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CIVIL III CONTESTAÇÃO

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA COMARCA DE BELO HORIZONTE, ESTADO DE MINAS GERAIS
Processo n.º  X
Raimundo Dutra Rodrigues e sua ex-esposa Juliana Faria Rodrigues, já qualificados nos autos em epígrafe, por intermédio de seu advogado e bastante procurador, conforme procuração juntada em anexo, com escritório profissional sito à Rua ..., nº ..., Bairro ..., Cidade..., Estado..., onde recebe notificações e intimações, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar:
CONTESTAÇÃO
ao pedido inicial contra eles ajuizado por Breno Santos Bernardes e sua esposa Marta Guimarães Bernardes, também qualificados nestes autos, nos seguintes termos:
PRELIMINAR
A presente ação deve ser julgada inepta, por absoluta falta de legitimidade para a causa, eis que os autores não atendem os requisitos indispensáveis à aquisição da propriedade pelo instituto do usucapião, eis que não são e nunca foram detentores da posse mansa, pacífica e ininterrupta, com "animus domini" pelo lapso temporal previsto em lei, como se afirmará nas seguintes razões de mérito e se compravará na fase instrutória do feito. Assim como a incorreção do valor da causa, sendo o valor venal do imóvel (R$ 650.000,00) é superior ao valor da causa (R$ 350.000,00).
MÉRITO
Como dado para a resolução da questão nos foi fornecida a informação de que o requerente ingressou na posse do imóvel via cláusula do constituto possessório, inserta no contrato de promessa de compra e venda, com efetiva imissão em 08/07/2006. A ação para reconhecimento do domínio foi proposta em março de 2017. Considerando que a posse foi exercida de forma contínua e incontestadamente por todo o período supracitado, o requerente preencheu o primeiro requisito para reconhecimento do domínio. Contudo, verifica-se que em 2009 a ré Juliana Faria Rodrigues, de forma equivocada, pois o pleito era para anulação da compra e venda e não reintegração de posse, intentou ação possessória. Este é o fato que servirá de argumento para desconfigurar o exercício da posse de forma contínua e incontestada. Ora, se a ré discutiu judicialmente a titularidade desta posse, significa que ela não se manteve inerte e um dos requisitos para o reconhecimento do domínio poderá ser afastado.
Dizemos que um dos requisitos para o reconhecimento do domínio poderá ser afastado, porque tal argumento não é dos mais convincentes, já que a possessória foi julgada improcedente, reconhecendo o juiz a titularidade da posse a favor de Breno e sua esposa. Seria marco para a interrupção (art. 202, I do CC/02) da prescrição aquisitiva a citação do possuidor ilegítimo, lembrando-nos de que se é hipótese de interrupção, o prazo transcorrido não é aproveitado. Seria como se o requerente exercesse a posse desde 2009 e, neste caso, não teria o tempo mínimo de 10 anos superado.
Cumpre-nos rebater a existência de justo título, requisito para aquisição da propriedade via usucapião ordinário. O Código de 2002 cita a locução “justo título” em dois momentos. No primeiro (art. 1.201, parágrafo único), fica definida a presunção relativa – juris tantum – de que o possuidor com justo título está de boa-fé. Assim, quem tem justo título não precisa demonstrar a boa-fé, cabendo o ônus de desconstituí-la à parte contrária. No segundo momento (art. 1.242, caput), o justo título aparece como requisito à configuração do usucapião ordinário.
A comunidade jurídica define que justo título lato sensu (art. 1.201) é a causa que justifique a aquisição derivada da posse e justo título stricto sensu seria o título em tese apto para promover a transferência da propriedade sobre o imóvel. Com relação ao sentido amplo temos o Enunciado 303 da IV Jornada de Direito Civil – Conselho da Justiça Federal:
303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse.
No tocante à definição do justo título em sentido estrito, requisito autônomo à configuração do usucapião ordinário, o entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de que é caracterizado pelo instrumento que em tese viabilize a transferência da propriedade, mas no caso concreto não o fez em razão da existência de vício extrínseco ou intrínseco (e.g. a venda a non domino e as hipóteses de anulabilidade do negócio jurídico). Ilustramos com duas decisões neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. PRECLUSÃO. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA QUE NÃO FOI CONSIDERADO JUSTO TÍTULO PARA EFEITOS DE USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CADEIA POSSESSÓRIA DE TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL. RECURSO NÃO PROVIDO. I - Afasta-se a alegação de cerceamento de defesa quando, determinada a especificação de provas, a parte autora alega não existir mais nenhuma prova a ser produzida, deixando de indicar as que pretendia produzir para comprovação de suas alegações. II - A configuração do justo título pressupõe que o instrumento tenha sido assinado pelo proprietário, ou ainda, que se demonstre a cadeia entre o detentor da titularidade do bem, conforme descrito na matrícula do imóvel, e os seguintes que adquiriram o bem por meio de contrato particular. Somente o contrato particular de promessa de compra e venda, formalmente perfeito, subscrito pelo proprietário do terreno ou pelos adquirentes sucessores caracteriza o justo título de que dispõe o Código Civil, sendo hábil, pois, ao reconhecimento do domínio em favor deste em sede de usucapião ordinário.
REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO COMO DEFESA. ACOLHIMENTO. POSSE DECORRENTE DE COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA. JUSTO TÍTULO. BEM DE FAMÍLIA. A jurisprudência do STJ reconhece como justo título, hábil a demonstrar a posse, o instrumento particular de compromisso de venda e compra. – O bem de família, sobrevindo mudança ou abandono, é suscetível de usucapião. – Alegada má-fé dos possuidores, dependente do reexame de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Recurso especial não conhecido.
Como não há definição legal a respeito do que venha a ser justo título, há que se confrontar a promessa de compra e venda. Ora, trata-se de contrato preliminar que não visa à transferência da propriedade, sendo necessária posterior lavratura de escritura pública para o aperfeiçoamento do contrato.
Em conformidade com o art. 108 do CC/02, os negócios jurídicos que têm por objeto a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, devem ser formalizados por meio de escritura pública.
O objetivo da tese de defesa é refutar a possibilidade de que o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre Raimundo e Breno constitua o justo título, (um dos) requisito(s) previsto(s) no art. 1.242 do CC/02 para a aquisição do domínio sobre o bem imóvel e, consequentemente, o reconhecimento do usucapião ordinário. Deste modo, tendo em vista que não há previsão legal a respeito da sua definição, tratandose de conceito aberto a ser analisado caso a caso, temos de emplacar a tese de que por não ser suficiente à transferência da propriedade imobiliária, uma vez que para tanto é necessária a lavratura posterior de escritura pública, tal contrato não pode ser considerado como justo título.
Ocorre que, na medida em que o contrato preliminar é utilizado para que o vendedor assegure o recebimento do preço da compra e venda, já que só outorga a escritura definitiva após a quitação, o entendimento dominante e quase pacificado nos tribunais é no sentido de que, uma vez quitada tal promessa, é, sim, justo título ao requerimento de usucapião, tanto para justificar a boa-fé no exercício da posse como para constituir o justo título necessário à aquisição via usucapião ordinário. Se já foi integralizado o pagamento integral do contrato, o promitente compradordetém o direito à assinatura da escritura, que se constitui em mero formalismo à regularização da propriedade.
Patrocinando os interesses do réu só nos resta contraargumentar no sentido de desclassificar esta promessa como justo título. Caso contrário, o pleito inicial de Juliana, ou seja, reaver sua meação no bem alienado de forma irregular a Breno e sua mulher, deverá ser exercitado contra Raimundo, contudo se revestirá enquanto direito pessoal, tendo como garantia o patrimônio genérico de Raimundo e não um bem imóvel específico.
Dos pedidos
Ante o exposto, requer:
1. O julgamento improcedente do pedido, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais;
2. Seja determinado aos autores a entrega dos recibos de pagamento dos impostos decorrentes da propriedade do bem imóvel dos réus (IPTU).
Protesta por todos os meios de direito admitidos para comprovar os fatos alegados, especialmente prova testemunhal e depoimento pessoal das partes.
Dá-se à causa o valor de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).
Nesses termos, pede deferimento. 
Belo Horizonte, 10 de março de 2017. 
[Assinatura do Advogado] 
[OAB...]

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