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Semiótica Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Elvair Grossi Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Princípios lógicos da Semiótica contemporânea • Princípios lógicos da Semiótica contemporânea • Semiótica lógica • A semiótica da era medieval • O modelo de signo diádico (séculos XVII-XVIII) – semiótica racionalista • Semiologia e semiótica (Saussure/Peirce) • O signo em Peirce · Relacionar áreas do conhecimento filosófico e distinguir seus formalismos e suas relações com as teorizações da lógica contem- porâneas. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta unidade, daremos início aos estudos de um importante ramo da ciência, a Semiótica. Considerada a ciência dos signos, a ciência de toda e qualquer linguagem. Para entender as suas diversas aplicações, principalmente o estudo dos signos e como eles se relacionam, é preciso um olhar mais verticalizado e situar no tempo e no espaço as ações processuais que possibilitaram a constituição desse enorme campo do saber. Para que você embarque nessa viagem de conhecimento, aprendizagem e compreensão do assunto apresentado, leia com atenção o conteúdo desta unidade e os materiais complementares, assista aos vídeos indicados e procure conhecer as referências bibliográficas. ORIENTAÇÕES Princípios lógicos da Semiótica contemporânea UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea Contextualização Atualmente, as formas de comunicação e todo o processo de aquisição e incorporação de linguagem vêm progredindo de forma acelerada. É possível verificar que a vida moderna é regrada por artefatos tecnológicos de ponta de diversas naturezas que, além de povoarem todo o universo da vida contemporânea, promovem, a cada dia de nossas vidas, um aumento significativo de palavras, consequentemente, um aumento de novas mensagens, novos sentidos, novas formas de se comunicar e novos significados. Nesta esfera de suma importância, até mesmo para a sobrevivência, a Semiótica, como ciência que interroga e analisa objetos existentes no mundo, sobretudo o estudo dos signos, tem um expressivo lugar e uma relevante contribuição. Pois ela procura estudar e entender todos os processos de comunicação, como eles são feitos, quais são os seus sentidos, quais são os seus efeitos na vida do homem e no quadro da vida social. Para isso, é preciso entender essa unidade e estudá-la a fim de adquirir uma percepção e assimilar as questões pelas quais se deu a constituição de uma ciência que hoje fornece material para entender os fenômenos pós-modernos da língua e da forma de se estabelecer uma comunicação. 6 7 Princípios lógicos da semiótica contemporânea As fronteiras entre a semiologia, as linhas semióticas, a lógica, a filosofia analítica e a filosofia da linguagem Para falar da Semiótica, assim como conceituá-la na ordem do dia, não basta apenas recorrer à etimologia da palavra ou pontuar uma simples definição. É preciso, além de buscar um horizonte mais amplo, menos limitado, entender a sua aplicabilidade, a sua relação no contexto atual e na prática do nosso dia a dia. Também é válido dizer que, se fossemos, a fim de verificar as fronteiras, identificar as linhas divisórias entre a semiologia, a semiótica, a lógica, a filosofia analítica e a filosofia da linguagem, não seria possível chegar a um único viés conceitual, a uma linha singular para cada uma dessas áreas do conhecimento. Isso porque, mesmo que essas disciplinas tenham seus constructos teóricos amplamente enviesados, o que é muito natural no estudo da ciência, elas estão interligadas, pois, em algum momento, seja no fomento, na mobilidade ou nas articulações conceituais de uma pesquisa, há notórias transgressões. Ou seja, as áreas se cruzam numa notável relação híbrida e, por serem intercambiáveis, asseguram a vitalidade e a riqueza de todos os campos de exploração do conhecimento. Esse é um fator determinante para entender a semiótica, pois a semiologia, a matemática, a lógica, a filosofia analítica, a filosofia da linguagem etc. são eixos do conhecimento que se cruzam e fornecem uma base dinâmica para contemplar as investigações científicas. Entretanto, é preciso entender que essa linha de raciocínio, ou seja, essa forma de abordagem e todas essas relações não procuram delimitar uma determinada semiótica, muito menos especificar o seu precursor ou seu teórico. Pelo contrário, a intenção, neste primeiro momento, é compreender a semiótica na sua amplitude, bem como entender não só as suas fronteiras, mas, principalmente, verificar como se deu a sua evolução. Semiótica lógica A semiótica, postulada no mundo grego, procurou por uma identidade entre linguagem e pensamento. Estudos da semiótica na esfera platônica e aristotélica foram objeto de controvérsia entre estoicos e epicuristas, mas tudo isso possibilitou uma larga contribuição no campo do debate de ideias. Por exemplo, na Antiguidade, Platão (427 a.C.-347 a.C.) foi considerado o primeiro pensador a organizar a estrutura triádica do signo, pois, no diálogo Crátilo (ou Justeza dos Nomes), ele sistematizou essa relação com a denominação de “nome”, “ideia” e “coisa”. Crátilo, mestre de Platão e discípulo de Heráclito, propunha que os nomes fossem atribuídos aos seres por convenção, doutrina que era estabelecida em Atenas no V século a.C. (PLATÃO. Crátilo. Tradução Palmeira, Dias, Livraria Sá Costa Ed. 1994 p. LXIX) Ex pl or 7 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea Platão Fonte: Wikimedia Commons Aristóteles Fonte: Wikimedia Commons SIGNO NOME IDEIA COISA Afirmando que a verdade dita por palavras, mesmo que esta denote certa semelhança com as coisas às quais se reportam, seria sempre inferior ao conhecimento direto, não intermediário, das coisas. Essa observação de Platão permite inferir que o mundo das ideias é apenas um mundo convencional, um mundo de representações, pois, segundo ele, as palavras são independentes dessas representações. Platão, com esse modelo, já no século IV a. C, prenunciava as bases do que seria, bem mais tarde, denominado semiótica. Avançando um pouco mais no tempo, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), veio complementar o modelo platônico com uma linha de análise mais objetiva, fundamentava a teoria dos signos no eixo da lógica e da retórica, o que lhe permitiu estabelecer uma distinção entre signos incertos (semeîon) e signos certos (temérion). Sendo que, para os signos incertos, ele os denominou como aquele grupo de signos que não apresentaria nenhuma relação ou definição clara, por possuir uma extensa diversidade de significados; já os signos certos, seria o grupo dos signos que apresentaria apenas uma significação. Na verdade, Aristóteles tinha como preocupação, naquele momento, edificar uma linha de estudos por meio de um encadeamento lógico, para isso, conceituou o signo como uma relação de “implicação das verdades lógicas”, onde: [ (“a” implica “b”); (“a” é condição suficiente para “b”). (Para que “a” é necessário que “b”); (b é condição necessária para “a”). (Se “a”, também “b”); (“b” cada vez que “a”); (“b” se “a”); (“b” sempre que “a”) ]. Ou seja, “a” atua como signo de “b”, o que lhe possibilitou conferir a ideia 8 9 de o signo como uma premissa que conduz a uma conclusão. Esse modelo descrito por Aristóteles remonta à questão do “argumento” , cuja função das premissas é possibilitar o caminho da conclusão. Portanto, a partir de várias linhas de estudo e desenvolvimento das implicações, Aristóteles apresenta um modelo lógico, ou seja, seu modelo de signo linguístico é concebido de forma composta. Primeiramente, ele nomeia o signo linguístico de “símbolo”, symbolon, e, em seguida, o definiu como sendo signo convencional das “afecções” da alma pathémata; depois, detalhou essas afecções e estabeleceu-os comosendo “retratos” das coisas, prágmata. SIGNO SYMBOLON Convenção Afecção Retrato PATHÉMATA PRÁGMATA Desta forma, verifica-se que o modelo de signo, para Aristóteles, também é triádico. Esse modelo triádico de composição do signo atravessa séculos e vai ganhando cada vez mais contornos, cada linha de pensamento possibilita mais aprimoramento com novos relevos. Tudo isso vai se consubstanciando, mas sempre mantendo o foco triádico do modelo platônico e aristotélico como, por exemplo, acontece como os estoicos (300 a.C.-200 d.C.), que retoma o modelo platônico e aristotélico e instaura o signo em três componentes básico: semaínon, o “significante”; semainómenon ou lékton, corresponde à “significação” ou ao “significado” e, finalmente, o tygchánon, o “objeto”. Nesse modelo, percebe-se que a teoria dos estoicos está intrinsecamente relacionada à lógica, ou seja, interpretam a cognição de um signo a partir do desenvolvimento silogístico. SIGNO SEMAÍON (significante) (significação) (objeto) SEMAINÓMENON TYGCHÁNON Diferentemente dos epicuristas (século IV a.C.), que propuseram uma forma diádica de estudar o signo, pois entendiam que o significado imaterial do signo, semainómeno, não poderia ser considerado como um componente semiótico do signo. Com isso, rompe com a tradição platônica, aristotélica e instaura-se um processo diádico. Uma vez que considerava, como a origem das imagens, apenas o objeto físico, ou seja, no processo de cognição do receptor, os átomos icônicos reaparecem numa nova imagem denominada por eles de fantasia, representando apenas os dois componentes do signo. Epicurismo é um sistema criado, no século IV a. C, pelo fi lósofo ateniense Epicuro de Samos. Ex pl or 9 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea SIGNO SEMAÍON (significante) (objeto) TYGCHÁNON Concepção centrada no desenvolvimento “materialista”, uma vez que para fazer parte do processo, o signo só se relacionava com as categorias materialistas. Santo Agostinho Fonte: Wikimedia Commons Mas o grande salto acontece em Aurélio Agostinho, conhecido como Santo Agostinho (354 d.C.-430 d.C.). Neste momento, a semiótica torna-se determinante na área do conhecimento. Pois, Santo Agostinho, considerado o fundador da semiótica, foi o primeiro pensador a intitular o termo signum, concebido como instrumento através do qual a comunicação é levada a efeito, não importando o tipo nem o nível. Santo Agostinho a princípio, defendeu o pensamento epicurista, entretanto, consolidou-se a linha dos estoicos. Por exemplo, ajustou-se aos epicuristas no que diz respeito ao signo na condição de representar alguma coisa atualmente não perceptível, isto é, diz respeito ao signo como um fato perceptivo. Mas, na 10 11 base de sua linha conceitual do signo, formalizou-se aos estoicos, destacando a ação de interferência mental no desenvolvimento da semiose; distinguiu signos naturais e signos convencionais. Para ele, os signos naturais não foram criados na intenção de uso como signo. Mas eram signos que existiam na natureza: a fumaça como índice de fogo, por exemplo, era entendido como um signo natural. Já os signos convencionais ajustavam-se sob uma convenção, por isso foram criados para estabelecer a comunicação. Santo Agostinho ainda se aprofunda nos estudos, diferenciando “signos” e “coisas” e amplia os estudos dos signos não verbais. Por exemplo, Santo Agostinho conseguiu desvendar e esclarecer a relação entre signo e coisa. Segundo ele, o signo é uma coisa simplesmente pelo fato de estar no lugar de outra coisa, ou seja, se o signo não fosse uma coisa, logo, não existiria. Com isso, Santo Agostinho constituiu um modelo de signo que, mais tarde, iria delinear os caminhos da doutrina dos signos ou a ciência do signo. Ou seja, ele forneceu as bases para o estudo não só para um modelo específico de signo, mas um estudo da semiótica que possibilite investigar qualquer tipo de comunicação e que abarque toda a extensão das linguagens. A semiótica da era medieval A semiótica da era medieval, também conhecida como semiótica escolástica, denominação atribuída pelo fato de conciliar a teologia e a filosofia, ou seja, a fé cristã, das escolas monásticas cristãs, com o sistema de pensamento racional da época, foi considerada um grande marco no questionamento científico da linguagem. Pois, neste ambiente de fundo teológico consolidado às artes liberais, como a gramática, a retórica, a dialética, possibilitou abrir um amplo debate na questão do signo. Organizaram o estudo da ciência em: filosofia natural, filosofia moral e ciência dos signos, conhecida também como ciência racional, denotando certa afinidade com a lógica. Neste espaço de extremo rigor sistemático, algumas contribuições foram significativas para abertura de novos horizontes. Por exemplo, Roger Bacon (1215-1294), conhecido como Doctor Mirabilis (doutor admirável em latim), foi um influente frade na área do conhecimento filosófico, escreveu um importante tratado sobre o signo, intitulado De signis. Outro tratado sobre o signo foi publicado por João de São Thomás (1589-1644), conhecido como Jean Poinsot, intitulado, Tractatus de Signis, em que, no campo da lógica, procura divisar o signo através de duas características: na primeira, o signo é tido como um instrumento da comunicação, como um meio; na segunda, os signos não são apenas instrumentos da comunicação, mas são também instrumentos da cognição, uma definição muito próxima da semiótica dos nossos dias. Além de tudo, essas obras procuraram, no seio da semiótica escolástica, demonstrar também a questão da doutrina do realismo e do nominalismo, surgindo, neste momento, a divisão entre denotação e conotação, avançando assim no estudo das funções semióticas de signos, símbolos e imagens. 11 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea A semiótica, neste momento da era medieval, foi contemplada pelo renascimento e pelas grandes transformações científicas, sociais e culturais, considerado um momento de intenso fomento cultural. Não se pode deixar de lado dois modelos que estariam vinculados a todo esse contexto: os quatro sentidos do mundo medieval, conhecido como o “Modelo dos Quatro Sentidos”, muito menos deixar também de falar na “Doutrina das Assinaturas”, outra contribuição para entender os avanços da semiótica na esfera medieval. Doutrina dos quatro sentidos A semiótica neste momento tem como base um referencial religioso, no caso, a Bíblia, considerada, nesta época, como sendo o livro dos ensinamentos sagrados, cujo alcance procurava explicar parte da existência desse mundo. Mas, para interpretá-la, era necessário um sistema dividido em quatro níveis, pois, dessa forma, era possível contemplar quatro sentidos diferentes de interpretação. Este modelo, também conhecido como “os quatro sentidos exegéticos” ou “doutrina dos quatro sentidos”, caracterizava-se em quatro níveis de interpretação: o primeiro nível procurou pontuar o sentido literal ou histórico, seriam os sentidos da forma como eles aparecem no texto; o segundo nível seria o sentido tropológico ou moral, responsável por revelar a vida do homem; o terceiro nível caracterizava a alegoria, revelava uma relação direta entre Cristo e a Igreja e, finalmente, o quarto sentido, denominado como sendo anagógico, diz respeito aos mistérios celestes. Portanto, esse modelo semiótico, os quatro sentidos, teve uma importância muito forte para interpretar e ler o mundo real, pois tudo se apoiava nessas bases. Doutrina das assinaturas Foi um modelo significativo e de muita contribuição para a semiótica, formulado pelo médico suíço Paracelso (1493-1541). Este modelo semiótico entendia que o mundo estava povoado por uma variada tipologia de signos e Paracelso, a fim de estudar e detalhar esse modelo crioua chamada Doutrina das Assinaturas, cujo objetivo era o de estruturar um sistema de códigos para interpretar os signos naturais. Portanto, para isto, esta doutrina considerava, nas suas formulações conceituais, que os signos não só se originavam de Deus, mas também se originavam de vários outros sujeitos, considerados, aqui, como os “assinantes” de signos naturais, e se dividiam em: primeiro, o homem; segundo, um princípio interior e, terceiro, as estrelas ou planetas. Ainda segundo esse modelo semiótico de Paracelso, as características indiciais deixadas no mundo por esses eminentes são denominados de “assinaturas” e poderiam povoar e ser percebidas em várias zonas do mundo. 12 13 O modelo de signo diádico (séculos XVII- XVIII) – semiótica racionalista A semiótica, neste momento, sofre uma forte influência do racionalismo na Europa, seu percurso compreende a adesão de três grandes correntes filosóficas do século XVII e XVIII: o racionalismo, o empirismo e o iluminismo. René Descartes (1596-1650), representante máximo do racionalismo cartesiano, formulou a teoria das três ideias inatas: a primeira, ideias adventícias, chegam à mente a partir do sentido; a segunda, ideias fictícias, são produzidas pela imaginação; e, a terceira, ideias inatas, são ideias essenciais que existem na mente sem auxílio de um histórico. Com isso, a semiótica de Descartes lança por terra o signo com seu caráter referencial. Ou seja, o modelo triádico de signo torna-se obsoleto frente ao modelo diádico da semiótica racionalista. Versão difundida amplamente pela abadia de Port-Royal, a ideia da coisa representada corresponde ao significado do signo. Vejamos a proposta racionalista cartesiana: SIGNO Ideia da coisa que representa Ideia da coisa representada A semiótica racionalista, ao embasar que esta concepção diádica não consiste numa entidade material e noutra mental, mas em duas mentais, ou seja, a ideia ou imagem do som de um lado e o conceito de outro, já prenunciava o modelo de semiótica atual: significante – imagem acústica; e significado – conceito. Por exemplo, a fim de exercitar esse modelo, é possível entendê-lo da seguinte forma: quando um interlocutor pronuncia “cavalo”, o significante do cavalo não é a palavra pronunciada, mas sim o modelo mental de cavalo, que está elaborado na mente do interlocutor. Esse modelo de semiótica, cartesiano, que explicava a relação do signo, logo foi contestado por um interventor inglês. Por sinal, o ideólogo do liberalismo, o filósofo John Locke (1632-1704), que teve um lugar de destaque na construção da semiótica moderna, considerado também como o criador do termo “semiótica”. Pois Locke discordava das “ideias inatas” proferidas por Descartes. Segundo ele, não existiriam princípios inatos na mente. Locke afirmava que as ideias são signos que representam as coisas na mente do interlocutor, as palavras representam as ideias e elas não podem ser separadas. 13 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea SIGNO PALAVRA IDEIA Essa relação estabelecida por Locke tornou-se objeto central para a abertura de dois caminhos importantes na esfera dos estudos do signo: Ferdinand Saussure (1857-1914), semiótica estrutural ou semiologia, e Charles Sanders Peirce (1939- 1914), semiótica peirceana. Semiologia e semiótica (Saussure/Peirce) Primeiramente, são duas notáveis linhas do estudo do signo. A semiologia, conhecida como linguística saussureana (Ferdinand Saussure, 1857-1914) tem como preocupação os estudos da ciência da linguagem verbal. Diferentemente da semiótica peirceana (Charles Sanders Peirce, 1939-1914), cujo foco é a ação do signo, razão pela qual é a ciência de toda e qualquer linguagem. Entretanto, para verificar mais de perto essas relações, vamos nos reportar aos dois teóricos embasadores dessas linhas. Saussure Fonte: Wikimedia Commons Saussure (1857-1914) Em Saussure, vamos encontrar uma linha de exploração de grande contribuição, pois os princípios científicos e metodológicos da linguística, segundo ele, são regidos por regras e princípios comuns a todas as línguas. Por exemplo, nos estudos da ciência verbal, vamos nos deparar como uma explicação de que a “língua” não é 14 15 o mesmo que a linguagem, ela é multiforme e demanda uma abordagem física, fisiológica e psíquica, atua no individual e no social. Por isso, a língua é social, ela é adotada no corpo social, sendo um conjunto puramente de convenções. Saussure ainda vai nos dizer que a união entre palavras e coisas não tem uma correspondência, uma relação entre si, mas ambos formam uma unidade linguística. Ambos são termos “psíquicos”, ou seja, o signo linguístico não une uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica – tal combinação é denominada de signo. O conceito é denominado de significado e a imagem acústica, de significante. Ou seja: SIGNO SIGNIFICADO SIGNIFICANTE Vejamos um exemplo prático, segundo esse esquema de Saussure, quando alguém diz “cavalo”: Signo Linguístico (Convencional) (c + a + v + a + l + o) SIGNIFICANTE SIGNIFICADO Imagem acústica, aspecto material, desenho, som etc. Conceito: animal mamífero, da família dos equídeos, com cauda e crina longa etc. Fonte: Adaptado de iStock A associação entre significante e significado é arbitrária. As duas faces do signo são puramente convencionais e, reafirmando, ambas são psíquicos. Isto é, o signo “c + a + v + a + l + o” não está ligado e não tem nenhuma relação à cadeia de sons (significante), que poderia ser representado por outro qualquer. Isso possibilita entender a diferença entre as línguas e a existência de línguas diferentes. Como podemos perceber, desde Platão, passando pelas várias linhas da semiótica e contemplando todo o legado da Idade Média, há algum elemento “mental” entre a “coisa” e sua denominação. Razão pela qual a questão da referência do signo não é resolvida pela linguística e, sim, pela filosofia da linguagem. A preocupação e o foco central da filosofia da linguagem não é estudar os elementos constitutivos da língua, mas estudar as relações que esses elementos estabelecem, ou seja, estudar as representações e pensamentos seguindo as formações gramaticais através das quais elas foram expressas. 15 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea Peirce (1939-1914) Peirce Fonte: Wikimedia Commons Peirce vem propor uma nova fase do conhecimento, e é o mais importante dos fundadores da semiótica moderna. Tornou-se cada vez mais familiar nos meios intelectuais, pois, ao dar destaque e elaborar um estudo da filosofia, matemática e da lógica, consegue, a partir do legado grego e da Idade Média, fundamentar a doutrina dos signos. Peirce, com sua noção de interpretante, permite enxergar mais longe do que a dicotomia proposta por Saussure langue/parole. Razão pela qual a semiótica peirciana é utilizada como ferramenta para aprimorar e promover pesquisas em várias esferas culturais, sociais e acadêmicas, como, por exemplo, nas artes visuais, na dança, arquitetura, matemática, medicina, engenharia etc. Para entender por que hoje há uma abrangência de estudos a partir da semiótica peirceana, é preciso atentar a uma classificação didática e metodológica, em três momentos: a) No primeiro momento, quando surgem as primeiras obras dos estudos peirceanos, os comentadores, os críticos e os pesquisadores se limitam a fomentar e aplicar seus estudos apenas na esfera filosófica tradicional, dando total vazão apenas a esse viés do conhecimento; b) No segundo momento, há uma tímida expansão, pois os estudiosos peirceanos pontuam mais os aspectos matemáticos e lógicos, destacando certo formalismo com relação à lógica; c) No terceiro momento, há um volume de estudos em vários setores, a semiótica ganha totalrelevo, principalmente ao se inserir nos contextos literários, críticos, culturais, artísticos, linguísticos etc. Nesta perspectiva, as aplicações e análises contempladas pela semiótica peirceana, além de dar conta dos seus objetos de análise, auxiliam na promoção de outras linhas teóricas. Para um amplo entendimento, a fim de conhecer as bases 16 17 da semiótica peirceana, os leitores e comentadores reconhecem e recorrem à sua obra máxima: Os collected papers of Charles S. Peirce, publicado em 1931, seria a fonte disponível para qualquer leitura e aprofundamento. Peirce utilizou o mesmo termo semiótica já usado por John Locke no fi nal do século XVIII, cuja raiz vem da língua grega, semeion, que quer dizer signo. A ciência dos signos.Ex pl or O signo em Peirce Peirce, ao buscar uma fundamentação na tradição inaugurada pela lógica aristotélica, epicurista, estoica e a lógica escolástica, sofre todas essas influências na formulação de sua doutrina geral dos signos, a semiótica. Vejamos: Peirce constrói uma base muito sólida ao afirmar que todo o processo de pensamento é um processo de transformação de signos, cuja descrição se faz em termos de semiótica. Torna-se evidente que Peirce não tinha interesse em estudar uma classe particular de coisas que seriam signos, em oposição às coisas que não o seriam, mas sim estudar qualquer coisa que quisermos considerar como signo, ou seja, objeto do pensamento. Portanto, ser signo, para Peirce, é incorporar a noção de relação triádica. Para Peirce, o signo não é somente o “elemento” abstrato mínimo e formal de toda a representação do pensamento. Ele é tudo que estabelece ou participa de uma relação triádica, que podemos denominar de relação-signo. Por exemplo, Peirce afirma que “só vale ao que chega a três”, exigência que vem desde Heráclito (540 a.C.-470 a.C.) e através de Hegel (1770-1831) (tese, antítese e síntese), mas, na concepção peirceana, temos a primeira de todas as tríades por onde começa o nosso mundo: um “signo”, um elemento de cognição, por um lado determinado por um signo que não é ele mesmo, seu “objeto”, e por outro determinado em alguma mente potencial ou efetivamente presente, um outro signo, seu “interpretante”, sendo mediatamente determinado pelo objeto-signo. Então temos: (1) Objeto (boi) (3) Interpretante (gado, o animal que puxa carroça) (2) Signo (boi) 17 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea 1. Objeto: compreende todo o domínio da natureza. 2. Signo: é todo elemento lógico que fica no lugar do objeto, representa esse objeto. 3. Interpretante: é uma rede de signos dentro do qual o signo é programado. O interpretante é, portanto, um conjunto de signos que continua ou conclui o sentido do signo. O interpretante também é uma conduta lógica que assumimos em face ao signo. Podemos acertar como podemos errar. Um exemplo para ainda ilustrar mais essa ação – vejamos no tradicional jogo da “cabra-cega”: Primeiro: as buscas são variadas de alguém; Segundo: é a ação de encontrar ou escolher alguém (decisão, ação, afirmação); Terceiro: é a constatação do erro ou do acerto, consequências semiótica. Como vimos, a ideia central de Peirce é de que a presença de um ser humano, em qualquer evento, encerra uma reação necessariamente triádica, como acontece nos pronomes de 1º, 2º e 3º pessoa: eu, tu, ele. Vejamos um desdobramento de forma ainda mais detalhada: 1º Nome → Coisa → Sentir 2º Ação → Ação → Fazer 3º Lei, Abstrato → Pensamento → Pensar (2) Relação dinâmica (ação) (3) Lei (interpretante) (1) Nome (objeto) De forma mais prática, e utilizando um exemplo mais próximo de nossa realidade, temos a mesma situação produzida da seguinte forma: 18 19 Brincadeira (ação) Infância (interpretante) Criança (nome) É possível perceber que o “primeiro” é qualquer um, o “segundo” é uma ação e o “terceiro” é a finalidade dessa ação, ou seja: “possibilidade”, “realidade” e “necessidade”. Razão pela qual, segundo Santaella (1983, p. 59), o signo pode ser mais bem definido da seguinte forma: o signo tem dois objetos e três interpretantes. Vejamos: interpretante dinâmico (intérprete) Signo ob jet o im ed iat o interpretante imediato fundamento interpretante em si objeto dinâmico Fonte: SANTAELLA (1983, p, 59) Tentando esclarecer de forma mais detalhado temos: Dois objetos Imediato (dentro do signo) Dinâmico (aquilo que o signo substitui) Imediato (apto a produzir numa mente interpretadora qualquer) Dinâmico (aquilo que o signi�cado efetivamente produz na sua mente) Em si (de caráter lógico, convencional) Três interpretantes 19 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea A partir do entendimento desse percurso é possível acompanhar o caminho percorrido pela semiótica desde os gregos, chegando praticamente às primeiras reflexões conceituais de Peirce. Com a assimilação da interação, os desdobra- mentos e a constituição dos signos, será possível compreender a rede de classifi- cação triádica e as várias formas de constituição do signo, o que será desenvolvi- do no conteúdo da nossa próxima unidade. Até lá. 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Semiótica Perguntas e respostas sobre semiótica. https://goo.gl/PVSdbm Livros O que é semiótica. SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. Escritos coligidos. Seleção de Armando Mora D´Oliveira. PEIRCE, Charles Sanders. Escritos coligidos. Seleção de Armando Mora D´Oliveira. Trad. Oliveira e Sérgio Pomerangblum. In: Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1983. Vídeos Open Learning: Semiótica Peirceana https://goo.gl/qT0TnL Leitura Comunicação e Semiótica: Visão geral e introdutória à Semiótica de Peirce https://goo.gl/rhVMkj 21 UNIDADE Princípios lógicos da Semiótica contemporânea Referências ARISTÓTELES. A arte retórica e arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1959. NORTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. 4 ed. São Paulo: Annablume, 2008. PEIRCE, C. S. Collected Papers: vol. 1, 2, 3. Cambridge: Harvard Univ. Press,1966. PESSANHA, José Américo Motta - “Aristóteles: Vida e Obra” In Os Pensadores, Nova Cultural, São Paulo, 1987, pág. XVI. ______. Charles S. Peirce: Semiótica. Trad.: José T. C. Neto. São Paulo: Perspectiva, 1985. SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. STIRN, F. Compreender Aristóteles. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2006. 22
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