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1 3ª Prova de Fundamentos de Clínica I Semiologia do Aparelho Digestório – Exame do Abdome - Externamente, o abdome compreende a região delimitada, superiormente, pelo apêndice xifoide e pelas arcadas costais até coluna vertebral, e, inferiormente, pela crista pubiana, pregas inguinais, crista ilíaca e base do sacro. - Internamente, a cavidade abdominal é mais ampla do que os seus limites externos, visto que acompanha, acima, a concavidade das duas cúpulas diafragmáticas, continuando até o assoalho pélvico. - Do ponto de vista topográfico, o abdome pode ser dividido de diversas maneiras: - A sequência de realização do exame físico do abdome é a seguinte: inspeção, ausculta, percussão e palpação. - Inspeção do abdome: - Observar a presença de abaulamentos, retrações ou cicatrizes, a distribuição dos pêlos, estrias, lesões de pele e aspecto da pele, aspecto da cicatriz umbilical, a existência de circulação colateral abdominal, a presença de movimentos peristálticos ou herniações. - Classificação do abdome quanto à forma e volume: - Plano - Globoso: apresentando distensão uniforme e regular; encontrado em indivíduos obesos, portadores de ascites, em pacientes com grande meteorismo intestinal (obstrução intestinal) e em portadores de grandes tumores abdominais. - Ventre de batráquio: caracterizada por dilatação exagerada de flanco, com aumento de diâmetro lateral, ocorrendo em indivíduos com ascite e obesos com diminuição da tonicidade da musculatura de parede abdominal. - Avental: caracterizado pela queda do hipogástrio sobre a sínfise púbica, ocorre em grandes obesos, associada à fraqueza da parede muscular. - Escavado: muito achatado no diâmetro anteroposterior, com visibilidade dos bordos costocondrais, cristas ilíacas e sínfise púbica. Ocorre em indivíduos com caquexia, especialmente naqueles com desidratação importante. - Ainda na inspeção, em pacientes com hemorragias peritoniais, pode surgir, na região periumbilical, uma coloração azulada que é denominada de sinal de Cullen (exemplo: prenhez tubária rota). Em pacientes com pancreatite hemorrágica pode ocorrer sangramento retroperitoneal, conferindo uma coloração azulada em regiões lombares, sinal de Grey Turner. Sinal de Cullen Sinal de Grey-Turner - Ausculta: - Os objetivos principais da ausculta do abdome é a identificação dos ruídos hidroaéreos e a pesquisa de sopros ou atritos. - Ruídos hidroaéreos: - Em condições normais, ouvem-se alguns ruídos hidroaéreos no abdome, produzidos pelo deslocamento de líquidos e gases no lúmen intestinal. - A frequência dos ruídos hidroaéreos está em torno de 5 – 34 ruídos por minuto. Eles devem ser pesquisados em todo o abdome, mas são mais audíveis na fossa ilíaca direita. Geralmente, ausculta-se o abdome de 2 a 5 minutos. - Nos casos de diarreia e oclusão intestinal mecânica, os ruídos tomam-se mais intensos. No íleo paralítico, os ruídos desaparecem por completo, o que constitui o chamado silêncio abdominal. - A ausculta abdominal é particularmente útil no pós-operatório de intervenções cirúrgicas intraperitoneais, quando ocorre o chamado íleo funcional ou paralítico. Habitualmente, os movimentos peristálticos cessam ou se atenuam por um tempo variável, entre 24 e 72 h, dependendo do tipo de cirurgia realizado. Nos casos de infecção peritoneal ou desequilíbrio hidroeletrolítico, esse tempo é mais prolongado. A realimentação do paciente só deve ser iniciada após a normalização dos ruídos intestinais. 2 - Sopros: - A ausculta abdominal permite ainda detectar sopros sistólicos em casos de aneurisma, fístulas arteriovenosas ou compressões arteriais. - Percussão do abdome: - Técnicas para a realização: dígito-digital, com dois golpes por vez. - Sequência de realização: percutir todos os quadrantes percutir fígado percutir espaço de Traube fazer as manobras para ascite. - As vísceras maciças, como o fígado e o baço, produzem som maciço, enquanto as vísceras que contêm ar produzem som timpânico. - A hepatimetria é feita percutindo-se o hemitórax direito anterior, de cima para baixo, na linha hemiclavicular. Ela é utilizada para determinar o limite superior e inferior do fígado, medindo-se a maior distancia entre esses limites. Geralmente, o limite superior do fígado está situado no 4° ou 5° espaço intercostal, sendo que o valor de hepatimetria normal está entre 6 e 12 cm de comprimento. - A hepatimetria maior que 12 cm indica hepatomegalia. - O limite superior do fígado baixo do 6° espaço intercostal indica ptose hepática (devido à enfisema pulmonar, por exemplo) ou atrofia hepática (cirrose hepática). - Ausência da macicez hepática: atrofia hepática grave, interposição de alça intestinal entre fígado e parede abdominal, pneumotórax, pneumoperitônio. - A obtenção de som timpânico no hipocôndrio direito indica pneumoperitônio ou interposição do cólon entre a parede abdominal e o fígado. O som maciço na topografia do estômago e do cólon indica a presença de conteúdo líquido ou sólido nessas vísceras. A macicez circunscrita é encontrada em massas de natureza inflamatória ou neoplásica. - Presença de macicez em flancos: em presença de ascite, estando o paciente em decúbito dorsal, obtém-se som timpânico, na região mesogástrica, e maciço nas demais regiões. Com a mudança de posição, alteram-se os limites das zonas de timpanismo e macicez. - Nos cistos de ovário, a zona de macicez não se modifica com os diferentes decúbitos. - Também para pesquisa de ascite, pode-se fazer o sinal do Piparote, que consiste na percepção da transmissão de uma onda de líquido no lado oposto do abdome quando se percute um dos flancos. - Percussão do espaço de Traube: - O espaço de Traube é uma zona de percussão de timbre timpânico de formato semilunar, limitada à direita pelo lobo esquerdo do fígado, acima pelo diafragma e pulmão esquerdos, à esquerda pela linha axilar anterior esquerda e inferior pelo rebordo costal esquerdo. - De modo geral, esse espaço tem largura de 12 cm e altura de 9 cm, projetando-se sobre da 6ª à 9-10ª costelas. A expressão “Traube Livre”, muito usado no cotidiano dos hospitais e acadêmicos, significa dizer que a percussão do espaço apresenta o timbre timpânico e que a loja de Traube encontra-se “livre” de ocupação, conforme normal. - No entanto, alguns fatores podem alterar o timbre da percussão do espaço de Traube, tornando-se maciços à dígito percussão. Além das esplenomegalias, comuns em doenças como leucemias, doença de Chagas e esquistossomose, as cardiomegalias, os aumentos de volume do lobo hepático esquerdo e os derrames pleurais esquerdos também correspondem ao “Traube preenchido” ou maciço. Quando o baço aumenta de volume, por qualquer dos motivos, faz seguindo direção obliqua da esquerda para a direita e para baixo, podendo ocupar, inclusive a fossa ilíaca esquerda. - Sinal de Giordano: - Golpeia-se a região lombar D e E com a borda ulnar da mão. - O sinal de Giordano é visto quando a punho-percussão lombar é positiva, ou seja, quando existe dor. - Significa um processo inflamatório renal: pielonefrite, cólica renal. - Sinal de Jobert: - Presença de timpanismo em toda a região hepática, durante à percussão. - Provável pneumoperitônio. - Palpação: - Estruturas palpáveis: fígado, baço, sigmoide, ceco, cólon ascendente, parte do transverso e do descendente, aorta, pólo inferir do rim direito, bexigoma,útero gravídico. contém fluido contém ar inferior a linha mamaria esquerda percução do baço 3 - Estruturas não palpáveis: intestino delgado, pâncreas, vesícula biliar, apêndice, vias biliares, ovários, trompas, útero não grávido, bexiga normal. - Objetivos da palpação: - Superficial: sensibilidade abdominal e resistência abdominal. - Profunda: Caracterização das vísceras. - Palpação do fígado: - Método de Mathieu – Palpação em garra: - Examinador deve ser posicionar à direita do tórax com as costas voltadas para a face do paciente; - Posiciona as mãos paralelas sobre o hipocôndrio direito do paciente e com as extremidades dos dedos fletidos, formando uma garra; - Tenta-se palpar a borda hepática com as falanges distais dos dedos indicador e médio durante a inspiração profunda. - O fígado sem patologia pode ou não ser palpável; se palpável, é macio, tem superfície lisa, borda fina e usualmente é pouco doloroso. Seu limite não ultrapassa dois ou três dedos transversos abaixo do rebordo costal, exceto em crianças com idade inferior à 1 ano, onde é comum ser palpável a vários centímetros abaixo do rebordo costal sem haver enfermidade hepática. - Método de Lemos-Torres – Técnica da mão estendida: - O examinador deve posicionar-se à direita do paciente; - Posicionar a mão esquerda na região lombar direita do paciente, apoiando as duas últimas costelas. Com esta mão faz-se uma tração anterior do fígado; - Com a mão direita espalmada sobre a parede anterior do abdômen, tenta-se palpar a borda hepática com as falanges distais dos dedos indicador e médio durante a inspiração profunda. - Palpação do baço: - O baço pode ser palpado quando atinge 2x ou 3x seu tamanho habitual; em crianças menores saudáveis é possível palpar em 5% a 10% dos casos; - Classificação em pequeno, médio e grande ou Boyd I a IV: - Palpável: Boyd I (sob a reborda costal esquerda), II (entre reborda costal e cicatriz umbilical), III (ao nível da cicatriz) ou IV (abaixo da cicatriz). - Palpação com paciente em decúbito dorsal: - O examinador a direita do paciente, traciona com a mão esquerda a face póstero-lateral e inferior do gradil costal, deslocando-a em sentido anterior. - Com a mão direita abaixo da margem costal esquerda, comprime em direção ao hipocôndrio esquerdo, tentando perceber o baço na inspiração profunda. - Palpação na posição de Schuster: - Posição intermediária entre decúbito lateral direito e o dorsal, faz-se o mesmo procedimento anterior. - Consistência e sensibilidade: mole e doloroso: estados infecciosos agudos; duro e pouco doloroso: esplenomegalias esclerocongestivas, como na esquistossomose e cirrose hepática; duro e irregular: leucemias crônicas e linfomas; - Palpação da vesícula biliar: - Vesícula normalmente não é palpável. - Pesquisa do ponto cístico ou vesicular: o ponto cístico é uma região de maior probabilidade de localização da vesícula biliar. A sua localização varia dependendo da forma do abdome do paciente. Para pacientes normolíneos e com abdome plano, o ponto cístico pode ser encontrado na região de intersecção da borda lateral do músculo reto abdominal direito com o rebordo costal direito. Estando, portanto, em uma região de fronteira entre a região do flanco direito e mesogástrio. - Sinal de Murphy: inspiração interrompida à palpação do ponto cístico (sugestivo de colecistite). 4 - Sinal de Courvoisier-Terrier: vesícula grande e palpável, não dolorosa (sugestivo de câncer de cabeça de pâncreas). - Ponto de McBurney: - É um ponto situado a dois terços da distância entre a cicatriz umbilical e a espinha ilíaca ântero-superior. Quando há apendicite, pode ser percebida uma sensibilidade no quadrante inferior direito, no ponto de McBurney. - Sinais de irritação peritoneal: - Rigidez abdominal ou abdome em tábua: sinal involuntário presente mesmo em vítimas inconscientes. - Descompressão brusca dolorosa positiva - Sinal de Blumberg: há aumento súbito da dor após a descompressão no ponto de McBurney sinal de apendicite aguda. - Formação de “plastrão” abdominal: palpa-se massa ou plastrão na fossa ilíaca direita sinal de apendicite aguda. - Sinal de Rovsing: essa palpação é realizada procurando-se "ordenhar" o intestino grosso, a partir do sigmoide, retrogradamente, em direção ao cólon descendente, transverso e finalmente ascendente, onde o acúmulo de gases e/ou fezes gera a dor no quadrante inferior direito, pois é aí que se encontra o apêndice. - Sinal do músculo psoas: dor na região hipogástrica quando se faz a extensão forçada da coxa em decúbito lateral direito ou esquerdo, para pesquisa do comprometimento do músculo esquerdo ou direito, respectivamente. - Sinal do obturador: dor na região hipogástrica quando se faz a rotação interna da coxa, previamente fletida até seu limite máximo. - Anotação do exame de abdome: - Inspeção: abdome plano, sem cicatrizes, retrações, abaulamentos, herniações, lesões de pele ou estrias. Ausência de peristaltismo visível. Cicatriz umbilical fisiológica. Pilificação compatível com sexo e idade. - Ausculta: RHA presentes e normoaudíveis. Ausência de sopros. - Percussão: abdome timpânico, hepatimetria = 10cm, espaço de Traube livre. - Palpação: abdome normotenso e indolor à palpação superficial. Ausência de massas palpáveis, fígado palpável a 1 cm do RCD (superfície lisa, borda fina, indolor, consistência macia). Baço impalpável. Ausência de ascite clinicamente perceptível ou sinais de irritação peritoneal. Síndromes Esofágicas - O esôfago: - O esôfago é provido de um esfíncter superior formado de fibras musculares estriadas, que é o próprio músculo cricofaríngeo, e de um esfíncter inferior, constituído de fibras musculares lisas. - Anatomicamente, o esfíncter inferior é indistinguível da camada muscular circular do corpo do esôfago. - Estes 2 esfíncteres permanecem normalmente contraídos, mantendo o esôfago com as suas extremidades ocluídas, e só se relaxam quando sob estímulo neurogênico, como ocorre no ato da deglutição. - Portanto, o esôfago é formado, em sua porção superior, por musculatura esquelética e, em sua porção inferior, por musculatura lisa. - A mucosa é composta por epitélio escamoso, estratificado, não queratinizado. - O órgão não possui serosa, mas possui adventícia. - O esôfago possui uma luz virtual, isto é, quando o esôfago está vazio, a parede posterior está colabada à anterior, e a luz aparece com o aspecto de uma fenda, que não mede mais que 2,5 cm. 5 Essa luz se torna real quando passa o bolo alimentar ou fazendo uma inspiração profunda. - O pH do esôfago está situado em torno de 7. - Não há enzimas secretadas pelo esôfago. A secreção esofagiana consiste apenas em muco, que exerce um importante meio de proteção à mucosa contra os possíveis efeitos abrasivos de alguns alimentos e contra a ácida secreção gástrica que, eventualmente, reflui e entra em contato com sua mucosa. - Deglutição: - Fase voluntária da deglutição: - Envolve a musculatura estriada. - Inicia-se com a língua forçando o bolo alimentar contra o palato duro, o que acaba impulsionando-o posteriormente. - O contato do bolo alimentar com a faringe, a base da língua e o palato mole dão origem a estímulos reflexos para o desencadeamento da deglutição. A partir desse momento, o processo de deglutição se torna involuntário. - Fase faríngea da deglutição: - Gerada por distensão ou irritação, começaapós os estímulos nervosos originados com a propulsão do bolo alimentar em direção à faringe. - O palato mole é empurrado em direção à parte posterior das narinas, o que impede o refluxo alimentar para as cavidades nasais. - Um importante mecanismo protege as vias aéreas de desvio alimentar: as cordas vocais aproximam-se estreitamente, e a laringe é puxada para cima e anteriormente pelos músculos do pescoço; simultaneamente, a epiglote é empurrada para trás. Estes fatores, em conjunto, impedem a progressão do alimento para a traquéia. - O esfíncter esofágico superior (ESE) relaxa, a respiração é bloqueada, a musculatura faríngea se contrai e a epiglote vai para baixo, direcionando o bolo alimentar para o esôfago. - A onda peristáltica começa no ESE, propagando-se pela musculatura estriada e posteriormente para a lisa até a transição esôfago-gástrica. Não há interrupção nesse processo. - No esôfago, as contrações coordenadas empurram o bolo alimentar pelo corpo esofágico até o esfíncter esofágico inferior (ElE), o qual relaxa (processo de calásía), permitindo a passagem do alimento ao estômago. - O EIE se mantém relaxado durante cerca de 8 segundos, até o fim da contração peristáltica do corpo do esôfago. - Músculo liso: conceitos fundamentais - Inibição deglutiva: o EIE relaxa à medida que o alimento entra no esôfago e permanece relaxado até que a contração peristáltica tenha liberado bolo para dentro do estômago. As contrações peristálticas provocadas em resposta a uma deglutição são chamadas peristalse primária e envolvem inibição sequenciada seguida por contração da musculatura junto com todo o comprimento do esôfago. A inibição que precede a contração peristáltica é chamada de inibição deglutiva. - Relaxamento receptivo: quando ocorre a deglutição, o esfíncter inferior do esôfago, que fica tonicamente contraído, relaxa, permitindo a passagem do material deglutido. - Relaxamento transitório: relaxamento que ocorre ocasionalmente, com a aparente função de liberar gás retido no estômago, não relacionado à deglutição. É o principal mecanismo relacionado ao refluxo gastroesofágico. É mais longo do que o consequente à deglutição e é observado com maior frequência depois das refeições. - Características do corpo esofágico: - Terço superior de musculatura esquelética. - Zona de transição variável. - A peristalse se faz por ação constritiva da camada circular e por encurtamento da camada longitudinal. - Características do EIE: - Possui de 4 a 5 cm de extensão. - Tem forma de uma ampulheta inclinada. - Seu tônus de repouso é modulado pela ação colinérgica e adrenérgica. - Relaxa-se por ação do óxido nítrico e por ação vagal. - Seu relaxamento pode ser desencadeado: pela deglutição, pela ação da distensão do fundo gástrico (relaxamento transitório) ou por ação química (substâncias ou medicamentos). - Contrai-se (volta ao tônus) por ação adrenérgica. Doença do refluxo gastroesofágico - O refluxo gastresofágico (RGE) é o deslocamento, sem esforço, do conteúdo gástrico do estômago para o esôfago. Ocorre em todas as pessoas várias vezes ao dia e, desde que não haja sintomas ou sinais de lesão mucosa, pode ser considerado um processo fisiológico. - A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) é definida como uma condição na qual o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que afetam o bem-estar do paciente e/ou complicações. - Prevalência: 12% possuem sintomas típicos e 20% possuem sintomas típicos e atípicos. 6 - Fisiopatologia: - A etiologia da DRGE é multifatorial. - Tanto os sintomas quanto as lesões teciduais resultam do contato da mucosa com o conteúdo gástrico refluxado, decorrentes de falha em uma ou mais das seguintes defesas do esôfago: barreira antirrefluxo, mecanismos de depuração intraluminal e resistência intrínseca do epitélio. - Barreira antirrefluxo: - A barreira antirrefluxo, principal proteção contra o RGE, é composta pelo ElE e pelo esfíncter externo (formado pela porção crural do diafragma). - O ElE mantém-se fechado em repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica. O relaxamento transitório do ElE é considerado o principal mecanismo fisiopatológico associado à DRGE, responsável por 63 a 74% dos episódios de RGE. - Em pacientes com formas graves de DRGE, a pressão de repouso do ElE está diminuída. - Muitas substâncias afetam a pressão do ElE: a colecistocinina (CCK) é responsável pela diminuição da pressão de ElE observada após a ingestão de gorduras; outros neurotransmissores estão envolvidos, entre os quais se destacam o óxido nítrico (ON) e o peptídio intestinal vasoativo (VIP). - O comprimento total e o comprimento abdominal do ElE são outros parâmetros usados para avaliar a função do EIE, e que são valorizados quando estão diminuídos. - A presença de hérnia hiatal contribui para o funcionamento inadequado da barreira antirrefluxo através da dissociação entre o esfíncter externo e o interno e do refluxo sobreposto (fluxo retrógrado do conteúdo refluxado preso no saco herniário para a porção tubular do esôfago). - A distensão gástrica, principalmente após as refeições, contribui para o refluxo gastresofágico. - O retardo do esvaziamento gástrico, o aumento da pressão intragástrica (ambos presentes quando há obstrução ou semiobstrução antropilórica) e a alteração da secreção gástrica (como a hipersecreção da síndrome de Zollinger- Ellison) são fatores que podem estar presentes, mas são pouco frequentes. - Mecanismos de depuração intraluminal: - A depuração do material refluxado presente na luz do esôfago decorre de uma combinação de mecanismos mecânicos (retirando a maior quantidade do volume refluído, através do peristaltismo e da gravidade) e químicos (neutralização do conteúdo residual pela saliva ou pela mucosa). - A alteração do peristaltismo, causada por distúrbios motores do esôfago, como na motilidade esofágica ineficaz ou nas doenças do tecido conjuntivo, como esclerodermia pode levar ao RGE. - A diminuição do fluxo salivar devido ao uso de diversos medicamentos também pode aumentar as chances de DRGE. - Episódios de refluxo ocorridos durante a noite, na posição supina, são duradouros e têm grande chance de causar lesão mucosa devido à diminuição do fluxo de saliva, que ocorre normalmente à noite, associada à falta de ação da gravidade. - Resistencia intrínseca do epitélio: - Defesa pré-epitelial: composta por muco, bicarbonato e água no lúmen do esôfago, formando uma barreira fisicoquímica, que é pouco desenvolvida no esôfago, quando comparada à mucosa gástrica e duodenal; - Defesa epitelial: junções intercelulares firmes que dificultam a retrodifusão de íons e substâncias tamponadoras intersticiais, como proteínas, fosfato e bicarbonato; - O defeito mais comum da resistência epitelial é o aumento da permeabilidade paracelular. - Outro constituinte do material refluxado, que tem sido correlacionado com maior agressividade para a mucosa do esôfago, é o conteúdo duodenal (bile e secreções pancreáticas), que atinge o estômago, através do piloro e, subsequentemente, chega ao esôfago. - Sintomatologia: - Sintomas típicos: - Os sintomas clássicos da DRGE são pirose (sensação de queimação retroesternal, ascendente em direção ao pescoço) e regurgitação (retorno de conteúdo gástrico, ácido ou amargo, até a faringe), de fácil reconhecimento. Esses sintomas devem estar presentes mais de 2 vezes por semana, com duração mínima de 4 a 8 semanas. - Ospacientes podem relatar alívio dos sintomas com uso de medicamentos antiácidos. - Estes sintomas são mais frequentes após as refeições ou quando o paciente está em decúbito supino ou em decúbito lateral direito. - Sintomas atípicos: 7 - A causa mais comum da dor torácica de origem esofágica é a DRGE, que pode ser indistinguível da dor de origem cardíaca. - O estímulo de quimiorreceptores da mucosa esofágica pelo refluxato desencadeia essa dor, visto que a inervação do esôfago e do miocárdio é a mesma. - Sintomas extraesofágicos: - Manifestações extraesofágicas pulmonares (tosse crônica, asma, bronquite, fibrose pulmonar, aspiração recorrente, dentre outras), otorrinolaringológicas (rouquidão, globus, roncos, pigarro, alterações das cordas vocais, laringite crônica, sinusite e erosões dentárias) estão associadas à DRGE, mas não são específicas. - A maioria dos pacientes com sinais e/ou sintomas extraesofágicos não apresenta sintomas típicos concomitantes. - Sinais de alarme: - As manifestações de alarme, que sugerem formas mais agressivas ou complicações da doença, são: odinofagia, disfagia, sangramento gastrointestinal, anemia, idade avançada, historia familiar de neoplasia do TGI e emagrecimento. - Diagnóstico: - Clínico: - A identificação dos sintomas cardinais da DRGE (pirose e regurgitação) permite um diagnóstico presuntivo da DRGE sem a necessidade da realização de outros exames complementares. - Dessa forma, é segura a instituição de tratamento clínico empírico. - pHmetria esofágica prolongada: - A pHmetria prolongada permite o diagnóstico da DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido gastresofágico anormal. - No entanto, cerca de 25% dos pacientes sabidamente portadores de esofagite apresentam um estudo de pHmétrico normal. - Endoscopia digestiva alta (EDA): - A endoscopia digestiva alta é o exame de escolha para avaliação das alterações da mucosa esofágica secundárias à DRGE, permitindo, além de sua visualização direta, a coleta de fragmentos esofágicos através de biopsias. - Indicações: excluir outras doenças ou complicações da DRGE, principalmente em pacientes com sintomas de alarme; pesquisar a presença do esôfago de Barrett (epitélio colunar associado à metaplasia intestinal substitui o epitélio escamoso normal que recobre o esôfago distal) em pacientes com sintomas de longa duração; avaliar a gravidade da esofagite; orientar o tratamento e fornecer informações sobre a tendência de cronicidade do processo. - Estudos radiológicos: - A cintilografia e o esofagograma (é um exame de raios X para avaliar o revestimento do esôfago) com bário são métodos radiológicos habitualmente utilizados na avaliação da DRGE e suas complicações. - Manometria esofágica: - Esse exame pode ser útil na avaliação da gravidade da DRGE, podendo prever sua gravidade ao demonstrar um ElE defectivo ou disfunção peristáltica. - Complicações: - Úlceras e sangramentos - Estenose péptica - Adenocarcinoma de esôfago (Barrett): A grande preocupação causada pelo esôfago de Barrett é a predisposição de suas células sofrerem alterações genéticas associadas ao adenocarcinoma. - Tratamento: - Medidas higienodietéticas: - É recomendável educar os pacientes a respeito dos fatores que podem precipitar episódios de refluxo, mas o emprego isolado destas recomendações não é suficiente para controlar de modo eficaz seus sintomas. - Fazer refeições pouco volumosas evitaria a distensão gástrica. - Ingerir alimentos nas três horas precedentes ao horário de deitar reduziria os episódios de refluxo na posição de decúbito. - Evitar a ingestão de chocolate a pressão do ElE diminui após a ingestão desse alimento. - Evitar a ingestão de suco de laranja e pimenta teria efeito irritativo direto na mucosa esofágica. - Evitar a ingestão de café e bebidas alcoólicas. - Estimular a perda de peso em pacientes obesos. - Evitar uso de tabaco. - Elevar a cabeceira da cama. 8 - Tratamento medicamentoso: - Inibidores da bomba de prótons: omeprazol, 20 mg; lansoprazol, 30 mg; pantoprazol, 40 mg; rabeprazol, 20 mg; e esomeprazol, 40 mg. - Antagonistas H2: cimetidina, ranitidina, farnotidina, nizatidina. Apesar de serem drogas seguras e bem toleradas, têm curta duração de ação (entre 4 e 8 h, conforme o regime empregado) e resultam em inibição incompleta da secreção ácida. Transtornos de motilidade esofágica - Os distúrbios motores do esôfago (DME) englobam condições nas quais a atividade motora normal do órgão está comprometida como consequência de alterações na sua musculatura ou na sua inervação, determinando dificuldade na progressão do conteúdo ingerido. - Tais distúrbios têm a disfagia como seu principal sintoma, além de regurgitação, dor torácica e pirose. - Os DME podem ser divididos topograficamente em dois grandes grupos, os distúrbios da musculatura estriada, quando são consequentes a alterações da faringe e/ou ESE, e os distúrbios da musculatura lisa, quando o acometimento se situa no corpo esofágico e/ou no EIE. - A disfagia pode ser orofaríngea quando a dificuldade está em iniciar a deglutição ou pode ser esofágica, quando há sensação de que os alimentos estão retidos de algum modo na passagem da boca para o estômago. - Tanto os distúrbios de musculatura estriada como os da musculatura lisa podem ser primários, quando a alteração motora esofágica é a própria manifestação da doença, e secundários, se a doença de base é sistêmica e o comprometimento esofágico é apenas uma de suas manifestações. - Disfagia orofaríngea: - Também pode ser denominada disfagia "alta" pela sua localização. - Os pacientes tem dificuldade de iniciar a deglutição e geralmente identificam a área cervical como a com problemas. - Sintomas frequentemente associados: dificuldade em iniciar a deglutição; regurgitação nasal; tosse; fala anasalada; redução no reflexo de tosse; engasgamento; disartria (distúrbio da articulação da fala) e diplopia (visão dupla); - Um diagnóstico preciso pode ser obtido quando há uma condição neurológica definida acompanhando a disfagia orofaríngea, como: hemiparesia após acidente vascular cerebral; ptose palpebral; sinais de miastenia grave; doença de Parkinson. - O diagnostico é dado por exame videofluoroscópico da deglutição, manometria ou EDA. - O tratamento baseia-se nas intervenções na causa base da disfagia que, frequentemente, é representada pelo tratamento das doenças associadas. - Disfagia esofágica: - Também pode ser denominada disfagia "baixa", referindo-se a uma provável localização no esôfago distal, mas deve-se observar que alguns pacientes com disfagia esofágica, como a acalásia, podem descrever disfagia na região cervical, mimetizando a disfagia orofaríngea. - Os três tipos de causas mais comuns de disfagia esofágica são: - Doenças da mucosa (intrínsecas), com estreitamento da luz do esôfago por inflamação, fibrose ou neoplasia. - Doenças mediastinais (extrínsecas), com obstrução do esôfago por invasão direta ou por linfonodomegalia. - Doenças neuromusculares que afetam a musculatura lisa esofágica e sua inervação, interrompendo a peristalse ou o relaxamento do esfíncter esofágico, ou ambos. Causas mais comuns de disfagia esofágica Corpos estranhos intraluminais (geralmente causam disfagia aguda) Doenças da mucosa • DRGE (estenose péptica) • Tumores esofágicos • Lesão cáustica (por exemplo, ingestão de desinfetante, esofagite medicamentosa, escleroterapia de varizes)• Lesão por radiação • Esofagite infecciosa Doenças mediastinais • Tumores (por exemplo, câncer pulmonar e linfoma) • Infecções (por exemplo, tuberculose e histoplasmose) • Cardiovasculares (dilatação atrial, compressão vascular) Doenças que afetam a musculatura lisa e sua inervação • Acalasia • Espasmo esofagiano difuso • Esclerodermia • Outros distúrbios de motilidade • Pós-cirúrgicas (por exemplo, após fundoplicatura) - Acalásia: - Envolve uma falha no relaxamento do EIE aliada a uma dismotilidade do corpo esofagiano. - Existe uma dificuldade de passagem do alimento pela transição esofagogástrica sem que haja uma verdadeira estenose orgânica ou compressão extrínseca. - A alteração patológica mais importante é observada nos plexos mioentéricos do esôfago e inclui uma reação inflamatória com a participação de linfócitos T, eosinófilos e mastócitos, perda de células ganglionares e um certo grau de fibrose. O resultado final dessas alterações inflamatórias consiste na perda seletiva de neurônios inibitórios pós- ganglionares contendo óxido nítrico e polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP), acarretando relaxamentos incompletos, ou mesmo a ausência de relaxamentos do esfíncter inferior do esôfago. 9 - A preservação da inervação excitatória colinérgica tem como consequência o aumento do tônus basal do esfíncter inferior do esôfago, outra característica desse distúrbio motor. - A aperistalse do corpo é consequência da perda do tempo de latência (período compreendido entre a deglutição e a ocorrência da peristalse), que possibilita a contrações sequenciais ao longo do corpo do esôfago, fenômeno mediado pelo óxido nítrico. - Pode ser idiopática, encontrada nos países europeus e na América do Norte, e de natureza chagásica, predominante nos países onde a doença de Chagas é endêmica, entre os quais o Brasil. A maioria dos autores nacionais usa o termo megaesôfago como sinônimo de AC de origem chagásica. - Os sintomas mais frequentemente relatados pelos pacientes são a disfagia para alimentos sólidos e líquidos, seguida pela regurgitação, dor torácica e pirose. - Diante da suspeita de acalasia, o primeiro exame a ser realizado deve ser o radiológico (esofagograma). Com esse exame, pode ser detectado trânsito lento do meio de contraste, retenção, megaesôfago e dificuldade de passagem pela transição esofagogástrica. Pode-se observar afilamento do terço distal do esôfago (imagem do bico de pássaro). - Uma vez realizado o exame radiológico com as alterações acima descritas, deve ser realizada endoscopia digestiva alta. O objetivo da endoscopia não é fazer o diagnóstico da doença motora, mas excluir possíveis condições patológicas associadas ao megaesôfago, como lesões da mucosa e neoplasias. - O exame manométrico é o mais indicado para a caracterização da doença motora do esôfago, e na acalasia tem como quadro característico o relaxamento o incompleto ou ausente do EIE e contrações simultâneas no corpo do esôfago. - Espasmo difuso do esôfago: - A dor torácica, semelhante àquela da angina de peito, é encontrada em diversas alterações de motilidade do esôfago. Muitas denominações são utilizadas para descrever a manifestação clínica: espasmo difuso, esôfago em quebra- nozes, hipertensão, entre muitas outras. - A alteração motora observada seria mediada por um defeito no reflexo deglutitivo inibitório ao longo do corpo do esôfago, possivelmente em decorrência da diminuição do óxido nítrico. - Os sintomas mais frequentes são a dor torácica recorrente, cujo padrão pode torná-la muito semelhante a uma angina cardíaca, e a disfagia. Ressalta-se que a dor torácica está associada com as refeições e muito raramente com os esforços físicos. A disfagia é do tipo intermitente e não progressiva, tanto para líquidos como para sólidos. - Uma vez presumido o diagnóstico e afastada a causa cardiológica, deve-se primeiro realizar a radiografia contrastada do esôfago. Com frequência, poderemos observar a alteração motora. Se não resultar positiva, ou para melhor caracterizar a dismotilidade, o exame de escolha é a manometria. - Na manometria, o espasmo difuso caracteriza-se pela presença de contrações síncronas em 20% ou mais das deglutições de água, alternadas com contrações peristálticas. - Esclerodermia: - Também conhecida como esclerose sistêmica progressiva, é uma desordem de pequenas artérias, microveias e tecido conjuntivo caracterizada por mudanças escleróticas da pele e fibrose degenerativa das vísceras. - Aproximadamente 90% dos pacientes com esclerodermia têm manifestações gastrointestinais. A área mais comum de envolvimento gastrointestinal é o esôfago, que está acometido em quase 90% dos pacientes. - O envolvimento esofágico é sintomático em mais de 50% dos casos e se caracteriza clinicamente por disfagia (inicialmente a alimentos sólidos, evoluindo lentamente até líquidos), podendo também cursar com perda ponderal, dor retroesternal e regurgitação. - O exame radiológico contrastado do esôfago revelou-se alterado em todos os pacientes com disfagia, predominando o retardo de clareamento esofágico e aspecto hipotônico tanto do corpo do esôfago quanto do EIE. - As complicações do envolvimento esofágico devem incluir refluxo gastroesofágico, esôfago de Barrett e úlceras pépticas. - Esofagite eosinofílica: - Esofagite eosinofílica é uma doença inflamatória primária crônica na qual ocorre infiltração de eosinófilos na mucosa esofágica. - Tem patogênese indefinida, porém há importante associação com doenças alérgicas e história familiar. - Os sintomas principais são disfagia e impactação de bolo alimentar, mas pode haver também pirose. - O diagnóstico é estabelecido através de endoscopia e análise histológica da mucosa esofágica. Síndromes Gástricas - Dispepsia: - A dispepsia é definida como dor e/ou desconforto (sensação Subjetiva não dolorosa que se caracteriza por peso epigástrico pós-prandial, e/ou saciedade precoce, e/ou náuseas, e/ou vômitos, e/ou plenitude gástrica, e/ou distensão abdominal), 10 persistente ou recorrente, localizado no andar superior do abdômen (epigástrico). - A dispepsia pode ser orgânica ou funcional. - Os pacientes com dispepsia orgânica apresentam alterações estruturais ou metabólicas que justificam a sintomatologia clínica. Portanto, quando as manifestações dispépticas são secundárias a uma causa específica, como, por exemplo, úlcera péptica, colelitíase, pancreatite, parasitoses intestinais ou neoplasias, considera-se como dispepsia orgânica. - Em uma parcela significativa de pacientes com sintomas dispépticos crônicos que se submetem a investigação clínica, bioquímica, endoscópica, ultrassonografia e radiológica, nenhuma doença orgânica, localizada ou sistêmica pode ser identificada, e não é possível o estabelecimento de um diagnóstico específico. Esses pacientes são considerados portadores de dispepsia funcional (também denominada dispepsia não-ulcerosa ou idiopática), que se constitui em um dos mais importantes e prevalentes distúrbios funcionais do tubo digestivo. - Dispepsia funcional – Critérios de Roma III: - Sinais de alarme: idade acima de 50 anos, emagrecimento, anemia, sangramento, mudança do calibre das fezes, massa palpável, disfagia, icterícia, vômitos, cirurgias prévias, sintomas sistêmicos, visceromegalias. - Helicobacter pylori: - Bactéria gram-negativa espiralada com múltiplos flagelos, descoberta em 1982 por Warren e Marshall. - Ela vive no muco que cobre a superfície do estômago,sendo que tem um tropismo tecidual específico para o epitélio gástrico, podendo ser encontrada em áreas de epitélio gástrico ectópico existente no duodeno e, ocasionalmente, no esôfago e no reto. - O homem é o único reservatório. - As maiores taxas de aquisição se encontram na infância. - A via de transmissão do H. pylori tem sido um dos assuntos mais estudados e controvertidos desde a redescoberta desta bactéria (18) e, embora até o momento não tenha sido totalmente estabelecida, dados sugerem que a transmissão de H. pylori ocorre por meio do contato inter-hospedeiros e pela ingestão de alimentos ou água contaminados. - Dentre as causas gerais da sua atual taxa de prevalência estão a falta de saneamento básico, de água potável, de higiene básica e a superpopulação, sendo aceitas como formas de transmissão as vias oral-oral (pelo vômito e refluxo gastroesofágico, contendo H.P.); fecal-oral (contaminação de alimentos por fezes com H.P.) e iatrogênica (material clínico contendo H.P. utilizado para procedimentos diagnósticos por via endoscópica). - As diferentes evoluções para gastrite, úlceras, adenocarcinoma ou linfoma MALT são atribuíveis à susceptibilidade do indivíduo, virulência da cepa, idade de aquisição da infecção, fatores genéticos, ambientais e possivelmente outros ainda não conhecidos. - Gastrites: - O termo gastrite indica a presença de lesão epitelial gástrica associada à regeneração da mucosa, obrigatoriamente na presença de inflamação. OBS: O termo gastropatia é atribuído ao achado de lesão e regeneração epitelial gástricas na ausência de inflamação. - Classificação das gastrites: - O sistema Sydney é a classificação mais utilizada e recomendada das gastrites, envolvendo aspectos histológicos e endoscópicos, descritos separadamente nas Divisões Histológica e Endoscópica. - Em ambas procura-se situar a topografia, bem como analisar a intensidade e a morfologia das áreas acometidas. - A divisão histológica determina a forma (aguda ou crônica – de acordo com as características do infiltrado inflamatório), topografia (antro, corpo ou pangastrite), característica (inflamação, atrofia, atividade, metaplasia, displasia, específica) e associação etiológica (Helicobacter pylori, outros fatores). - A divisão endoscópica determina a topografia (antro, corpo ou pangastrite), descrição morfológica (edema, enantema, friabilidade, erosões planas e/ou elevadas, nodulações, hiperplasia de pregas, exsudato, atrofia, visualização de padrão vascular, área de hemorragia) e, finalmente, a intensidade das alterações morfológicas (leve, moderada, intensa). - São etiologias o Helicobacter pylori e outras bactérias, fungos, parasitas, vírus, autoimune (incluindo vasculites), hipersensibilidade (glúten ou indeterminada), doença de Crohn, sarcoidose, medicamentos, eosinofilia, alergia alimentar, linfocítica, hipertrófica, dentre outras. - Gastrite crônica: - A H. pylori é o principal agente etiológico (mais de 95% das gastrites crônicas). 11 - Embora a presença do H. pylori evoque resposta imune local e sistêmica, a infecção, uma vez adquirida, persiste para sempre, sendo raramente eliminada espontaneamente. - O antro é tipicamente a primeira região a ser acometida, podendo às vezes predominar o comprometimento do corpo ou, mesmo, de todo o órgão (pangastrite). - A distribuição do H. pylori no estômago é importante, pois parece ser um indicador do padrão de evolução da gastrite. Assim, indivíduos com gastrite predominantemente antral terão secreção gástrica normal ou elevada graças à manutenção de mucosa oxíntica íntegra e poderão ter um risco aumentado para úlcera duodenal. - Indivíduos com gastrite acometendo de forma predominante o corpo do estômago terão secreção ácida reduzida, em consequência da destruição progressiva da mucosa oxíntica. Histologicamente, exibem alterações atróficas com tendências a progredir com o passar dos anos para metaplasia intestinal. Estima-se que a gastrite crônica do corpo gástrico, associada a atrofia acentuada, eleva de três a quatro vezes o risco de carcinoma gástrico, do tipo intestinal. - A gastrite crônica do antro associada a H. pylori é habitualmente uma condição assintomática, portanto, os sintomas dispépticos não estão associados a nenhum tipo de gastrite. Desta forma, o principal significado clínico da gastrite crônica associada ao H. pylori reside em sua estreita associação etiológica com a úlcera péptica duodenal (quando no antro) e com o carcinoma e linfoma gástrico (quando pangastrite). - Úlcera péptica gastroduodenal: - As úlceras pépticas constituem soluções de continuidade da mucosa gastrintestinal secundárias ao efeito corrosivo do ácido clorídrico (HCl) e da pepsina, estendendo-se através da muscular da mucosa, atingindo a camada submucosa e, mesmo, a muscular própria. - Lesões mais superficiais são definidas como erosões, não atingem a camada submucosa e, portanto, não deixam cicatrizes. - Podem se desenvolver em qualquer porção do trato digestório exposta à secreção cloridropéptica em concentração e duração suficientes, mas o termo "doença ulcerosa péptica" é geralmente empregado para descrever ulcerações do estômago, do duodeno ou de ambos. - A úlcera duodenal é a forma predominante de doença ulcerosa péptica, sendo cinco vezes mais frequente do que a úlcera gástrica, em 95% dos casos localiza-se na primeira porção do duodeno e incide na faixa etária de 30 a 55 anos de idade. - A localização mais frequente da úlcera péptica do estômago é na região de antro gástrico, em indivíduos entre 50 e 70 anos de idade. - Já foi observado que a produção de HCl está aumentada nos portadores de úlcera duodenal, e normal ou baixa, nos indivíduos com úlcera gástrica. - O aumento da secreção ácida pode ser explicado por três mecanismos: (1) aumento da população de células parietais; (2) maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina; e (3) menor sensibilidade da célula G, que produz a gastrina, aos mecanismos inibitórios. - O pepsinogênio, precursor da pepsina, também encontra-se elevado na maioria dos ulcerosos. - Além das alterações na produção de HCl e de pepsinogênio, a equação agressão/defesa da mucosa também deve ser lembrada. - A diminuição da capacidade de defesa da mucosa é importante, tornando-a mais vulnerável aos elementos agressivos. - O H pylori atuaria em ambos os lados dessa equação, diminuindo a disponibilidade endógena de prostaglandinas e do fator de crescimento epitelial, reduzindo a defesa da mucosa, além de aumentar a produção dos fatores agressivos. As prostaglandinas são responsáveis por estimular a produção de muco e de bicarbonato pelas células epiteliais, influenciam a hidrofobicidade do muco adjacente à superfície epitelial, regulam o fluxo sanguíneo da mucosa e a capacidade de replicação do endotélio. A redução dos níveis de prostaglandinas resultaria em sério comprometimento dos mecanismos de defesa da mucosa. O fator de crescimento epitelial é elemento essencial na reparação da mucosa. O comprometimento de sua produção significa redução na capacidade regenerativa da superfície epitelial. - O declínio na prevalência de úlcera péptica observado no século XX tem sido atribuído à redução das taxas de infecção pelo H. pylori, resultado da melhoria dos padrões de higiene e condições sanitárias urbanas. - Quadro clínico: - Em relação à sintomatologia da úlcera gastroduodenal, o conceito tradicional do padrão doloroso baseia-se na assertiva de que a acidez gástricaproduz dor e sua neutralização a alivia. - A dor epigástrica é do tipo em queimação, com ritmicidade, ou seja, com horário certo para o seu aparecimento, guardando íntima relação com o ritmo alimentar, ocorrendo duas a três horas após a alimentação ou à noite e cedendo com o uso de alimentos ou alcalinos. - Um fator discriminante importante é a ocorrência de dor noturna, acordando o paciente à noite, entre meia-noite e 3:00 da manhã. - Importante salientar ainda o caráter periódico da dor epigástrica, durando vários dias ou semanas, desaparecendo a seguir por semanas ou meses, para reaparecer meses ou anos depois, com as mesmas características anteriores. 12 - Úlcera duodenal: - Fisiopatologia: aumento da produção de ácido clorídrico e, consequentemente, da carga ácida ofertada ao duodeno. - 95% estão associadas ao H. pylori. - Dor localizada na região do epigástrio relatada como dor de fome, queimadura ou desconforto. - A ritmicidade é relação íntima da dor com a alimentação: a melhora da dor com a ingestão de alimentos é relativamente frequente nos portadores de UD (chamada de dor em três tempos: dói-come-passa). - Úlcera gástrica: - Fisiopatologia: alteração no mecanismo de proteção da mucosa. - 60 a 70% estão associadas ao H. pylori. - Em portadores de UG, a ingestão de alimentos às vezes piora ou desencadeia o sintoma (dor em quatro tempos: dói- come-passa-dói). - Menos responsiva a antiácidos. - Apresenta mais sintomas de anorexia e perda ponderal. - Outras causas de úlceras pépticas: - Uso de AINES: Os anti-inflamatórios não esteroides são hoje considerados uma causa estabelecida de úlcera péptica, podendo ocorrer após administração oral ou sistêmica das drogas e com praticamente todos os anti-inflamatórios até recentemente comercializados. Acredita-se que os AINES promovam lesão gastroduodenal por dois mecanismos independentes, ou seja, diretamente, por efeito tóxico direto, em nível epitelial, sobre os mecanismos de defesa da mucosa gastroduodenal, e sistemicamente, enfraquecendo os mecanismos de defesa através da inibição da ciclooxigenase, enzima chave na síntese das prostaglandinas. Sabe-se que as prostaglandinas E e A protegem a mucosa gástrica através de seus efeitos estimulantes sobre a produção de muco e secreção de bicarbonato, enquanto aumentam o fluxo sanguíneo mucoso e reduzem o turnover celular. OBS: Fatores de risco para pacientes usuários de AINES: antecedentes de úlcera, idade maior que 60 anos, presença de comorbidades, uso de altas doses de AINEs, associação com corticóides ou anticoagulantes, presença do H.pylori. - Síndrome de Zollinger-Ellison: é uma síndrome caracterizada por úlcera péptica de evolução tormentosa, hipersecreção acentuada de ácido pelo estômago e tumor pancreático de células não pertencentes a linhagem β das ilhotas pancreáticas. - Doença de Crohn - Adenocarcinoma gástrico - Complicações: - O sangramento é a complicação mais frequente da doença ulcerosa péptica, ocorrendo em torno de 15 a 20% dos casos, em sua maioria associados às úlceras duodenais. A doença ulcerosa péptica representa a causa mais comum de hemorragia digestiva alta, responsável por aproximadamente 50% dos casos. - As perfurações são complicações ainda mais graves, observadas em até 5% dos pacientes e responsáveis por dois terços das mortes por úlcera péptica. Ocorrem mais frequentemente na pequena curvatura gástrica e na parede anterior do bulbo duodenal. - Tratamento: - Objetivos: alívio dos sintomas, cicatrização das lesões, prevenção das recidivas e complicações. - Análogos das prostaglandinas: misoprostol; - Bloqueadores H2; - Inibidores da bomba protônica; - Erradicação do H.pylori Distúrbios de Absorção e Excreção – As síndromes Intestinais - Má-absorção intestinal: - Os termos "síndrome de má absorção" ou "síndrome disabsortiva" podem ser definidos como qualquer síndrome etiologicamente relacionada com alguma anormalidade na absorção pelo intestino delgado. - Considera-se a má digestão como resultante dos problemas concernentes à hidrólise do conteúdo luminal e má absorção ou disabsorção o impedimento ao transporte através da mucosa. 13 Entretanto, na prática clinica, má absorção é usada para descrever o resultado final de ambos os processos. - Quando um amplo espectro de nutrientes está envolvido, denomina-se pan má absorção ou pandisabsorção; e, se apenas um ou uma classe de nutrientes está implicado, má absorção seletiva ou específica. - A digestão e a absorção normais podem ser divididas em estágios sequenciais: hidrólise na membrana do enterócito; hidrólise e solubilidade luminais; absorção através da membrana do enterócito e processamento celular; captação do enterócito para o sangue e a linfa. Qualquer alteração que afete algum desses estágios pode levar à má digestão e/ou má absorção. - Assim, do ponto de vista fisiopatológico, as causas de má absorção podem ser divididas em condições clinicas associadas a: - impedimento da hidrólise luminal ou solubilização (órgãos da digestão): causas pré-epiteliais ou pré-entéricas; - impedimento da função da mucosa (hidrólise na mucosa, captação e empacotamento através do epitélio colunar): causas epiteliais ou entéricas; - impedimento à remoção dos nutrientes da mucosa (vasos linfáticos e estruturas ganglionares mesenteriais): causas pós- epiteliais ou pós-entéricas. - Causas pré-enterais: gastrectomias, anemia perniciosa, síndrome de Zollinger-Ellison, enterectomias em geral, pancreatopatias, deficiência de lactase, causas hepáticas, fibrose cística. - Causas enterais: enterectomias, doença celíaca, enteropatia por intolerância a proteínas alimentares, doença de Crohn. - Causas pós-enterais: linfagiectasias, linfomas, colagenoses (esclerodermia), linfadenites (tuberculose). - Sintomas clássicos: diarreia, esteatorreia, emagrecimento e desnutrição. - Sintomas mais discretos: distensão abdominal e flatulência. - Manifestação extra- intestinais: anemia ferropriva, perda óssea, hipodesenvolvimento pôndero-estatural, distúrbios da menstruação. - Diarreia: - A evacuação de fezes consistentes 1 a 3 vezes/dia ou até a cada 2 a 3 dias é considerada normal. - Diarreia consiste em alteração do hábito intestinal por diminuição de consistência das fezes e aumento da frequência e do volume das evacuações. - É também possível caracterizá-la como três ou mais evacuações pastosas e/ou líquidas ao dia, com peso fecal diário superior a 200g. - O intestino delgado recebe, aproximadamente, 10L de líquidos por dia (ingesta, secreções de saliva, gástrica, biliar, pancreática e intestinal), absorve cerca de 6L no jejuno e 2,5L no íleo. O cólon recebe do delgado em torno de 1,5L, e apenas 100 mL são eliminados nas fezes. A capacidade absortiva total do cólon é de 4 a 5L/24 h e, quando essa quantidade é ultrapassada, surge a diarreia. - O principal mecanismo pelo qual a água é absorvida e secretada se faz segundo o gradiente osmótico criado pelo transporte ativo do sódio. - Muitos microrganismos alteram o equilíbrio de absorção e secreção no intestino delgado e são capazes de provocar diarreia. Alguns produzem enterotoxinas que ativam o mecanismo secretor e outros, por alterarem as vilosidades, prejudicam a absorção. - No íleo distal e cólon, a diarreia é causada principalmente por invasão e destruição do epitélio, que resulta em ulceração, infiltração da submucosa com eliminação de soro e sangue. Além disso, podemestimular resposta inflamatória local, que resulta na produção de vários secretagogos, como as prostaglandinas e interleucinas, e contribuem para a perda de líquidos para o lúmen intestinal. - Classificação: - Aguda: duração de até 15 dias – 90% dos casos é de causa infecciosa - Persistente: 15 a 30 dias - Crônica: mais de 30 dias - Alta: originada no intestino delgado - Baixa: originada no intestino grosso - Mecanismos fisiopatológicos: - Diarreia secretora: resulta da hipersecreção de água e eletrólitos pelo enterócito, como ocorre pela ação das enterotoxinas bacterianas. Pode também resultar da produção excessiva de hormônios e outros secretagogos (gastrinoma, cólera pancreática, insuficiência adrenal e hipoparatireoidismo). - Diarreia Osmótica: o processo da digestão determina fisiologicamente a transformação do conteúdo intestinal em material isosmótico. Distúrbios da digestão presentes nas deficiências de dissacaridases, que mantêm um conteúdo hiperosmolar, determinam a passagem de líquidos parietais para o lúmen intestinal e, consequentemente, diarreia. O mesmo pode acontecer pela ingestão de agentes osmoticamente ativos como a lactulose, o manitol, o sorbitol e os sais de magnésio. Outras causas: giárdiase. - Diarreia Motora: resulta de alterações motoras com trânsito intestinal acelerado, como ocorre nas enterocolopatias funcionais ou doenças metabólicas e endócrinas. Outras causas: uso de laxantes, síndrome do intestino irritável. 14 - Diarreia Exsudativa/Inflamatória: decorre de enfermidades causadas por lesões da mucosa resultantes de processos inflamatórios ou infiltrativos, que podem levar a perdas de sangue, muco e pus, com aumento do volume e da fluidez das fezes. É encontrada nas doenças inflamatórias intestinais, neoplasias, shigelose, colite pseudomembranosa, linfangiectasia intestinal. - Diarreia Secretora: causada por transporte anormal de íons pelas células do epitélio intestinal. Pode ocorrer por secreção ativa ou por absorção diminuída de íons e água. Principais causas: infecciosas (virais – Vibrio cholerae, bacterianas – Escherichia coli, Staphylococcus aureus), laxativo (ressecção intestinal, hipertireoidismo, doenças do colágeno, síndrome da cólera pancreática, defeitos congênitos de absorção, má absorção de sais biliares, má absorção de ácidos graxos). - O aspecto das fezes pode sugerir o mecanismo fisiopatológico. Assim, diarreia com número relativamente baixo de evacuações (em geral não ultrapassando 3x/dia), com fezes amolecidas, em grande volume, de caráter explosivo, claras, gordurosas, sem pus ou sangue, e com mau cheiro levam a pensar em doença de intestino delgado e má absorção. Podem aparecer restos alimentares. - Diarreia associada a muco, pus ou sangue, e com número de evacuações superior a 5 evacuações/dia, com menor volume de cada vez, acompanhada de urgência e tenesmo, sugere doença de colo distal e reto. O comprometimento do estado geral é menor. - Dor abdominal: - Semiologia: localização, irradiação, intensidade, modo de início, variações cronológicas, fatores de melhora e piora, manifestações associadas. - Dor somática ou parietal é a dor resultante da ativação de nociceptores presentes nas estruturas que compõem a parede abdominal e o peritônio parietal. A dor é aguda, bem localizada, intensa e incomodativa. - Dor visceral é a sensação dolorosa resultante da estimulação dos nociceptores presentes nos diferentes órgãos na musculatura lisa e no peritônio visceral. Os mecanismos neurológicos envolvidos na dor visceral diferem substancialmente daqueles envolvidos na dor somática. A dor visceral tem caráter surdo e é de localização pouco precisa. - Não está presente em todas as vísceras – o fígado, rins, a maioria dos órgãos sólidos e o parênquima pulmonar não são sensíveis à dor. - Nem sempre está ligada a lesão visceral (cortar o intestino não provoca dor, distender a bexiga provoca dor sem lesão). Muitas vísceras são inervadas por sensores que não evocam uma percepção consciente, tendo outra função. - É difusa e mal localizada porque, no SNC, não existe uma via sensorial visceral separada das vias somáticas, e há também pequena proporção de fibras sensoriais, se comparadas às somáticas. - É referida para outras regiões. - Acompanha-se de reflexos autonômicos e motores, tais como náusea, vômitos, contratura muscular de defesa, etc. - Dor referida: - A dor desencadeada em uma víscera pode, algumas vezes, ser percebida como originada em local distante do órgão afetado. - A explicação para esse fenômeno é que a fibra nervosa aferente visceral entra na medula, compartilhando com as fibras aferentes somáticas as mesmas regiões do corno posterior, onde os impulsos serão modulados e ativarão as mesmas vias ascendentes que conduzem os estímulos para o cérebro. - O número de fibras somáticas e a quantidade de impulsos aferentes somáticos são muito maiores do que os viscerais; desse modo, o cérebro tende associar a estimulação provocada em uma víscera como a fonte somática de estímulo. - A dor referida está usualmente localizada nos dermátomos cutâneos, que compartilham o mesmo nível medular de entrada dos estímulos da víscera afetada. - A dor referida apresenta-se como um dolorimento e é percebida superficialmente, e também podem estar associados hiperalgesia cutânea e aumento do tônus da musculatura abdominal. - Ex de dor referida: inflamação da vesícula é percebida como dor na escápula. OBS: Dor irradiada: é produzida pelo estiramento, torção, compressão ou irritação de uma raiz espinhal, central ao forame intervertebral. Suas características são de uma dor aguda e muito intensa, que quase sempre se inicia em uma região central, próxima à coluna, e se dirige para uma parte da extremidade inferior. Seu melhor exemplo é a compressão da 4ª e da 5ª raízes lombares e 1ª raiz sacral por uma hérnia de disco intervertebral, produzindo a dor ciática. Ela se estende caudalmente através da parte posterior da coxa, ântero-lateral e posterior da perna até o pé. - Constipação intestinal: - Defecação insatisfatória caracterizada por reduzido número de evacuações e dificuldade para evacuar, pelo menos nos últimos 3 meses. A mencionada dificuldade para evacuar inclui: fezes endurecidas ou em cíbalos; necessidade de esforço para evacuar; sensação de evacuação incompleta; sensação de obstrução anorretal; ou necessidade de usar manobras manuais para facilitar a evacuação. - A mucorréia pode ser um sintoma de constipação intestinal. 15 - Fisiologia da evacuação: chegada do bolo fecal ao reto reflexo inibitório reto-anal relaxamento involuntário do EAI percepção da presença e do tipo de material fecal aumento das pressões intra- abdominal e intrarretal relaxamento do EAE relaxamento dos músculos do assoalho pélvico retificação do reto gradiente de pressão reto-anal adequado eliminação do material fecal recuperação do tônus muscular fechamento do canal anal. - Causas: - Fatores ligados ao estilo de vida: dieta pobre em fibras, pouca ingesta hídrica, negligência no reflexo da evacuação. - Fatores psicológicos: depressão, abuso físico e sexual. - Distúrbios endócrinos e metabólicos: diabetes, hipotireoidismo, hipopotassemia, hipomagnesemia, hipercalcemia. - Lesões estruturais: tumores, estenoses, doenças anorretais, prolapso retal. - Causas neurológicas: lesões da medula espinhal, esclerose múltipla, doença de Parkinson, AVC, doença de Chagas, doença de Hirschsprung- Causas miopáticas: esclerose sistêmica, amiloidose. - Medicamentos: analgésicos opióides, antiespasmódicos, suplementos de ferro, cálcio, antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores. Testes de Função Hepática - Funções do fígado: - O fígado realiza múltiplas funções metabólicas, produz a secreção biliar, promove a detoxificação e o armazenamento de várias substâncias. - Função de síntese: a síntese e metabolismo de vários nutrientes como carboidratos, lípides, proteínas e enzimas são realizados pelo hepatócito. - Função de excreção e detoxificação: várias substâncias endógenas e exógenas são catabolizadas e eliminadas pelo fígado. O colesterol e os pigmentos biliares são excretados na bile, onde também ocorrem o metabolismo e a eliminação de muitas drogas. Já a amônia, derivada do metabolismo de aminoácidos ou de bactérias intestinais, é transformada em ureia, substância não tóxica, e eliminada na urina. Outros metabólicos, como os hormônios esteróides, também podem ser inativados no fígado e excretados na urina. - Funções de armazenamento: O fígado armazena várias substâncias. tais como ferritina, glicogênio, ácido fólico e vitaminas, principalmente as lipossolúveis (A, D, E e K) e do complexo B (B12). - Formação e secreção de bile: o fígado é o local da produção da bile. Liberada do hepatócito, ela flui pelos canalículos biliares, ductos biliares, ducto hepático comum, chegando à vesícula biliar, onde é armazenada. E uma secreção aquosa composta de pigmentos e sais biliares, fosfolipídios e colesterol e participa, no intestino delgado, do processo de digestão dos lipídios da alimentação. A bile é também, a via de excreção da bilirrubina, produto final da degradação da hemoglobina ou, mais especificamente, do heme. - Metabolismo da bilirrubina: - As hemácias senescentes, após sua vida de 80-120 dias, são destruídas principalmente no baço, por ação do sistema mononuclear fagocitário, denominação atuaI do sistema retículo endotelial (SRE). - A globina, separada do heme, por ser a parte protéica da molécula, é quebrada em aminoácidos que serão reutilizados no organismo para síntese protéica. - O anel tetrapirrólico formador do heme é rompido, transformando-se em biliverdina e, posteriormente, em bilirrubina. Outras fontes de menos importância em condições fisiológicas são a destruição de hemácias imaturas na medula e catabolismo de outras porfirinas como citocromo C e mioglobina. - Após a produção nos tecidos periféricos, a bilirrubina é transportada para o fígado ligado à albumina, sendo denominada bilirrubina não conjugada (BNC) ou bilirrubina indireta (BI). Por ser insolúvel em água e estar ligada à albumina, não é detectada na urina nos testes laboratoriais. - Chegando ao hepatócito, a BNC é captada e conjugada com ácido glicurônico nos microssomos hepáticos, pela ação da enzima glicuronil transferase. - O produto dessa reação, constituído por monoglicuronato (15%) e diglicuronato (85%) de bilirrubina, é denominado bilirrubina conjugada (BC) ou bilirrubina direta (BD). - A BC é transportada para os canalículos biliares e excretada na bile. Sua estrutura molecular a torna solúvel em água, sendo livremente filtrada nos rins e podendo ser detectada na urina nas situações em que há elevação da BD no sangue. 16 - Prosseguindo o seu metabolismo, no intestino a BD sofre a ação das bactérias da microbiota e transforma-se em urobilinogênio, que é espontaneamente oxidado para urobilina, estercobilina e mesobilina. Esses pigmentos são excretados nas fezes, dando sua coloração marrom característica. - Uma fração de urobilinogênio é reabsorvida pela circulação êntero-hepática, sendo captada pelo hepatócito e novamente excretada para a bile. Havendo excesso da produção desse pigmento biliar (hemólise) ou incapacidade do hepatócito em captá-lo (lesão hepática), observa-se aumento do urobilinogênio reabsorvido no sangue com consequente aumento da eliminação deste na urina. Metabolismo das bilirrubinas. Bl - Bilirrubina indireta, BD - bilirrubina direta, Alb - Albumina, L - ligandina, REL - retículo endoplasmático liso, MGB e DGB - monoglicuronato e diglicuronato de bilirrubina, UDP - uridina difosfato. - As hepatopatias evoluem, frequentemente, com distúrbio em alguma dessas etapas, ocasionando a elevação desse pigmento no sangue e a icterícia. - Doenças hepáticas: - Distúrbios do metabolismo da bilirrubina; - Hiperbilirrubinemia; - Hepatite viral (A, B, C, D e E); - Hepatites agudas e crônicas; - Doença hepática alcoólica; - Cirrose: fibrose com regeneração da lesão hepática crônica; - Doenças hepáticas colestáticas: cirrose biliar primária, colestase induzida por drogas, cálculos biliares; - Tumores hepáticos: carcinoma hepatocelular. - Manifestações clínicas: - Icterícia - Hipertensão portal - Distúrbios da hemostasia - Enzimas liberadas por lesão hepática - Exames laboratoriais na abordagem das hepatopatias: - Diante da multiplicidade de exames disponíveis para investigação das hepatopatias e visando a facilitar a indicação, a interpretação e a racionalização desses, os mesmos podem ser agrupados de acordo com a disfunção hepática por eles detectada: - lesão hepatocelular; - disfunção de síntese hepática; - disfunção de excreção e detoxificação do fígado. - Testes para avaliação de lesão hepatocelular: - Os testes mais indicados com esse objetivo são as dosagens das enzimas hepáticas. Por sua localização no citoplasma e nas mitocôndrias, sua elevação no sangue ocorre quando há extravasamento celular devido à lesão ou necrose do hepatócito. - As enzimas relacionadas nesse grupo são: alanina aminotransferase (ALT); aspartato aminotransferase (AST); desidrogenase lática (LDH). - Aminotransferases: - Também conhecidas como transaminases, são enzimas que catalisam a transferência de grupo alfa-amino de um aminoácido para alfa-cetoácido. - Além do fígado, também estão presentes em outros tecidos, tais como miocárdio, musculatura estriada esquelética, rins, pâncreas, sistema nervoso central e hemácias. - Doenças que podem cursas com elevação das aminotransferases séricas: hepatopatias (hepatite aguda e crônica, cirrose, doenças hepatobiliares), miocardiopatias, doenças do pâncreas, doenças musculares, alcoolismo, outras doenças não hepáticas com repercussões no fígado (diabetes, obesidade, hemocromatose, doença celíaca, AIDS, hipertireoidismo, deficiência de alfa 1-antitripsina, etc). - Aspartato aminotransferase (AST): - Anteriormente denominada transaminase glutâmica oxalacética (TGO), esta enzima promove a seguinte reação: acido glutâmico + ácido oxalacético ↔ ácido α- cetoglutárico + aspartato - Nos hepatócitos, cerca de 70% da AST são originados do citoplasma (microssomos) e 30% das mitocôndrias. - A AST apresenta meia-vida curta de 17 horas e está presente em outros tecidos, como músculos cardíacos e esqueléticos, rins, pâncreas e hemácias. - Alanina aminotransferase (ALT): - Anteriormente denominada transaminase glutâmica pirúvica (TGP). Esta enzima promove a seguinte reação de transaminação: ácido glutâmico + ácido pirúvico ↔ ácido α- cetoglutárico + alanina 17 - Está presente em elevada quantidade no fígado, sendo por isso mais específica para diagnóstico de agressão hepática em relação ao AST e localiza-se exclusivamente no citoplasma (microssomos). - Seu tempo de meia-vida é mais longo, de 47 horas, permanecendo mais tempo alterada após o danocelular agudo em relação ao AST. - Nas hepatites agudas, está muito elevada, embora isso não indique mal prognóstico. Sua atividade sérica encontra-se moderadamente aumentada na colestase e em processos hepáticos crónicos (hepatite crónica e cirrose). - Embora seja mais específica para o fígado em relação ao AST, pode haver elevação de ALT em miopatias graves. - Principais causas de aumento: hemólise, exercício físico intenso previamente à coleta, etilismo, uso de fármacos hepatotóxicos: azitromicina, aminoglicosídeos, captopril, cefalosporinas, fluoroquinolonas, penicilina, piroxican, sulfas, interferon e ervas chinesas. - Principais causas de diminuição: uso de vitamina C formaldeído, leucina, Metronidazol, dopamina, metildopa, ciclosporina, alopurinol, progesterona, uremia, deficiência de vitamina B6. - Razão AST/ALT: - Habitualmente, em lesões agudas (hepatite viral, tóxica, medicamentosa), há aumento da permeabilidade dos hepatócitos ou necrose celular, com predomínio de ALT em relação ao AST. - Por outro lado, em lesões crônicas (hepatite alcoólica, cirrose hepática), nas quais, além da membrana celular, há lesão mitocondrial, ocorre predomínio de AST em relação à ALT. - Nas hepatopatias alcoólicas esses índices são mais expressivos. OBS: ALT > AST: lesão mais extensa e menos profunda; AST > ALT: maior gravidade da lesão - lesão mais profunda. - Desidrogenase lática ou lactato desidrogenase (LDH ou LD): - No fígado, essa enzina participa na gliconeogênese e na síntese de glicogênio a partir do lactato. - A LDH total dosada é resultante da combinação de cinco isoenzimas: LD1, LD2, LD3, LD4 e LD5. - Praticamente todos os órgãos do corpo humano, incluindo o fígado, apresentam essa enzima. Entretanto, a distribuição e a produção dessas isoenzimas variam para cada órgão individualmente. - O fígado é o órgão que apresenta o maior predomínio de LD5 e, portanto, nas lesões hepáticas, a LDH irá se elevar principalmente à custa dessa isoenzima. - Principais causas de aumento: hemólise, exercício físico intenso previamente à coleta, linfomas, leucemias, hipóxia, doenças respiratórias, infarto agudo do miocárdio, anemia hemolítica, etilismo, uso de amiodarona, esteróides, anabolizantes, gentamicina, nitrofurantoína, metotrexate, ácido valpróico. - Principais causas de diminuição: uso de anticonvulsivantes e oxalatos. - Testes para avaliação da disfunção de síntese hepática: - A avaliação da síntese hepática é realizada na prática clínica pela dosagem de: proteínas séricas (proteína total. albumina e globulinas); e tempo de protrombina. - Dosagem de proteínas séricas: - Tendo em vista que o hepatócito é a principal célula produtora de proteínas no organismo humano, em especial a albumina, a quantificação laboratorial da proteína sérica total e suas frações, albumina e globulinas, são indicadas para avaliar disfunção da síntese hepática. - Proteína total: - Entende-se por proteína total do soro a soma da albumina e globulinas. - Pode ser dosada mais comumente por métodos colorimétricos, podendo ainda ser utilizados métodos imunométricos (nefelometria, turbidimetria) ou eletroforéticos. - Valor de referência: a concentração plasmática de proteínas totais é dependente da idade e da postura do indivíduo. - Método: eletroforese de proteínas - esse método permite o fracionamento da proteína total em albumina e nas frações de globulinas. Na eletroforese convencional (pH = 8,6), as proteínas totais são separadas em cinco faixas. Na eletroforese capilar, separa-se ainda a faixa beta em duas: beta 1 (transferrina e hemopexina) e beta 2 (complemento C3). 18 - A eletroforese de proteínas nas hepatopatias apresenta alguns padrões característicos, mas não específicos. - A diminuição da fração albumina ocorre em hepatopatias crônicas. - A elevação das gamaglobulinas, quando não associada a outras condições inflamatórias crônicas, pode ser um bom indicador de doença hepatocelular. - Albumina: - Entre as diversas proteínas séricas, aquela que mais reflete a disfunção de síntese do hepatócito é a albumina. - Em condições fisiológicas, cerca de 10g são sintetizados diariamente. - É a proteína sanguínea mais abundante, perfazendo aproximadamente 2/3 das proteínas totais. - Suas principais funções são transporte e manutenção da pressão oncótica e do volume plasmático. - Apresenta meia-vida de 15 a 19 dias e por isso é pouco sensível para doenças agudas, mas a hipoalbuminemia é achado frequente nas doenças crônicas do fígado. - Embora seja sintetizada exclusivamente pelo hepatócito, sua concentração sérica pode encontrar-se reduzida em diversas situações clínicas, sem que haja, necessariamente, comprometimento hepático, como ocorre em processos inflamatórios agudos. - Assim, a albumina pode ser considerada uma proteína de fase aguda negativa (proteínas que têm sua concentração diminuída pela inflamação). - Principais causas de aumento: desidratação, iatrogenia (reposição endovenosa exagerada de albumina). - Principais causas de diminuição: hemólise, uremia, lipemia, gravidez, uso de estrógenos e anticoncepcional oral, aumento da volemia (hiperidratação venosa), aumento da perda (síndrome nefrótica, doenças gastrointestinais); diminuição da produção (hepatopatias crônicas, etilismo e uso de fármacos hepatotóxicos: ibuprofeno, tamoxifeno, ácido valpróico, isoniazida). - Globulinas: - Correspondem à soma das proteínas séricas: gamaglobulinas, globulinas alfa e beta. - As gamaglobulinas (imunoglobulinas) são sintetizadas pelo linfócito B e as globulinas alfa e beta pelo hepatócito. - Apresentam-se aumentadas em várias hepatopatias em resposta ao processo reacional inflamatório ou à disfunção de produção hepática. - Por meio de métodos de fracionamento (eletroforese e imunoeletroforese) é possível detectar as alterações mais características. - Fatores de coagulação – tempo de protrombina (PT): - O fígado tem função central na síntese dos fatores de coagulação. - Assim a determinação do TP, que depende dos fatores I, II, V, VIl e X sintetizados no fígado, é utilizada nas hepatopatias para avaliação da disfunção de síntese do hepatócito. - Por terem vida média rápida, avaliam a disfunção hepática tanto nos processos agudos como nos crônicos. Entretanto, nem toda elevação do TP indica, necessariamente, disfunção hepática. - Para a adequada síntese desses fatores, exceto o I (fibrinogênio), além da viabilidade do hepatócito, também deve haver adequada disponibilidade da vitamina K, sendo, por isso, chamados de "fatores dependentes da vitamina K". A carência dessa vitamina lipossolúvel, que normalmente é absorvida pela ação da bile, também pode alargar o TP. - Para diferenciar se o alargamento do TP é de causa biliar (deficiência de vitamina K) ou por lesão hepatocelular, excluindo-se as coagulopatias primárias, administra-se a vitamina K (injetável - 10mg/dia) e repete-se o TP após 24 e 48 horas. 19 - A persistência do TP aumentado mesmo após a oferta de vitamina K corrobora a suspeita de disfunção do hepatócito. - Testes para avaliação da disfunção da excreção hepática: - O conjunto de testes utilizados para avaliar a excreção e detoxificação hepática é a dosagem de: bilirrubinas (total (BT), conjugada (BC) ou direta (BD), não conjugada (BNC) ou indireta (BI)); pigmentos biliares; enzimas indicadoras de colestase. - Dosagem
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