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Edward Palmer Thompson, no sexto capítulo de seu livro “Costumes em Comum”, trata a respeito do tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. Segundo ele, houve uma mudança importante na percepção do tempo entre 1300 e 1650. Diante disso, ele analisa as influências dessa mudança na disciplina de trabalho e na percepção interna de tempo dos trabalhadores, buscando correlacionar a transição para uma sociedade industrial com o estabelecimento de novos hábitos trabalhistas. Para iniciar esta reflexão, o autor começa analisando a forma como os povos primitivos e pequenas comunidades agrícolas e de pescadores mediam o tempo. Para eles o tempo estava intimamente ligado às tarefas domésticas e ao trabalho familiar, ou seja, sua forma de medir o tempo estava relacionada com suas atividades cotidianas. O tempo que importa não é o do relógio, ele não é controlável. Portanto, cada um desses grupos possuía um ritmo de trabalho “natural”, ou seja, o tempo gasto na execução do trabalho e o momento em que ele acontecia variavam de acordo com as peculiaridades de cada comunidade. Esse tipo de notação de tempo é chamado de orientação pelas tarefas e nela é possível perceber que quase não há separação entre o trabalho e a vida. É possível perceber que, para o autor as diferentes notações de tempo são geradas por diferentes situações de trabalho. A partir do momento em que se inicia a contratação de mão-de-obra real, a orientação pelas tarefas dá lugar ao trabalho de horário marcado. O tempo, então, vai se transformando em moeda e é possível perceber uma nova distinção entre o “próprio” tempo e o tempo do empregador. Ou seja, o empregador passa a ser dono de parte do tempo do empregado, que, por sua vez, não deve desperdiça-lo. Essa mudança não aconteceu do dia para a noite, ela foi gradual e aconteceu em ritmos diferentes nos lugares diferentes. Com essas novas condições, um objeto ganhou grande importância: o relógio. Houve uma grande evolução nas técnicas empregadas na fabricação destes objetos, levando-os a se tornarem cada vez mais precisos. Inicialmente, eles eram um símbolo de status social, mas, ao longo do século XVIII foi deixando de ser apenas um artigo de luxo e tornando-se um artigo de conveniência. Na sociedade “pré-industrial”, era comum que o trabalhador desempenhasse uma grande variedade de tarefas, tornando o trabalho um tanto quanto irregular. Essa irregularidade refletia-se também no ciclo semanal de trabalho. Era comum ter muitos dias ociosos. Não se trabalhava no domingo e nem na Santa Segunda-Feira – dias comumente destinados à bebedeira - e muitos trabalhadores ainda estendiam ainda 1 mais esses dias de ócio, deixando toda a sua demanda semanal de trabalho para ser realizada no fim da semana. O trabalhador, então, controlava sua vida produtiva, alternando dias de ócio com dias de trabalho intenso. Esse modo de vida fazia parte da cultura da época e, com a nova realidade industrial, houve uma intensa tentativa de mudar esses hábitos já tão arraigados. Não é tão simples controlar o tempo daqueles que antes possuíam autonomia quanto a ele. Portanto, várias tentativas foram feitas para se tentar impor o “uso-econômico-do- tempo”. Vários textos foram escritos, inclusive por religiosos, a fim de inculcar na mente do povo esse novo modo de vida. A escola também foi amplamente usada nesse sentido, pois se tornou um lugar de treinamento, onde as crianças não tomariam gosto pelos momentos de ociosidade, mas aprenderiam a usar seu tempo de forma disciplinada e a se acostumar com o trabalho. É claro que estas tentativas não foram aceitas de maneira passiva, é certo que houve resistência, especialmente daqueles que fizeram parte desta primeira geração de mudanças e que experimentaram um mundo diferente do que este que se estava impondo. As gerações posteriores, entretanto, resistiram de maneira diferente, pois já haviam internalizado uma nova maneira de lidar com o tempo, aprenderam que tempo é dinheiro e, portanto, suas reivindicações foram no sentido de reduzir a jornada de trabalho, ou seja, de garantir seus direitos dentro desse novo modelo. O autor também demonstra a importância de várias correntes protestantes na internalização da disciplina de trabalho, pois além do argumento de que o uso econômico do tempo era lucrativo, havia o argumento de que o trabalho enfraquecia as vontades da carne, ao passo que o ócio as favorecia, fazendo com que, dessa maneira, o trabalhador diligente fosse visto como mais apto à salvação e o ocioso como mais propenso à condenação eterna. Entretanto, não foram apenas religiosos que auxiliaram nessa internalização. Importantes figuras seculares, como Benjamin Franklin já defendiam um uso sistemático do tempo. O autor finaliza o texto com uma reflexão crítica acerca dessa utilidade do tempo, dessa percepção de que tempo é dinheiro e dessa visão do trabalhador como “força inerte de trabalho”. Ele questiona se este modelo está ou não se deteriorando e se uma nova síntese entre elementos do velho modelo e do novo não seriam o melhor caminho. 2 Por fim, é possível perceber no texto que o autor faz uma análise da Revolução Industrial baseada não em fatores meramente econômicos, mas seu enfoque é na sociedade, na mudança cultural que aconteceu, com suas aceitações e resistências. 3
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