento de tensão muscular. Um alto nível de atenção ou concentração sempre envolve um aumento de tensão muscular geral. Todos estes fatos indicam que grande parte da atividade cognitiva, se não toda ela, possui aspectos ou correlatos motores. É igualmente verdade que os sentimentos e as emoções também têm seus componentes ou correlatos intelectuais ou motores. Toda emoção agradável traz consigo uma tendência para repetir a experiência agradável ou para deixar as coisas como estão, prolongando a situação. Cada experiência afetiva, de tonalidade positiva, envolve uma tendência motora positiva, que visa a aproximar, prolongar e perpetuar esta vivência, ao passo que estados emocionais desagradáveis acarretam tendências de fuga, reações de aversão e uma tendência reacional que visa o afastamento da situação estimuladora. Expectativas cognitivas e significados perceptivos e conceituais tornam-se, igualmente, parte integrante da reação total, que é de natureza predominantemente afetiva. Assim, por exemplo, percebe-se como amigáveis e desejáveis as situações, em que foram agradáveis as experiências anteriores semelhantes. Ao contrário, são percebidas como ameaçadoras e conceituadas como perigosas e más situações, pessoas, ou objetos que foram, previamente, fontes de frustrações, conflito, ansiedade, culpa ou dor. Os aspectos da atividade do indivíduo, artificialmente abstraídos, para fins de classificação e estudo dos produtos da aprendizagem, nunca existem isoladamente, na vida real. Uma pessoa constitui uma unidade e, ao agir, é a pessoa como um todo que responde. Sua atividade sempre possui componentes motores (predominantemente musculares), ideativos (em grande parte neurológicos) e afetivos (principalmente viscerais), em diversas proporções. 25 Da mesma forma, quando os padrões comportamentais do indivíduo se modificam, em virtude da experiência, os aspectos motores, ideativos e afetivos também se alteram. A aprendizagem cognitiva é aquela que, no processamento, predominam os elementos de natureza intelectual, tais como a percepção, raciocínio, memória, etc. Assim, o conhecimento das causas da independência do Brasil, a aplicação de um teorema na solução de um problema matemático, a data da descoberta da América, etc., constituem uma aprendizagem do tipo ideativo, pois vão envolver, especialmente, a utilização de processos intelectuais ou cognitivos. Na aprendizagem ideativa, ainda, pode-se distinguir entre conhecimentos e informações. Quando o aluno aprende a data da descoberta da América, trata-se de uma informação, porque essa tarefa envolveu apenas a memória, sendo desnecessário qualquer outra atividade intelectual. Entretanto, para a aprendizagem das causas da independência brasileira, os processos mentais de percepção, atenção, raciocínio, abstração, julgamento, etc., são imprescindíveis, para que o aprendiz reelabore o conhecimento a ser adquirido, a menos que ocorra a pseudo- aprendizagem – apenas a memorização e não a compreensão das relações de causa e efeito do fato estudado.Além das condições comuns a qualquer tipo de aprendizagem, como as condições orgânicas, a maturidade para aprender, a motivação, etc., a aprendizagem ideativa não pode prescindir do trabalho das funções cognitivas, como a percepção, a atenção, o raciocínio, a memória, etc. De fato, a aprendizagem exige a atividade do educando e os resultados ou produtos dessa aprendizagem podem ser classificados em três categorias, conforme o predomínio do tipo de atividade individual envolvida, embora, na realidade, não possam aparecer totalmente isolados porque a personalidade funciona sempre como um todo – o indivíduo pensa, sente e age a um só tempo. Quanto ao automatismo, é uma aprendizagem que propicia ao aprendiz meios de adaptação às situações de vida, sem exigir muito do trabalho mental. A aquisição de automatismos libera a atividade mental do indivíduo, para a solução de problemas mais complexos. O homem necessita saber vestir-se, pentear-se, cortar alimentos, dirigir automóveis, escrever as palavras, operar matematicamente e de 26 uma série de atos usados a todo o momento, em sua vida. Os automatismos são padrões fixos de conduta selecionada, que permitem ao indivíduo enfrentar as situações constantes e rotineiras da vida e da profissão, com agilidade, rapidez e economia de tempo e esforço. Os automatismos tanto podem ser mentais quanto motores e até sociais, como, por exemplo, a cortesia, o cavalheirismo, a cooperação, etc. A observação, a retenção mnemônica, a leitura rápida, a indução etc., constituem exemplos de hábitos mentais. A eficiente realização de atividades dessa natureza depende de um bom desenvolvimento dos hábitos e das habilidades mentais e motoras; através da experiência e do treino, o homem torna-se capaz de realizar esses atos com o máximo de rendimento, em tempo e em qualidade, sem mesmo necessitar concentrar a sua atenção para executá-los. A aprendizagem de hábitos e habilidades é realizada da mesma maneira que as outras, porém inclui reações de tipo automático e, portanto, necessita da prática para ser atingida. Os padrões de desenvolvimento motor, que vão possibilitar a formação de automatismos motores, podem ser classificados em dois tipos: os primários e os secundários. Os primeiros incluem os movimentos globais do corpo, como andar, correr, saltar, atirar, nadar, etc.; os segundos envolvem o controle de músculos menores, como escrever e usar instrumentos que requerem a coordenação de pequenos músculos. A maioria das habilidades motoras envolve ambos, os movimentos globais e a coordenação de pequenos músculos, portanto, a aquisição de automatismos depende da prática, do treino, da repetição. Uma criança, quando começa a aprender a escrita, todo o seu corpo fica tenso, seus dedos rígidos, agarrando o lápis com toda força. Com a prática, vai captando os sinais que possibilitam movimentos flexíveis, até se tornar capaz de manusear, mesmo uma caneta. Assim, conclui-se que é necessário apresentar ao aprendiz as dificuldades de forma gradativa, nos exercícios, para que possam ser percebidos e automatizados por aquele que aprende. Na aprendizagem motora, deve-se considerar, também, que as dificuldades a serem transpostas só o são depois que: (a) o indivíduo tem a concepção geral do que vai aprender e (b) começa a fazer discriminações do geral, coordenando as 27 ações desse campo, no sentido de reorientação da atividade, ou seja, ocorre o processo de aproveitamento das experiências anteriores, corrigindo os erros cometidos. Qualquer habilidade mental ou motora se caracteriza por ser automática, rápida, precisa e dependente da coordenação de uma série de relações, sequências ou de pequenos neurônios, tudo isto conseguido através de um complexo processo, tal como foi referido. Campos (2011) nos chama atenção para os objetivos da escola moderna que não são apenas intelectuais (aprendizagem ideativa) e de aquisição de habilidades e destrezas (aprendizagem de automatismos). Atualmente, a escola pretende contribuir para a equilibrada formação da personalidade do aluno e sua integração ao ambiente sociocultural, através do ajustamento de seus sentimentos, atitudes e ideais aos do grupo a que o mesmo pertence. Diante de um novo conhecimento ou habilidade, a atitude do aprendiz pode variar, revelando-se positiva, negativa, ou mesmo indiferente. Desta maneira, a aprendizagem apreciativa, emocional ou afetiva sempre acompanha as demais, isto é, é concomitante às outras aprendizagens, ultrapassando o currículo escolar, seguindo pela vida a fora. Quem aprende a dirigir um carro, aprendizagem tipicamente motora e automática, aprende, concomitantemente, a gostar ou não de dirigir carro, a respeitar as regras de trânsito, a tomar cuidado com a vida de outras pessoas, que são aprendizagens do tipo apreciativa. “Nunca se aprende uma só coisa de cada vez” é uma verdade incontestável, quando se observa, por exemplo, um adolescente dizendo que adora geografia, porque o professor é formidável, mostrando que, além de aprender a disciplina, adquiriu uma atitude favorável ao estudo da matéria, decorrente do estabelecimento de uma relação afetiva entre a matéria e o mestre. A aprendizagem apreciativa influi, modifica e aperfeiçoa a personalidade do educando, que se estrutura sob as bases hereditárias, em constante interação com o meio ambiente. Atitudes, valores sociais traduzidos por gostos, preferências simpatias, costumes, crenças, hábitos e ideais de ação fazem parte da aprendizagem 28 apreciativa e constituem em última instância os princípios gerais de conduta humana. É preciso concordar com Campos (2011) ao inferir que sem emoções, sentimentos, valores e ideais, a vida não teria sentido. Sem essas reações, as palavras felicidade e desgraça, prazer e dor, amor e ódio seriam inteligíveis; assim como tudo seria indiferente, os fatos mais vulgares e as maiores catástrofes deixariam o homem completamente impassível. Igualmente, muitos dos estados afetivos no homem, como o amor, o respeito, a admiração, o sentimento de justiça, o sentimento atlético e moral, são, em grande proporção, fruto da experiência e da educação, tanto que a escola e a família deveriam exercitar essas respostas afetivas e outras, que desempenham papel da maior relevância na vida social. Pois bem, a aprendizagem apreciativa pode ser positiva ou negativa, se cria uma reação individual favorável, ou provoca reação de agressividade, inibição ou aversão. É a aprendizagem que possibilita a formação do caráter do aprendiz, o que se expressa na sua maneira constante de agir, diante das diferentes situações. O melhor índice da educação e cultura de um indivíduo não está na sua habilidade para fazer coisas, nem na massa de informações e conhecimentos por ele armazenados, mas na qualidade e intensidade de seus ideais, suas atitudes e preferências, em relação à vida, à cultura e ao meio social e profissional em que vive; encontra-se também na sua capacidade para avaliar a verdade, apreciar o belo e praticar o bem (CAMPOS, 2011). Evidentemente que todo este conteúdo não surge espontaneamente! Ele precisa ser ensinado e cultivado, principalmente na escola. Todo esse conteúdo da aprendizagem apreciativa, que constitui os recursos fundamentais de integração à vida, ao meio social e à profissão, não surge espontaneamente, mas precisa ser ensinado e cultivado pela escola. 29 UNIDADE 4 – TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO/APRENDIZAGEM Várias teorias foram e ainda são elaboradas com o objetivo de reconstituir, a partir de diferentes metodologias e pontosde vista, as condições de produção da representação do mundo e de suas vinculações com as visões de mundo e de homens dominantes em cada momento histórico da sociedade (TERRA, 2010). Dentre as várias teorias que focaram o desenvolvimento e a aprendizagem, escolhemos algumas, não somente de estudiosos renomados e estudados exaustivamente nos cursos voltados para a educação, mas de outros menos conhecidos que também contribuíram sobremaneira. Entendemos que cada uma delas, a seu tempo e seu modo, veem colaborando com o entendimento do desenvolvimento humano. Sigmund Freud (1856-1939) À sua época, inovou em dois campos, desenvolvendo uma teoria da mente e da conduta humana e uma técnica terapêutica para ajudar pessoas afetadas psiquicamente. Seu novo e radical modelo da mente humana alterou a forma como pensamos sobre nós próprios, a nossa linguagem e a nossa cultura. A sua descrição da mente enfatiza o papel fundamental do inconsciente na psique humana e apresenta o comportamento humano como resultado de um jogo e de uma interação de energias. Freud contribuiu para a eliminação da tradicional oposição básica entre sanidade e loucura ao colocar a normalidade num continuum e procurou compreender o funcionamento do psiquismo normal através da gênesis e da evolução das doenças psíquicas. Estudou ainda o desenvolvimento psíquico da pessoa a partir do estágio indiferenciado do recém-nascido até a formação da personalidade do adulto (ALMADA, 2006). Para ele, muitos dos problemas psicopatológicos da idade adulta de que trata a Psicanálise têm as suas raízes, as suas causas, nas primeiras fases ou estágios do desenvolvimento. 30 Na perspectiva freudiana, a “construção” do sujeito, da sua personalidade, não se processa em termos objetivos (de conhecimento), mas em termos objetais e tal objeto é um objeto libidinal, de prazer ou desprazer, gratificante ou não gratificante, positivo ou negativo (ALMADA, 2006). O conceito de desenvolvimento da personalidade ocorre em sete fases: oral, anal, fálica, latência, adolescência, maturidade e velhice. Ele afirma que em cada fase, a pessoa deve aprender a resolver certos problemas específicos, originados do próprio crescimento físico e da interação com o meio. A solução dos diferentes problemas, que em grande parte depende do tipo de sociedade ou cultura, resulta na passagem de uma fase para a outra e na formação do tipo peculiar de personalidade. No decorrer das fases, o indivíduo expressa seus impulsos e suas necessidades básicas dentro de moldes que visam a continuação da cultura (D`ANDRÉA, 2001). Embora não encontremos em Freud as respostas que buscamos para entender o desenvolvimento humano, a sua teoria sobre o desenvolvimento da personalidade atribui uma nova importância às necessidades da criança em diversas fases do desenvolvimento e sobre as consequências da negligência dessas necessidades para a formação da personalidade, levando outros pesquisadores a estudarem profundamente o assunto. Jean Piaget (1896-1980) Na área de Psicologia do Desenvolvimento não há dúvidas de que encontramos em Piaget um dos investigadores mais influentes do século XX. Ele acreditava que o que distingue o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de ter um pensamento simbólico e abstrato. Acreditava também que a maturação biológica estabelece as pré-condições para o desenvolvimento cognitivo. As mudanças mais significativas são mudanças qualitativas (em gênero) e não quantitativas (em quantidade). Na sua teoria existem dois aspectos principais: o processo de conhecer e os estágios/etapas pelos quais nós passamos à medida que adquirimos essa habilidade. 31 Como biólogo, Piaget estava interessado em como é que um organismo se adapta ao seu ambiente (ele descreveu esta capacidade como inteligência), tanto que o comportamento é controlado através de organizações mentais denominadas “esquemas”, que o indivíduo utiliza para representar o mundo e para designar as ações (ALMADA, 2006). Até o início do século XX assumia-se que as crianças pensavam e raciocinavam da mesma maneira que os adultos. A crença da maior parte das sociedades era a de que qualquer diferença entre os processos cognitivos entre crianças e adultos era, sobretudo de grau: os adultos eram superiores mentalmente, do mesmo modo que eram fisicamente maiores, mas os processos cognitivos básicos eram os mesmos ao longo da vida (ZACHARIAS, 2007). No entanto, a partir da observação cuidadosa de seus próprios filhos e de muitas outras crianças, concluiu que em muitas questões cruciais as crianças não pensam como os adultos, porque ainda lhes faltavam certas habilidades, a maneira de pensar é diferente, não somente em grau, como em classe (ZACHARIAS, 2007). A teoria de Piaget, do desenvolvimento cognitivo, é uma teoria de etapas, uma teoria que pressupõe que os seres humanos passam por uma série de mudanças ordenadas e previsíveis (ZACHARIAS, 2007). Assim, na transformação da lógica infantil para adulta, o desenvolvimento ocorre num processo contínuo de trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente. Sobre os períodos do desenvolvimento, Piaget os divide de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento. Neste período, o que de mais importante acontece é o aparecimento da linguagem (MEDKE, 2008). Como decorrência do aparecimento da linguagem, o desenvolvimento do pensamento se acelera, tendo a interação e a comunicação entre os indivíduos as consequências mais evidentes da linguagem. Um dos períodos mais relevantes é aquele em que a criança nutre um respeito extremo pelos indivíduos que julga superiores a ela. Neste período, a maturação neurofisiológica completa-se, permitindo o desenvolvimento de novas habilidades, como a coordenação motora fina – pegar pequenos objetos com as pontas dos dedos, segurar o lápis corretamente e conseguir fazer os delicados movimentos exigidos pela escrita (MEDKE, 2008). 32 A teoria de Piaget, interacionista, contrapõe-se às correntes que permeiam a Psicologia em geral (objetivismo e subjetivismo2) e baseia-se no esquema cognitivo. Assimilação, acomodação e equilibração são os processos responsáveis pelas transformações nos esquemas. Os esquemas são estruturas cognitivas pelas quais os indivíduos intelectualmente se adaptam ao meio. A capacidade humana para organizar mentalmente a experiência torna o pensamento mais adaptado ao ambiente, à medida que se torna mais organizado. Esses esquemas organizam os eventos como eles são percebidos pelo indivíduo, classificando-os em grupos, de acordo com características comuns e, por fim, o comportamento que expressa um esquema é uma sequência de ações que pode ser generalizada em situação semelhante (MARTURANO, 2008). Sobre o alicerce da teoria piagetiana, esta é a noção de equilíbrio, ou seja, todo organismo vivo tenta se adaptar ao meio para superar as perturbações constantes. A este processo dinâmico e constante chamamos equilíbrio majorante. Piaget acreditava que a constante necessidade de equilibrar o ser ao meio é que desenvolve o conhecimento do indivíduo. A cada desequilíbrio, necessita-se alcançar o equilíbrio e isso se faz pela assimilação e pela acomodação. 1º) Assimilação – na assimilação, o organismo, sem alterar suas estruturas, desenvolve ações destinadas a atribuir significações a partir de sua experiência anterior, ou seja, aos elementos do meio, com os quais interage, isto é: processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptivo, motor ou conceitual nos esquemas já existentes; estímulos são “forçados”a se ajustarem aos esquemas da pessoa; não resulta em mudança nos esquemas, mas em sua ampliação e diferenciação; processo ativo e seletivo; modifica a informação assimilada para que ela fique compatível com o esquema. 2 Derivam do idealismo e Materialismo mecanicista que, por sua vez, foram herdadas do dualismo de Descartes, o qual propôs a separação entre corpo e alma, isto é, físico e psíquico. 33 2º) Acomodação – o organismo é compelido a se modificar, a se transformar para se ajustar as demandas impostas pelo meio ambiente, ou seja: criação de novos esquemas ou modificação de esquemas existentes para atender a novas exigências do ambiente; ocorre quando as qualidades do ambiente não se ajustam bem; processos responsáveis pelas transformações dos esquemas aos esquemas existentes; resulta sempre em mudança na estrutura cognitiva; pessoa é forçada a mudar seu esquema para acomodar novos estímulos. 3º) Equilibração: tendência de todo indivíduo em desenvolvimento, de esforçar-se para atingir um equilíbrio entre os elementos cognitivos internos e entre eles e o mundo externo; processos responsáveis pelas transformações dos esquemas; processo autorregulador que garante o equilíbrio entre assimilação e acomodação, necessário para uma eficiente interação da criança com o ambiente; o processo de equilibração é acionado sempre que ocorre um conflito cognitivo (quando uma hipótese da criança não é confirmada pela experiência, ou quando duas crianças têm explicações diferentes para o mesmo fenômeno) (MARTURANO, 2008). O desenvolvimento cognitivo visto como um processo de equilibrações sucessivas passa por quatro fases distintas: a sensório-motora (até dois anos); a pré-operatória (de 2 a 7 anos); a operatório-concreta (de 7 a 13 anos); a operatório-formal (de 13 anos até a fase adulta). 34 1- Fase Sensório-motora – a criança está presa ao aqui-e-agora da situação, pois, baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas. Embora tenha conduta inteligente, não dispõe da capacidade de representar eventos, de evocar o passado ou referir-se ao futuro. A criança pega, balança, joga, bate, morde objetos como forma de experimentação e definição pré-lógica, conceituando o que balança, o que não balança, o que faz barulho, o que não o faz, etc. Esses conceitos sensório-motores também são usados para conhecer e se relacionar a outros seres humanos, a partir de reflexos inatos, que vão se aperfeiçoando com as experiências obtidas num processo de afetividade e inteligência, influenciados pela socialização. Nesse período, as concepções de espaço, tempo e causalidade começam a ser construídas e o bebê que interagia apenas com objetos que estivesse visível à sua frente, aos oito meses, já percebe que o objeto está ali a sua frente, porém, coberto com um pano. Anuncia-se a função simbólica, ou seja, a capacidade de representar eventos futuros, alterando consideravelmente a forma como a criança lida com o meio. 2- Fase Pré-Operatória – é aquela marcada pelo aparecimento da linguagem oral por volta dos dois anos. Além da experiência e da inteligência prática, a criança começa a estruturar pensamentos através de esquemas de ação interiorizados que são denominados esquemas representativos ou simbólicos, sendo capaz de ter uma ideia pré-existente sobre algo, substituir o boneco pelo bebê, e imitar a mãe usando sua bolsa ou sapatos. Os objetos, ações, situações, pessoas e símbolos são decorrentes de um pensamento sustentado por conceitos, ações interiorizadas e mentais. Nesta fase, o pensamento é egocêntrico e a criança não consegue colocar- se no ponto de vista do outro. Ocorre o antropomorfismo (atribuir características humanas a objetos e animais) e a transdedutividade, consistente no fato de que a criança não estabelece normas gerais para coisas do cotidiano. Exemplo: ao ver o pai esquentar água para barbear-se, no outro dia ao ver a água esquentando diz: “- papai vai se barbear”. Não consegue estabelecer princípios gerais que a levem às várias aplicações cotidianas da água quente, como cozinhar, lavar, aquecer, etc. Não há noção de conservação, mudando-se a aparência do objeto, muda também a quantidade, volume, massa e o peso desse mesmo objeto. E não há noção de reversibilidade, 35 pois não entende que é possível retornar ao ponto de partida. Exemplo: se acrescentar três a mais duas laranjas e depois tirar as três já acrescentadas, a criança não percebe que voltou à condição anterior, ocorrendo o pensamento como se fosse uma nova tarefa. 3- Fase Operatório Concreta – vai dos sete aos treze anos. A criança está pronta para iniciar um processo de aprendizagem sistemática e adquirir uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a organizar seus próprios valores morais. A grupalização com o sexo oposto diminui. A criança, que no início do período ainda considerava bastante as opiniões e ideias dos adultos, no final passa a enfrentá-los. As ações interiorizadas tornam-se cada vez mais reversíveis (móveis e flexíveis), não confunde mais o real e o fantástico e interage melhor com o mundo ao seu redor, o pensamento é menos egoísta. Nesta fase a reversibilidade é comprovada, pois a criança sabe que 2 + 3 = 5 porque 5 - 3 = 2 e que a massa dos objetos não muda ainda que lhe altere a forma (massinha de modelar), já existindo a noção de conservação. É chamado de concreto, pois a criança só consegue pensar logicamente apoiada em exemplos concretos, reais, materiais, não conseguindo pensar em proposições ou enunciados. 4- Fase Operatório-formal – após os 13 anos, a criança raciocina logicamente, podendo pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade possível. É capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, etc. É capaz de tirar conclusões de puras hipóteses. O alvo de sua reflexão é a sociedade, sempre analisada como possível de ser reformada e transformada. No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos. Sendo capaz de raciocinar hipóteses, pode também, derivar todas as consequências lógicas possíveis. Nesta fase, o adolescente chega ao raciocínio hipotético-dedutivo que lhe permitirá estender seu pensamento ao infinito. Com esta ampla capacidade, atinge o grau mais complexo do seu desenvolvimento cognitivo, necessitando apenas de ajustar, solidificar e estofar suas estruturas cognitivas (COLL, PALACIOS E MARCHESI, 2004; MEDKE, 2008). Voltando ao estágio sensório-motor este se subdivide em seis subestágios: 36 1. Período reflexo (vai do nascimento até um mês de vida, os reflexos são inatos como o sugar e o olhar, ausência de imitação e de capacidade para integrar informações a partir dos diversos sentidos); 2. Reações circulares primárias (de 1 a 4 meses, as ações são simples e repetitivas e centradas no corpo do bebê. As ações repetidas são aquelas agradáveis em si. À medida que há prática, os esquemas básicos de sugar, olhar vão se acomodando, mas ainda não relaciona as ações do seu corpo com algo fora dele). 3. Reações circulares secundárias (4 a 8 meses, coordenação olho- mão e ações no meio externo, podendo ocorrer imitação dos esquemas que fazem parte do repertório do bebê). 4. Coordenação de esquemas secundários (8 a 12 meses, noções de permanência dos objetos; comportamento meios-fins claramente intencional combina os esquemas para atingir os efeitos desejados). 5. Reações circulares terciárias (12 a 18 meses; descobrenovos meios mediante experimentação. Variação deliberada das estratégias para resolução de problemas. Exploração bastante ativa e intencional). 6. Início do pensamento representativo (MARTURANO, 2008). Como pudemos observar, os estudos de Piaget contribuíram enormemente para conhecer os estágios do desenvolvimento da criança. Este conhecimento irá influenciar nas decisões daqueles que trabalham com educação, orientando todo um planejamento e levando a perceber a importância de caminhar segundo os passos da própria criança para ajudar na sua formação enquanto cidadão autônomo e seguro. Henri Wallon (1879-1962) Wallon procura explicar os fundamentos da Psicologia como ciência, os seus aspectos epistemológicos, objetivos e metodológicos e considera que o homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores (ALMADA, 2006). 37 A proposta de Wallon é do estudo integrado do desenvolvimento, ou seja, propõe a psicogênese da pessoa completa, pois para ele, o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio (ALMADA, 2006). Wallon recorreu a outros campos de conhecimento para aprofundar a explicação dos fatores de desenvolvimento (neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia animal), considerando que não é possível selecionar um único aspecto do ser humano e ver o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil (afetivo, motor e cognitivo) (ALMADA, 2006). Ele não aceita dissociar no homem, o biológico do social, sendo esta uma das características básicas da sua Teoria do Desenvolvimento. Wallon reconstruiu o seu modelo de análise ao pensar no desenvolvimento humano, estudando-o a partir do desenvolvimento psíquico da criança. Assim, o desenvolvimento da criança aparece descontínuo, marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu comportamento em geral (ZACHARIAS, 2007). Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvimento não se dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Conflitos se instalam nesse processo e são de origem exógena quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa (GALVÃO, 1995 apud ZACHARIAS, 2007). Esses conflitos são propulsores do desenvolvimento. Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano propostos por Wallon sucedem-se em fases com predominância afetiva e cognitiva: impulsivo-emocional – que ocorre no primeiro ano de vida. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às quais intermediam sua relação com o mundo físico; sensório-motor e projetivo – que vai até os três anos. A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior autonomia na manipulação de 38 objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental “projeta-se” em atos motores. Para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor; personalismo – ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas; categorial – os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior; predominância funcional – ocorre nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona. Na sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses da criança, denominada de “alternância funcional”, onde cada fase predominante (de dominância, afetividade, cognição) incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação. Wallon enfatiza o papel da emoção no desenvolvimento humano, pois, todo o contato que a criança estabelece com as pessoas que cuidam dela desde o nascimento são feitos de emoções e não apenas cognições. São quatro os elementos básicos que estão o tempo todo em comunicação: afetividade, emoções, movimento e formação do eu. Afetividade – possui papel fundamental no desenvolvimento da pessoa, pois é por meio dela que o ser humano demonstra seus desejos e vontades. As transformações fisiológicas de uma criança (nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam importantes traços de caráter e personalidade. 39 Emoções – é altamente orgânica, ajuda o ser humano a se conhecer. A raiva, o medo, a tristeza, a alegria e os sentimentos mais profundos possuem uma função de grande relevância no relacionamento da criança com o meio. Movimento – refere-se às emoções da organização dos espaços para se movimentarem. Deste modo, a motricidade tem um caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento, quanto pela maneira com que ele é representado. A escola, ao insistir em manter a criança imobilizada, acaba por limitar o fluir de fatores necessários e importantes para o desenvolvimento completo da pessoa. Formação do eu – a construção do eu depende essencialmente do outro. Com maior ênfase a partir de quando a criança começa a vivenciar a “crise de oposição”, na qual a negação do outro funciona como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso acontece mais ou menos em torno dos 3 anos, quando é a hora de saber que “eu” sou. Imitação, manipulação e sedução em relação ao outro são características comuns nesta fase. O legado de Wallon passa pela concepção da motricidade, emotividade, inteligência humana e, sobretudo, por uma maneira original de pensar a Psicologia infantil e reformular os seus problemas. Lev S. Vygotsky (1896-1934) Vygotsky desenvolveu a teoria sociocultural do desenvolvimento cognitivo. A sua teoria tem raízes na teoria marxista do materialismo dialético, ou seja, que as mudanças históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana (ALMADA, 2006). Ele abordou o desenvolvimento cognitivo por um processo de orientação. Em vez de olhar para o final do processo de desenvolvimento, ele debruçou-se sobre o processo em si e analisou a participação do sujeito nas atividades sociais, propondo que o desenvolvimento não precede a socialização. Ao invés, as 40 estruturas sociais e as relações sociais levam ao desenvolvimento das funções mentais (ALMADA, 2006). Vygotsky acreditava que a aprendizagem na criança podia ocorrer através do jogo, da brincadeira, da instrução formal ou do trabalho entre um aprendiz e um aprendiz mais experiente e o processo básico pelo qual isto ocorre é a mediação (a ligação entre duas estruturas, uma social e uma pessoalmente construída, através de instrumentos ou sinais). Quando os signos culturais vão sendo internalizados pelo sujeito é quando os humanos adquirem a capacidade de uma ordem de pensamento mais elevada (ALMADA, 2006). Ao contrário da imagem de Piaget em que o indivíduo constrói a compreensão do
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