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Revisitando o percurso da Reforma Psiquiátrica O CASO BRASILEIRO Karine Lima Verde Pessoa Psicóloga, CRP 11/02894, Mestre em Saúde Pública 1º Hospício do Brasil • A partir da década de 1840 foram criados os primeiros hospícios no Brasil, baseando-se na necessidade de oferecer tratamento adequado aos “loucos”, que até então viviam nas ruas, prisões e nas “casinhas de doudos” das Santas Casas de Misericórdia. • No dia 10 de julho de 1841 foi publicado o decreto que ordenou a construção de um asilo no Rio de Janeiro. • Sob o patrocínio do Imperador Pedro II, este asilo foi inaugurado em 1852 e foi originalmente planejado para trezentos pacientes de ambos os sexos. 1852 - Hospício Pedro II – 1º hospício do Brasil – Rio de Janeiro • Prontuários encontrados nos arquivos do antigo Hospício de Pedro II evidenciam a subdivisão de classes sociais que pauta, à época, os serviços de assistência aos doentes mentais do manicômio. • Pertenciam à primeira classe os indivíduos brancos, membros da Corte, fazendeiros e funcionários públicos; à segunda, os lavradores e serviçais domésticos; e à terceira, pessoas de baixa renda e escravos pertencentes a senhores importantes. • Enquanto os pacientes de primeira e segunda classes viviam em quartos individuais ou duplos e se entretiam com pequenos trabalhos manuais, jogos e leitura, os de terceira e quarta trabalhavam na cozinha, manutenção, jardinagem e limpeza. 1º Hospício do Brasil Fonte: BRASIL. Centro Cultural do Ministério da Saúde. Disponível em: http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/mostra/retratos03.html • Em 1890, por meio do Decreto nº 142-A, o Hospício de Pedro II foi desanexado da Santa Casa da Misericórdia e passou a ser denominado Hospício Nacional de Alienados, recebendo cada vez mais pacientes, oriundos de todo o território nacional: loucos alguns, excluídos todos. • A superlotação se intensificou e, segundo alguns registros entre janeiro de 1890 e novembro de 1894, teriam sido internados no Hospício Nacional 3.201 pacientes. • A superlotação fez com que o atendimento se degradasse e as imponentes instalações ficassem precárias e descuidadas, iniciando uma história de decadência. 1º Hospício do Brasil Colônias de Alienados • Na tentativa de resolver os problemas da superlotação e da mistura de pacientes curáveis e incuráveis em um mesmo estabelecimento, foram criadas as “Colônias de Alienados” • Os “incuráveis tranquilos”, removidos para muito além do centro urbano, eram encarregados de trabalhos agrícolas e artesanais que compensavam a incapacidade das famílias de custearem o tratamento. Triste capítulo de nossa História Psiquiatria: saber ou poder? “É interessante constatar que o modelo clássico da psiquiatria foi tão amplamente difundido, que influencia a prática psiquiátrica até nossos dias – apesar de terem surgido outros tantos modelos. O que talvez sugira a confirmação de que sua validação social está muito mais nos efeitos de exclusão que opera, do que na possibilidade de atualizar-se como um modelo pretensamente explicativo no campo da experimentação e tratamento das enfermidades mentais” (AMARANTE, 1995, p.26). Voltaremos a essa discussão um pouco adiante... Reforma Psiquiátrica Brasileira Perspectiva histórica e crítica Movimento pela Reforma Psiquiátrica Década de 1970: • Profusão de denúncias de maus tratos, violência e violação de direitos humanos advindas de profissionais de saúde, pacientes e familiares de pacientes internados; • Presos políticos na ditadura militar (1964- 1985) vítimas de tortura em hospitais psiquiátricos; • Movimentos sociais lutando pela liberdade de expressão e pela redemocratização nacional; • Movimento pela Reforma Sanitária. • Foi deflagrada uma crise com profusão de denúncias, manifestações e demissões de trabalhadores da Saúde que culminou com a criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) • No período denominado Nova República, palco da 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), foram propostas conferências sobre áreas temáticas específicas, incluindo a saúde mental. • A I Conferência Nacional de Saúde Mental foi realizada em 1987, tornando-se palco de articulação de participantes do movimento nacional no campo da saúde mental. Nesse contexto, teve lugar um profundo debate sobre a falência do modelo hospitalocêntrico e a necessidade de criação dos serviços extra-hospitalares. (AMARANTE, 2008) Movimento pela Reforma Psiquiátrica Movimento pela Reforma Psiquiátrica Movimento pela Reforma Psiquiátrica • Outro marco importante merece ser mencionado, o II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, realizado em 1987, que introduziu no Brasil o lema “Por uma sociedade sem manicômios” e instituiu o dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. • Salienta-se nesse evento a ampliação significativa da participação de usuários, familiares e ativistas de movimentos sociais, além de demarcar uma ruptura pela proposição de uma transformação social mais abrangente e não apenas de uma transformação no modelo tecnoassistencial. • Em 1993, o MTSM passa a se chamar Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA). • No Brasil, a cidade de Santos, no estado de São Paulo, foi pioneira na desconstrução do manicômio e construção de uma rede de serviços, estratégias e dispositivos que passaram a ser denominados de serviços substitutivos • O impacto e a repercussão da experiência santista forneceram a base para o advento, em 1989, do Projeto de Lei nº 3.657 de autoria do deputado Paulo Delgado, que propunha a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por outros serviços de saúde mental. • O projeto ficou em tramitação por quase doze anos, sendo rejeitado no Senado, dando origem, no entanto, a um projeto substitutivo (Lei nº 10.216/2001) que, apesar de não incluir a extinção dos hospitais psiquiátricos, representou um significativo avanço na luta do movimento antimanicomial brasileiro. Movimento pela Reforma Psiquiátrica Antes da Lei 10.216, 93% dos recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental eram destinados aos Hospitais Psiquiátricos • Em 1989, é promulgada a Portaria nº 189 e, em 1992, a Portaria nº 224, que estabeleceram e regulamentaram novos procedimentos em assistência psiquiátrica e atenção psicossocial • Em 2002, foi promulgada a Portaria nº 336 que estabeleceu uma nova regulamentação dos serviços de atenção psicossocial, denominados Centros de Atenção Psicossocial • Várias Portarias as sucederam, criando serviços e regulamentando seu funcionamento • Em 2011, foi promulgada a Portaria 3088 que institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS Movimento pela Reforma Psiquiátrica Rede de Atenção Psicossocial • ESF/ PACS • NASF • Consultório na Rua • CAPS geral • CAPS ad • CAPS i • Unidades de Acolhimento Transitório • Serviço Residencial Terapêutico / Programa de Volta pra Casa • SAMU • Enfermarias Especializada em Psiquiatria em Hospital Geral • Comunidades Terapêuticas Estratégias de dinamização, integração e qualificação da Rede de Atenção Psicossocial: Apoio Matricial; Supervisão Clínico- Institucional; Apoio Institucional; Educação Permanente; Cogestão. Incluídas na RAPS desde 2011, as CT em nada se assemelham ao modelo proposto por Maxwell Jones e constituem grande contradição, contra a qual se colocam os Movimentos Sociais de luta pela RP • No Ceará, o primeiro CAPS foi inaugurado em 1991, na cidade de Iguatu, seguidode Canindé e Quixadá em 1993; Icó, Juazeiro do Norte e Cascavel em 1995; Aracati em 1997 e Fortaleza em 1998 (BRASIL, 2011). • Em relação à Política Estadual de Atenção à Saúde Mental, Sampaio e Barroso (2001) destacam a aprovação da Lei Estadual nº 12.151, de 1993, proposta pelo Deputado Mário Mamede, a qual dispõe sobre internações compulsórias e delineia um modelo não hospitalocêntrico de atenção à saúde mental. Movimento pela Reforma Psiquiátrica • Outra ênfase se refere à experiência do município de Sobral que, a partir do fechamento do Hospital Psiquiátrico com já 25 anos de existência • O município monta uma complexa rede de atenção composta por emergência e internação em hospital geral, hospital-dia, residências terapêuticas, ambulatório de pronto-atendimento, CAPS, além de articulação com as equipes do Programa Saúde da Família (hoje Estratégia de Saúde da Família), constituindo-se como uma referência importante para o Estado do Ceará e para o Brasil. Movimento pela Reforma Psiquiátrica Brasil é condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos O caso diz respeito à morte do cearense Damião Ximenes, em novembro de 1999. Damião Ximenes Lopes • Brasil é condenado por Corte Interamericana de Direitos Humanos. O caso diz respeito à morte do cearense Damião Ximenes, em novembro de 1999, enquanto estava internado na Casa de Repouso Guararapes, uma instituição psiquiátrica à época filiada ao Sistema Único de Saúde (SUS). • Damião morreu quatro dias depois de ser internado na clínica, que fica a 200 km de Fortaleza. • Embora o laudo do Instituto Médico Legal – redigido pelo mesmo médico que trabalhava na Casa de Repouso – apontasse "causa (de morte) indeterminada", Damião apresentava marcas de tortura e maus-tratos. Movimento pela Reforma Psiquiátrica DESCONSTRUÇÃO RECONSTRUÇÃO Movimento pela Reforma Psiquiátrica Conforme destaca Cecílio (2007), não são apenas diretrizes e normas que configuram os processos de trabalho. Apesar do desejo de condução de um determinado projeto ético- político, algo transborda e se realiza nos territórios da micropolítica organizacional. Entre os conceitos formulados por intelectuais e gestores e a prática, há outros sujeitos que formulam conceitos e contraconceitos, sujeitos que em sua maioria tomam muito mais suas corporações (além de seus valores e interesses) como referência para suas práticas do que aquilo que a organização define como suas diretrizes. epistemológica técnico- assistencial jurídico-política sociocultural Esse processo social complexo implica a transformação de várias dimensões simultâneas e interdependentes Amarante (2008) Movimento pela Reforma Psiquiátrica • Epistemológica: superação de conceitos, em especial os de “alienação mental” e “cura”. • Técnico-Assistencial: organização e princípios do cuidado, enfatizando-se a nova ênfase dada ao acolhimento, à escuta, à sociabilidade, permitindo a produção de subjetividade e de vida. • Jurídico-Política: possibilidade legal e social de produção de novos discursos e novos espaços de cidadania na vida coletiva. • Sociocultural: reflexão e transformação da relação entre sociedade e pessoas identificadas com a loucura. Movimento pela Reforma Psiquiátrica Em síntese A psiquiatria clássica: • Transforma a loucura em doença e produz uma demanda social por tratamento e assistência; • Distancia o louco do espaço social; • Transforma a loucura em objeto do qual o sujeito precisa distanciar-se para produzir saber e discurso; • A loucura é adjetivada com qualidades morais de periculosidade e marginalidade, instituindo uma correlação entre punição e tratamento • Subtrai a totalidade subjetiva e histórico-social a uma leitura classificatória do limite dado pelo saber médico • O manicômio concretiza a metáfora da exclusão produzida pela modernidade em sua relação com a diferença (AMARANTE, 1995) Os movimentos de reforma 1. Crítica à estrutura asilar, considerada responsável pelos altos índices de cronificação. Entretanto, o hospital permanece visto como uma “instituição de cura”, sendo necessário reformá-lo internamente para resgatar seu caráter positivo; 2. Extensão da psiquiatria ao espaço público, organizando-o com o objetivo de prevenir e promover a saúde mental; 3. Questionamento ou Ruptura do saber/prática psiquiátricos, considerando-os aprisionadores e redutores da complexidade dos fenômenos relacionados ao sofrimento psíquico Reforma Psiquiátrica Brasileira Ainda em curso... Busca, entre outros objetivos: • Construção de uma Rede de Serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, vinculados e adequados a um território adscrito; • Atuação ambulatorial e comunitária, interdisciplinar e intersetorial dirigida a usuários, familiares e comunidade; • Linhas de cuidado que incluam: atenção à urgência, prevenção de agravos, promoção da saúde, tratamento, reabilitação, socialização, participação social; • Projetos terapêuticos singulares construídos com participação dos usuários e seus familiares; • Educação Permanente e Cogestão; • Participação política, envolvendo usuários, familiares, trabalhadores e gestores. Para entender os desafios... Contradições Políticas e Econômicas Contexto político e econômico • O projeto da Reforma Psiquiátrica Brasileira é um projeto social em uma economia política neoliberal, o que gera profundas contradições. • O neoliberalismo descende do liberalismo, defendendo a supremacia do Mercado sobre o Estado e do Individual sobre o Coletivo. • O neoliberalismo defende o Estado mínimo: redução do Estado em relação a papeis e funções, delegando-as e, por outro, lado, interferindo minimamente no Mercado. O importante é o crescimento econômico e não a distribuição. • Como meio, opta-se frequentemente pela Abertura de Mercado e pela Privatização, em detrimento de Políticas Sociais. Herberth Spencer (1820-1903) Darwinismo Social • As ideias liberais se apoiam em grande medida nas ideias de Herberth Spencer, filosofo inglês, autor de uma doutrina denominada “Darwinismo Social” e que cunhou a expressão “sobrevivência do mais apto” (expressão cunhada por ele). • Spencer acreditava que se a sobrevivência do mais apto operasse com liberdade, apenas os melhores e mais fortes sobreviveriam, desse modo, o estado não deveria interferir em negócios, indústrias ou na assistência social, pois isso permitiria a sobrevivência dos mais fracos, enfraquecendo a sociedade. Efeitos do neoliberalismo nas Políticas Sociais: • Subfinanciamento, terceirização e privatização de serviços e de sua gestão; • Redução dos espaços de participação popular e controle social; • Elevação das taxas de desigualdade social, desemprego e trabalho informal; • Precarização dos vínculos trabalhistas, com alta rotatividade. Contexto político e econômico Qualquer semelhança com a crise do Sistema Único de Saúde – e da Rede de Atenção Psicossocial – não é mera coincidência. (VASCONCELOS, 2012, p.13) Alguns exemplos dos efeitos diretos do neoliberalismo no cenário da Política de Atenção à Saúde Mental: • Movimentos corporativos, a exemplo do Ato Médico; • Fortalecimento da Indústria Farmacêutica; • Movimento de “Contra-Reforma Psiquiátrica”, protagonizado em especial pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP); • Investimento midiático na constituição do usuário de drogas como grande inimigo público e defesa de tratamentos asilares em instituições privadas. Dito de outro modo, apoio às Comunidades Terapêuticas e à internação compulsória. Contexto político e econômico (VASCONCELOS, 2012, p.13) Mudança na Saúde gera protestos no país Ex-diretorde manicômio denunciado ganha cargo; ele contesta críticas •POR WILLIAM HELAL FILHO 15/12/2015 6:00 / ATUALIZADO 15/12/2015 15:07 PROTESTO. Profissionais de saúde mental e pacientes em frente à Alerj, na manifestação contra troca no ministério - Domingos Peixoto / Agência O Globo Entrevista: Paulo Amarante “Colocar uma pessoa para dirigir uma política nacional que seja contra essa política é no mínimo um contrassenso e no máximo uma tentativa de desarticulá-la” O Hospital Doutor Eiras teve uma intervenção federal, do Ministério Público estadual e foi fechado por graves violações dos Direitos Humanos. O então diretor clínico era o médico Valencius Wurch Duarte Filho, que resistiu a essa intervenção, fez várias tentativas de manter esse hospital em funcionamento atuando em relação à equipe que trabalhou no processo de fechamento da instituição e foi um defensor até o último momento do manicômio e desse modelo de tratamento psiquiátrico. Manicômios são passado sombrio', diz novo gestor de Saúde Mental Ex-diretor de 'casa dos horrores' critica protestos contra seu nome: 'Deixa eu trabalhar' •POR WILLIAM HELAL FILHO 18/12/2015 13:19 / ATUALIZADO 18/12/2015 14:10 Protesto contra Valencius Duarte Filho no Centro do Rio, na última segunda-feira - Domingos Peixoto / Agência O Globo Manifestantes ocupam sala da Saúde Mental em Ministério Profissionais da rede pública protestam contra novo coordenador da área •POR WILLIAM HELAL FILHO 15/12/2015 12:27 / ATUALIZADO 15/12/2015 13:21 Profissionais e pacientes ocupam sala da Coordenação de Saúde Mental em Brasília - Divulgação Ministro demite coordenador de Saúde Mental criticado por entidades e movimentos sociais No cargo há cinco meses, Valencius Wurch é tido como contrário à reforma psiquiátrica POR RENAN XAVIER* E EVANDRO ÉBOLI 09/05/2016 10:09 / ATUALIZADO 09/05/2016 10:18 Manifestação em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília, pela reforma psiquiátrica e renúncia de Valencius Wurch - Jorge William / Agência O Globo Contradições Teórico-Práticas Referências teóricas e práticas • Comunidades Terapêuticas (Maxwell Jones) e Psiquiatria Comunitária Norte-Americana • Psicanálise, em especial as correntes lacanianas • Karl Marx, Michel Foucault e Erving Goffman • Antipsiquiatria (Ronald Laing, David Cooper, Aaron Esterson e Thomas Szasz) • Análise Institucional (Lourau e Lapassade) • Esquizoanálise (Deleuze e Guattari) • Psiquiatria Democrática Italiana (Franco Basaglia) • Entre outras... (VASCONCELOS, 2012, p.15) • Grande espectro pluralista de tendências teóricas e clínico- assistenciais. • É comum encontrar na RAPS profissionais que desconhecem a história e a epistemologia da Reforma Psiquiátrica, reproduzindo ideias e práticas contraditórias em relação aos princípios e diretrizes do movimento ou reduzindo a reforma a uma proposta de humanização do hospital e demais serviços de assistência à saúde. Referências teóricas e práticas Contradições na produção do cuidado Esse movimento requer rupturas, uma radicalização, e não uma superação que acaba por promover pactos entre o aparentemente novo e as articulações de manutenção de séculos de dominação. [...] Somos constantemente capturados por nossos desejos de controle, fixidez, identidade, normatização, subjugação ou, em outras palavras, nossos desejos de manicômio (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006, p. 314). “Apesar das transformações ocorridas no cuidado ao paciente portador de transtornos graves, percebe-se a permanência da lógica psiquiátrica clássica no discurso da psiquiatria biológica. Ela está presente no diagnóstico, pelo modo de construção e operação dos manuais de classificação psiquiátricos, na construção dos instrumentos de pesquisa epidemiológica a respeito de pessoas portadoras de problemas mentais e na forma como acontece o processo de medicalização do social” (GAMA, ONOCKO CAMPOS e FERRER, 2014, p. 70). Contradições na produção do cuidado Contradições na produção do cuidado REMÉDIO É COM PSIQUIATRA. ESCUTA É COM PSICÓLOGO. TRABALHO É COM O TERAPEUTA-OCUPACIONAL. INTERCORRÊNCIA CLÍNICA, OUTRA: NÃO É CONOSCO. SURTO? VAI TER QUE INTERNAR (ONOCKO CAMPOS, 2001, p.103) “Embora a psicopatologia pretenda se apresentar como uma atividade científica, ela não é! Ela é um exercício constante de demarcação do que é a normalidade, do que é a diferença e do que é a diferença considerada patológica e isso não pode ser decidido cientificamente sem se submeter a uma avaliação subjetiva” Café Filosófico: A história da psicopatologia no Brasil - Benilton Bezerra https://www.youtube.com/watch?v=r-XJtS0A1WQ O lugar do diagnóstico • As modernas classificações psiquiátricas trazem em si uma concepção de saúde e doença, normal e patológico, entretanto, essa concepção é ocultada e, consequentemente, naturalizada pelo silenciamento da discussão (SERPA JUNIOR, 2007). • Os Manuais de Classificação Diagnóstica acabam por constituir “uma psicopatologia sem pathos” (SERPA JUNIOR, 2007, p.13). O lugar do diagnóstico • Serpa Junior (2007) afirma que “a psicopatologia não é, nem nunca será uma teoria geral da subjetividade. Mas deve proporcionar um entendimento acerca do seu pathos, da sua experiência do sofrimento e dor moral” (p.13-14). • A restrição da análise psicopatológica à objetividade de um quadro nosográfico a descola do plano da vivência, da experiência singular do adoecimento (SERPA JUNIOR, 2007). O lugar do diagnóstico Em síntese • Temos, de um lado, um discurso que desconstrói o saber psiquiátrico tradicional, relativizando o conceito de doença mental, ampliando o olhar sobre o sofrimento psíquico, apostando na reabilitação psicossocial, nas ações humanizadas evitando o estigma e o preconceito • De outro, uma postura classificatória, normatizadora e biologizante que concebe a doença mental como interna ao sujeito e aposta na extinção do sintoma pela medicação como única forma de tratamento. • Estas duas lógicas fazem parte do cotidiano dos serviços sem que haja uma reflexão das contradições destas abordagens e as consequências do seu emprego. (GAMA, ONOCKO CAMPOS e FERRER, 2014, p. 71). Proposta A existência de uma pessoa inclui os erros, os fracassos, as privações, as opções de vida, os desejos, as angústias existenciais, os desafios e as contradições. Quando criamos um conceito de saúde que impede uma conexão com a vida cotidiana, que exclui as oscilações, as possíveis aventuras e as escolhas singulares, relacionando qualquer afastamento da regra a uma espécie de crime e merecedor de um determinado castigo, estamos, ao contrário de produzir saúde, normatizando o comportamento. Assim, o conceito de saúde necessitaria ser reformulado englobando as oscilações da vida, inclusive a própria possibilidade de adoecimento. A análise poderia ficar mais centrada na capacidade de enfrentamento dos problemas. A ideia de saúde como abertura ao risco (Canguilhem, 1990; Caponi, 2003) (GAMA, CAMPOS e FERRER, 2014, p. 72) Referências • ALVERGA, A. R.; DIMENSTEIN, M. A reforma psiquiátrica e os desafios na desinstitucionalização da loucura. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v.10, n.20, p. 299-316, 2006. • AMARANTE, P. D. C. Saúde Mental, desinstitucionalização e novas estratégias de cuidado. In: GIOVANELLA, L. (org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. • AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. • BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 5ª Ed. Belo Horizonte, MG: Instituto Félix Guatarri, 2002 • FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia.Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008. • FURTADO, J. P.; ONOCKO CAMPOS, R. A transposição das políticas de saúde mental no Brasil para a prática nos novos serviços. Revista latino-americana de psicopatologia fundamental, v. 8, n. 1, p. 109-122, 2005. Referências • JORGE, Marco Aurelio Soares. Engenho dentro de casa: sobre a construção de um serviço de atenção diária em saúde mental. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1997. 117 p. • LANCETTI, A. Reformas Psiquiátricas e a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas: experiências e desafios. In: Zeferino, Maria Terezinha. Crise e Urgência em Saúde Mental: fundamentos da atenção à crise e urgência em saúde mental / Maria Terezinha Zeferino, Jeferson Rodrigues, Jaqueline Tavares de Assis (orgs.). – Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa, 2014. 101 p. • ONOCKO CAMPOS, R. T. Clínica: a palavra negada – sobre as práticas clínicas nos serviços substitutivos de saúde mental. Saúde em Debate, v. 25, n. 58, p. 99-111, 2001. • PELBART, P. P. Manicômio mental: a outra face da clausura In: LANCETTI, A. et al (orgs). Saúde e Loucura 2, 3ª edição, p. 131-138. São Paulo: Hucitec, 1990. • PESSOA, Karine Lima Verde. Gestão do cuidado em saúde mental: micropolítica dos processos de trabalho no cotidiano da atenção psicossocial. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública, Fortaleza, 2012. • VASCONCELOS, E.M. Crise mundial, conjuntura política e social no Brasil, e os novos impasses teóricos na análise da reforma psiquiátrica no país. Cad. Bras. Saúde Mental, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 8-21, jan./jun. 2012 Referências
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