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01 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS NOÃ Ã ES GERAIS

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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP
CURSO: DIREITO DISCIPLINA: DIREITO CIVIL - CONTRATOS
PROFESSORA: EDNA LYRA
DOS CONTRATOS
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
NOÇÃO GERAL
1- CONCEITO
	O contrato é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico. Fonte de obrigação é o fato que lhe dá origem. Os fatos humanos que o CC considera geradores de obrigação são: a) os contratos; b) as declarações unilaterais da vontade; e c) os atos ilícitos, dolosos e culposos.
	Como é a lei que dá eficácia a esses fatos, transformando-os em fontes diretas ou imediatas, aquela constitui fonte mediata ou primária das obrigações. É a lei que disciplina os efeitos dos contratos, que obriga o declarante a pagar a recompensa prometida e que impõe ao autor do ato ilícito o dever de ressarcir o prejuízo causado. Há obrigações que, entretanto, resultam diretamente da lei, como a de prestar alimentos (CC, art. 1.694), a de indenizar os danos causados por seus empregados (CC, art. 932, III), a propter rem imposta aos vizinhos, etc.
	O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Com efeito, distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pela manifestação de vontade apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios bilaterais, que decorrem de mútuo consenso, constituem os contratos. Contrato é, portanto, como dito, uma espécie do gênero negócio jurídico.
	Segundo a lição de CAIO MÁRIO, o fundamento ético do contrato é a vontade humana, desde que atue na conformidade da ordem jurídica. Seu habitat é a ordem legal. Seu efeito, a criação de direitos e obrigações. O contrato é, pois, “um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”. Desde BEVILÁQUA o contrato é comumente conceituado de forma sucinta, como o “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.
	Sempre, pois, que o negócio jurídico resultar de um mútuo consenso, de um encontro de vontades, estaremos diante de um contrato. Essa constatação conduz à ilação de que o contrato não se restringe ao direito das obrigações, estendendo-se a outros ramos do direito privado (o casamento, p. ex., é considerado um contrato especial, um contrato do direito de família) e também ao direito público (são em grande número os contratos celebrados pela Administração Pública, com características próprias), bem como a toda espécie de convenção. Em sentido estrito, todavia, o conceito de contrato restringe-se aos pactos que criem, modifiquem ou extingam relações patrimoniais, como consta expressamente do art. 1.321 do CC italiano.
	O CC brasileiro de 2002 disciplina, em vinte capítulos, vinte e três espécies de contratos nominados (arts. 481 a 853) e cinco declarações unilaterais de vontade (arts. 854 a 886 e 904 a 909), além dos títulos de crédito, tratados separadamente (arts. 887 a 926). Contém ainda um título referente às obrigações por atos ilícitos (Da Responsabilidade Civil, arts. 927 a 954).
	Começaremos o estudo pelo contrato, que constitui o mais expressivo modelo de negócio jurídico bilateral.
2- EVOLUÇÃO HISTÓRICA
	O direito romano distinguia contrato de convenção. Esta representava o gênero, do qual o contrato e o pacto eram espécies.
	O Código Napoleão foi a primeira grande codificação moderna. A exemplo do direito romano, considerava a convenção o gênero, do qual o contrato era a espécie (art. 1.101). Idealizado sob o calor da Revolução de 1789, o referido diploma disciplinou o contrato como mero instrumento para a aquisição da propriedade. O acordo de vontades representava, em realidade, uma garantia para os burgueses e para as classes proprietárias. A transferência de bens passava a ser dependente exclusivamente da vontade.
	O CC alemão, promulgado muito tempo depois, considera o contrato uma espécie de negócio jurídico, que por si só não transfere a propriedade, como sucede igualmente no novo CC brasileiro.
	Hoje, as expressões convenção, contrato e pacto são empregadas como sinônimas, malgrado a praxe de se designar os contratos acessórios de pactos (pacto comissório, pacto antenupcial etc.). A propósito, afirma ROBERTO DE RUGGIERO que tudo se modificou no direito moderno, pois qualquer acordo entre duas ou mais pessoas, que tenha por objeto uma relação jurídica, pode ser indiferentemente chamado de contrato ou convenção e às vezes pacto, visto este termo ter perdido aquele significado técnico e rigoroso que lhe atribuía a linguagem jurídica romana. E arremata o mencionado jurista italiano: “Assim a convenção, isto é, o acordo de vontades, torna-se sinônimo de contrato e o próprio contrato identifica-se assim com o consenso...”
	A idéia de um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente as suas condições em situação de igualdade, deve-se aos conceitos traçados para o contrato nos Códigos francês e alemão. Entretanto, essa espécie de contrato, essencialmente privado e paritário, representa hodiernamente uma pequena parcela do mundo negocial. Os contratos em geral são celebrados com a pessoa jurídica, com a empresa, com os grandes capitalistas e com o Estado.
	A economia de massa exige contratos impessoais e padronizados (contratos-tipo ou de massa), que não mais se coadunam com o princípio da autonomia da vontade. O Estado intervém, constantemente, na relação contratual privada, para assegurar a supremacia da ordem pública, relegando o individualismo a um plano secundário. Essa situação tem sugerido a existência de um dirigismo contratual, em certos setores que interessam a toda a coletividade. Pode-se afirmar que a força obrigatória dos contratos não se afere mais sob a ótica do dever moral de manutenção da palavra empenhada, mas da realização do bem comum.
	No direito civil, o contrato está presente não só no direito das obrigações como também no direito de empresa, no direito das coisas (transcrição, usufruto, servidão, hipoteca, etc.), no direito de família (casamento) e no direito das sucessões (partilha em vida). Trata-se de figura jurídica que ultrapassa o âmbito do direito civil, sendo expressivo o número de contratos de direito público hoje celebrado, como já foi dito.
	O contrato tem uma função social, sendo veículo de circulação da riqueza, centro da vida dos negócios e propulsor da expansão capitalista. O CC de 2002 tornou explícito que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicado os valores primordiais da boa-fé e da probidade (arts. 421 e 422).
3- FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
	O CC de 2002 procurou afastar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma anterior para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O princípio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana.
	Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código BEVILÁQUA. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional, com enfatiza MIGUAL REALE: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.
	Nessa consonância, dispõe o art. 421 do CC:
	“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
	A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade”previsto na CF. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes.
	Efetivamente, o dispositivo supratranscrito subordina a liberdade contratual à sua função social, com prevalência dos princípios condizentes com a ordem pública. Considerando que o direito de propriedade, que deve ser exercido em conformidade com a sua função social, proclamada na CF, se viabiliza por meio dos contratos, o novo Código estabelece que a liberdade contratual não pode afastar-se daquela função.
	A função social do contrato constitui, assim, princípio moderno a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Alia-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam.
	Segundo CAIO MÁRIO, a função social do contrato serve precipuamente para limitar autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório. Tal princípio desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Essa constatação tem como conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não são propriamente partes do contrato, possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos.
	Nessa mesma linha, anota JUDITH MARTINS-COSTA que a função social é, evidentemente, e na literal dicção do art. 421, uma condicionante posta ao princípio da liberdade contratual. Nesse sentido, a cláusula poderá desempenhar, no campo contratual que escapa à regulação específica do CDC, funções análogas às que são desempenhadas pelo art. 51 daquela lei especial, para impedir que a liberdade contratual se manifeste sem peias.
	Todavia, adverte a mencionada civilista, o citado art. 421 não representa apenas uma restrição à liberdade contratual, pois tem um peso específico, que é o de entender a eventual restrição à liberdade contratual não mais como uma “exceção” a um direito absoluto, mas como expressão da função metaindividual que integra aquele direito. Há, portanto, aduz, um valor operativo, regulador da disciplina contratual, que deve ser utilizado não apenas na interpretação dos contratos, mas, por igual, na integração e na concretização das normas contratuais particularmente consideradas.
	É possível afirmar que o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um, individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nessa medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social.
	Observa-se que as principais mudanças no âmbito dos contratos, no novo diploma, foram implementadas pro cláusulas gerais, em paralelo às normas marcadas pela estrita causuística. Cláusulas gerais são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o, ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. São elas formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral. Quando se insere determinado princípio geral (regra de conduta que não consta do sistema normativo, mas se encontra na consciência dos povos e é seguida universalmente) no direito positivo do país (Constituição, leis etc.), deixa de ser princípio geral, ou seja, deixa de ser regra de interpretação e passa a caracterizar-se como cláusula geral.
	As cláusulas gerais resultaram basicamente do convencimento do legislador de que as leis rígidas, definidoras de tudo e para todos os casos, são necessariamente insuficientes e levam seguidamente a situações de grave injustiça. Embora tenham, num primeiro momento, gerado certa insegurança, convivem, no entanto, harmonicamente no sistema jurídico, respeitados os princípios constitucionais concernentes à organização jurídica e econômica da sociedade. Cabe à doutrina e à jurisprudência identificá-las e definir o seu sentido e alcance, aplicando-as ao caso concreto, de acordo com as circunstâncias, como novos princípios do direito contratual e não simplesmente como meros conselhos, destituídos de força vinculante, malgrado isso possa significar uma multiplicidade de soluções para uma mesma situação basicamente semelhante, mas cada uma com particularidades que impõem solução apropriada, embora diferente da outra.
	Cabe destacar, dentre outras, a cláusula geral que proclama a função social do contrato, ora em estudo, e a que exige um comportamento condizente com a probidade e boa-fé objetiva (CC, art. 422). Podem ser também lembrados, como integrantes dessa vertente, aos quais se poderá aplicar a expressão ‘função social do contrato”, os arts. 50 (desconsideração da personalidade jurídica), 156 (estado de perigo), 157 (lesão), 424 (contrato de adesão), parágrafo único do art. 473 (resilição unilateral do contrato), 884 (enriquecimento sem causa) e outros.
	Deve-se ainda realçar o disposto no parágrafo único do art. 2.035 do CC: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. As partes devem celebrar seus contratos com ampla liberdade, observadas as exigências da ordem pública, como é o caso das cláusulas gerais.
	Como a função social é cláusula geral, assinala NELSON NERY JÚNIOR, o juiz poderá preencher os claros do que significa essa “função social”, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. A solução será dada diante do que se apresentar, no caso concreto, ao juiz. Poderá, por exemplo, proclamar a inexistência do contrato por falta de objeto; declarar sua nulidade por fraude à lei imperativa (CC, art. 166, VI), porque a norma do art. 421 é de ordem pública (CC, art. 2.035, parágrafo único); convalidar o contrato anulável (CC, art. 171 e 172); determinar a indenização da parte que desatendeu a função social do contrato, etc.
	Aduz o mencionado jurista que, sendo “normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio. Com isso, ainda que, por exemplo, o autor de ação de revisão de contrato não haja pedido na petição inicial algo relativo à determinada cláusula geral, o juiz pode, de ofício, modificar cláusula de percentual de juros, caso entenda que deve assim agir para adequar o contrato à sua função social. Assim agindo, autorizado pela cláusula geral expressamente prevista na lei, o juiz poderá ajustar o contrato e dar-lhe a sua própria noção de equilíbrio, sem ser tachado de arbitrário.
	Assinala, pro sua vez, ARAKEN DE ASSIS que o contrato cumprirá sua função social “respeitando sua função econômica, que é a de promover a circulação de riquezas, ou a manutenção das trocas econômicas, na qual o elemento ganho ou lucro jamais poderá ser desprezado, tolhido ou ignorado, tratando-se de uma economia de mercado”.
	Destarte, salienta, “toda vez que o contrato inibe o movimento natural do comércio jurídico, prejudicando os demais integrantes da coletividade na obtenção dos bens da vida, descumpre sua função social. Figure-se o caso de a empresa de banco, que conhece o fato de o conjunto habitacional se encontrar ocupado por inúmeras pessoas, mediante pré-contratos firmados com a construtora, todavia recebê-lo como garantia hipotecária de um empréstimo destinado a outros empreendimentos e invocar a eficácia erga omnes do gravame na ulterior execução do crédito. O contrato de mútuo-hipotecário obstou à destinaçãonormal das unidades autônomas, construídas para serem adquiridas e ocupadas para fins habitacionais, e incidiu no veto do art. 421, in fine. Assim se resolveu, em que pese desnecessária invocação do princípio da boa-fé objetiva, o ‘Caso Encol’”.
	O Projeto de Lei n. 276/2007, que visa aprimorar o novo CC, propõe nova redação ao art. 421: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”. Duas alterações são sugeridas: a) a substituição da expressão “liberdade de contratar” por “liberdade contratual”; e b) a supressão da expressão “em razão”. A proposta atende a sugestão dos professores paulistas ÁLVARO VILLAÇA AZEEVEDO e ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO. A justificativa para a primeira alteração é que “liberdade de contratar” a pessoa tem, desde que capaz de realizar o contrato. Já a “liberdade contratual” é a de poder livremente discutir as cláusulas do contrato. A supressão da expressão “em razão” é também proposta porque a liberdade contratual está limitada pela função social do contrato, mas não é a sua razão de ser.
4- CONTRATO NO CDC
	Determina a CF que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII). Em cumprimento a essa determinação, foi elaborado o CDC (Lei n. 8.078/90), que entrou em vigor em março de 1991, trazendo profundas modificações à ordem jurídica nacional, de naturezas diversificadas, mas ligas entre si por terem como suporte uma relação jurídica básica, caracterizada como uma relação de consumo.
	A nova legislação repercutiu profundamente nas diversas áreas do direito, inovando em aspectos de direito penal, administrativo, comercial, processual civil e civil, em especial.
	Com a evolução das relações sociais e o surgimento do consumo em massa, bem como dos conglomerados econômicos, os princípios tradicionais da nossa legislação privada já não bastavam para reger as relações humanas, sob determinados aspectos. E, nesse contexto, surgiu o CDC atendendo a princípio constitucional à ordem econômica.
	Partindo da premissa básica de que o consumidor é a parte vulnerável das relações de consumo, o Código pretende restabelecer o equilíbrio entre os protagonistas de tais relações. Assim, declara expressamente o art. 1º que o Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, acrescentando serem tais normas de ordem pública e de interesse social. De pronto, percebe-se que, tratando-se de relações de consumo, as normas de natureza privada, estabelecidas no Código de 1916, onde campeava o princípio da autonomia da vontade, e em leis esparsas, deixaram de ser aplicadas. O CDC retirou da legislação civil, bem como de outras áreas do direito, a regulamentação das atividades humanas relacionadas com o consumo, criando uma série de princípios e regras em que se sobressai não mais a igualdade formal das partes, mas a vulnerabilidade do consumidor, que deve ser protegido.
	Os dois principais protagonistas do CDC são o consumidor e o fornecedor. Incluídos se acham, no último conceito, o produtor, o fabricante, o comerciante e, principalmente, o prestador de serviços (art. 3º).
	O novo CC, ao tratar da prestação de serviço (art. 593 a 609), declara que somente será por ele regida a que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial (art. 593). As regras do CC têm, pois, caráter residual, aplicando-se somente às relações não regidas pela CLT e pelo CDC, sem distinguir a espécie de atividade prestada pelo locador ou prestador de serviços, que pode ser profissional liberal ou trabalhador braçal. Todavia, ao tratar do fornecimento de transportes em geral, que é modalidade de prestação de serviço, o novo diploma inverteu o critério, conferindo caráter subsidiário ao CDC. Aplica-se este aos contratos de transporte me geral, “quando couber”, desde que não contrarie as normas que disciplinam essa espécie de contrato no CC (art. 732).
	O CDC estabeleceu princípios gerais de proteção que, pela sua amplitude, passaram a ser aplicados também aos contratos em geral, mesmo que não envolvam relação de consumo. Destacam-se o princípio geral da boa-fé (art. 51, IV), da obrigatoriedade da proposta (art. 51, X, XI e XIII). No capítulo concernente às cláusulas abusivas, o referido diploma introduziu os princípios tradicionais da lesão nos contratos (art. 51, IV e § 1º) e da onerosidade excessiva (art. 51, § 1º, III).
	Pondera SILVIO VENOSA que “os princípios tornados lei positiva pela lei de consumo devem ser aplicados, sempre que oportunos e convenientes, em todo contrato e não unicamente nas relações de consumo. Desse modo, o juiz, na aferição do caso concreto, terá sempre em mente a boa-fé dos contratantes, a abusividade de uma parte em relação à outra, a excessiva onerosidade, etc., como regras gerais e cláusulas abertas de todos os contratos, pois os princípios são genéricos, mormente levando-se em conta o sentido dado pelo novo CC”.
	Nesse diapasão, justifica GUSTAVO TEPEDINO a incidência do conjunto de mecanismos de defesa do consumidor nas relações do direito privado em geral pela aplicação direta dos princípios constitucionais da isonomia substancial, da dignidade da pessoa humana e da realização plena de sua personalidade. Assim, aduz, o conjunto de princípios inovadores, como a proteção da boa-fé objetiva, a interpretação mais favorável, a inversão do ônus da prova diante da verossimilhaça do pedido ou da hipossuficiência, tem pertinência com a preocupação constitucional da redução das desigualdades e com o efetivo exercício da cidadania. Em conclusão, afirma o mencionado mestre, parece chegada a hora de se buscar uma definição de um conjunto de princípios ou de regras que se constituam em normas gerais a serem utilizadas não de forma isolada em um ou outro setor, mas de maneira abrangente, em consonância com as normas constitucionais, para que se possa, a partir daí, construir o que seria uma nova teoria contratual.
	Adverte, ainda, GUSTAVO TEPEDINO sobre as conseqüências inquietantes que poderiam advir se se admitisse a tese defendida pelo Professor NATALINO IRTI, da Universidade de Roma, de que cada microssistema (CDC, ECA, p. ex.) se feche em si mesmo, sendo autossuficiente do ponto de vista hermenêutico, já que cada estatuto traz normalmente os próprios princípios interpretativos. O exame de cláusula contratual, afirma, não poderá se limitar ao controle de ilicitude, à verificação da conformidade da avença às normas regulamentares expressas relacionadas à matéria. A atividade interpretativa deverá, paara além do juízo de ilicitude, verificar se a atividade econômica privada atende concretamente aos valores constitucionais (especialmente a regra concernente à justiça distributiva, à erradicação da pobreza e à diminuição das desigualdades sociais e regionais, insculpida no art. 3º, III, e a relativa ao objetivo central de efetivação de uma sociedade em que se privilegie o trabalho, a cidadania e a dignidade humana, prevista no art. 1º, III), só merecendo tutela jurídica quando a resposta for positiva. E tal critério se aplica não só às relações de consumo mas aos negócios jurídicos em geral, ao exercício do direito de propriedade, às relações familiares e ao conjunto das relações do direito civil.
	Vários desses princípios foram reafirmados pelo novo CC, como os concernentes à boa-fé objetiva, à onerosidade excessiva, à lesão, ao enriquecimento sem causa, aproximando e harmonizando ainda mais os dois diplomas em matéria contratual.
	Em artigo que trata exatamente da possibilidade de diálogo entre o CDC e o novo CC, CLÁUDIA LIMA MARQUES relembra que a LICC e o próprio CC de 2002 preveem a aplicação conjunta (lado a lado) das leis especiais, como o CDC, e a lei geral, como o novo diploma civil. Com a entrada em vigor do CC de 2002, salienta, fragmenta-se, ainda mais, o combate às cláusulas abusivas. São três os tipos de regulamentação: a aplicação pura do CC de 2002 para as relações puramente civis, a aplicação do CC de 2002 e das leis especiais comerciais nos casos de contratos entre comerciantesou interempresários, e a aplicação prioritária do CDC, nas relações mistas entre um civil e um empresário, isto é, entre um consumidor e um fornecedor. Uma visão de diálogo das fontes pode ajudar a transpor conquistas de um microssistema para o sistema geral e vice-versa.
	Em conclusão, afirma CLÁUDIA LIMA MARQUES, “o CDC tende a ganhar com a entrada em vigor no NCC/2002, se o espírito do diálogo das fontes aqui destacado prevalecer: é necessário superar a visão antiga dos conflitos e dar efeito útil às leis novas e antigas! Mister perservar a ratio de ambas as leis e dar preferência ao tratamento diferenciado dos diferentes concretizado nas leis especiais, como no CC, e assim respeitar a hierarquia dos valores constitucionais, sobretudo coordenando e adaptando o sistema para uma convivência coerente! A convergência de princípios e cláusulas gerais entre o CDC e o NCC/2002 e a égide da CF de 1988 garantem que haverá diálogo e não retrocesso na proteção dos mais fracos nas relações contratuais. O desafio é grande, mas o jurista brasileiro está preparado”.
	Proclama a Súmula 321 do STJ: “O CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. Por sua vez, dispõe a Súmula 297 da mesma Corte: “O CDC é aplicável às instituições financeiras”. Nessa linha, o STF, no julgamento da ADIn n. 2.591, realizado aos 4 de maio de 2006, decidiu também aplicar-se o CDC às instituições financeiras. Extrai-se do voto do Min. EROS GRAU o seguinte tópico: “A relação entre banco e cliente é, nitidamente, uma relação de consumo” (...). “É consumidor, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito”.
	Tem decidido o STJ que, embora os negócios bancários estejam sujeitos ao CDC, inclusive quanto aos juros moratórios, “a abusividade destes, todavia, só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação”. Esse entendimento cristalizou-se na Súmula 381, do seguinte teor: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.
FONTE: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 3: contratos e atos unilaterais. 7. Ed – SP; Saraiva, 2010. p. 21-33.

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