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1 Fernanda Braga Arte e Direito Relações entre Direito e Arte 1. Direito da Arte - Direitos Autorais - Responsabilidade Civil 2. Direito na Arte - O Caso das Exploradores de Caverna - Expressões de arte que falam sobre o Direito 3. Direito como Arte - Comunicação - Linguagem - Cultura - Interpretação (dependem dela para construção do sentido) - Retórica - Narrativa Poética Aristotélica O conceito de arte do tempo de Aristóteles era um pouco diferente do conceito atual. Para ele, a arte é a imitação da vida. Há uma forte presença da verossimilhança, ou seja, as coisas são feitas de maneira semelhante à realidade. De forma que não dependa só da nossa realidade, mas precisa estar conectada de algum jeito à realidade. 1. Poesia X História A poesia se difere da história por uma simples característica. A história trata acerca do real, e a poesia, acerca do possível. Aristóteles, ao falar sobre arte, foca na dramaturgia, grande forma de arte de sua época. E, nesse contexto, divide a dramaturgia em duas categorias: a tragédia e a comédia. Na tragédia, os homens são imitados melhores do que eles são na realidade. Na comédia, os homens são imitados piores do que eles são na realidade. 2. Conceitos Fundamentais da “Poética”: ▪ Mythos: Significa uma história que explica um mistério. E, para Aristóteles, é a organização dos fatos em um enredo (início, meio e fim – porém não é necessário que seja nessa ordem). Ou seja, é a sucessão dos fatos segundo o necessário ou o provável em relação à realidade. Também é o que controla a duração razoável do enredo. Essa forma de organização é bem importante, tudo precisa ser bem explicado. 2 Fernanda Braga ▪ Mimesis: É a representação, imitação, “como se”. É quando o ator deixa de ser ele mesmo e passa a ser seu personagem. Mas, o que difere a ficção da mentira? A ficção lhe faz acreditar, ou seja, não é um mero engano, ela trata uma situação como se fosse outra para uma determinada finalidade. Enquanto a mentira não faz isso. E qual seria a função da arte? Qual a sua finalidade? Se falamos em século XX/XXI, com certeza a resposta é o entretenimento. Mas na época de Aristóteles, a arte tinha a finalidade de provocar a Katharsis no público. ▪ Katharsis: É a purificação espiritual. Era a finalidade da arte no tempo aristotélico. Na tragédia, essa purificação acontecia pela compaixão e pelo temor. Na comédia, acontecia através da simpatia e do riso. Mas como causar isso no público, seja na tragédia ou na comédia? Causava-se isso no público através de 3 maneiras: a peripécia, a descoberta e o patético. A peripécia é a reviravolta, a mudança da sorte da personagem. A descoberta é o reconhecimento, a revelação de um fato e/ou qualidade oculta da personagem (pode ser oculta tanto para a personagem quanto para o leitor, ou apenas para a personagem). E o patético é o sofrimento em si mesmo. Às vezes também pode acontecer a desmedida (hubris), que é a soberba, a arrogância. A desmedida é quando alguém crê que pode fazer algo que não pode, como desafiar os deuses, por exemplo. 3. Modos da Imitação (Northop Frye): A tragédia e a comédia possuem relações diferentes quanto à sociedade. A tragédia trata do isolamento da sociedade, e a comédia, da inclusão da sociedade. Nos seguintes modos da imitação, segundo Northop Frye, nem todas as personagens precisam se encaixar no mesmo modo, apenas uma ou algumas, para que a obra seja encaixada em algum modo. a) Modo Mítico: As personagens têm poderes superiores em grau e em natureza aos homens e à natureza. Como, por exemplo, os deuses. b) Modo Maravilhoso: As personagens têm poderes superiores em grau e em natureza aos homens. Game of Thrones se encaixa nesse modo, e uma personagem que está no modo maravilhoso é Daenerys. c) Modo Mimético Alto: Também pode ser chamado de Modo Mimético Elevado. As personagens têm poderes superiores em grau aos homens comuns. O exemplo desse modo são os grandes líderes, como Cersei e Jon Snow. d) Modo Mimético Baixo: As personagens têm poderes comparáveis aos homens comuns. Sansa e Little Finger são exemplos desse modo. e) Modo Irônico: As personagens têm poderes inferiores aos homens comuns. No mundo de Game of Thrones, Hodor se encaixa nesse modo. No mundo do Direito, acontece a utilização do modo maravilhoso às vezes, como o exemplo do uso de cartas psicografadas em processos judiciais. E não se deve esquecer da diferença existente entre modo maravilhoso e modo fantástico. No modo maravilhoso, há a certeza sobre o sobrenatural. No modo fantástico, há a incerteza sobre o sobrenatural. 3 Fernanda Braga O Direito na Arte 1. Contar a Lei (François Ost): François Ost trabalhava com essa concepção literária da bíblia, tendo como referência o antigo testamento. Antígona Direito Divino (imposto) X Direito Vê como obrigação o pregar a palavra de Deus. Leva como deveres os 10 mandamentos. Direitos: alcançar a terra prometida. Tudo isso, para Ost, é um pacto, um tipo de contrato. Dessa forma, identifica a origem do Direito. 2. A Luta pelo Direito (Rudolph Von Ihering): ▪ Direito Objetivo: Conjunto que estabelece direitos e obrigações entre as pessoas (ordenamento). ▪ Direito Subjetivo: Conjunto que estabelece direitos entre as pessoas em face ao direito objetivo (direito em relação a alguém). “Direito pré-jurídico: liberdade” Polêmico, mas faz sentido. No século XIX, acreditavam que, independentemente da eficácia, existiria o Direito. Segundo o autor, para manter a validade da norma, é necessário o mínimo de eficácia. 3. Metáfora Bíblica: Ihering pede que imaginemos dois exércitos: Exército do Direito X Exército da Justiça. O exército da justiça luta pelo próprio direito, contribui para preservação de todo o Direito de toda a sociedade. 4. Mercador de Veneza: Obra escrita por Shakespeare, que era inglês e dramaturgo. 4º ato da peça: Jovem Bassanio, quer se casar com Portia. Tinha a obrigação de dote do jovem para a noiva, porém não tinha o dinheiro. Bassanio recorre ao amigo Antonio (Mercador de Veneza), mas suas mercadorias ainda não tinham chegado. Assim, recorreu a Shylock (agiota e possuía posição social ambígua por sua atividade, além de ser judeu, ou seja, era rico, mas não tinha prestígio). Shylock empresta o dinheiro para Antonio sem juros, porém, se não pagasse, exigiu 1 libra de carne do peito. Antonio não paga e Shylock recorre à justiça de Doge. Bassanio tenta pagar a dívida, mas Shylock não aceita. Doge, para resolver a situação, recorre aos jurisconsultos. Assim, chega à conclusão de que Shylock tem direito a uma libra de carne do peito de Antonio. Entretanto, deixa à margem de interpretação que não poderia derramar sangue, e, portanto, pede os 3 mil. A jovem jurista era Portia disfarçada. Shylock perdeu os bens e foi imposto a ele a religião católica. O Mercador de Veneza diz que entre direito e justiça, escolha a justiça. Ihering discute a coerência desse contrato. Aqui, frustrar o direito de um é precedente para frustrar o de outros. O problema é que é impossível o direito prever todas as situações. Ele também coloca que, na vida real, o direito de Shylock não poderia ter sido frustrado. Atualmente, o contrato seria ilícito. O erro no Mercador de Veneza é que o objeto era ilícito. 4 Fernanda Braga Conceitos de Ação e Verdade 1. Introdução: Verdade: o que é? Existem vários tipos de verdades. ▪ Verdade Correspondência: É a verdade que corresponde aos fatos. A relação entre o que se fala dos fatos e os fatos em si. ▪ Verdade Credibilidade: O ato de confiar acerca de algo, de uma verdade. Fé. A relação que temosde verdade com sinceridade. ▪ Verdade Correção: São verdades que derivam do meio social. Compatibilidade com um sistema normativo. Relacionado ao reconhecimento. ▪ Verdade Consenso: Aqui, as partes aceitam a verdade. É estar de acordo sobre determinada verdade. Ação: o que é? É o comportamento humano voluntário (destinado a uma finalidade), a conduta. A arte é a imitação da vida. Logo, é a representação das ações. 2. Conceitos de Ação e Verdade (Habermas): Vontade Definição da finalidade Aplicação do conhecimento causal Escolha dos meios (para alcançar a finalidade) Definição do plano de ação Execução do plano Produção de efeitos Alcance (ou não) da finalidade A ação humana se dá em sociedade. Por isso, interfere e se relaciona com outras ações. Toda ação tem limites. Essa ação humana pode estar na sociedade de diversas formas: a. Ação Estratégica: É aquela por meio da qual o homem busca maximizar seus próprios interesses. O homem é visto como um “egoísta racional”. Possui o limite da eficiência: se vai funcionar ou não para alcançar sua finalidade. Weber a chama de Ação Instrumentalmente Orientada. Ação Estratégica – Mundo Objetivo – Verdade Correspondência b. Ação Normativa: É a ação orientada por normas. Está em conformidade com o papel social que cabe à pessoa. Exclui o meio que não está de acordo com seu papel, considerando todos os sistemas normativos em que ele está inserido. Após essa exclusão, ele pode ser estratégico para decidir o melhor meio possível para seu papel. Relacionada ao “fazer as coisas corretamente”. Weber a chama de Ação Axiologicamente Orientada. Ação Normativa – Mundo Intersubjetivo – Verdade Correção c. Ação Dramatúrgica: É a representação mais fiel de si mesmo no palco da vida. É o que faz as pessoas acreditarem em você. Essa crença depende se você transmite mais ou menos credibilidade. Ação Dramatúrgica – Mundo Subjetivo – Verdade Credibilidade d. Ação Comunicativa: Essa é a teoria que Habermas defende. Ação que coordena com o outro quanto ao curso comum da ação. Objetiva a melhor forma de alcançar a finalidade, chegando em consenso/acordo com o outro. Ação Comunicativa – Mundo da Vida – Verdade Consenso 5 Fernanda Braga 3. Tripla Mimesis (Ricouer): É o que está entre a vida imitada e a compreensão da imitação. a. Prefiguração: Ocorre no próprio campo da vida. Capacidade que a vida tem de repetir padrões e de ser compreendida por nós a partir desses padrões. Porque existem os padrões? Porque além de ter cultura/tradição, tem racionalidade. É possível prever as ações racionais e também as ações irracionais (é mais fácil ainda, inclusive). A própria vida, por mais que haja liberdade, nos dá a prefiguração através da tradição e da racionalidade, que garantem a verossimilhança e a coerência. A pessoa vai colher os padrões da prefiguração e partir para a configuração. b. Configuração: Ocorre no campo do autor. É a organização no texto, de forma coerente com o que ele quer alcançar, dos padrões colhidos na prefiguração. O autor organiza no texto alguns padrões que estão relacionados à sua finalidade. c. Refiguração: Ocorre no campo do leitor. É como o leitor atribui sentido ao texto, a contribuição do leitor para o sentido do texto. Você pode excluir várias interpretações incorretas, mesmo que não encontre a correta. O significado pode mudar por causa da mudança da realidade/cultura. Significado é um conceito mutável. Gadamer diz que não existe aplicação sem interpretação. A Narrativa e a Ficção Jurídica 1. Estruturas Narrativas: A Teoria da Literatura tem várias escolas. A análise realizada aqui é feita através da Escola da Estruturação. Autores dessa escola: Propp, Genette, Bremond. a. Num universo ficcional: Universos criados que não precisam respeitar as leis da realidade. Trata-se de uma única obra ou de um conjunto de obras que gira em torno da mesma personagem. Em 007 há a demonstração de 3 tipos de relação, em que tudo acontece pela pátria: 1- James Bond com o inimigo: Ameaça à pátria pelo estrangeiro etnicamente diferente (não anglo- saxão). Padrões racistas. 2- James Bond com o comando: MI6. Relação de fidelidade quase absoluta (quando não há fidelidade, é para proteger a pátria), por conta de seu nacionalismo. 3- James Bond com o par romântico: Objetificação da mulher (Vesper é a exceção). b. Num gênero: Trata-se de um conjunto de obras que apresentam uma unidade temática (gênero). Falando sobre a narrativa policial (Todorov), sempre temos a História do Crime e a História da Investigação. Na narrativa policial temos como exemplos os casos de Sherlock Holmes e James Bond: 1- Sherlock Holmes: Explicação lógica por trás do mistério, do sobrenatural. Investigação para descobrir como o crime ocorreu. 2- James Bond: Investigação para evitar que o crime ocorra. O tipo de investigação das duas obras é diferente, porém a estrutura de história da investigação existe em ambos. 6 Fernanda Braga c. Universais: Trata-se de algo universal, policial ou não. Reuter afirma que em todos os tipos de narrativa há 2 características: a oposição de forças e a jornada da personagem. Aqui, Todorov trata sobre a intriga mínima completa: Equilíbrio É quebrado Desequilíbrio Degradação Melhora Novo Equilíbrio Reuter trata acerca do modelo quinário: Estado Inicial Força Perturbadora Dinâmica Força Equilibradora Estado Final Obs: A força equilibradora interrompe a dinâmica e cria um novo equilíbrio (estado final). A diferença entre esses dois modelos é que o modelo quinário possui uma ênfase na ideia de força, remete à ideia de causa. Obs: Nexo causal é a relação entre causa e efeito. 2. A Narrativa Jurídica: Perspectiva de Karl Larenz, que fala sobre a conformação da situação de fato. Os fatos só são apreensíveis para o direito quando eles são relatados/narrados. Os fatos têm que ser enunciados para que o direito possa agir sobre eles. O processo de conformação jurídica acontece com a passagem do FATO BRUTO (a primeira forma que o fato apresenta quando chega ao conhecimento do jurista) para o FATO DEFINITIVO (o fato que o juiz afirma na sentença, ele é definitivo porque não pode mudar dentro do processo). Fato bruto conformação jurídica fato definitivo O juiz descarta os elementos desnecessários e busca os elementos necessários. Não só o corte de excessos, mas também a busca de novos elementos. Para definir o que é relevante para o direito, você tem que olhar para o próprio direito e para o que está pedindo a parte interessada. Como se fosse um movimento cíclico: temos que olhar para o direito para ver o que será relevante para ser utilizado no direito. O fato da vida nunca chega completamente ao processo. Nunca há uma representação perfeita do fato. Segundo Merceau Ponty, a informação do fato é limitada. O juiz não pode presenciar o fato, ele é um juiz de relatos, de narrativas alheias e vai escolher qual é a mais correta ou vai construir uma outra narrativa a partir das narrativas. Esquemas narrativos pré-existentes: ninguém dá, mas todos conhecem. A cultura/tradição nos apresenta esses esquemas. E quem dá esses esquemas à cultura de acordo com a voz de cada comunidade. Os esquemas estão relacionados a quem teve a voz na comunidade. 3. A Ficção Jurídica: Porque o direito trata a ficção jurídica como se fosse real? A ficção serve enquanto ela é ficção. Quando ela perde esse sentido de ficção, começa a dar problemas. 7 Fernanda Braga Qual a diferença entre ficção e presunção? Ficção: sabemos que aquilo não é real, mas tratamos como se fosse. Presunção: não sabemos se é real, mas tratamos como se fosse. Porque o legislativoou o judiciário recorrem a ficções? Judiciário: para preencher lacunas e porque a regulação direta da matéria passaria por muita resistência. Por isso recorrem às ficções. Por isso que alguns não gostam das ficções, por conta de utilizarem a ficção para realizarem mudanças sociais apenas por ser um caminho mais “fácil” ou menos resistente. a. Por criação legal: O direito cria essa ficção. Ex: Presunção de inocência. b. Por desenvolvimento jurisprudencial: A jurisprudência força uma ficção. Ex: União estável.
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