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ANÁLISE SOCIOLÓGICA DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

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ANÁLISE SOCIOLÓGICA DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA
O Estado, como ente político e jurídico, incumbe à função de preservar a ordem e criar mecanismos de controle social para que haja o bom funcionamento das relações humanas. Não distante dessa primeira observação, Dallari afirma em sua obra Elementos da Teoria Geral do Estado que há uma finalidade comum de todos os indivíduos que é o bem comum, o autor define esse conceito utilizando as palavras do Papa João XXIII: “O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.” (DALLARI, 2013).
Um conceito que foi desenvolvido e mantido com o passar das décadas, uma vez que a legitimidade estatal passou a ser requisito fundamental para a promoção do bem-comum. Hoje em dia, políticas públicas são utilizadas como mecanismos de garantir essa finalidade. Entretanto, alguns indivíduos não convergem com a finalidade social e o Estado passa a utilizar mecanismos de controle social, é o caso das prisões que são utilizadas como medidas institucionais para a coerção e exclusão (MAGALHÃES; MAGALHÃES, 2016).
Ainda faz-se necessário observar que os regimes penitenciários, especialmente as penas privativas de liberdade, foram uma invenção histórica recente, uma vez que houve a ideia natural de encarceramento dos indivíduos desviantes, como medida indispensável e imutável para coerção estatal (MAGALHÃES; MAGALHÃES, 2016). Não resta dúvida que o encarceramento carrega uma peculiaridade, uma vez que retira do indivíduo seu maior bem: a liberdade. Liberdade que não se confunde com a ideia do Constitucionalismo Liberal, mas no que diz respeito ao direito de ir e vir do sujeito.
Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, retrata a evolução dos mecanismos de punição estatal. Os castigos físicos e as torturas eram os instrumentos de controle do soberano, além disso, também servia para reafirmar a própria soberania diante dos súditos. Durante o século XIX ocorrem mudanças significativas nas penas aplicadas aos desviantes, foram implementados regimes penitenciários de vigilância e disciplina constante (panóptico), em que a liberdade do sentenciado estava condicionada ao bom comportamento e a realização de tarefas rotineiras, tudo isso visando a ressocialização do indivíduo.
Ainda com base nas brilhantes obras de Foucault, podemos observar que o autor faz um apanhado histórico no que diz respeito do monopólio do poder, antes o soberano detinha a prerrogativa do direito de “deixar viver” ou “fazer morrer”, com o desenvolvimento da sociedade europeia surgem novas tecnologias de poder. Elas só serão possíveis com a inclusão da categoria de sujeito e é o corpo físico do indivíduo o primeiro espaço em que fora exercida uma nova forma de poder (FOUCAULT, 2007). Todo esse processo, segundo Foucault, foi institucionalizado em diversas esferas sociais, seja nas escolas, quartéis, prisões, hospitais ou qualquer ambiente denominado pelo autor de instituições de sequestro. Essa capacidade de interferir no corpo do sujeito e docilizá-lo é característica do poder disciplinar.
É no contexto daquelas sociedades que emerge o chamado poder disciplinar, poder esse que tem a capacidade de transformar o indivíduo em uma máquina ou um instrumento útil para as pretensões do capital. Logo em seguida surge o biopoder, cujo propósito é o corpo coletivo e não o sujeito individualizado. O biopoder inverte a lógica do poder soberano, agora o que interessa é o “fazer viver” e o “deixar morrer”, ou seja, a lógica é criar mecanismos de preservação da vida coletiva e de punir toda e qualquer ameaça que prejudique o bom funcionamento do bem estar da população (DINIZ; OLIVEIRA, 2014).
Nota-se que os mecanismos de controle social passam a ser ferramentas indispensáveis para manter a ordem social e consequentemente fazer as pessoas usufruírem o bem comum. Dentro de uma lógica epistemológica capitalista, observamos que todas as instituições sociais convergem para a manutenção de uma disciplina voltada para as relações econômicas e de mercado, ou seja, quem está fora dessa lógica passa a ser considerado um indivíduo desviante.
Adentrando na proposta em debate, utilizaremos aqui o artigo da Advogada Ana Luíza Bandeira que evidencia e discute uma nova política criminal, que são as Audiências de Custódia, adotada pelo Estado de São Paulo como meio de decidir se o preso responderá em liberdade durante o julgamento. Aqui já observamos um novo mecanismo de controle social sendo incorporado no ordenamento penal paulista, o que significa inferir que essa diversidade de funções e formas de encarceramento não impede que uma predomine sobre outra para satisfazer as vontades e desejos daqueles que já estão no poder (MAGALHÃES; MAGALHÃES, 2016).
Na visão da autora, de uma maneira geral, o plano proposto pelo CNJ e TJSP é um meio de definir a condição do réu durante o processo, ou seja, se o mesmo responderá preso ou em liberdade, evitando assim prisões injustas, superlotação nos presídios de presos provisórios e a grande demora dos processos penais e de suas respectivas decisões judiciais.
Entretanto, a crítica da autora não figura no modelo em si das Audiências de Custódia, mas na forma como são tratados e taxados os acusados. Na visão da autora existe algo de subjetivo nas decisões dos magistrados, como por exemplo, questionar o réu de sua situação sócio-econômica, cultural, familiar e financeira antes de proferir se o mesmo será preso ou não. Em nossa visão, observamos aqui uma grave violação a um princípio do processo constitucional que é o da devida fundamentação do juiz, que de uma maneira simples e objetiva determina que o magistrado deva se valer de sua imparcialidade e resolver o mérito conforme os precedentes, buscando a decisão em uma técnica processual padronizada e que respeite os princípios constitucionais (CÂMARA, 2016).
O fato de haver uma espécie de subjetivação nas decisões evidencia uma característica de desigualdade que se instalou no Brasil desde a sua colonização e que protagonizou uma espécie de preconceito para aqueles que estavam à margem da sociedade e da normalidade. Essa desigualdade é fruto do Constitucionalismo Liberal, uma vez que a epistême liberal visava à liberdade do indivíduo para o capital e o mercado, quem ficava fora dessa lógica era taxado de anormal, de vagabundo ou de louco (MAGALHÃES; MAGALHÃES, 2016). 
O modelo Constitucional trouxe, de maneira formal, um rol de direitos e garantias para todos os indivíduos, a ideia de igualdade é destacada e as classes minoritárias passam a ser respeitadas. Entretanto, observa-se que o atual Estado Democrático de Direito, na sua origem, não foi construído por e para todos, resultando em uma transformação de uma nova epistême uniforme e excludente das classes desiguais (MAGALHÃES; MAGALHÃES, 2016). Diante disso, podemos observar o motivo do tratamento subjetivo dos acusados, pois os mesmos estão desprovidos de recursos materiais básicos e, sendo assim, mais propensos a cometer delitos, o que justifica também a violência policial sobre essas minorias, também abordada pela autora em seu artigo.
Logo não podemos acreditar que a Constituição Brasileira de 1988 é para todos os cidadãos, já que grande parte da população não tem acesso a direitos mínimos, ou seja, não há uma identidade nacional entre os sujeitos e nem menos igualitária. Há simplesmente uma carta formal de Direitos que legitima o poder dos mais fortes (MAGALHÃES; MAGALHÃES, 2016). O que ocorre, a nosso ver, é uma carga bem preconceituosa por parte dos magistrados, já que os mesmos julgam conforme ao estado de vida que o acusado leva: seus antecedentes, se passou por algum reformatório em sua juventude, se tem filhos, se tem emprego, se há tatuagens em seu corpo e por aí vai. Isso faz inferir em um Poder Judiciário arraigado de subjetivação e preconceito, em que a norma jurídica passa a ser aplicada de acordo com o status de cada indivíduo.Observa-se também que o Judiciário se vale de uma formalidade excessiva e com uma oratória própria da área forense, o que torna muito difícil o entendimento dos réus com os termos aplicados. Isso nos faz recordar os ensinamentos em sala acerca da subalternidade, conforme o entendimento de Gayatri Spivak (em seu livro Pode o subalterno falar?). Spivak argumenta que o subalterno não pode falar e, quando tenta fazê-lo, não encontra meios para se fazer ouvir. É o entendimento mais plausível para justificar o silêncio e o intimidamento dos réus perante o tribunal, sendo lhes restringidos até o direito da plena defesa.
A nosso ver, tudo o que foi dito mostra como o poder estatal está diretamente ligado ao poder econômico para a manutenção da ordem social voltada aos interesses dos mais fortes, deixando as minorias com breves concessões de direitos. O poder disciplinar é uma técnica de poder que funciona como uma espécie de teia que vai englobar todas as instituições do Estado. Este poder que atua, necessariamente, no corpo dos indivíduos utilizará os seus mecanismos de punição e vigilância para docilizar o sujeito perante as normas vigentes (DINIZ; OLIVEIRA, 2014).
Por fim, podemos tirar várias conclusões sobre as audiências de custódia: a primeira delas é que mostra a forma de opressão estatal em relação às minorias, tanto na questão da violência policial quanto nas decisões que envolvem a liberdade dos réus. Observamos também o preconceito e a marginalização das classes mais baixas, especialmente os negros, dentro do próprio poder judiciário. Também não se pode deixar de comentar sobre a ineficácia de nossos princípios constitucionais, o que era pra ser algo democrático e igualitário tornou-se uma simples ferramenta de opressão dos indivíduos e da manutenção do poder exercido pelo capital, o que torna a própria carta magna um mero formalismo simbólico.
Entendemos que nos dias de hoje, toda inovação nos mecanismos punitivos compreendem uma forma de negligenciar os direitos e garantias fundamentais. Não podemos convalescer com a Advogada Ana Luíza Bandeira de que a Audiência de Custódia é um avanço no processo penal brasileiro, uma vez que o mesmo não disponibiliza recursos suficientes para garantir o contraditório, de maneira efetiva, ao indivíduo perante o poder judiciário, dentro de uma perspectiva de Estado Democrático de Direito. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Ana Luíza. O que as audiências de custódia nos dizem sobre a violência simbólica do Estado? São Paulo, 24 de jun. de 2016. Artigo Disponível em: <http://justificando.com/2016/06/24/o-que-as-audiencias-de-custodia-nos-dizem-sobre-a-violencia-simbolica-do-estado/ >
CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão Processual do princípio do devido processo constitucional. Novo CPC – Doutrina Selecionada. Autor: Fredie Didier Jr, v. 1: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 369 – 382.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 32. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DINIZ, Francisco Rômulo Alves; OLIVEIRA, Almeida Alves de. Foucault: Do Poder Disciplinar ao Biopoder. Revista Scientia, v.2, p. 01 – 217, nov. 2013/ jun.2014.
FOUCAULT, Michel. El poder psiquiátrico: Curso em el Collège de France (1973 – 1974). Tradução de Horacio Pons. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. 38. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
MAGALHÃES, Hugo Baracho de; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A Psicologia como mecanismo de manutenção do estado moderno. Direito, Política e Emancipação: Estudos sobre Biopoder e Insurreição no Brasil. Autor: José Emílio Medauar Ommati, vol. 1. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2016. p. 125 – 147.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

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