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Feito por Ayane Paula - MED 14 1 Feito por Ayane Paula - MED 14 2 Praticamente todas as culturas primitivas serviam da hipótese demonológica para explicar a origem das doenças. Casos de enfermidades mentais são encontrados na Bíblia, em literários da Grécia e Roma, nos vestígios das culturas egípcias, babilônicas, incas, astecas e outras. Ainda não existem causas específicas que expliquem os transtornos mentais, salvo aqueles que são explicados por disfunções neurológicas e/ou fisiológicas. - A doença mental é MULTIFATORIAL: questões afetivas, orgânicas, sociais... TENDÊNCIAS DA PSIQUIATRIA 1) Tentativa de lidar com acontecimentos inexplicáveis por meio da magia e religião; o doente mental sendo divinizado (Secs. VIII-IX) ou demonizado (Secs. X-XV); 2) Tentativa de explicar as doenças da mente em termos físicos e biológicos (Secs. XV em diante), levando a terapias como: Eletrochoque (1928), Sono Profundo (1930), Choque Insulínico (1935) e Psicocirurgias (1936); 3) Tentativa de encontrar explicações psicológicas para as perturbações mentais (Séc. XIX em diante). ESCOLA FRANCESA E A PRIMEIRA REVOLUÇÃO PSIQUIÁTRICA A doença mental se torna objeto de estudo da medicina. Até o século XVIII, a identificação de doentes mentais se baseava em critérios socioculturais imprecisos. A sanção da lei de 1656 pelo rei Luís XIV teve finalidades policiais: indivíduos libertinos, charlatões, errantes, indigentes, mendigos, ociosos, ladrões, lunáticos, dementes, alienados e insanos de todas as espécies deviam ser eliminados publicamente ou levados à reclusão. Entretanto, uma mudança fundamental ocorreu no século XVII, a partir da fundação de locais para o cuidado de doentes mentais. Antes temidos, hostilizados e rejeitados, os doentes passam a ser reconhecidos como objeto da psiquiatria, dignos de cuidados médicos. Tal mudança aboliu o caráter demoníaco das práticas alienistas da época medieval. O objeto da psiquiatria só se constitui na medida em que o caráter médico das perturbações dos indivíduos é reconhecido e quando “a noção de doença mental se destacou com bastante nitidez”. O reconhecimento do doente mental como paciente de patologia natural, acima de tudo orgânica, com efeitos psíquicos, coincide com a Revolução Francesa, época em que a defesa dos direitos humanos (igualdade, fraternidade e liberdade) era pregada pelo Iluminismo francês. PHILLIPE PINEL (1745-1826) Ato Pineliano Pai da psiquiatria. Phillipe Pinel (1745-1826) trabalhou nos hospitais parisienses de Bicêtre e Salpêtrière. Instituiu regras de funcionamento hospitalar, enfatizando o cuidado dos doentes por princípios humanitários. A identificação das doenças mentais obtém grande aprimoramento. Pinel passou anos nos hospitais, observando e cuidando dos doentes, e exerceu paralelamente o trabalho de docência, formando um corpo famoso de alienistas Feito por Ayane Paula - MED 14 3 franceses. Esquirol (1772-1840), aluno e herdeiro disciplinar de Pinel, continuaria o trabalho do mestre, tendo incrementado as descrições detalhadas de doentes, por meio de longas observações. Apesar de trazer a humanização, Pinel ainda acreditava no cuidado psiquiátrico no hospital e com isolamento. De acordo com ele, a doença acontecia em contato com o meio. DISCÍPULOS Dessa escola surgiram discípulos como J.-P. Falret (1794-1870) e J. Baillarger (1809-1890), os quais descreveram, respectivamente, loucura circular (folie circulaire) e loucura de dupla forma (folie à double forme), hoje renomeada transtorno bipolar do humor. J. Moreau de Tours (1804-1884), outro expoente dessa escola, enfatizou a influência de substâncias na dissociação do comportamento, ao estudar os efeitos do haxixe na vida mental. É considerado um dos precursores da psicofarmacologia moderna. Ernest Lasègue (1816-1883), por sua vez, descreveu quadros delirantes de evolução crônica e folie-à-deux, juntamente com Falret. ESCOLA ALEMÃ E A SEGUNDA REVOLUÇÃO PSIQUIÁTRICA No final do século XIX, uma nova corrente de ideias tomou força nos países de língua alemã, cujo desenvolvimento no campo da psiquiatria suplantou gradativamente a escola empirista e racionalista da psiquiatria francesa. Enquanto os alienistas franceses se esmeravam em aprimorar suas detalhadas observações clínicas, no início do século XIX, a psiquiatria germânica se desenvolvia em contexto cultural romântico, desprezando o espírito iluminista francês. A tradição romântica alemã enfatiza o aspecto irracional, o sentimento de contato com a natureza e os valores individuais. A empatia (Einfuhlung) é mais considerada do que a razão, pois como é encarada a sensibilidade que possibilitaria descobrir os fundamentos do indivíduo e a sua visão do mundo (Weltanschauung). Os psiquiatras germânicos enfatizam as particularidades individuais em conflito com as suas pulsões irracionais, buscando o equilíbrio. Entretanto, devido ao seu caráter especulativo-teórico, os mentalistas pouco fizeram para melhorar as condições de tratamento dos seus doentes. Um dos autores representativos desse espírito foi Ernst von Feuchtersleben (1806-1849), da Faculdade de Medicina de Viena, o qual foi responsável pela criação do termo “psicose”. Para esse autor, o termo designa um transtorno mental em geral, sem intenção classificatória. Concebe a doença mental de forma monista, dizendo que “o ser vivo físico é o corpo espiritualizado, e a alma é o espírito corporizado: ambos constituem um único fenômeno, sempreuno e indivisível”. Entre 1840 e 1860, no entanto, criou-se a “reação somaticista” (somatiker) em relação às doutrinas mentalistas especulativas inspiradas na filosofia romântica alemã. Esta corrente baseia-se fortemente em neuroanatomia e neuropatologia. Junto com a fundação de “hospitais para doenças nervosas”, os somaticistas ganham notoriedade com o ensino prático da psiquiatria. Nesses hospitais, a psiquiatria e a neurologia são estudadas na mesma disciplina, formando os “neuropsiquiatras” alemães. Os pesquisadores acumulam dados clínicos, neuroanatômicos, fisiológicos, histológicos e neurocirúrgicos para demonstrar a localização cerebral de funções sensoriais e motoras. KRAEPELIN Procurando “aspectos essenciais” para usá-los como critérios diagnósticos de transtornos mentais, Kraepelin geraria uma nosologia baseada no curso natural da doença. A dicotomia fundamental entre doença maníaco- depressiva e dementia praecox apoia-se nos seus respectivos cursos evolutivos. A dementia praecox é constituída a partir do agrupamento da catatonia de Kahlbaum e da hebefrenia de Hecker, juntamente com a dementia paranoïdes, descrita pelo próprio Kraepelin. Herdeiro da corrente clínica dos somaticistas, Kraepelin criticaria a “mitologia cerebral” do grupo, pois, para ele, “o laboratório não substituía o clínico, no qual o Feito por Ayane Paula - MED 14 4 fenômeno de insanidade poderia ser estudado in vivo”. Rapidamente, a proposta nosográfica kraepeliniana ganharia aceitação além das fronteiras da Alemanha, tornando-se um lugar comum nas classificações do século XX. O trabalho e o esforço nosográfico efetuado por Kraepelin revolucionaram a psiquiatria européia do início do século, o que foi chamado de segunda revolução psiquiátrica. Influenciou o surgimento do DSM e CID 10. TRANSTORNOS DO PENSAMENTO Bleuler em 1911 definiu a Esquizofrenia (“mente dividida”) e identificou sinais que considerava fundamentais: dissociação dos processos do pensamento, ambivalência, autismo, embotamento afetivo, avolição e prejuízo da atenção; Kurt Schneider em 1946 identificou e denominou sintomasde primeira ordem da esquizofrenia: tipos específicos de delírios e alucinações (pensamentos audíveis, vozes argumentando, discutindo ou ambos; vozes tecendo comentários; irradiação do pensamento; distúrbios da volição e afetos). FREUD E A PSICANÁLISE Somente a partir dos anos de 1890, Sigmund Freud (1856-1939) começa a desenvolver a sua teoria do inconsciente. Preservou o rigor científico e buscou extrair leis naturais universais para a compreensão do psiquismo, assim como sua estreita ligação com os processos físicos e fisiológicos. Na primeira fase do seu trabalho, utiliza-se do modelo neurológico mecanicista da mente, com as suas doutrinas de determinismo e hierarquia. Na tentativa de estruturar a psicologia científica (Projeto para a psicologia científica, de 1895), elabora uma concepção energética quantitativa do aparelho psíquico, regido por princípios e leis próximos aos da mecânica e da termodinâmica. O encontro com Charcot em Paris, em 1885, permite ao criador da psicanálise vislumbrar a passagem do suporte fisiológico ao psicológico. Aos poucos, abandona a visão mecanicista e passa para a interpretação, buscando um sentido inconsciente nas diversas manifestações patológicas. A fronteira rígida entre normal e patológico se dissolveria. As forças em suas relações recíprocas teriam uma localização: inconsciente, pré-consciente e consciente. Nesse primeiro momento essas novas formas de cuidado vão funcionar EM PARALELO aos hospitais psiquiátricos. Eles só são substituídos na reforma psiquiátrica italiana. Diante da realidade encontrada nos manicômios, começaram a surgir críticas ao modelo asilar e ao saber psiquiátrico tradicional. Essas, inicialmente, não se dirigiam a existência da instituição, mas sim ao: Modo como ela funcionava; A forma de tratamento; A conduta dos profissionais e O caráter de privação de liberdade. As críticas aos manicômios resultaram em várias tentativas de reforma, entre elas: As Comunidades Terapêuticas Psiquiátricas (Inglaterra), A Psicoterapia Institucional e Psiquiatria de Setor (França) e A Psiquiatria Comunitária (Estados Unidos). COMUNIDADES TERAPÊUTICAS PSIQUIÁTRICAS Na metade da década de 1940 foi desenvolvida por Maxwell Jones a ideia de comunidade terapêutica psiquiátrica na Unidade de Neurose Industrial, no Hospital Belmont (depois chamada, de Unidade de Recuperação Social). Feito por Ayane Paula - MED 14 5 Posteriormente em 1959, como unidade independente, veio a ser o Hospital Henderson. Nesse espaço, que continha cerca de 100 leitos, buscava-se que a instituição se configurasse como uma comunidade. Havia reuniões frequentes com os profissionais e internos para discutir questões sobre o tratamento e utilizava-se de técnicas educativas para propósitos construtivos – Sujeito ativo no cuidado. Apesar da tentativa de mudança da instituição que asilava, essas comunidades não questionavam o modelo asilar, ao contrário, criavam uma “bolha” ao redor daqueles que estavam internados não os preparando para uma reinserção na sociedade. PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL E PSIQUIATRIA DE SETOR Já Psicoterapia Institucional foi um movimento liderado por François Tosquelles iniciado no hospital psiquiátrico de Saint-Alban. Para ir à feira os camponeses precisavam passar dentro do hospital e com isto, os pacientes usavam esse momento para tentar vender o que produziam. Tosquelles aproveitou e incentivou esse espaço aberto que já existia, estabelecendo um bar na instituição, que funcionava como um ambiente de psicoterapia. A Psicoterapia Institucional configurou-se, então, como uma tentativa de superação da segregação, porém, seu líder considerava que a instituição era necessária. Ele propunha assim, uma socialização do asilo, mas não necessariamente do asilado. Posterior ao movimento da Psicoterapia Institucional e após a Segunda Guerra Mundial, baseadas nas ideias do psiquiatra francês Lucien Bonnafé, surge a Psiquiatria de Setor, que propunha: Transformações nas condições asilares; Resgatar o caráter terapêutico da psiquiatria e Quebra o pensamento de “cura da loucura”. Contestar a instituição asilar como espaço terapêutico Surgimento de serviços extra-hospitalares. A ideia deste movimento era levar a psiquiatria para as comunidades, os setores, criando serviços extra-hospitalares, tornando a assistência não mais exclusiva dos hospitais e possibilitando a reinserção do paciente depois da internação. Contudo, apesar dessa mobilização dos setores, a Psiquiatria de Setor manteve o hospital no mesmo lugar SETORES – TERRITORIALIZAÇÃO Foi a primeira vez que o cuidado clínico territorializado surgiu. Se reconhecer dentro de um espaço é muito mais do que geografia, possui aspectos subjetivos e sociais. PSIQUIATRIA COMUNITÁRIA Além das experiências europeias, nos Estados Unidos, deu-se a Psicoterapia Comunitária (Psicoterapia Preventiva), tendo como seu principal teórico Gerald Caplan. Esta se constituiu como uma estratégia de programas de saúde na década de 1960 que mudava o foco do tratamento das doenças mentais, para a prevenção destas (intervenção precoce). Sendo que, para sua efetivação a ideia era buscar esforços para criação de modelos alternativos às instituições hospitalares e incentivo a esses novos serviços, como também a redução dos gastos com internações. No entanto, o que foi percebido é que mesmo direcionando o foco para a prevenção e não a cura, não ocorreu uma ruptura com o modelo manicomial. Assim, não houve diminuição de internações nos hospitais americanos, ao contrário, observou-se um aumento da internação de psicóticos. ANTIPSIQUIATRIA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO As experiências das Comunidades Terapêuticas, da Psicoterapia Institucional, Psiquiatria de Setor e Comunitária ofereceram contribuições a história da Reforma Psiquiátrica, mas, foi na Itália que surgiram críticas a respeito da existência da instituição asilar e um movimento de mudança. Feito por Ayane Paula - MED 14 6 Na década de 1960, a crítica ao paradigma asilar teve, em Gorizia (Itália) a sua primeira grande ruptura em relação à constituição da psiquiatria como saber sobre a loucura. Essa ruptura teve como sustentação teórica a Antipsiquiatria inglesa, que tinha como pressuposto básico o questionamento crítico da ciência psiquiátrica como única detentora do saber sobre a doença mental, mais propriamente sobre a esquizofrenia. A compreensão sobre a loucura não poderia se dar por intermédio das análises reducionistas da psiquiatria, ao mesmo tempo que suas práticas, essencialmente manicomiais, eram vistas como violentas. Franco Basaglia, psiquiatra, nomeado diretor do Hospital de Goriza, transformou-o primeiramente em uma comunidade terapêutica, tendo como referência o modelo de Jones e, junto com outros psiquiatras, propôs A DESARTICULAÇÃO DO MANICÔMIO (fechamento dos leitos dos pacientes que recebiam alta). Basaglia acabou com medidas institucionais de repressão, buscou devolver a cidadania aos doentes mentais e criou condições para trocas entre os profissionais e os pacientes. Contudo, foi no Hospital de Trieste (1971) que se iniciou de fato o processo de desinstitucionalização, ocorrendo a abertura deste a comunidade e a reinvenção do espaço como local de convivência social e de experiências culturais e educativas (a singularidade dos sujeitos é reconhecida e os pacientes passam a se reconhecer como seres ativos e protagonistas, deixam de ser objetificados). A vivência em Trieste demonstrou como era possível a desmontagem do manicômio e como esta é uma forma muito mais ética e humana para tentativa de compreensão da loucura. Dessa forma, em 1978 na Itália é constituída a lei 180 que estabeleceu a abolição do estatuto de periculosidade do doente mental e a proibição da construção de novos hospitaispsiquiátricos e novas internações. É a forma como foi designado um processo histórico complexo, marcado pela mudança da política de saúde mental e assistência psiquiátrica, que se iniciou no final dos anos 1970 – ainda no período da Ditadura Militar – e desenvolveu-se mais fortemente a partir dos anos 1990, acompanhando e fazendo parte de outro processo histórico significativo: a construção do Sistema Único de Saúde (SUS). A História da Saúde Mental e a Reforma Psiquiátrica mostra que o cuidado institucionalizado não proporciona a livre circulação das pessoas no meio social. Como lidar com o que nos falta ao controle? Como lidar com as contingências das relações pessoais e afetivas? REFORMA PSIQUIÁTRICA AO REDOR DO MUNDO PHILIPE PINEL (1745-1826) – PAI DA PSIQUIATRIA Trabalhou nos hospitais parisienses de Bicêtre e Salpêtrière. Instituiu regras de funcionamento hospitalar, enfatizando o cuidado dos doentes por princípios humanitários. A identificação das doenças mentais obtém grande aprimoramento. Gesto Pineliano: desacorrentar os loucos para implementar meios completamente diferentes. Feito por Ayane Paula - MED 14 7 Princípio do Isolamento: as causas da alienação mental estão presentes no meio social – o isolamento como meio para afastá- las. Hospital como uma instituição terapêutica: o objeto da psiquiatria só se constitui na medida em que o caráter médico das perturbações dos indivíduos é reconhecido e quando “a noção de doença mental destacou-se com bastante nitidez”. APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Surgiram as primeiras tentativas de transformar o hospital psiquiátrico (AMARANTE, 1995): - A Comunidade Terapêutica na Inglaterra; - Psiquiatria Institucional e a Psiquiatria de Setor na França; - Psiquiatria Preventiva nos Estados Unidos. SAÚDE MENTAL E REFORMA PSIQUIÁTRICA Na reforma brasileira, a “saúde mental” como termo estratégico (o paciente está com o transtorno, mas não é o transtorno): Descentramento do discurso médico; Demarcar um campo que é interdisciplinar e, portanto, não pertence apenas à medicina e aos saberes psicólogos tradicionais. Campo que suscita uma ação territorial – “costurar” uma rede social de suporte. O que é território? “[...] o território não é o bairro de domicílio do sujeito, mas o conjunto de referências socioculturais e econômicas que desenham a moldura de seu quotidiano, de seu projeto de visa, de sua inserção no mundo”. (DELGADO, 1997 apud TENÓRIO, 2002, p.31) DÉCADA DE 60: FRANCO BASAGLIA Psiquiatria Democrática Italiana. Gorizia e Trieste: dois polos da mudança. A ruptura. Lei 180 (13/ 05 /78) No cerne de sua crítica, o incômodo com a redução do sujeito que sofria à doença: “[...] A partir do momento em que transpõe os muros do internamento, o doente entra numa nova dimensão de vazio emocional; ou seja, vê-se introduzido num lugar que, criado originalmente para torná-lo inofensivo e ao mesmo tempo tratá-lo, na prática surge como espaço paradoxalmente construído para um aniquilamento completo de sua individualidade, como lugar de sua objetificação” (BASAGLIA, 1964, p.24). Ou seja, o sujeito institucionalizado = sujeito reduzido a sua patologia. Desospitalização x Desinstitucionalização: https://psicoampliar.com.br/blog/desospitaliz acao-x-desinstitucionalizacao A novidade da reforma psiquiátrica que segue o modelo da desinstitucionalização preconizado por Basaglia: “[...] a marca distintiva está no fato de que, nas últimas décadas, a noção de reforma ganha uma inflexão diferente: a crítica ao asilo deixa de visar seu aperfeiçoamento ou humanização, vindo a incidir sobre os próprios pressupostos da cidadania [...]”. (TENÓRIO, 2002, p.17) No Brasil, a reforma tem seu “pontapé inicial”, na década de 70 (no bojo da luta para redemocratização), com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). PRIMEIRA FASE DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: A CRÍTICA DO ASILO E DA MERCANTILIZAÇÃO DA LOUCURA https://psicoampliar.com.br/blog/desospitalizacao-x-desinstitucionalizacao https://psicoampliar.com.br/blog/desospitalizacao-x-desinstitucionalizacao Feito por Ayane Paula - MED 14 8 (FINAL DOS ANOS 1970, INÍCIO DOS ANOS 1980) No final dos anos de 1970, em plena Ditadura Militar, começaram a surgir as primeiras denúncias de violência e abandono de pacientes internados em hospitais psiquiátricos. A partir do ano de 1978 um movimento de indignação pelas condições de tratamento ao paciente mental no Brasil foi se tornando cada vez mais forte, resultando em um Congresso Brasileiro de Trabalhadores de Saúde Mental, realizado em 1979, que construiu uma primeira articulação entre jovens trabalhadores de saúde mental dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais. No mesmo ano, a visita de Franco Basaglia ao Brasil e a realização do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, com visitas públicas ao Hospital- Colônia de Barbacena (que na época tinha 3 mil internos e foi comparado por Basaglia a um campo de concentração), ampliaram a ressonância desse incipiente movimento social. Os hospitais lucravam em cima dos pacientes a partir do dinheiro que recebiam do governo. A imagem da violência no chão do Jurujuba Franco Basaglia em visita ao Hospital de Barbacena – 1979 AS PRIMEIRAS FORMULAÇÕES DO MOVIMENTO, O QUAL ADOTOU O NOME MOVIMENTO DOS TRABALHADORES DE SAÚDE MENTAL (MTSM), BASEAVAM-SE NA DENÚNCIA CONTRA: O desrespeito aos direitos humanos dos pacientes; As condições de trabalho desfavoráveis para os profissionais de saúde mental (não havia concurso público, os trabalhadores tinham contratos ilegais – de bolsistas, por exemplo – e o ambiente interno dos hospitais era de abandono e confinamento); e A mercantilização da loucura, isto é, a proliferação de hospitais psiquiátricos privados financiados pela Previdência Social. DETERMINANTES POLÍTICOS, ECONÔMICOS E CULTURAIS PARA A SITUAÇÃO DE ABANDONO A ideologia de que tratamento psiquiátrico só poderia ser feito em ambiente hospitalar fechado e de que o “louco” era incapaz, perigoso e não tinha possibilidade de melhorar o suficiente para viver fora do confinamento; A situação objetiva de completa ausência de alternativas assistenciais fora do hospital (eram raríssimos os ambulatórios, além de terem baixa efetividade); A inexistência de uma política de saúde mental de âmbito nacional, já que sequer havia uma política nacional de saúde, pois conviviam dois sistemas que não se comunicavam: os hospitais asilares do Ministério da Saúde (para os chamados indigentes) e as clínicas privadas conveniadas pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), da Previdência Social (para os Feito por Ayane Paula - MED 14 9 segurados, isto é, quem possuía carteira de trabalho, embora fossem, em geral, desempregados urbanos). SEGUNDA FASE DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: PRIMEIROS ESFORÇOS DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO E CRIAÇÃO DE AMBULATÓRIOS E O MOVIMENTO PELA MUDANÇA DE CONCEITOS E LEGISLAÇÃO (ANOS 1980) Enfrentamento de dois desafios: Entrar no sistema asilar para transformá-lo, como ocorreu no caso da Colônia Juliano Moreira e do Hospício do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro; da Colônia de Juquery, em São Paulo; do Hospital São Pedro, em Porto Alegre, entre outros; E para ampliar a oferta de atendimento em saúde mental fora dos hospitais, disponibilizando-o em ambulatórios públicos (o que ocorreu principalmente nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, e que já vinha ocorrendo desde o final dos anos 1970 no Rio Grande do Sul). EM 1987 DOIS FATOS RELEVANTES OCORRERAM: 1. O primeiro foi a I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), convocada pelo Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro. Apesar de relativamente pouco representativa,com convocação muito restrita, a I CNSM favoreceu que as articulações pró-reforma fossem ampliadas a outros Estados do Brasil. 2. O segundo fato relevante foi que, a partir de tais articulações, foi convocado pelo MTSM o II Encontro Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental, que ocorreu em Bauru (São Paulo) no mês de novembro desse mesmo ano. “POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS” Adotou-se o lema “Por uma Sociedade Sem Manicômios” (proposto originalmente pelo movimento internacional Rede de Alternativas à Psiquiatria, originário de alguns países da Europa, como França e Itália). O movimento em defesa da RPB passou a ter outro ator coletivo, que se denominou Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA), e que congregava ativamente usuários de serviços de saúde mental. A experiência italiana, especialmente da região de Trieste (Itália), com seus serviços territoriais e as cooperativas de trabalho, exerceu grande influência sobre a RPB. As alternativas ao modelo hospitalocêntrico foram se construindo, inicialmente com a implantação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial do país (CAPS), chamado Prof. Luiz Cerqueira, que se tornou conhecido como o CAPS da rua Itapeva, em São Paulo. A experiência de Santos, também em São Paulo, que foi extremamente importante, porque mostrou que era possível fechar um hospital psiquiátrico acusado de maus-tratos aos pacientes e substituí-lo integralmente por equipamentos comunitários, os Núcleos de Atenção Psicossocial, além de leitos de saúde mental em hospital geral. Em 1989, simbolizando a necessidade de mudança radical dos paradigmas hospitalocêntrico e de invalidação social e jurídica do “louco”, o deputado Paulo Delgado deu entrada, na Câmara dos Deputados, no Projeto de Lei da Reforma Psiquiátrica, fruto de debate coletivo e apoiado amplamente pelo movimento social. TERCEIRA FASE DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL (ANOS 1990, ATÉ A APROVAÇÃO DA LEI, EM 2001) Nos anos 1990, as propostas da RPB começaram a fazer parte das orientações da política pública de saúde. Feito por Ayane Paula - MED 14 10 A redemocratização do país e a criação do SUS, por meio da Constituição de 1988, e sua regulamentação em 1990, permitiram à RPB desenvolver, em bases mais institucionais, sua proposta de substituição do modelo hospitalocêntrico por uma rede de atenção psicossocial de base comunitária. O Ministério da Saúde acolheu as sugestões do movimento social e criou as primeiras regulamentações para serviços comunitários, chamados então de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou de Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS). Em 1992, a II Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), convocada amplamente e antecedida de conferências municipais e estaduais, teve a participação expressiva de usuários e familiares e apoiou as propostas de substituição do modelo centrado nos hospitais por uma rede aberta e inovadora de serviços comunitários. Como marca importante dessa terceira fase, iniciou-se o processo de redução dos leitos psiquiátricos a partir de uma fiscalização mais ativa do SUS pelo do Ministério da Saúde, o que resultou em uma importante redução de leitos dos hospitais que não cumpriram as exigências mínimas estabelecidas pelo Ministério. QUARTA FASE DA REFORMA: APROVAÇÃO DA LEI 10.216, IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA NOVA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL (A PARTIR DE 2001) A fase atual do processo político da RPB inicia-se com a aprovação da Lei nº 10.216, em maio de 2001, e com a III Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM). A III CNSM foi um marco na consolidação do ideário da Reforma com a visão de que as premissas centrais são a cidadania do “louco” (o usuário de serviços de saúde mental) e a consolidação da rede comunitária e territorial de serviços de saúde mental. Baseado na sustentação política e jurídica dessa lei e da III CNSM, o Governo Federal estabeleceu normas claras de financiamento e organização da rede de serviços comunitários por meio da PORTARIA NO 336, de fevereiro de 2002. Essa portaria definiu as diversas modalidades de CAPS, incluindo serviços destinados à população de crianças e adolescentes e aos usuários de álcool e outras drogas. Além disso, apontou o papel dos CAPS na organização da atenção psicossocial no território, definindo que os conceitos de rede e território e a sua articulação deveriam ser centrais para a nova modalidade de atenção comunitária, determinada pela Lei nº 10.216. A Rede de Atenção Psicossocial é destinada às pessoas em sofrimento psíquico ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no âmbito do Sistema Único de Saúde. Foi instituída pela Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, republicada em 21 de maio de 2013 e disposta anteriormente pelo Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080 a fim de reorganizar o Sistema Único de Saúde, visto o seu planejamento em saúde, assistência à saúde e à articulação interfederativa. A RAPS é criada com esse pensamento de serviços substitutivos. NOTA TÉCNICA (2019): MUDANÇAS NA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL E NAS DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS Feito por Ayane Paula - MED 14 11 A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) passa a ser formada pelos seguintes pontos de atenção (Serviços): CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), em suas diferentes modalidades Serviço Residencial Terapêutico (SRT) Unidade de Acolhimento (adulto e infanto- juvenil) Enfermarias Especializadas em Hospital Geral Hospital Psiquiátrico Hospital-Dia Atenção Básica Urgência e Emergência Comunidades Terapêuticas Ambulatório Multiprofissional de Saúde Mental - Unidades Ambulatoriais Especializadas Todos os Serviços, que compõem a RAPS, são igualmente importantes e devem ser incentivados, ampliados e fortalecidos. O Ministério da Saúde não considera mais Serviços como sendo substitutos de outros, não fomentando mais fechamento de unidades de qualquer natureza. A Rede deve ser harmônica e complementar. Assim, não há mais porque se falar em “rede substitutiva”, já que nenhum Serviço substitui outro. O país necessita de mais e diversificados tipos de Serviços para a oferta de tratamento adequado aos pacientes e seus familiares. REGIÕES DE SAÚDE TERRITÓRIO Espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde. REDE DE SAÚDE É o conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde. Fica definido que a Atenção Psicossocial é um componente mínimo obrigatório de serviços e ações que são necessários à institucionalização das Regiões de Saúde, e estes serviços e ações são portas de entrada do usuário na Rede de Atenção à Saúde. OBJETIVOS DA RAPS 1. Ampliar o acesso à atenção psicossocial da população em geral; 2. Promover o acesso das pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas e suas famílias aos pontos de atenção; 3. Garantir a articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências (BRASIL, 2013). DIRETRIZES DA RAPS Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas; Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares; Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; Desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos; Desde 2019, para dependentes químicos o foco é a abstinência total e não a redução de danos. Desenvolvimento de atividades no território, que favoreça a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania; Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular; Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob lógica interdisciplinar; Feito por Ayane Paula - MED 14 12 Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado; Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; Promoção de estratégias de educação permanente; e Combate a estigmas e preconceitos; Diversificação das estratégias de cuidado (BRASIL, 2013). No início eles funcionavam de forma concomitante aos hospitais psiquiátricos, para aos poucos eles serem substituídos. O QUE É UM CAPS? Um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. O CAPS é portas abertas, o paciente pode vir encaminhado de outros serviços/setores ou por demanda espontânea. A política de portas abertas também está relacionada ao direito de ir e vir do paciente (salvo os pacientes graves/agudos), colocando o usuário em uma posição de responsabilidade pelo seu cuidado. A importância de ser um serviço comunitário é a comunicação com outros setores, como a UBS, escolas... Os casos moderados e leves são acompanhados nos ambulatórios de saúde mental da rede. O CAPS trabalha com CORRESPONSABILIDADE. Por exemplo, quando chega um usuário que não é da região daquele CAPS, o encaminhamento e a comunicação com o CAPS de referência são feitos pelo próprio serviço. O objetivo dos CAPS é oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser SUBSTITUTIVO às internações em hospitais psiquiátricos. OS CAPS VISAM: Prestar atendimento em regime de atenção diária; Gerenciar os projetos terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e personalizado; Promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas. Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar a rede de serviços de saúde mental de seu território; Dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, USF (Unidade de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); Feito por Ayane Paula - MED 14 13 Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área; Coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território; Manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a saúde mental. DEVERÃO CONTAR, NO MÍNIMO, COM OS SEGUINTES RECURSOS FÍSICOS: Os CAPS devem contar com espaço próprio e adequadamente preparado para atender à sua demanda específica, sendo capazes de oferecer um ambiente continente e estruturado. Consultórios para atividades individuais (consultas, entrevistas, terapias); Salas para atividades grupais; Espaço de convivência; Oficinas; Refeitório (o CAPS deve ter capacidade para oferecer refeições de acordo com o tempo de permanência de cada paciente na unidade); Sanitários; Área externa para oficinas, recreação e esportes.
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