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Reforma Psiquiátrica no Brasil

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Revisitando o percurso da 
Reforma Psiquiátrica
O CASO BRASILEIRO
Karine Lima Verde Pessoa
Psicóloga, CRP 11/02894, Mestre em Saúde Pública
1º Hospício do Brasil
• A partir da década de 1840 foram criados os primeiros 
hospícios no Brasil, baseando-se na necessidade de oferecer 
tratamento adequado aos “loucos”, que até então viviam nas 
ruas, prisões e nas “casinhas de doudos” das Santas Casas de 
Misericórdia.
• No dia 10 de julho de 1841 foi publicado o decreto que 
ordenou a construção de um asilo no Rio de Janeiro. 
• Sob o patrocínio do Imperador Pedro II, este asilo foi 
inaugurado em 1852 e foi originalmente planejado para 
trezentos pacientes de ambos os sexos.
1852 - Hospício Pedro II – 1º hospício do Brasil – Rio de Janeiro
• Prontuários encontrados nos arquivos do antigo Hospício de Pedro II 
evidenciam a subdivisão de classes sociais que pauta, à época, os 
serviços de assistência aos doentes mentais do manicômio.
• Pertenciam à primeira classe os indivíduos brancos, membros da 
Corte, fazendeiros e funcionários públicos; à segunda, os lavradores e 
serviçais domésticos; e à terceira, pessoas de baixa renda e escravos 
pertencentes a senhores importantes.
• Enquanto os pacientes de primeira e segunda classes viviam em 
quartos individuais ou duplos e se entretiam com pequenos trabalhos 
manuais, jogos e leitura, os de terceira e quarta trabalhavam na 
cozinha, manutenção, jardinagem e limpeza.
1º Hospício do Brasil
Fonte: BRASIL. Centro Cultural do Ministério da Saúde. Disponível em: http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/mostra/retratos03.html
• Em 1890, por meio do Decreto nº 142-A, o Hospício de Pedro II foi 
desanexado da Santa Casa da Misericórdia e passou a ser 
denominado Hospício Nacional de Alienados, recebendo cada vez 
mais pacientes, oriundos de todo o território nacional: loucos 
alguns, excluídos todos.
• A superlotação se intensificou e, segundo alguns registros entre 
janeiro de 1890 e novembro de 1894, teriam sido internados 
no Hospício Nacional 3.201 pacientes. 
• A superlotação fez com que o atendimento se degradasse e as 
imponentes instalações ficassem precárias e descuidadas, iniciando 
uma história de decadência.
1º Hospício do Brasil
Colônias de Alienados
• Na tentativa de resolver os 
problemas da superlotação e da 
mistura de pacientes curáveis e 
incuráveis em um mesmo 
estabelecimento, foram criadas as 
“Colônias de Alienados”
• Os “incuráveis tranquilos”, 
removidos para muito além do centro 
urbano, eram encarregados de 
trabalhos agrícolas e artesanais que 
compensavam a incapacidade das 
famílias de custearem o tratamento.
Triste capítulo de nossa História
Psiquiatria: saber ou poder?
“É interessante constatar que o modelo clássico da psiquiatria foi 
tão amplamente difundido, que influencia a prática psiquiátrica 
até nossos dias – apesar de terem surgido outros tantos modelos. 
O que talvez sugira a confirmação de que sua validação social está 
muito mais nos efeitos de exclusão que opera, do que na 
possibilidade de atualizar-se como um modelo pretensamente 
explicativo no campo da experimentação e tratamento das 
enfermidades mentais” (AMARANTE, 1995, p.26).
Voltaremos a essa discussão um pouco adiante...
Reforma Psiquiátrica Brasileira
Perspectiva histórica e crítica
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Década de 1970:
• Profusão de denúncias de maus tratos, 
violência e violação de direitos humanos 
advindas de profissionais de saúde, pacientes 
e familiares de pacientes internados;
• Presos políticos na ditadura militar (1964-
1985) vítimas de tortura em hospitais 
psiquiátricos;
• Movimentos sociais lutando pela liberdade 
de expressão e pela redemocratização 
nacional;
• Movimento pela Reforma Sanitária.
• Foi deflagrada uma crise com profusão de denúncias, manifestações e 
demissões de trabalhadores da Saúde que culminou com a criação do 
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) 
• No período denominado Nova República, palco da 8ª Conferência 
Nacional de Saúde (CNS), foram propostas conferências sobre áreas 
temáticas específicas, incluindo a saúde mental. 
• A I Conferência Nacional de Saúde Mental foi realizada em 
1987, tornando-se palco de articulação de participantes do movimento 
nacional no campo da saúde mental. Nesse contexto, teve lugar um 
profundo debate sobre a falência do modelo hospitalocêntrico e a 
necessidade de criação dos serviços extra-hospitalares.
(AMARANTE, 2008)
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
• Outro marco importante merece ser mencionado, o II Congresso 
Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, realizado em 1987, 
que introduziu no Brasil o lema “Por uma sociedade sem 
manicômios” e instituiu o dia 18 de maio como o Dia Nacional 
da Luta Antimanicomial. 
• Salienta-se nesse evento a ampliação significativa da participação de 
usuários, familiares e ativistas de movimentos sociais, além de 
demarcar uma ruptura pela proposição de uma transformação social 
mais abrangente e não apenas de uma transformação no modelo 
tecnoassistencial. 
• Em 1993, o MTSM passa a se chamar Movimento Nacional de 
Luta Antimanicomial (MNLA).
• No Brasil, a cidade de Santos, no estado de São Paulo, foi pioneira na 
desconstrução do manicômio e construção de uma rede de serviços, estratégias e 
dispositivos que passaram a ser denominados de serviços substitutivos
• O impacto e a repercussão da experiência santista forneceram a base para o 
advento, em 1989, do Projeto de Lei nº 3.657 de autoria do deputado 
Paulo Delgado, que propunha a extinção progressiva dos hospitais 
psiquiátricos e sua substituição por outros serviços de saúde mental. 
• O projeto ficou em tramitação por quase doze anos, sendo rejeitado no 
Senado, dando origem, no entanto, a um projeto substitutivo (Lei nº 
10.216/2001) que, apesar de não incluir a extinção dos hospitais psiquiátricos, 
representou um significativo avanço na luta do movimento antimanicomial
brasileiro. 
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Antes da Lei 10.216, 93% dos recursos do Ministério da Saúde para a 
Saúde Mental eram destinados aos Hospitais Psiquiátricos
• Em 1989, é promulgada a Portaria nº 189 e, em 1992, a Portaria nº 
224, que estabeleceram e regulamentaram novos procedimentos em 
assistência psiquiátrica e atenção psicossocial
• Em 2002, foi promulgada a Portaria nº 336 que estabeleceu uma 
nova regulamentação dos serviços de atenção psicossocial, 
denominados Centros de Atenção Psicossocial
• Várias Portarias as sucederam, criando serviços e regulamentando 
seu funcionamento
• Em 2011, foi promulgada a Portaria 3088 que institui a Rede de 
Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno 
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e 
outras drogas, no âmbito do SUS
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Rede de Atenção Psicossocial
• ESF/ PACS
• NASF
• Consultório na Rua
• CAPS geral
• CAPS ad
• CAPS i
• Unidades de 
Acolhimento 
Transitório
• Serviço Residencial 
Terapêutico / Programa 
de Volta pra Casa
• SAMU
• Enfermarias 
Especializada em 
Psiquiatria em Hospital 
Geral
• Comunidades 
Terapêuticas 
Estratégias de 
dinamização, integração e 
qualificação da Rede de 
Atenção Psicossocial:
Apoio Matricial; 
Supervisão Clínico-
Institucional; 
Apoio Institucional; 
Educação Permanente;
Cogestão.
Incluídas na RAPS desde 2011, as CT 
em nada se assemelham ao modelo 
proposto por Maxwell Jones e 
constituem grande contradição, 
contra a qual se colocam os 
Movimentos Sociais de luta pela RP
• No Ceará, o primeiro CAPS foi inaugurado em 1991, na cidade 
de Iguatu, seguidode Canindé e Quixadá em 1993; Icó, Juazeiro do 
Norte e Cascavel em 1995; Aracati em 1997 e Fortaleza em 1998
(BRASIL, 2011). 
• Em relação à Política Estadual de Atenção à Saúde Mental, Sampaio 
e Barroso (2001) destacam a aprovação da Lei Estadual nº 12.151, 
de 1993, proposta pelo Deputado Mário Mamede, a qual dispõe 
sobre internações compulsórias e delineia um modelo não 
hospitalocêntrico de atenção à saúde mental. 
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
• Outra ênfase se refere à experiência do município 
de Sobral que, a partir do fechamento do Hospital 
Psiquiátrico com já 25 anos de existência
• O município monta uma complexa rede de atenção 
composta por emergência e internação em hospital 
geral, hospital-dia, residências terapêuticas, 
ambulatório de pronto-atendimento, CAPS, além de 
articulação com as equipes do Programa Saúde da 
Família (hoje Estratégia de Saúde da Família), 
constituindo-se como uma referência importante 
para o Estado do Ceará e para o Brasil. 
Movimento pela Reforma 
Psiquiátrica
Brasil é condenado 
pela Corte 
Interamericana de 
Direitos Humanos
O caso diz respeito à 
morte do cearense 
Damião Ximenes, em 
novembro de 1999.
Damião Ximenes Lopes
• Brasil é condenado por Corte Interamericana de 
Direitos Humanos. O caso diz respeito à morte do 
cearense Damião Ximenes, em novembro de 1999, 
enquanto estava internado na Casa de Repouso 
Guararapes, uma instituição psiquiátrica à época filiada 
ao Sistema Único de Saúde (SUS).
• Damião morreu quatro dias depois de ser internado na 
clínica, que fica a 200 km de Fortaleza.
• Embora o laudo do Instituto Médico Legal – redigido 
pelo mesmo médico que trabalhava na Casa de Repouso 
– apontasse "causa (de morte) indeterminada", Damião 
apresentava marcas de tortura e maus-tratos.
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
DESCONSTRUÇÃO
RECONSTRUÇÃO
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Conforme destaca Cecílio (2007), não são apenas diretrizes e normas 
que configuram os processos de trabalho. 
Apesar do desejo de condução de um determinado projeto ético-
político, algo transborda e se realiza nos territórios da micropolítica 
organizacional. 
Entre os conceitos formulados por intelectuais e gestores e a prática, 
há outros sujeitos que formulam conceitos e contraconceitos, sujeitos 
que em sua maioria tomam muito mais suas corporações (além de 
seus valores e interesses) como referência para suas práticas do que 
aquilo que a organização define como suas diretrizes.
epistemológica
técnico-
assistencial
jurídico-política
sociocultural
Esse processo social complexo implica a transformação de várias 
dimensões simultâneas e interdependentes
Amarante (2008)
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
• Epistemológica: superação de conceitos, em especial os de 
“alienação mental” e “cura”. 
• Técnico-Assistencial: organização e princípios do cuidado, 
enfatizando-se a nova ênfase dada ao acolhimento, à escuta, à 
sociabilidade, permitindo a produção de subjetividade e de vida. 
• Jurídico-Política: possibilidade legal e social de produção de novos 
discursos e novos espaços de cidadania na vida coletiva. 
• Sociocultural: reflexão e transformação da relação entre sociedade e 
pessoas identificadas com a loucura.
Movimento pela Reforma Psiquiátrica
Em síntese
A psiquiatria clássica:
• Transforma a loucura em doença e produz uma demanda social por 
tratamento e assistência;
• Distancia o louco do espaço social;
• Transforma a loucura em objeto do qual o sujeito precisa distanciar-se 
para produzir saber e discurso;
• A loucura é adjetivada com qualidades morais de periculosidade e 
marginalidade, instituindo uma correlação entre punição e tratamento
• Subtrai a totalidade subjetiva e histórico-social a uma leitura 
classificatória do limite dado pelo saber médico
• O manicômio concretiza a metáfora da exclusão produzida pela 
modernidade em sua relação com a diferença
(AMARANTE, 1995)
Os movimentos de reforma
1. Crítica à estrutura asilar, considerada responsável pelos altos 
índices de cronificação. Entretanto, o hospital permanece visto 
como uma “instituição de cura”, sendo necessário reformá-lo 
internamente para resgatar seu caráter positivo;
2. Extensão da psiquiatria ao espaço público, organizando-o com 
o objetivo de prevenir e promover a saúde mental;
3. Questionamento ou Ruptura do saber/prática psiquiátricos, 
considerando-os aprisionadores e redutores da complexidade dos 
fenômenos relacionados ao sofrimento psíquico
Reforma Psiquiátrica Brasileira
Ainda em curso... Busca, entre outros objetivos:
• Construção de uma Rede de Serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, 
vinculados e adequados a um território adscrito; 
• Atuação ambulatorial e comunitária, interdisciplinar e intersetorial dirigida a 
usuários, familiares e comunidade;
• Linhas de cuidado que incluam: atenção à urgência, prevenção de agravos, 
promoção da saúde, tratamento, reabilitação, socialização, participação social;
• Projetos terapêuticos singulares construídos com participação dos usuários e 
seus familiares;
• Educação Permanente e Cogestão;
• Participação política, envolvendo usuários, familiares, trabalhadores e 
gestores.
Para entender os desafios...
Contradições 
Políticas e Econômicas
Contexto político e econômico
• O projeto da Reforma Psiquiátrica Brasileira é um projeto 
social em uma economia política neoliberal, o que gera 
profundas contradições.
• O neoliberalismo descende do liberalismo, defendendo a supremacia do 
Mercado sobre o Estado e do Individual sobre o Coletivo. 
• O neoliberalismo defende o Estado mínimo: redução do Estado em 
relação a papeis e funções, delegando-as e, por outro, lado, interferindo 
minimamente no Mercado. O importante é o crescimento 
econômico e não a distribuição.
• Como meio, opta-se frequentemente pela Abertura de Mercado e pela 
Privatização, em detrimento de Políticas Sociais.
Herberth Spencer (1820-1903)
Darwinismo Social
• As ideias liberais se apoiam em grande medida 
nas ideias de Herberth Spencer, filosofo inglês, 
autor de uma doutrina denominada “Darwinismo 
Social” e que cunhou a expressão “sobrevivência do 
mais apto” (expressão cunhada por ele).
• Spencer acreditava que se a sobrevivência do mais apto 
operasse com liberdade, apenas os melhores e mais 
fortes sobreviveriam, desse modo, o estado não 
deveria interferir em negócios, indústrias ou na 
assistência social, pois isso permitiria a 
sobrevivência dos mais fracos, enfraquecendo a 
sociedade.
Efeitos do neoliberalismo nas Políticas Sociais:
• Subfinanciamento, terceirização e privatização de serviços e de sua 
gestão;
• Redução dos espaços de participação popular e controle social;
• Elevação das taxas de desigualdade social, desemprego e trabalho 
informal;
• Precarização dos vínculos trabalhistas, com alta rotatividade.
Contexto político e econômico
Qualquer semelhança com a crise do Sistema Único de Saúde – e da 
Rede de Atenção Psicossocial – não é mera coincidência.
(VASCONCELOS, 2012, p.13)
Alguns exemplos dos efeitos diretos do neoliberalismo no 
cenário da Política de Atenção à Saúde Mental:
• Movimentos corporativos, a exemplo do Ato Médico;
• Fortalecimento da Indústria Farmacêutica;
• Movimento de “Contra-Reforma Psiquiátrica”, protagonizado em 
especial pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP);
• Investimento midiático na constituição do usuário de drogas como 
grande inimigo público e defesa de tratamentos asilares em 
instituições privadas. Dito de outro modo, apoio às Comunidades 
Terapêuticas e à internação compulsória.
Contexto político e econômico
(VASCONCELOS, 2012, p.13)
Mudança na Saúde gera protestos no país
Ex-diretorde manicômio denunciado ganha cargo; ele contesta críticas
•POR WILLIAM HELAL FILHO
15/12/2015 6:00 / ATUALIZADO 15/12/2015 15:07
PROTESTO. Profissionais de saúde mental e pacientes em frente à Alerj, na manifestação contra troca no ministério - Domingos 
Peixoto / Agência O Globo
Entrevista: Paulo Amarante 
“Colocar uma pessoa para dirigir uma política nacional 
que seja contra essa política é no mínimo um contrassenso e 
no máximo uma tentativa de desarticulá-la”
O Hospital Doutor Eiras teve uma intervenção federal, 
do Ministério Público estadual e foi fechado por graves violações 
dos Direitos Humanos. O então diretor clínico era o 
médico Valencius Wurch Duarte Filho, que resistiu a essa 
intervenção, fez várias tentativas de manter esse hospital em 
funcionamento atuando em relação à equipe que trabalhou no processo 
de fechamento da instituição e foi um defensor até o último momento do 
manicômio e desse modelo de tratamento psiquiátrico.
Manicômios são passado sombrio', diz 
novo gestor de Saúde Mental
Ex-diretor de 'casa dos horrores' critica protestos contra seu nome: 'Deixa eu trabalhar'
•POR WILLIAM HELAL FILHO
18/12/2015 13:19 / ATUALIZADO 18/12/2015 14:10
Protesto contra Valencius Duarte Filho no Centro do Rio, na última segunda-feira - Domingos Peixoto / Agência O Globo
Manifestantes ocupam sala da Saúde 
Mental em Ministério
Profissionais da rede pública protestam contra novo coordenador da área
•POR WILLIAM HELAL FILHO
15/12/2015 12:27 / ATUALIZADO 15/12/2015 13:21
Profissionais e pacientes ocupam sala da Coordenação de Saúde Mental em Brasília - Divulgação
Ministro demite coordenador de Saúde Mental 
criticado por entidades e movimentos sociais
No cargo há cinco meses, Valencius Wurch é tido como contrário à reforma psiquiátrica
POR RENAN XAVIER* E EVANDRO ÉBOLI
09/05/2016 10:09 / ATUALIZADO 09/05/2016 10:18
Manifestação em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília, pela reforma psiquiátrica e renúncia de Valencius
Wurch - Jorge William / Agência O Globo
Contradições Teórico-Práticas
Referências teóricas e práticas
• Comunidades Terapêuticas (Maxwell Jones) e Psiquiatria Comunitária 
Norte-Americana
• Psicanálise, em especial as correntes lacanianas
• Karl Marx, Michel Foucault e Erving Goffman
• Antipsiquiatria (Ronald Laing, David Cooper, Aaron Esterson e Thomas 
Szasz)
• Análise Institucional (Lourau e Lapassade)
• Esquizoanálise (Deleuze e Guattari)
• Psiquiatria Democrática Italiana (Franco Basaglia)
• Entre outras...
(VASCONCELOS, 2012, p.15)
• Grande espectro pluralista de tendências teóricas e clínico-
assistenciais. 
• É comum encontrar na RAPS profissionais que desconhecem 
a história e a epistemologia da Reforma Psiquiátrica, 
reproduzindo ideias e práticas contraditórias em relação aos 
princípios e diretrizes do movimento ou reduzindo a reforma 
a uma proposta de humanização do hospital e demais 
serviços de assistência à saúde.
Referências teóricas e práticas
Contradições na produção do cuidado
Esse movimento requer rupturas, uma radicalização, e não uma 
superação que acaba por promover pactos entre o aparentemente 
novo e as articulações de manutenção de séculos de dominação. [...] 
Somos constantemente capturados por nossos desejos de controle, 
fixidez, identidade, normatização, subjugação ou, em outras 
palavras, nossos desejos de manicômio 
(ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006, p. 314).
“Apesar das transformações ocorridas no cuidado ao paciente 
portador de transtornos graves, percebe-se a permanência 
da lógica psiquiátrica clássica no discurso da psiquiatria 
biológica. Ela está presente no diagnóstico, pelo modo de 
construção e operação dos manuais de classificação 
psiquiátricos, na construção dos instrumentos de pesquisa 
epidemiológica a respeito de pessoas portadoras de problemas 
mentais e na forma como acontece o processo de medicalização 
do social”
(GAMA, ONOCKO CAMPOS e FERRER, 2014, p. 70).
Contradições na produção do cuidado
Contradições na produção do cuidado
REMÉDIO É COM PSIQUIATRA.
ESCUTA É COM PSICÓLOGO.
TRABALHO É COM O TERAPEUTA-OCUPACIONAL.
INTERCORRÊNCIA CLÍNICA, OUTRA: NÃO É CONOSCO. 
SURTO? VAI TER QUE INTERNAR
(ONOCKO CAMPOS, 2001, p.103)
“Embora a psicopatologia pretenda 
se apresentar como uma atividade 
científica, ela não é! Ela é um exercício 
constante de demarcação do que é a 
normalidade, do que é a diferença e do que 
é a diferença considerada patológica e isso 
não pode ser decidido cientificamente sem 
se submeter a uma avaliação subjetiva”
Café Filosófico: A história da psicopatologia no Brasil - Benilton Bezerra
https://www.youtube.com/watch?v=r-XJtS0A1WQ
O lugar do diagnóstico
• As modernas classificações psiquiátricas trazem em si uma 
concepção de saúde e doença, normal e patológico, 
entretanto, essa concepção é ocultada e, consequentemente, 
naturalizada pelo silenciamento da discussão (SERPA 
JUNIOR, 2007). 
• Os Manuais de Classificação Diagnóstica acabam por 
constituir “uma psicopatologia sem pathos” (SERPA JUNIOR, 
2007, p.13).
O lugar do diagnóstico
• Serpa Junior (2007) afirma que “a psicopatologia não é, nem nunca 
será uma teoria geral da subjetividade. Mas deve proporcionar um 
entendimento acerca do seu pathos, da sua experiência do 
sofrimento e dor moral” (p.13-14). 
• A restrição da análise psicopatológica à objetividade de um 
quadro nosográfico a descola do plano da vivência, da 
experiência singular do adoecimento 
(SERPA JUNIOR, 2007).
O lugar do diagnóstico
Em síntese
• Temos, de um lado, um discurso que desconstrói o saber 
psiquiátrico tradicional, relativizando o conceito de doença mental, 
ampliando o olhar sobre o sofrimento psíquico, apostando na 
reabilitação psicossocial, nas ações humanizadas evitando o estigma e 
o preconceito 
• De outro, uma postura classificatória, normatizadora e 
biologizante que concebe a doença mental como interna ao sujeito e 
aposta na extinção do sintoma pela medicação como única forma de 
tratamento. 
• Estas duas lógicas fazem parte do cotidiano dos serviços sem 
que haja uma reflexão das contradições destas abordagens e as 
consequências do seu emprego.
(GAMA, ONOCKO CAMPOS e FERRER, 2014, p. 71).
Proposta
A existência de uma pessoa inclui os erros, os fracassos, as privações, as 
opções de vida, os desejos, as angústias existenciais, os desafios e as 
contradições. Quando criamos um conceito de saúde que impede uma 
conexão com a vida cotidiana, que exclui as oscilações, as possíveis 
aventuras e as escolhas singulares, relacionando qualquer afastamento 
da regra a uma espécie de crime e merecedor de um determinado 
castigo, estamos, ao contrário de produzir saúde, normatizando o 
comportamento. Assim, o conceito de saúde necessitaria ser reformulado 
englobando as oscilações da vida, inclusive a própria possibilidade de 
adoecimento. A análise poderia ficar mais centrada na 
capacidade de enfrentamento dos problemas. A ideia de saúde 
como abertura ao risco (Canguilhem, 1990; Caponi, 2003)
(GAMA, CAMPOS e FERRER, 2014, p. 72)
Referências
• ALVERGA, A. R.; DIMENSTEIN, M. A reforma psiquiátrica e os desafios na 
desinstitucionalização da loucura. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v.10, n.20, 
p. 299-316, 2006.
• AMARANTE, P. D. C. Saúde Mental, desinstitucionalização e novas estratégias de cuidado. 
In: GIOVANELLA, L. (org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: 
FIOCRUZ, 2008.
• AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de 
Janeiro: Fiocruz, 1995.
• BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e 
prática. 5ª Ed. Belo Horizonte, MG: Instituto Félix Guatarri, 2002
• FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia.Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008. 
• FURTADO, J. P.; ONOCKO CAMPOS, R. A transposição das políticas de saúde mental no 
Brasil para a prática nos novos serviços. Revista latino-americana de psicopatologia
fundamental, v. 8, n. 1, p. 109-122, 2005.
Referências
• JORGE, Marco Aurelio Soares. Engenho dentro de casa: sobre a construção de um serviço 
de atenção diária em saúde mental. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de 
Saúde Pública; 1997. 117 p.
• LANCETTI, A. Reformas Psiquiátricas e a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool 
e Outras Drogas: experiências e desafios. In: Zeferino, Maria Terezinha. Crise e Urgência 
em Saúde Mental: fundamentos da atenção à crise e urgência em saúde mental / Maria 
Terezinha Zeferino, Jeferson Rodrigues, Jaqueline Tavares de Assis (orgs.). – Florianópolis 
(SC): Universidade Federal de Santa, 2014. 101 p. 
• ONOCKO CAMPOS, R. T. Clínica: a palavra negada – sobre as práticas clínicas nos serviços 
substitutivos de saúde mental. Saúde em Debate, v. 25, n. 58, p. 99-111, 2001.
• PELBART, P. P. Manicômio mental: a outra face da clausura In: LANCETTI, A. et al (orgs). 
Saúde e Loucura 2, 3ª edição, p. 131-138. São Paulo: Hucitec, 1990.
• PESSOA, Karine Lima Verde. Gestão do cuidado em saúde mental: micropolítica 
dos processos de trabalho no cotidiano da atenção psicossocial. Dissertação 
(Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências da Saúde, 
Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública, Fortaleza, 2012.
• VASCONCELOS, E.M. Crise mundial, conjuntura política e social no Brasil, e os 
novos impasses teóricos na análise da reforma psiquiátrica no país. Cad. Bras. 
Saúde Mental, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 8-21, jan./jun. 2012
Referências

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