Buscar

Capítulo 3 – coesão e coerência

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Capítulo 3 – coesão e coerência
Maria Nívia Dantas
Objetivo 
O objetivo deste capítulo é possibilitar uma visão necessária e básica sobre o que se tem chamado, nos estudos linguísticos, de coerência e coesão textuais, como também discorrer sobre os instrumentos necessários para entender o fenômeno da textualidade em suas várias manifestações. Para isso, apresentaremos uma teorização mínima e essencial, razão por que não será polemizada qualquer controvérsia, ainda que de ordem terminológica, buscando-se trabalhar apenas a linha de ideias que se julga ser a mais pertinente e válida do nosso ponto de vista.
O que é um texto? 
Conceitua-se o texto como uma manifestação verbal, constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados, que é tomada pelos usuários da língua, de modo a permitir-lhes, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos. (KOCH, 2013, p. 27).
Entende-se também que o texto não é uma unidade fechada de sentido – mas sim uma “rede de sentidos”, formando um todo significativo. Embora ele possa ser considerado uma unidade inteira – início, meio, fim —, o texto é lugar de apreensão de sentidos, de trabalho da “linguagem, por excelência”. 
O sentido de um texto é construído na interação Autor/Texto/Leitor, e não algo que preexista a essa interação. Por esse motivo, a coerência não pode ser entendida como simples qualidade ou propriedade do texto, mas sim ao modo como os elementos presentes na superfície textual, aliados a todos os elementos do contexto, vêm a constituir uma configuração veiculadora de sentidos por parte da interação com seus interlocutores. 
Em volta de cada parte, está o seu próprio contexto. O texto "funcionará" na zona de interseção com traços paralelos. (KOCH, 2013, p. 27).
É necessário, portanto, que haja uma interação entre estes três elementos: Autor/ Texto/Leitor, para que sejam capazes de construir um determinado sentido diante do texto, pois o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso dessa interação.
Observe o esquema:
Coerência: a construção do sentido
A coerência é um dos fundamentos da textualidade. Ela se refere às ligações de sentido construído no texto, que podem estar relacionadas a diferentes fatores: lógico linguísticos, textuais ou culturais.
A coerência, para Koch & Travaglia (2014, p. 38), não é apenas uma característica do texto, mas depende, fundamentalmente, da interação entre o texto, aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo. Logo, pode-se sistematizar que o sentido é estabelecido não só pelo texto, mas pelo leitor.
Coerência: a construção do sentido
O leitor, com base em conhecimentos que possui, busca interpretar o texto, produzir sentido, em uma verdadeira atitude de cooperação. Cabe-lhe, então, a tarefa de estabelecer elos coesivos que não foram explicitados entre as ideias do texto e, quanto mais informações tiver, mais terá a possibilidade de fazê-lo. 
A tela Retirantes (1944) de Portinari, em epígrafe, organiza uma riqueza coerente de significado e forma, em uma estrutura total, que define claramente o lugar e a função de cada detalhe em conjunto. Nota-se, nessa obra de arte, a retratação da denúncia das desigualdades sociais tão acentuadas naquele período. São figuras com expressões de cansaço e dor, maltrapilhas, esquálidas e mutiladas pela vida que dão uma dramaticidade ao contexto.
Coerência: a construção do sentido
Os Retirantes é, assim, um perfeito documentário sobre famílias sofridas em busca de trabalho em meio à pobreza. É fato que para uma leitura crítica, reflexiva e autônoma, as informações presentes em um texto devem estar adequadas ao conhecimento de mundo do leitor.
Desvendando as palavras
coerência
Ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas ideias; relação harmônica, conexão.
incoerência
Falta de lógica; ausência de ligação, de nexo entre fatos, ideias, ações, desarmonia, desconexão, discrepância, inconsequência.
Coesão textual: o uso dos conectivos na construção do texto
Koch (2023, p. 18) descreve coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos, presentes na superfície textual, se encontram interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentidos.
Esses elementos linguísticos assinalam determinadas relações de sentido entre os enunciados ou parte de enunciados, como: 
Relações de sentido
Oposição ou contraste;
Finalidade;
Localização temporal;
Explicação ou justificativa
Adição de fatos
É por meio de mecanismos como esses que se vai tecendo o “tecido” (tessitura) do texto. A este fenômeno é que se denomina coesão textual.
Entende-se, assim, por coesão a ligação, a relação, os nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da coerência, que é subjacente, a coesão é explicitamente revelada por meio de marcas linguísticas e pode ser sintática, gramatical e semântica.
Na verdade, há uma relação estreita entre esse tipo de sequenciação textual e os vários modos de organização do texto. Assim, por exemplo, em um texto descritivo é natural que a progressão do texto seja realizada por meio de simples acréscimo de novos elementos da realidade descrita, enquanto, em um texto argumentativo, essa continuidade se processe por meio de relações lógicas e, em um texto narrativo, o fato ocorra e seja narrado por meio de uma sucessão cronológica de fatos relevantes.
Em relação à coesão, reitera-se que os conectores coordenativos (conjunções e locuções coordenativas), assim como as formas verbais pretéritas, advérbios e locuções adverbiais, modalizadores, são fundamentais para garantir as relações de sentido – de coerência – entre os fatos narrados e descritos, porque os parágrafos e as sequências textuais temporais construídos, no corpo textual da narrativa, contribuem não só para a coesão, mas também para a coerência, isto é, para melhor interpretabilidade do texto.
Produzir um texto se assemelha, assim, à arte de produzir um tecido, ou seja, conduz-se um fio ora para cá, ora para lá, sempre com o cuidado de amarrá-lo para que o trabalho não se perca. Quando se tece, um ponto deve estar ligado a outro para formar a trama, o que significa que um ponto sozinho não forma um tecido. 
O produtor de um texto é assim como o tecelão, em um eterno desfazer e refazer de textos; está sempre preocupado, unicamente, com a tessitura de um texto coeso e coerente por se vir sempre rodeado de sentidos.
Percebe-se, pois, que a relação entre coesão e coerência é muito forte porque a coesão é fundamental a qualquer tipo de texto e é construída pelos procedimentos linguísticos que estabelecem relações de sentido entre segmentos do texto (enunciados ou parte deles, parágrafos, sequências textuais), e o uso adequado dos elementos coesivos no texto é de grande relevância para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sentido diante de um texto.
Coerência sem coesão textual
A coesão é apenas um dos fatores de coerência, que contribui para a constituição do texto enquanto tal, mas não sendo nem necessária, nem suficiente para converter uma sequência linguística em texto. Há sequências sem coesão, mas com coerência; e sequências com coesão, mas sem coerência. 
Leia o fragmento descritivo a seguir (ABAURRE, 2007, p. 58).
“[...] Uma folha no chão no outono, vermelha, dourada e marrom, delicada. [...] Poeira em um peitoril de janela. Uma pilha de pimentões [...], amarelos, verdes, vermelhos. [...] O buraco de uma agulha. [...] Uma mãe em sua cama, chorando, cheiro de manjericão no ar. [...] Uma torre para preces, alta e octogonal, sacada aberta, solene, rodeada de brasões. Vapor subindo de um lago no início da manhã. Uma gaveta aberta. Dois amigos em um café, o lustre iluminando o rosto de um dos amigos, o outro na penumbra. Um gato olhando um inseto na janela. Uma jovem em um banco, lendo uma carta, lágrimas de contentamento em seus olhos verdes. [...] O branco de um veleiro,
com o vento de popa, velas se agitando como asas de um gigantesco pássaro branco. [...] 
 Atenção! 
(LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein. “15 de maio de 1905”. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 72-76).
Esse fragmento, em estudo, se organiza por justaposição — sem a presença de conectores —, isto é, sem a presença da coesão textual; mas, mesmo assim, pode ser considerado texto, pois constitui uma unidade de sentido. 
Nota-se que os substantivos constituem a base do texto e o autor recorre a adjetivos para singularizar as imagens criadas, que vão sendo descritas e apresentadas simultaneamente ao leitor, provocando uma sensação de presente em que todas as coisas existem ao mesmo tempo, em uma linha coerente de raciocínio. 
Portanto, pode sim haver coerência, mesmo sem coesão, mas este tipo de construção de texto é muito usado na Literatura e em textos publicitários, diferentemente das produções de textos jurídicos, expositivos, didáticos, jornalísticos, técnicos, científicos, entre outros, que pela necessidade de clareza exigem a utilização explícita dos elementos de coesão.
Mecanismos de coesão textual: referencial, sequencial e recorrencial.
Segundo casamento de Dom Pedro I. Jean-Baptiste Debret (Século XIX)
Jean-Baptiste Debret foi um importante artista plástico (pintor e desenhista) francês. Nasceu em 18 de abril de 1768, em Paris, e faleceu na mesma cidade em 28 de junho de 1848. Debret integrou a Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil em 26 de março de 1816. Suas obras formam um importante acervo para o estudo da história e cultura brasileira da primeira metade do século XIX.
Seu trabalho retrata o cotidiano, o processo de independência do Brasil e os primeiros anos do governo de Pedro I. Uma de suas obras mais conhecidas é um quadro de Dom João em tamanho real.
AUTOR
Os mecanismos de coesão textual, segundo Koch (2013), dizem respeito a “todos os processos de sequencialização que asseguram [...] uma ligação linguística significativa entre os elementos [...]” de um texto, conforme se pode evidenciar também na tela de Debret, em epígrafe.
Vimos há pouco que coesão textual são as conexões gramaticais existentes entre palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores de um texto, e que os conectores são portadores de sentido, razão por que também contribuem para construir a coerência de um texto. 
Além disso, o bom uso dos elementos coesivos é de fundamental importância para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sentido diante de um texto. 
Está-se considerando aqui como coesão todos aqueles elementos textuais, chamados de conectores, que sinalizam para o leitor a relação entre as diversas partes do texto. São eles: pronomes, as elipses, as hiponímias e hiperonímias e as repetições, as conjunções e preposições, os advérbios de sequência, as diversas maneiras de sinalizar o tempo, as relações semânticas entre as palavras.
Quanto aos mecanismos de coesão, há apenas três tipos: referencial; sequencial e recorrência.
3.1 Coesão referencial
Coesão referencial, também chamada de lexical, é a que se estabelece entre dois ou mais componentes da superfície textual que remetem (ou permitem recuperar) um mesmo referente já citado, que pode, em geral, ser acrescido de outros traços que vão se agregando a ele textualmente. 
A coesão referencial é obtida por meio de dois mecanismos básicos: 
A
Substituição: quando um componente de superfície textual éretomado(anáfora) ouprecedido(catáfora) porpronome,verbo,advérbio,quantificadoresque substituem outros elementos do texto. Há também a substituição por zero (0) que é aelipse. Tem-se, nesse caso, a coesão referencial por formaspronominais,formas verbais,formas adverbiais,formas numerais.
B
Reiteraçãoque se faz por meio desinônimos, dehiperônimos, denomes genéricos, deexpressões nominais definidas, derepetição do mesmo item lexical.
CURIOSIDADE
Elemento de referência — pode ser representado por um nome, expressão nominal, fragmentos de oração, uma oração ou todo um enunciado.
Referente – é algo que se (re)constrói textualmente, no desenrolar do texto, modificando-se a cada novo nome que se lhe dê ou a cada nova ocorrência do mesmo nome. 
3.1.1 Substituição de um elemento por outro
Formas Pronominais
a) Encontrei os óculos que tanto procurava. Eles estavam guardados na estante. (eles — pronome pessoal do caso reto);
b) Os meninos saíram cedo de casa. Eles foram treinar para o torneio de futebol. (eles — pronome pessoal do caso reto);
c) O aluno e a mãe foram chamados à direção da escola, mas ninguém compareceu. (ninguém — pronome substantivo Indefinido);
d) João levou um romance policial para a escola, porém quis ler o meu. (meu — pronome substantivo possessivo);
3.1.1 Substituição de um elemento por outro
Formas Pronominais
e) Pedro experimentou um terno azul escuro, mas decidiu comprar aquele. (aquele —pronome substantivo demonstrativo);
f) Antônio, João e Miguel depuseram na Delegacia, entretanto quem disse a verdade? (quem — pronome substantivo interrogativo);
g) Todos os professores que foram convocados compareceram à reunião. (que — pronome substantivo relativo);
h) Paulo foi para Itália e lá foi feliz. (lá — pronome adverbial).
Formas verbais (geralmente, ser e fazer)
Os verbos são empregados em referência a todo o predicado e não apenas ao verbo.
a) O cantor apresentou apenas dois números, e o mágico fez o mesmo. (verbo fazer)
Formas adverbiais
a) Saiu três vezes, e o outro, nunca.
Formas numerais
a) Antônio e Rafaela saíram, mas os dois se desentenderam.
b) Comprou vários presentes; o primeiro, uma bola de futebol.
c) Fiz 10 exercícios de Português, mas o meu professor pediu o dobro.
d) Havia dez maçãs e ela comeu um terço delas.
Substituição por elipse
Outro processo utilizado, na coesão dos elementos do texto, é a substituição por elipse, que é a omissão de termos já enunciados e, por isso mesmo, podem ser facilmente recuperados por meio de outros elementos textuais. 
A elipse, segundo os ensinamentos da gramática normativa, é uma figura de construção (ou de sintaxe) caracterizada pela omissão de um termo facilmente subentendido pelo contexto ou pela situação.
A elipse pode também ser entendida como um processo de economia discursiva que tanto pode resultar de ocorrências ligadas ao contexto ou à situação, como de usos estabelecidos na língua. 
Neste texto: “[...] sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.” (A alma encantadora das ruas — João do Rio)
No exemplo apresentado, há a elipse do pronome nós com função de sujeito nas formas verbais sentimos, soframos.
3.1.2 Reiteração de elementos do texto
Sinônimos ou quase sinônimos
Por hipônimos e hiperônimos
Hiperônimo é o termo geral e hipônimos são os termos específicos nele contidos. Assim, fruta é hiperônimo de laranja, pera, abacaxi e estes vocábulos são hipônimos.
Hiperônimos e hipônimos são vocábulos que pertencem a um mesmo campo semântico, ou seja, campo de sentido. O hiperônimo é o termo mais abrangente e o hipônimo, o mais específico.
As palavras como computador, monitor, impressora e teclado apresentam certa familiaridade de sentido pelo fato de pertencerem ao mesmo campo semântico, ou seja, ao universo da Informática. Já a palavra equipamento tem um sentido mais amplo, que engloba todas as outras. No caso, diz-se que o computador, o monitor, a impressora e o teclado são hipônimos de equipamento. Equipamento, por sua vez, é um hiperônimo dessas palavras.
Note que as palavras “bebida”, “refrigerante” e “Coca-Cola” estabelecem entre si uma relação de sentido, porém há uma espécie de escala de significação entre elas.
“Bebida” é um hiperônimo de “refrigerante”, que por sua vez funciona como hipônimo nesse caso. 
Já em relação à “Coca-Cola”, “refrigerante” é um hiperônimo e “Coca-Cola” torna-se o seu hipônimo.
O normal é
o hipônimo preceder o hiperônimo, pois, quando se inverte a ordem, o texto perde a clareza. Geralmente, a regra é esta: o hipônimo precede o hiperônimo. Contudo, há casos especiais em que se deve inverter a ordem, por exemplo, quando um hiperônimo ou uma locução hiperônima precede uma enumeração de hipônimos, anunciando-a:
“Na primeira metade do século XVIII, a região paraense progressivamente se transforma em centro exportador de produtos florestais, como: cacau, baunilha, canela, cravo, resinas aromáticas.”
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32 ed. São Paulo: Nacional, 2005.	
Outra exigência para o emprego da hiperonímia é que para se retomar um referente por meio de um hiperônimo, é necessário que a expressão que nomeia esse referente tenha sido explicitamente mencionada antes. 
EXEMPLO
Nomes genéricos:
	Miguel comprou camisas, sapatos e outras coisas.
Termos simbólicos: 
	Antônio Tito não tinha certeza se iria ou não à missa, mas o apelo da cruz foi mais forte.
Repetições do mesmo termo:
a) de forma idêntica: Paulo comprou a lancha, mas viu que a lancha não tinha seguro.
b) com um mesmo determinante: Paulo comprou a lancha, mas essa lancha lhe trouxe problemas.
c) de forma abreviada: Fernando Henrique Cardoso foi um bom político, mas FHC não quer mais se recandidatar a cargo algum.
d) de forma ampliada: Lula não goza do mesmo prestígio na política, logo, certamente, Luís Inácio Lula da Silva seria voto vencido em uma eleição presidenciável. 
e) por forma cognata: Trabalhar é bom e o trabalho enobrece o homem.
Por expressões nominais definidas: 
Pelé foi a Paris, onde o jogador do Século XX foi premiado.
Coesão referencial: anafórica ou catafórica
Reiteramos que a coesão referencial ocorre quando determinado elemento textual se remete a outro, substituindo-o. A referência, inicialmente, pode ser em relação a um dado externo ou interno ao texto. Dessa forma, temos:
Coesão por referência exofórica: é aquela que se refere a um elemento fora do texto. 	
Coesão por referência endofórica: é aquela que faz referência a algo dentro do texto. 	 	
À ativação de referentes já mencionados no texto, nomeia-se anáfora, enquanto que à ativação de referentes que ainda serão mencionados, chama-se catáfora.
Segundo Koch (2013), na coesão exofórica, o referente está fora do texto; enquanto na coesão endofórica o referente se acha expresso no próprio texto. Neste último caso, se o referente precede o item coesivo, tem-se a anáfora; se vem após, a catáfora. 
Na coesão endofórica, todo o processo de remissão é explícito ao texto, enquanto, na coesão exofórica, o leitor é obrigado a realizar todo esse processo sozinho, com o seu conhecimento de mundo, com as suas vivências.
Esse tipo de coesão por remissão pode ser efetuado mediante os recursos de ordem gramatical – pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos) e os demais pronomes (possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos), os diversos tipos de numerais, advérbios pronominais (aqui, aí, lá, ali) e artigos definidos; ou, então, por intermédio de recursos de natureza lexical, como sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, descrições definidas e, finalmente, por meio da elipse.
A remissão para à frente – catáfora – realiza-se preferencialmente por meio dos pronomes demonstrativos (isto, aquilo) ou indefinidos neutros (tudo, nada) ou de nomes genéricos, como também por meio dos demais tipos de pronomes, de numerais e de advérbios pronominais.
O texto a seguir, de autor desconhecido, é um exemplo de um texto-piada em que vários desses mecanismos de coesão referencial ou lexical estão presentes. Observe:
Num hospital para doentes mentais, certa vez, um dos pacientes passou horas escrevendo furiosamente.
Um psiquiatra, vendo-o em tão intensa atividade, perguntou-lhe:
- O que é que você está fazendo?
- Escrevendo, respondeu.
Escrevendo o quê? - perguntou-lhe o médico.	
- Uma carta.
- Ah! Muito interessante! E para quem é a carta?
- Para mim mesmo. 
- O que é que está escrito aí? – perguntou-lhe o psiquiatra, curioso.
Ao que o paciente respondeu:
- Não sei. Ainda não recebi... 
(Autor desconhecido)	
Nesse texto-piada, pode-se identificar os seguintes casos de coesão referencial estudados:
Psiquiatra (hipônimo — termo específico), 	
Vendo-o (o — pronome pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente), 	
Perguntou-lhe: (lhe — pronome pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente), 	
(Você — pronome de tratamento anafórico, retoma o termo paciente), 
Respondeu (zero — coesão por elipse (sujeito oculto), 	
Perguntou-lhe (lhe — pronome pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente) 	
E respondeu (zero — coesão por elipse/sujeito oculto), 	
O médico. (Coesão por hiperônimo), 	
(Aí — pronome adverbial anafórico, retoma o termo carta), 	
sei e recebi (zero — coesão por elipse/sujeito oculto).	
O referente do constituinte um dos pacientes, da primeira frase, é retomado pelos pronomes oblíquos o e lhe (uma ocorrência do primeiro e duas do segundo). O de um psiquiatra é retomado por o médico (hiperonímia). 
Em seguida, tem-se o pronome adverbial aí, equivalente a “nesse lugar”, que remete para a carta mencionada anteriormente, a qual é retomada por “zero” (elipse total) no final do texto, quando o paciente, em resposta à pergunta do médico, diz: “Não sei. Ainda não recebi”, ou seja, “Ainda não recebi a carta”.
CONCEITO
Tomismo — é a filosofia escolástica de São Tomás de Aquino (1225-1274), e que se caracteriza, sobretudo, pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo. Procurando assim integrar o pensamento aristotélico e neoplatônico, aos textos da Bíblia, gerando uma filosofia do Ser, inspirada na fé, com a Teologia.
Leia este fragmento, extraído do conto machadiano Quem conta um conto, sobre a arte de contar ou narrar:
Eu compreendo que um homem goste de ver brigar galos ou de tomar rapé. Os rapés dizem os tomistas que alivia o cérebro. A briga de galos é o Jockey Club dos pobres. O que eu não compreendo é o gosto de dar notícias.
E todavia quantas pessoas não conhecerá o leitor com essa singular vocação? O noveleiro não é tipo muito vulgar, mas também não é muito raro. Há família numerosa deles. São mais peritos e originais que outros. Não é noveleiro quem quer. É ofício que exige certas qualidades de bom cunho, quero dizer as mesmas que se exigem do homem de Estado. O noveleiro deve saber quando lhe convém dar uma notícia abruptamente, ou quando o efeito lhe pede certos preparativos: deve esperar a ocasião e adaptar-lhe os meios.
MACHADO DE ASSIS, J. M. Quem conta um conto. In: Contos fluminenses. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999. 	
A referência em Quem conta um conto está resumida em "o gosto de dar notícias", uma vez que, em torno dele, gravitam as indagações contidas no conto. Tanto que, ao iniciar suas considerações, o narrador mostra-se intrigado diante da natureza humana para espalhar novas, declarando-se capaz de perceber a legitimidade de certos prazeres duvidosos, unicamente com a intenção de tornar mais incisiva a declaração seguinte: "O que eu não compreendo é o gosto de dar notícias" (1999, p. 57).
Por constituir a referência textual básica, "o gosto de dar notícias" será continuamente retomado por meio de elementos coesivos. A primeira retomada ocorre por "essa singular vocação", em que o pronome adjetivo "essa", além de determinar o nome e seu modificador, faz uma referência anafórica ao "gosto de dar notícias", gosto este que engendra um tipo, o "noveleiro", em relação ao qual o narrador declara: "Não é tipo muito vulgar, mas também não é tipo muito raro" (1999, p. 57), criando pressupostos nada enaltecedores da singularidade de tal tipo.
Ao declarar que o noveleiro não é um tipo nem muito raro, nem muito vulgar, informa implicitamente que de "vulgar" a "raro" há uma considerável gradação de sentidos, pressupõe-se, assim, que poucos são realmente habilidosos e, contudo, existe grande número deles.
Um relevante elemento
coesivo é o vocábulo "ofício" que remete ao vocábulo "noveleiro", revelando o humor severo que move o narrador, uma vez que este compara as habilidades do noveleiro às do homem de Estado, já que ambos precisam ser especialmente versados na técnica de subjugar seus interlocutores.
A seguir, o narrador retoma a questão preliminar, ou melhor, a questão de sua perplexidade quanto ao "gosto de dar notícias", estabelecendo o vínculo com a declaração inicial mediante a recorrência de estruturas sintáticas: "Não compreendo, como disse, o ofício noveleiro" (1999, p. 57), na qual o conector "como" e o pretérito perfeito do indicativo do verbo "dizer" retomam, reiterando, o aparente desconcerto do narrador diante do noveleiro.
O narrador, como já posto, parece não compreender bem o ofício de noveleiro. Escapa-lhe ao entendimento que se encontre satisfação em contar, recriando, um episódio qualquer: "É coisa muito natural que um homem diga o que sabe a respeito de algum objeto; mas que tire satisfação disso, lá me custa a entender" (1999, p. 57).
Utilizando-se de uma oração adversativa, vinculou-se um novo sentido a noveleiro, "que tira satisfação" de dar notícias. A seguir, o desvelamento do que motiva o noveleiro: "Ganha-se sempre em conhecer-se os caprichos do espírito humano" (1999, p. 58).
Ao focalizar o "gosto de dar notícias" como um hipônimo de "caprichos do espírito humano", o narrador implicitamente parece admitir a legitimidade do referido gosto, porque o reconheceu como uma das tantas marcas características da condição humana.
3.2 Coesão sequencial
A coesão sequencial é o estabelecimento de um sistema de referências e do correto encadeamento de ideias para que haja sentido nos textos. Esse encadeamento de ideia é que permite que o texto avance, progrida, mas sem haver retomada de termos ou expressões, por isso se chama coesão sequencial. 
A coesão sequencial se dá por sequenciação temporal e sequenciação por conexão. A primeira pode ser por ordenação linear, por expressões sequenciais, por marcadores temporais ou por correlação dos tempos verbais. Já a segunda, é a sequência que se faz por meio de conectores argumentativos (condicionalidade, causalidade, concessão, finalidade).
Não é sem propósito, que a utilização precisa dos mecanismos coesivos ajuda a garantir a progressão textual e a promover uma boa articulação das ideias, informações e argumentos no interior do texto, pois é por meio da coesão por sequenciação que o texto avança, garantindo-se, porém, a continuidade dos sentidos.
3.2.1 Exemplos de coesão sequencial
a) Condicionalidade: Se amanhã houver greve dos rodoviários, não haverá aula.
b) Causalidade: Todos os alunos foram ao passeio de bermuda porque estava fazendo muito calor.
c) Implicação lógica: Só há um meio de escrever melhor: lendo.
d) Explicação ou justificativa: Todos os professores chegaram atrasados, pois o trânsito estava um caos.
e) Conjunção: Cheguei a Brasília às 22h, e todos já estavam dormindo.
Charolles, (apud KOCH, 2014, p. 69), enfatiza que o uso dos mecanismos coesivos tem por função facilitar a interpretação do texto e a construção da coerência pelos usuários.
No entanto, seu uso inadequado pode dificultar a compreensão do texto, pois por possuírem, por convenção, funções bem específicas, eles não podem ser usados sem respeito a tais convenções. Se o seu emprego estiver em desacordo com sua função, o texto parecerá destituído de sequencialidade, o que dificultará a sua compreensão e, portanto, a construção da coerência pelo leitor/ouvinte.
Desse modo, por mais que as conjunções estejam incluídas no campo da coesão, elas são importantes para que o texto seja coerente, pois o uso indevido de uma conjunção em uma sequência pode alterar o sentido da frase, podendo, inclusive, comprometer o sentido do texto.
3.3 Coesão recorrencial
A coesão recorrencial é um mecanismo de coesão muito frequente, na Literatura, especificamente no poema, que consiste em fazer o texto progredir pela repetição dos termos, de estruturas, de conteúdos, de recursos fonológicos e de tempos verbais.
No poema Cidadezinha qualquer, de Drummond, as palavras “entre”, “devagar” e “vai” repetem-se, mas com finalidade poética, representando iconicamente, isto é, os versos imitam a coisa designada, que é a mesmice interiorana: “Um homem vai devagar. / Um cachorro vai devagar. / Um burro cai devagar. /Devagar... as janelas olham. /Êta vida besta, meu Deus”. 
CONCEITO
anáfora, quando retoma os elementos expressos anteriormente no texto;
catáfora, quando o termo pressuposto aparece depois do elemento coesivo;
coesão lexical, quando envolve a substituição de um vocábulo por outro de mesmo significado – o chamado sinônimo – ou por palavras que estabeleçam entre si uma relação de sentido – hiperônimos e hipônimos;
coesão referencial é a que cria, no interior do texto, um sistema de relação de palavras e expressões, permitindo que o leitor identifique os referentes sobre os quais se fala no texto;
coesão sequencial é a que cria, no interior do texto, condições para que o texto progrida, avance;
conjunção (conectores), quando se estabelecem relações semânticas entre elementos ou orações do texto; pode ser aditiva, adversativa, causal, temporal;
CONCEITO
elipse, quando um elemento do texto é substituído por zero e, assim, como a classificação anterior, pode ser nominal, verbal ou frasal;
zeugma é uma forma de elipse. Ocorre quando é feita a omissão de um termo já mencionado. Exemplo: Ele gosta de Geografia; eu, de Português.
referência, quando um elemento do texto remete a outro, necessário à sua interpretação;
reiteração é a repetição de expressões que têm a mesma referência no texto;
substituição, quando um elemento do texto é colocado no lugar de outro, para evitar repetição; pode ser nominal, verbal ou frasal.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando