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Introducao a criminologia [recu - Gabriel Ignacio Anitua

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Prévia do material em texto

Coordenadores
Augusto Jobim do Amaral
Clarice Beatriz da Costa Sohngen
Ricardo Jacobsen Gloeckner
INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
UMA APROXIMAÇÃO DESDE O PODER DE JULGAR
GABRIEL IGNACIO ANITUA
Copyright© 2018 by Gabriel Ignacio Anitua
Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
A617i
 Anitua, Gabriel Ignacio
 Introdução à criminologia [recurso eletrônico] : uma aproximação desde o poder
de julgar / Gabriel Ignacio Anitua ; coordenação [e tradução] Augusto Jobim do Amaral
, Clarice Beatriz Sohngen , [e tradução] Ricardo Jacobsen Gloeckner ; tradução Bruna
Lapporte. - 1. ed. - Florianópolis : Tirant Lo Blanch, 2018.
 recurso digital ; 2 MB (Ciências criminais ; 2)
 Tradução de: La justicia penal en cuestión: aproximación genealógica al poder de
juzgar.
 Formato: epdf
 Requisitos do sistema: adobe acrobat reader
 Modo de acesso: world wide web
 Inclui bibliografia e índice
 ISBN 9788594771926 (recurso eletrônico)
 1. Direito penal. 2. Processo penal. 3. Livros eletrônicos. I. Amaral, Augusto
Jobim do. II. Sohngen, Clarice Beatriz. III. Gloeckner, Ricardo Jacobsen. IV. Lapporte,
Bruna. V. Título. VI. Série.
18-51107
CDU: 343.1
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644
12/07/2018 20/07/2018 
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:
Eduardo FErrEr Mac-GrEGor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de 
Investigações Jurídicas da UNAM - México
JuarEz tavarEs
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis LóPEz GuErra
Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da 
Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
owEn M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
toMás s. vivEs antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.
Av. Embaixador Abelardo Bueno, 1 - Barra da Tijuca
Dimension Office & Park, Ed. Lagoa 1, Salas 510D, 511D, 512D, 513D
Rio de Janeiro - RJ CEP: 22775-040
www.tirant.com.br - editora@tirant.com.br
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/
ou editoriais.
A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se 
à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.
INTRODUÇÃO À 
CRIMINOLOGIA 
UMA APROXIMAÇÃO DESDE 
O PODER DE JULGAR
Gabriel Ignacio Anitua
Coordenadores
Augusto Jobim do Amaral
Clarice Beatriz Sohngen
Ricardo Jacobsen Gloeckner
Tradução de Augusto Jobim do Amaral, Brunna Laporte 
e Ricardo Jacobsen Gloeckner
APRESENTAÇÃO DA SÉRIE CIÊNCIAS 
CRIMINAIS
Indescritível a honra de podermos disponibilizar ao públi-
co, com o apoio da Editora Tirant Lo Blanch, um espaço singular 
para as ciências criminais. Uma Série disposta sobre um campo 
de saber interdisciplinar por excelência, politicamente enraiza-
do, e que concerne à responsabilidade de encontros frutíferos 
para a decisão sempre urgente de transformar a crise em crítica.
A condição atual de normalização da barbárie punitiva 
historicamente fixada e seus permanentes e violentos desdo-
bramentos necessitam de um pensamento agudo que tenha 
primordialmente a responsabilidade de questionar este estado 
de crise. Diante de tamanha relevância temática, abre-se um 
espaço para investigação interdisciplinar crítica que represente 
uma ruptura aos esquemas legitimantes postos pelos discursos 
tradicionais e que demonstre empenho na desconstrução do 
caldo cultural difuso notadamente com traços autoritários. As 
inúmeras dinâmicas em matéria de violência punitiva – res-
paldadas por práticas ardilosamente racionalizadas jurídica e 
politicamente – em algum sentido, indicam uma biopolítica 
preocupada com uma governabilidade forjada por narrativas de 
exclusão/morte e funcionalizada pelas rotinas penais. 
Às pulsões totalizantes de um poder punitivo, aos afetos 
de medo que o monopoliza, bem como às suas técnicas securi-
tárias em escala global, requer-se um enfrentamento que não 
pode se furtar ao aporte interdisciplinar. Assim, para interrogar 
as tendências e contornos de uma cultura punitiva e estarmos 
à altura de tempos urgentes, é que as ciências criminais devem 
fundar seu limiar radicalmente. Afinal, mais diretamente, o 
que haveria de decisivamente contemporâneo e radical senão 
o profundamente im-possível e necessário traço de con-vocação 
vi SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA APRESENTAÇÃO DA SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - AUGUSTO JOBIM DO AMARAL VII
ética que a “questão criminal” possa se debruçar? Na fragilida-
de densa da resistência contra os blocos maciços de sentidos 
e racionalidades bem pensantes, diante das tendências justi-
ficantes da imposição violenta de supostos fins “justos”, talvez 
reste ainda pulsares, como instantes outros que excedam toda 
de presença ensimesmada.
Para tanto, como desafio ímpar, a Série Ciências Criminais 
foi pensada como abertura fértil a uma qualificada resistência na 
seara do conhecimento pasteurizado sempre pronto a colonizar 
o saber nas ciências criminais. Prima-se por garantir o acesso a 
obras fundamentais nas mais diversas dimensões dos debates 
relativos à naturalização da violência punitiva. 
Baseada nesta premissa, a Série possui linhas editoriais 
plurais. Sua primeira direção tem como princípio fundamental 
ser um canal de acesso às atuais problematizações nos assuntos 
de interesse às ciências criminais em ampla escala, no Brasil e 
no exterior. De um lado, aproximar pesquisas no âmbito nacio-
nal, dispondo interfaces entre suas produções e experiências, 
por outro, construir traduções e possibilitar o diálogo, pontes 
profícuas a privilegiar a diferença. Permitir que se desenhe o 
caleidoscópio brasileiro neste campo, juntamente com suas apro-
ximações e distensões ao pensamento alienígena, é contribuir 
para o encontro com sua própria singularidade e a possibilidade 
de fazermo-nos outros a nós mesmos.
Uma segunda vertente possui acento na reedição de 
obras clássicas do pensamento das ciências criminais. A difi-
culdade em se encontrar obras esgotadas, vindas do Brasil e do 
exterior, que ainda hoje são merecedoras de atenção crítica, 
encontra-se na base desta linha preocupada com a genealogia 
do pensamento crítico nas ciências criminais. Emergências 
estas que, quiçá, acabaram se desviando das principais tra-
jetórias editoriais, habitando injustificável espaço restrito às 
discussões de pós-graduação, ou um número pequeno de lei-
tores. Nas frestas de uma memória reverberam outros futuros 
possíveis. Revigorar o debate científico nas ciências criminais 
certamente passa por aí.
Por fim, uma terceira linha a ser contemplada na presente 
Série cuida de apresentar ao público brasileiro jovens pesquisado-
res, com obras de vanguarda que procuram oxigenar a atmosfera 
neste campo. Muitas vezes, o mercado editorial se encontra fe-
chado para autores iniciantes e a tarefa desta linha é a de ajudar 
que o público tenha acesso a um rico material, represado em 
virtude da conjuntura do mercado editorial brasileiro. 
Portanto, em tempos sombrios de naturalização da 
violência, sobretudo dos dispositivos de punição, em que o em-
brutecimento do pensamento toma protagonismo, orientado 
pelos auspícios neoliberais, a urgência radical de alguma inte-
ligênciadisposta a enfrentar a burrice do fanatismo mobilizado 
pelos fascismos como modo de vida atrofiado pelo terror se 
impõe. O vazio reflexivo ganha eco, matraqueado pelo senso 
comum que, em matéria penal, concretamente, não apenas 
franquia a morte em escala industrial operada pelo sistema 
penal, mas forja uma expansiva e permanente tecnologia de go-
verno hábil à eliminação da diferença. Responsabilidade diante 
este estado de coisas é mais que mera questão de engajamento e 
luta, atualmente trata-se de ponto nevrálgico de sobre-vivência.
Porto Alegre, maio de 2017.
Augusto Jobim do Amaral
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS
Pós-Doutor em Filosofia Política pela Università Degli Studi di Padova/ITA
Pós-Doutor em Filosofia do Direito pela Universidad de Málaga/ESP
Doutor em Altos Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra/POR
SUMÁRIO
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
CAPÍTULO 1
AS ORIGENS DAS ESTRUTURAS JUDICIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
CAPÍTULO 2
O PODER DA JURISDIÇÃO COMO ATRIBUTO DA SOBERANIA . . . . 41
CAPÍTULO 3
A REFORMA LIBERAL E O JUIZ DA LEI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
CAPÍTULO 4
O PODER DOS JUÍZES E O MODELO DA “INDEPENDÊNCIA” . . . . . . 89
CAPÍTULO 5
O ATIVISMO JUDICIAL NO ESTADO SOCIAL E SUA CRISE . . . . . . . 103
CAPÍTULO 6
A “JUSTIÇA ATUARIAL”: O MODELO DA JUSTIÇA NEGOCIADA. . . .123
PALAVRAS FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
OBRAS CITADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
O estudo realizado pelo Professor Gabriel Ignacio Anitúa, 
intitulado nesta versão brasileira como “Introdução à Crimino-
logia: uma aproximação desde o poder de julgar”,1 corresponde a 
mais um de seus vigorosos e potentes trabalhos críticos. Como 
o leitor poderá acompanhar, coloca em discussão um objeto de 
estudo não raro ignorado pela criminologia dita crítica ao longo 
da história. Por isso, desde logo, o destaque dado pela mudança 
do título original.
Enfatiza, com efeito, a curiosa falta de obras criminológi-
cas dedicadas a uma análise mais profunda e verticalizada das 
estruturas de poder emaranhadas no campo do poder judiciá-
rio. Ao longo das últimas décadas a criminologia crítica elegeu, 
como objetos primários de análise, apontar como aspecto cen-
tral no sistema punitivo, as agências penitenciárias e policiais. 
As tensões na proximidade entre estes dois espaços de poder 
autorizaram, em geral, a criminologia a elencá-los como obje-
tos par excellence do campo criminológico crítico. A modulação 
das agências penitenciárias e policiais a partir das estratégias 
disciplinares, como acentuou Foucault2, permitiu a ubiquidade, 
quase-indistinção entre códigos, normativas, procedimentos 
e práticas. O continuum entre modelos penitenciaristas e os 
códigos de comportamentos sociais através de uma ortopedia 
moral correspondente a fazer o corpo atuar em prol de um 
regime de produção (a educação para um modelo de produção 
1. Originalmente possui um título pouco diverso: La Justicia Penal en Cuestión: 
Aproximación genealógica al poder de juzgar. Madrid: Iustel, 2017.
2. Cf. FOUCAULT, M.. A Sociedade Punitiva: curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: 
Martins Fontes, 2015. 
4 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
capitalista, como acentuaram Melossi e Pavarini3 ou a docili-
zação dos corpos, segundo Foucault4) indicava claramente um 
deslocamento pulsante. Fazer operar todo um aparato de dispo-
sitivos de vigilância que analisam, medem, cercam e constroem 
seus objetos. A criminologia “psi” que acabara de se constituir 
não somente, mas inevitavelmente por intermédio da prisão, 
como um laboratório de detecção de “anormalidades” foi o cor-
relato efeito próprio das tecnologias policiais postas em atuação 
a partir do século XVIII e XIX. Tecnologias estas que atingiam a 
formação de determinados enunciados sobre o humano, uma 
antropologia do comportamento desviante, modulada a partir 
das ciências ditas humanas.
Em ambos os lados – quer “internos” quer “externos” à 
prisão –, o dispositivo policial atravessa os corpos, operando 
na construção de um homo faber capaz de responder às osci-
lações do mercado de trabalho. A prisão, operada a partir da 
conjugação de dois princípios (o princípio da equivalência5 e 
o da less eligibility6) servia plenamente à disciplinarização do 
corpo social e à construção de uma subjetividade que formaria 
sujeitos que decidiriam, “livremente”, pela alocação de sua força 
de trabalho em prol do grande capital. A revolução industrial 
e o progressivo amontoamento de pessoas nos grandes cen-
tros urbanos introduzia e requisitava, portanto, os dispositivos 
policiais que atuavam na proteção de bens e interesses reivin-
dicados pelo tiers état.
Desde aí, as práticas normalizadoras, que iam das casas de 
correção às fábricas ou ainda, dos códigos de conduta atuados 
pela polícia aos palácios de justiça performaram uma linha que 
se constituiu, na literatura criminológica, como defesa social. 
De toda forma, como objetos privilegiados, o penitenciarismo 
e sua epistemologia de variantes biocentristas, psicologizantes 
3. MELOSSI, D.; PAVARINI, M.. Cárcere e Fábrica: as origens do sistema penitenciário. Rio de 
Janeiro: Revan, 2006.
4. FOUCAULT, M.. Vigiar e Punir. 20 ed. Petrópolis: Vozes, 1987. 
5. Cf. PACHUKANIS, E. B.. Teoria Geral do Direito e Marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica, 
1988. 
6. Cf. RUSCHE, G.; KIRCHHEIMER, O.. Punição e Estrutura Social. Rio de Janeiro: Revan, 
2004.
ou sociológicas se conectou fortemente aos aparatos policiais, 
que deveriam, por seu turno, criar condições para o desen-
volvimento de uma “prisão a céu aberto”, isto é, estabelecer 
tecnologias sobre o corpus social. Por isso se pode falar em 
relações comensais entre ambos os campos, que se nutrem de 
determinados regimes de enunciados em comum. Com efeito, 
na base do penitenciarismo e da literatura criminológica poli-
cial, constata-se uma recorrente interpenetração, mobilizada 
pelo positivismo criminológico. Seja como for, parece pouco 
discutível esta trama entre ambos os campos.
Evidentemente, identificado este problema, não é difícil 
reconhecer que pouco crédito deu a criminologia às atividades 
jurisdicionais. Em outras palavras, a jurisdição acabou como 
que isolada da crítica criminológica, como Iñaki Anitúa in-
siste desde o princípio. E, como o leitor poderá verificar por 
conta própria, a magistratura, a jurisdição, o direito, enfim, 
não performam uma dialética de oposição diante das agências 
penitenciárias e policiais. Senão que são regidas também por 
certas lógicas que, se não são bem exatamente aquelas da disci-
plina (já que a disciplina seria um contra-direito, como acentua 
Foucault), consistem em dispositivos de garantia da ordem.
A literatura criminológica, mesmo aquela de corte críti-
co, evidentemente permeada por algumas exceções, trata de 
imunizar o judiciário daquelas críticas que são constantemente 
endereçadas às agências policiais e penitenciárias. O funciona-
mento das cortes, dos juízes, de seus funcionários, dos agentes 
do Ministério Público não é completamente estranho à mesma 
engenharia (seja ela policial ou penitenciária), responsável pela 
garantia da ordem pública7. Tradicionalmente, ao menosno 
Brasil, a própria criminologia crítica deposita uma confian-
ça extrema nestes agentes, esquecendo-se de descortinar os 
horizontes de produção normativa, de estabelecimento de 
standards de decisão e especialmente, de conectar tais práticas 
aos préstimos que o judiciário ofereceu em todos os episódios 
7. Cf CAMPESI, G.. Genealogia della Pubblica Sicurezza: teoria e storia del moderno dispositivo 
poliziesco. Verona: Ombre Corte, 2009. 
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 5
6 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 7
de subversão democrática. O que equivale hoje a dizer: um 
corpo burocrático de alto nível que repristina categorias herda-
das do fascismo italiano (como no caso brasileiro), desvelando 
uma cultura conservadora acrítica e antidemocrática, que se 
encarrega de obstaculizar, através de sua atuação política, im-
portantes reformas no campo do direito e processo penal (basta 
vermos as distintas manifestações destas agências em torno 
dos projetos de código penal e de processo penal). Além disso, 
constata-se uma sólida base cultural que enfrenta as mudanças 
– especialmente aquelas ligadas à introdução de mecanismos 
que induzem refreamento às posturas inquisitoriais – como um 
perigo à ordem pública (veja-se o caso brasileiro das cautelares 
diversas da prisão).
Além deste cenário que por si mesmo seria problemático 
ao extremo, não se pode descurar das relações políticas entre 
judiciário e regimes de exceção8, através da adoção de uma 
“legalidade autoritária”, que encobriu, sob o manto de uma 
pretensa legitimidade, uma distribuição de castigos marca-
da pela irracionalidade. E isto é particularmente importante 
porque nos períodos em que mais de necessitou do judiciário, 
ele foi conivente, ou melhor, subserviente aos poderes de oca-
sião.9 A aparência de atuação secundum legem permitiu, como 
nos casos italiano, alemão e brasileiro, para ficar com estes 
exemplos, que este corpo burocrático de alto escalão passasse 
incólume pelas transformações estruturais que recaíram sobre 
a conformação do Estado. No caso brasileiro, a situação é ainda 
pior, tendo em vista que estruturas importantes do Estado se 
mantiveram intactas, mesmo com a Constituição de 1988. A 
transição entre os períodos de exceção e o restabelecimento 
democrático praticamente blindou tais agentes contra as con-
sequências de seus atos. No caso brasileiro, inclusive, alguns 
expoentes do regime político ditatorial foram elevados a Mi-
nistros do Supremo Tribunal Federal, como o caso de Alfredo 
8. PEREIRA, A.. Ditadura e Repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil, no Chile 
e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
9. RECONDO, F.. Tanques e Togas: O STF e a Ditadura Militar. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2018.
Buzaid e Nelson Hungria, apenas para citar dois exemplos. Isto 
para não falar do papel alienado da doutrina, que tece elogios e 
celebra a atuação de tais intelectuais de forma apartada de suas 
atividades políticas.
Na atual conjuntura, a débil democracia brasileira foi 
atingida em cheio através de uma atuação do Poder Judiciário 
e do Ministério Público que não se esgotou com a interferên-
cia política. Evidentemente, um ativismo judicial desmedido 
tratou de progressivamente minar as bases da Constituição. 
O caso do desmanche de direitos fundamentais – em paralelo 
àqueles dos direitos sociais levados a cabo pelo atual governo 
– se tornou possível graças à atuação do STF, um organismo 
judicial que lembra uma caricatura de Corte Constitucional, 
que tem chancelado posturas, práticas e condutas de agentes 
públicos que lembram períodos muito duros da ditadura civil-
-militar brasileira. A juristocracia10 brasileira implementada 
com a sustentação de boa parte da doutrina constitucionalista 
(o celebrado “pós-positivismo” ou um “anything goes constitu-
cional”), serviu para que o sistema punitivo brasileiro, de feição 
marcantemente autoritária, fosse reforçado. Basta-se verificar 
os atuais argumentos que autorizaram a “revogação” da presun-
ção de inocência no Brasil.11
Cabe, então, por oportuno dizer, que as práticas puniti-
vas encontradas no Brasil (e que se poderiam estender a muitos 
outros países), são o fruto de uma transversalidade constitutiva 
do poder punitivo, que não deixa de ecoar no campo do judiciário 
lato sensu (compreendendo aqui todos os agentes que funcionam 
como câmeras de ressonância de uma tecnologia policial). O que 
causa espécie é certo tom melancólico adotado em geral pela cri-
minologia crítica sobre a base de atuação de tais agentes, como 
se esperasse um agir diferente, em consonância com um “direito 
penal liberal”, que paradoxalmente é o caminho natural pelo qual 
10. Cf HIRSCHL, R.. Towards Juristocracy: the origins and consequences of the new 
constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2007.
11. AMARAL, A. J. do; CALEFFI, P. S. P.. “Pré-ocupação de inocência e a execução provisória 
da pena: uma análise crítica da modificação jurisprudencial do STF”. Rev. Bras. de Direito 
Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 3, p. 1073-1114, set.-dez., 2017. 
8 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
a defesa social cruza as três distintas agências aqui referidas. A 
inusitada confiança depositada pela criminologia crítica no ju-
diciário reflete, de forma muito clara, o sucesso das estratégias 
de descolamento do judiciário das instituições penitenciárias e 
policiais. O elemento que garantiu o encobrimento, durante largo 
período, foi a predominância de certo modo de decisão, que de-
veria se dar em consonância com alguns significantes reitores, 
mesmo que sempre à disposição para “torções ou giros autoritá-
rios”. O liberalismo penal, em grande medida, configura-se como 
uma constelação em que os enunciados políticos são diametral-
mente opostos de suas práticas empíricas. Ao largo da história, o 
liberalismo penal foi incapaz de se colocar como um verdadeiro 
óbice aos excessos e práticas penais irracionais. Talvez, com o mo-
vimento juristocrático brasileiro, as coisas tenham sido colocadas 
às escâncaras e, enfim, as tecnologias policiais tenham deixado de 
se camuflar nas sombras de princípios, regras ou tipos penais, para 
serem solenemente ignoradas pelos agentes públicos. Há uma ine-
gável mudança no ambiente político do judiciário, autorizando, 
portanto, que suas práticas já não mais tenham como base uma 
lei (que não deixa de ser o resultado de jogos de poder, como ex-
ploraram Chambliss e Seidman pela pista foucaultiana12), mas que 
possam ser chanceladas como uma resposta idiossincrática para 
o mal-estar generalizado da violência e da corrupção no Brasil.
Em particular, tomando com urgência o caso brasileiro, e 
seu protagonismo judicial em termos de uma governamentali-
dade punitiva, cabem ainda algumas notas. Se algum exercício 
cínico pode ser capturado nestas performances atuais dos agen-
tes judiciais, das mais diversas maneiras, serão tanto a farsa 
quanto o ridículo convidados privilegiados. No cinismo, prin-
cipalmente como racionalidade em termos de poder de julgar/
punir, nada cabe de (auto)crítica, pois, afinal, sabem muito 
bem o que fazem, mas ainda assim o fazem.
Contra isso, sempre caberá um esforço em expor as im-
posturas do ridículo que coloca sob a matéria de decisão penal 
12. Cf. CHAMBLISS, W.; SEIDMAN, R.. Law, Order & Power. 2 ed. London: Addison-Wesley, 
1982. 
em manifesto sua violência e suas brutais pretensões de poder. 
Que sobre a capa da universal imparcialidade posta como 
ideologia oficial seja ex-posta a nada ingênua perversão de 
suas razões particulares.
A atual conjuntura político-criminal, espelhada em de-
cisões inclusive das Cortes Superiores que flagrantemente 
desrespeitam a Constituição, apenas marca mais um instante 
triste do profundocaldo cultural autoritário que experimen-
tamos por tradição no Brasil, reatualizado por um racismo de 
classe, mas que nada dista da rotina naturalizada de violências 
seletivas, institucionalizadas e amparada categoricamente, não 
apenas por largo espectro midiático, mas por atores de Estado 
que ganharam protagonismo inédito e que acabam por orientar 
a persecução criminal.
A dinâmica das megaoperações policialescas e seus me-
gaprocessos nada menos arbitrários, vertidos sob o slogan 
do “combate à corrupção” – que a justiça criminal brasileira 
aprendeu a importar tardiamente, pouco importando ao menos 
se questionar o que tais práticas acarretaram de concreto nas 
experiências dos países que as realizaram, a saber, nada de 
decréscimo nas práticas de corrupção, todavia um sensível 
aperfeiçoamento nas suas performances –, constroem algo 
como que um arcabouço narrativo de arranque sobre o qual 
irá se debruçar toda e qualquer hipótese no processo penal, seja 
ela acusatória ou defensiva, e orientará todos seus movimentos 
e estratégias – algo como uma “pretensão delatória”, bem ao 
gosto da genealogia do poder de julgar inquisitorialmente posto 
e magistralmente examinado por Iñaki Anitua.
Passando longe de qualquer pré-ocupação de inocência 
democraticamente concebida, produzem-se subjetividades 
jurídicas (atores político-criminais) que, forjadas oportunis-
ticamente sem perder tempo, pois angustiados pela eficiência 
punitiva, amparam-se no cinismo dos “jogos processuais” e des-
tilam o medo como estratégia. Cinismo e medo, eis os afetos 
político-criminais centrais nestes contextos.
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 9
10 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
Sendo assim, o roteiro de uma criminologia midiática, 
instrumento de um populismo punitivo que é, dinamiza um 
autoritarismo cool. A pornografia penal terá um duplo e com-
plementar cenário: para a patuleia, costumeira clientela do 
sistema penal, um vasto cardápio de programação televisio-
nada na rotina policialesca “em ação”, entretanto, para a casta 
privilegiada, a ode punitiva deverá ter outra roupagem, afinal 
deve ser retratada através de capítulos diários como qualquer 
enredo de novela e finamente contornados por “delações” va-
zadas e veiculadas por veículos da grande mídia anêmica de 
democracia. Tudo amparado, enfim, por decisões judiciais “im-
parciais”. Portanto, a governabilidade de um dispositivo judicial 
inquisitivo não cessará em demonstrar suas reconfigurações. 
Que o discurso crítico, por sua parte, também não ignore sua 
responsabilidade em antever ambas implicações para além de 
sua arrogância desastrosa.
Que isto seja afeito a regimes que não se conformam à de-
mocracia não é necessário dizer. O trabalho de Iñaki Anitúa se 
situa neste espaço deixado quase em branco pela criminologia 
crítica. A força de seus argumentos, desde a base genealógica 
à crítica ao ativismo e atuarialismo demonstram, à saciedade, 
que se torna uma tarefa inadiável examinar, mais detidamen-
te, este aparato coercitivo.
Fazer uma política da criminologia pode ser muito mais 
frutífera que qualquer análise de política criminológica, ou 
ainda de uma criminologia política, mesmo ambas sedizentes 
críticas. Trata-se, em resumo, de ver a criminologia não apenas 
como saber, inclusive político e crítico, mas como um campo de 
intervenção permanente, lugar de uma política da criminolo-
gia. Portanto, levar a sério a pista que Sandro Chignola aponta 
quando escreve “Foucault oltre Foucault: una política della filo-
sofia”13, propriamente quanto ao sentido subjetivo do genitivo 
“della”, ou seja, fazer política por meio da criminologia. Uma 
criminologia que se permita fazer política, que se posicione 
13. CHIGNOLA, Sandro. Foucault oltre Foucault. Uma política della filosofia. Roma: 
DeriveApprodi, 2014.
neste campo, principalmente em tempos nos quais se pretende 
esvaziá-lo. Iñaki Anitua segue este esforço de crítica ao que se 
passa, engajando-se, neste que é um dos seus mais apurados 
estudos de história do presente.
Talvez nunca antes o alerta de Foucault devesse ressoar 
tão fortemente: “os juízes só são visíveis de vermelho”14. A 
justiça só interessará ao público em sua forma aguda, lá onde 
há crime, tribunal criminal, jogo da vida e da morte. Isto deve 
ser explicado ao menos tendo em vista um duplo movimen-
to identificado pelo professor francês. A justiça envelopada 
por uma “administração” equiparável aos demais poderes do 
Estado sofreu um duplo movimento, um para frente e outro 
para trás: por um lado, deixa escapar todo um domínio, cada 
vez maior, de negócios que se regulam atrás de si (como as 
contendas no plano econômico) e, além do mais, desvia-se, 
profundamente, das funções “sociais” de cuidado cotidiano.
Por certo que ela não deve se portar apenas como uma for-
taleza (ainda que o acesso a ela possa por vezes isto representar), 
mas é irônico que ela seja flexível, permeável, transparente. Em 
seus terrenos é a organização da desordem que produz efeitos 
úteis. No mecanismo judiciário que vela por nós, a desordem 
produz a ordem. Sobretudo, de três maneiras fundamentais: 
produz “irregularidades aceitáveis” ao abrigo das quais nos 
achamos numa tolerância consentida por todos; produz “dis-
simetrias utilizáveis”, assegurando, a alguns, vantagens que não 
têm outros que as desconhecem ou não podem tê-las; enfim, 
sobremaneira, produz aquilo de mais alto valor nas civilizações 
como a nossa – a ordem social.
Portanto, enormes ressonâncias de Kafka, em que o retrato 
do aparelho judiciário condiz com uma destas maquinarias de 
Jean Tinguely, “cheias de rodagens impossíveis, de lâminas que 
nada arrastam e engrenagens que fingem: todas as coisas que 
14. FOUCAULT, Michel. “O Limão e o Leite”. In: Repensar e Política. Coleção Ditos e Escritos VI. 
Organização e seleção de textos Manuel Barros da Motta. Tradução de Ana Lúcia Paranhos 
Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 237
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 11
12 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
´não funcionam´ fazem com que ´isso ande´.”15 Precisaremos 
referir em específico, o caso brasileiro, ou em alguma medida 
todos nossos sistemas judiciários latino-americanos atuais, e 
apontar o protagonismo assumido pelo Poder Judiciário como 
avalista da desigualdade e das relações vigente de dominação?
Tal tarefa pode ser movida adiante. E aqui, o leitor encon-
trará uma fonte inesgotável de inspiração, que permitirá a todos 
aqueles inconformados com a atuação deste órgão, perspectivar 
saídas e encontrar argumentos fortes o suficiente para sustentar 
as necessárias linhas de fuga. Como em tantos outros escritos, 
o trabalho do professor argentino é impecável, indicando que 
a criminologia crítica deve se ocupar deste campo, repleto de 
contradições performáticas e que merece ser vigiado mais de 
perto por aqueles preocupados com os rumos das democracias 
contemporâneas.
Porto Alegre, março de 2018.
Augusto Jobim do Amaral
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS
Pós-Doutor em Filosofia Política pela Università Degli Studi di Padova/ITA
Pós-Doutor em Filosofia do Direito pela Universidad de Málaga/ESP
Doutor em Altos Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra/POR
Ricardo Jacobsen Gloeckner
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS
Pós-Doutor em Direito pela Università Federico II/ITA
Doutor em Direito pela UFPR.
15. FOUCAULT, Michel. “O Limão e o Leite”, pp. 238-239.
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Gabriel Ignacio Anitua
É motivo de orgulho que meu recente trabalho tenha uma 
versão para ser lida no Brasil. Por isso meus sinceros agradeci-
mentos aos colegas Augusto Jobim do Amaral e Ricardo Jacobsen 
Gloeckner, com quem compartilho muitos interessesacadêmi-
cos e também preocupações cidadãs.
É precisamente por estas últimas preocupações que me arris-
co a falar oportuna e humildemente, desde as sugestões propostas 
neste livro, da investigação sobre a questão judicial, perspectiva a 
qual não duvido será ampliada com estudos mais concretos acerca 
do sistema da justiça penal brasileiro.
Que estas investigações se desenvolvam é uma verdadeira 
necessidade, atentando-se para a infeliz situação do tema aqui 
tratado. Outra vez com a imagem do início de “Anna Karenina”, 
parece que a forma particularmente infeliz com a qual a justiça 
no Brasil aparece necessita muito mais do que investigações teó-
ricas ou empíricas desde o âmbito acadêmico.
Desde a sempre próxima Buenos Aires observei, com 
especial preocupação, o processo judicial que desaguou no 
impeachment de Dilma Rousseff, em abril de 2016, e a irre-
gular situação política que isso gerou. Assim como também 
as posteriores persecuções contra Luiz Inácio Lula da Silva, 
o candidato com maior intenção de voto popular segundo as 
pesquisas, que em janeiro deste ano recebeu a confirmação 
da sentença de condenação por parte dos desembargadores 
João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos 
Santos Laus. Eles elevaram a condenação de nove anos e meio 
para doze anos e um mês de prisão e, mais importante ainda, 
14 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
intervieram assim diretamente no jogo político eleitoral. Essa 
hiperatividade e velocidade judiciais encaminham-se, ao que 
parece, para revogar a candidatura ou para impedir a assunção 
presidencial de Lula – caso o jogo jurídico de recursos tenha 
êxito, faça-o participar da eleição e a vença – como se vaticina.
Esses são dados de um contexto no qual a justiça penal, junto 
com os meios de comunicação, aparece como uma das principais 
ferramentas políticas capazes de estabelecer um modelo contrário 
à vontade popular, mas que provavelmente conseguirá aumentar a 
insegurança e a ingovernabilidade nas quais afundou a cidadania 
no Brasil.
No dizer de Boaventura de Sousa Santos “o sistema judi-
cial, que tem como sua função a defesa e a garantia da ordem 
jurídica, transforma-se em um perigoso fator de desordem jurí-
dica”. Explica o respeitado professor português, através do que 
ele considera como medidas judiciais flagrantemente ilegais e 
inconstitucionais, a seletividade grosseira do zelo persecutório, 
a promiscuidade aberrante com os meios de comunicação ao 
serviço das elites políticas conservadoras, e outras situações nas 
quais a justiça penal é protagonista, conformando “uma situação 
de caos judicial que ressalta a insegurança jurídica, aprofunda a 
polarização social e política e põe a própria democracia brasileira 
à beira do caos”.
Em todo caso, esse protagonismo político do sistema de 
justiça penal brasileira é muito destacado, muito visível. Desde 
distintas partes do mundo se adverte, geralmente com preocu-
pação, e através da principal fonte de iluminação (os meios de 
comunicação) como algo inclusive “brilhante”. É, com efeito, 
uma espécie de “cifra luminosa” da atuação do sistema de jus-
tiça criminal.
Não obstante, minha preocupação também descansa, 
como aparece no livro, sobre a “cifra obscura” dessa atuação 
judicial desde a qual diretamente provoca outros efeitos no 
querido país irmão que igualmente me assustam. Refiro-me a 
esse outro fenômeno, menos visível, mas igualmente perigoso 
para o futuro do Brasil, que constitui o processo em curso há 
mais de vinte anos, do hiperencarceramento ou encarceramen-
to em massa. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, 
havia 622.202 presos em 2016 (com um aumento de 167% desde 
o ano 2000). O Brasil tem a quarta maior população carcerá-
ria do planeta, atrás de Estados Unidos, China e Rússia. Esses 
dados devem ser vistos como a expressão quantificável de todo 
um sistema geral de controle da população pobre e vulnerável 
através da violência estatal.
Tanto nas violências exercidas pelo sistema penitenciário 
e policial quanto na desorganização política e social do país os 
juízes penais têm uma clara responsabilidade.
É por isso que parece uma obviedade predicar a mencionada 
necessidade de refletir como cidadãos e estudar como acadêmi-
cos a questão da justiça penal no Brasil. Especialmente, creio, é 
uma obrigação para os formados nas disciplinas jurídicas, como 
os próprios juízes e todos aqueles que levam a sério o projeto 
político do assim chamado “Estado de Direito”.
Para além do fato de que esse tema do poder judicial deveria 
ser o objeto de atenção de todas as disciplinas que afirmam estudar 
o direito e o sistema penal, certo é que isso não ocorre no “Direito” 
que se ensina nas universidades brasileiras (nem nas argentinas), 
instituições destinadas a formar estes mesmos operadores jurídi-
cos. Nem mesmo se ensinam as leis orgânicas ou de organização 
do poder judicial e do Ministério Público. Na melhor das hipóte-
ses, algo desta temática é abordado nas disciplinas vinculadas à 
sociologia ou à chamada “criminologia”. Mas isso somente ocorre 
quando esta supera os velhos preconceitos positivistas que a li-
mitavam à análise do “delinquente”. Qualificou-se este tipo de 
criminologia como “crítica”, situada nesse “campo polivalente” 
(nos dizeres de Enrique Marí) de estudo sobre os problemas jurídi-
co-penais, que excede o marco teórico e metodológico tradicional 
das ciências jurídicas e que opera nos confins da política, da socio-
logia, da antropologia, da psicologia e outras ciências sociais. Isso 
também foi apresentado como sociologia jurídica ou sociologia 
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA - GABRIEL IGNACIO ANITUA 15
16 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
do direito, e em outros lugares como socio-legal studies, law in 
context, law and society studies etc. Não faltam expositores destas 
matérias em idioma português. Quem mais contribuiu para am-
pliar esta forma de observação sobre o poder judicial foi, em nosso 
meio, Boaventura de Sousa Santos (veja o capítulo 3 do livro Socio-
logía Jurídica Crítica: para un nuevo sentido común en el derecho, 
Madrid, Editorial Trotta/ILSA, 2009), o qual também pode ser 
incluído na grande equipe de referências da criminologia crítica.
Nesse marco incluo as páginas que agora apresento, ad-
vertindo que ainda que se tenha enfatizado historicamente, a 
perspectiva crítica recebe a influência da sociologia e da política, 
o que não é exclusivo deste trabalho nem da perspectiva crítica.
A complexa tarefa de politizar e sociologizar a questão ju-
dicial penal é advertida inclusive na descrição (e crítica, via de 
consequência) das normas jurídicas e também das decisões ju-
diciais concretas. Contudo, entendo que se deve ir além disso 
para compreender qualquer fenômeno que se relacione com o 
sistema penal. Nesse sentido, parece necessário analisar a con-
formação e funcionamento atual das agências judiciais e do 
Ministério Público.
Uma tarefa que requer algum tipo de transdisciplinarida-
de. Uma vez que o sistema penal “é induvidosamente um objeto 
de conhecimento multifacetado ao qual não se pode acessar 
mediante uma única descrição normativa (Bergalli, Roberto, 
Control Social Punitivo. Sistema Penal e Instancias de Aplicación: 
Policía, Jurisdicción y Cárcel, Barcelona, M. J. Bosch, 1996, p. 
VIII), o estudo de quaisquer de suas instituições torna necessário 
e imprescindível este recurso às distintas disciplinas que incluem 
a filosofia, a antropologia, a sociologia, a história, a psicologia, 
entre várias outras. Faz-se necessário, assim, colocar em crise 
aquela compartimentalização que obrigava e legitimava a divisão 
em “disciplinas”, tanto dentro do direito como do direito no seio 
do conhecimento sobre o social. Retomando antigas reflexões 
dos expoentes da chamadaEscola de Frankfurt, verificou-se a 
necessidade de se recorrer a outro tipo de investigações alheias 
aos métodos fragmentários, assistemáticos e avalorativos que 
imperam nas “distintas” ordens das disciplinas.
Estas “disciplinas” às quais se deve recorrer pertencem 
principalmente ao campo das ciências sociais, uma vez que no 
sistema penal aparecem questões que vão para além das leis 
específicas, e portanto, não são compreensíveis somente desde 
uma postura jurídica positivista (aquela é parte integrante, 
também, do sistema social e por isso participa de seus limi-
tes). Por isso, a revisão desde o enfoque sociológico de qualquer 
instituição penal resulta imprescindível. Mas não é somente 
necessária a sociologia, já que na justiça penal se aproximam 
questões políticas e éticas fundamentais para a nossa vida em 
sociedade.
A análise jurídica não está, nem deve estar cega relativa-
mente aos seus pressupostos ideológicos concretizados nas 
instituições terminais, que finalmente determinarão o seu con-
creto agir social.
É por tudo isso que o jurídico não se pode traduzir como 
“técnico” e o aporte das outras disciplinas, sobretudo de tom 
descritivo das realidades, impõe já não apenas a reflexão pro-
priamente jurídica, mas também política. A necessidade que 
assinalo é a de inserir a análise jurídica (e não por acaso quando 
esta análise entre em campo com as instituições do sistema penal 
e mais concretamente, com as da justiça penal), dentro de esque-
mas políticos mais globais. O objetivo declarado é o de conseguir 
transformações jurídicas e, portanto, políticas e sociais.
Desta forma, o enfoque transdisciplinar que se propõe no 
livro tenta compatibilizar as melhores expressões da sociologia, 
da antropologia e da história, com os limites filosóficos e po-
lítico-penais próprios do pensamento ilustrado, que o direito 
penal atual reflete no garantismo, este último capaz de colocar o 
indivíduo em uma posição privilegiada, e também na “racionali-
dade” ligada a valores finais como o de pacificação e participação 
democrática e igualitária.
Tudo isso supõe um posicionamento expressamente 
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA - GABRIEL IGNACIO ANITUA 17
18 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
político, o que certamente forma parte da criminologia crítica 
que compartilhamos com os muito valiosos expoentes desta 
tendência no Brasil.
São tantas e de tão boa qualidade as investigações feitas 
pelos meus colegas brasileiros que a isso pouco um argentino 
poderia agregar, que apenas conhece essa realidade criticável. 
De fato, se menciono as preocupações vinculadas à violência 
social e estatal no Brasil, é pela grande quantidade de produ-
ção sobre os problemas penitenciários e policiais que produz a 
criminologia crítica brasileira.
Não obstante, esta visão crítica não parece estar tão pre-
sente nas investigações atuais sobre o judiciário, que dada a sua 
escassez, devem ser sempre agradecidas, de todas as maneiras.
Se é um fato grave que não se investigue o agir dos juízes, 
membros do Ministério Público e dos defensores, e se analisem 
desde o exterior de suas instituições corporativas as diversas 
formas de organização, muito mais grave é que isso deixe de se 
fazer desde postulados políticos e acadêmicos progressistas ou 
de esquerda. A criminologia crítica brasileira deve se ocupar desta 
tarefa e tenho fé de que seus promissores cultores o estão fazendo 
através de investigações concretas.
A atenção que neste livro se dedica à “questão judicial” signi-
fica um aporte desde a história e desde certas tendências globais 
(como aquela do atuarialismo) que entendo terem influência 
também no Brasil. Mas também se propõe, reitero, a necessária 
politização destas perspectivas e do método transdisciplinar, que 
é a verdadeira matriz que assegura uma reflexão moral.
Este livro é, então, uma nota para se colocar o sistema de 
justiça penal como o principal objeto de atenção de uma cri-
minologia crítica ou sociologia jurídico-penal no Brasil. Mas 
uma crítica que não se descole e, pelo contrário, que mantenha 
pontos em comum tanto com os estudiosos do direito penal 
como de seus operadores jurídicos.
Esse objetivo deve ser ineludivelmente político, e é por isso 
que inclusive a tarefa descritiva alcança com esta visão um com-
ponente político prático vinculado à denúncia e à reforma ou à 
mudança. Trata-se, assim, de reiterar a importância destes temas 
e instituições para realizar um saber comprometido com a polí-
tica penal ou criminal de determinada feição.
Creio que se deva comemorar que se publique este livro aqui 
e agora, quando a necessidade de pensar e transformar os poderes 
judiciais e o Ministério Público se tornam iniludíveis em “Nos-
samérica”, e em particular no Brasil.
Sem ignorar a importância que continuam tendo as agên-
cias policiais e aquelas relacionadas ao castigo, se poderia 
afirmar que da sorte das agências judiciais depende em grande 
medida as das outras duas, supostamente vinculadas a ela por 
sua direção e controle.
Não apenas dali vem a sua importância. Em grande medida 
compartilho o que foi assinalado, com genial redação, pelo meu 
professor Edmundo Hendler, quando afirma que “da trilogia 
que conforma delito, processamento e castigo não apenas o se-
gundo é mais importante; bem se poderia pensar que o castigo 
seja apenas o pretexto para dar lugar ao processamento” (Hen-
dler, Edmundo, “Enjuiciamiento penal y conflictividad social”, 
in Maier, Julio; Binder, Alberto (comps.), Homenaje al Prof. 
David Baigún, Buenos Aires, del Puerto, 1995, p. 378).
E assim, para além de sua importância, o certo é que o 
processamento é a parte mais crítica deste trio. E que por sê-lo 
tem a potencialidade de ser a menos violenta, capaz de reduzir 
ou sair das violências que justificam que falemos de delitos e 
de castigos. Mas a violência e a dor, em verdade, subsistem, 
formam a parte essencial de nossas disciplinas penais, e a base 
com a qual estamos acostumados a trabalhar: juízes, promoto-
res de justiça e defensores.
A análise própria destes personagens e das organizações que 
integram o juízo, o direito e o direito penal em particular, mos-
tra-nos que estas agências nem sempre se opõem à violência, já 
que muitas vezes apenas a refletem e a legitimam. O paradoxo e 
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA - GABRIEL IGNACIO ANITUA 19
20 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
a ambivalência das já criticadas análises “formais”, não obstante, 
permitem ao direito se diferenciar da violência ou, em todo o caso, 
sublimá-la. Isto não é necessariamente negativo, pois, como disse 
Eligio Resta (na La certeza y la esperanza. Ensayo sobre el dere-
cho y la violencia, Barcelona, Paidós, 1995), é possível “enganar” a 
violência através do direito como produto cultural, e este pode se 
constituir em uma “mentira nobre” que convença a todos e per-
mita no futuro iludir assim a violência. Contudo, isso deve ser 
pensado e planificado para que assim suceda, e deve conter esses 
componentes voluntários mínimos de pacificação e democratiza-
ção. Deve-se problematizar a “questão judicial” através da chave 
política da pacificação, democratização e igualdade.
O modelo de organização da justiça e do direito penal rela-
cionado com o sistema de justiça penal, que também se propõe 
neste texto, aponta nesta direção. O direito garantidor de que se 
fala, inclusive com uma única dimensão processual e agnóstica, 
ademais de incorporar o rechaço à violência, permite elaborar 
um critério jurídico que outorgue pautas para a articulação de 
políticas democráticas e que nos afaste da violência da cultura 
atual sem impor outra mais poderosa. Essa alusão à democracia 
implica a distribuição igualitária, pois deve facilitar o gozo dos 
bens materiais a todas aspessoas, e também outro tipo de re-
cursos que deem conta de uma efetiva participação no público, 
dentro do qual se encontra o juízo penal.
Isso implica a assunção do público como o lugar de inte-
gração de todas as pessoas, algo que está bem longe de permitir 
– já que é mais bem um obstáculo – tanto o sistema de justiça 
penal que conta com a matriz de origem que aqui se descreve, 
quanto a tarefa cotidiana de alguns operadores que formam 
parte da sua crônica diária.
Um primeiro passo para chegar a esse fim é não cair na his-
teria ou no pessimismo. Sempre de acordo com meus professores, 
neste caso Zaffaroni, sugeriria prudência e cuidado. Essa primeira 
medida, mais do que um passo, pode ser a colocação de um freio: 
um freio de emergência (como propunha Walter Benjamin).
Isso deve ser advertido especialmente pelos próprios 
membros do poder judiciário brasileiro, que assim poderiam 
evitar a espiral de violência e descrédito nas quais eles pró-
prios cairão, mais cedo ou mais tarde. Os setores majoritários 
da justiça penal devem ser valentes, serenos e cautelosos para 
conseguir a contenção da própria violência e aquela que se 
estende socialmente. Ainda há tempo de cumprir a sua parte 
de responsabilidade na consolidação da ordem e da convivên-
cia democráticas, limitando especialmente a violência que se 
exerce, interna e externamente, a serviço de interesses cor-
porativos, usualmente muito poderosos. Por detrás disso, as 
instituições de controle (e também de cidadania) devem estar 
preparadas para impedir a reiterada prevaricação e abusos ju-
diciais, muitas das vezes em consórcio com comunicadores 
sociais irresponsáveis e políticos incapazes.
Enfim, nem de longe com estas palavras e com este livro 
que se apresenta esgota-se a amplitude de aspectos necessá-
rios a serem analisados criticamente. Muito mais há para ser 
estudado e proposto rapidamente como objeto de atenção. 
Confio nestas investigações futuras, realizadas talvez pelos 
leitores e leitoras com quem se pretende manter um diálo-
go fecundo.
Buenos Aires, 23 de fevereiro de 2018.
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA - GABRIEL IGNACIO ANITUA 21
INTRODUÇÃO
O julgar é um poder terrível, além de uma responsabilidade 
difícil e complicada. Talvez, isso fique, em maior medida, evi-
denciado quando se atribui a essa função a consequência penal, 
que, conforme será dito neste ensaio, não é eterna e possui sua 
história. A problemática, tanto individual quanto institucional, 
daquele que deve resolver um conflito, ou a quem se atribui tal 
poder, corre à beira desse curso histórico.
Mais, além disso, já que muitas dessas perguntas e pos-
síveis respostas a esses problemas já foram formuladas, no 
presente momento, a análise da justiça penal merece a atenção 
de especialistas e pessoas, possíveis usuários do poder jurisdi-
cional em geral. Tanto na Espanha quanto na América Latina, 
o fenômeno da justiça penal é analisado tanto pela demanda ou 
intolerável presença em assuntos “políticos”, quanto pela sua 
suposta eficácia ou inoperância em assuntos “comuns”.
Ambos os fenômenos, que poderíamos identificar como 
uma “cifra clara” e uma “cifra negra” da atuação judicial penal, 
devem ser analisados desde parâmetros criminológicos ou da so-
ciologia jurídico-penal. Devem e têm de ser postos em “questão”.
Ao perguntar sobre a administração da justiça penal, ao 
colocar essa função e essa instituição “em questão”, pretende-se 
fazer referência direta à chamada “criminologia crítica”. Refiro-
-me, sob essa vasta denominação, especialmente, ao rastro muito 
influente, que há mais de quarenta anos, começou a deixar Ales-
sandro Baratta, numa revista a qual chamou precisamente “La 
questione criminale”, como forma de manter a linha de continui-
dade com os investigadores e ativistas sobre a “a questão social” 
da Itália do final do século XIX (e que se diferenciava assim dos 
GABRIEL IGNACIO ANITUA 2524 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
chamados “positivistas”, que reduziam suas análises a situações 
individuais). Dentro dos novos objetos de atenção da “crimino-
logia crítica”, ou como quer que se denominasse essa nova forma 
interdisciplinar de análise, estava, especialmente, o próprio siste-
ma penal abstrato ou concreto, que, nos trabalhos posteriores de 
Baratta (1986) e Bergalli (1999), classificou-se como “instâncias 
de aplicação do sistema penal.” Refiro-me ao que genericamente 
podemos indicar como o trio “polícia, jurisdição penal e castigo”. 
As três instâncias, ou agências, entre as quais se têm distribuído 
atualmente o sistema penal, são as encarregadas da denominada 
criminalização secundária e, por isso, têm uma responsabilidade 
muito grande na chamada seletividade do poder punitivo, que é 
uma característica intrínseca do exercício dessa forma social de 
poder. É desde então que, por terem sido descuidadas ou dadas 
como naturais na criminologia tradicional, as próprias atuações 
do Estado, em matéria penal, converteram-se no principal objeto 
do estudo dos pensamentos críticos sobre esta matéria. Estudá-
-las implica, naturalmente, exercer algum tipo de controle sobre 
o dito poder punitivo, o que supõe também um posicionamento 
expressamente político, que certamente não é uma novidade.
Em todo caso, sim, cabe agregar que a maior investigação 
empírica e produção teórica da chamada “criminologia crítica” 
recaiu, em princípio, sobre a instituição penitenciária e, mais 
recentemente, na policial. Não deixa de ser curioso que aquela 
instância judicial seja a mais descuidada, quando é, eviden-
temente, a mais próxima ou ligada ao discurso estritamente 
jurídico (disciplina na qual foi formada a maior parte dos cri-
minólogos críticos espanhóis e latinoamericanos).
Podem ser citadas importantes exceções. Entre elas, espe-
cialmente, dois daqueles professores que mais me influenciaram 
e que, nos anos noventa em que era um jovem graduado, foram 
autores de dois importantes trabalhos para prestar atenção na 
“questão judicial”. Refiro-me a Roberto BERGALLI, autor de 
muitos trabalhos e em especial Hacia una cultura de la jursidic-
ción: ideologias de jueces y fiscales (1999), e a Raúl ZAFFARONI 
e ao seu contributo em Estructuras judiciales (1994).
Quero render uma homenagem aos dois, apesar de que 
neste ensaio não farei o que eles fizeram já nesses trabalhos, 
senão que me limitarei a colocar em questão histórica a justiça, 
tentando apontar alguns momentos do passado, que servem 
para entender o poder judicial no nosso presente.
Contudo, não será este um trabalho rigorosamente his-
tórico. Em tal sentido, serão seguidas algumas intuições 
metodológicas de Michel Foucault, mesmo que esse tipo de 
análise com referência histórica, que não requer necessaria-
mente o rigor dessa disciplina, não tenha começado com o 
grande autor francês. Todos os autores que serão citados aqui, 
como Bodin, Montesquieu ou Tocqueville, assim como os pais 
da sociologia, Marx, Weber e Durkheim, fizeram um uso es-
pecífico da história para dar conta das questões e problemas 
da sociedade do seu tempo. A referência a essas ferramentas 
da história lhes permitiram contrastar hipóteses explicativas 
sobre o surgimento, desenvolvimento e conformação, na atua-
lidade, do fenômeno que os preocupava concretamente. “Com 
a ajuda do método histórico-comparativo puderam estabelecer 
que as sociedades são sistemas nos quais os grupos sociais, as 
instituições, as crenças, as doutrinas, estão inter-relacionadas 
e serão estudadas em suas conexões mútuas, em sua gênese e 
desenvolvimento. É que os sistemas sociais são mutáveis, estão 
submetidos a mudanças e transformações que se produzem, 
entre outras coisas, porque o campo social está atravessado por 
contradições, conflitos, lutas, interesses, ajustes, desajustes, 
reajustes”, dizem VARELA e ALVAREZ URIA(1997: 51).
Denominou-se esse tipo de análise como “história do pre-
sente”. E eu poderia estar de acordo com essa denominação se 
se deixasse claro, pelo menos neste caso, que se terá mais em 
conta o presente do que a “história” em si. De qualquer maneira, 
acredito que esta aproximação resulta útil na investigação sobre 
o poder de julgar, na medida em que o estudo histórico se faz já 
não com a pretensão de encontrar uma “verdade” no passado, 
GABRIEL IGNACIO ANITUA 2726 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
senão para reconstruir o passado das nossas “verdades”. Mas, 
como indicava Michel FOUCAULT, não se pretende remontar ao 
tempo para encontrar uma grande continuidade, nem uma pre-
tensa evolução ou determinismos, mas, ao contrário, perceber 
os acidentes, os eventos ou os marcos que estão na raiz do que 
se conhece e existe (1992a: 13). Como apontou Robert CASTEL 
“o método genealógico procura as filiações. Mais exatamente, 
tenta, quando se trata de um acontecimento determinado, com-
preender a relação existente na sua constituição entre os efeitos 
de inovação e os herdados” (1983: 9).
A genealogia, assim definida, aponta para a revelação de um 
dado da realidade atual. Tenta desvelar os interesses e demais pro-
blemas ocultos por trás daquilo que ficou consolidado em forma 
de instituição, algo que parece especialmente importante naquela 
instituição hoje quase naturalizada e assim legitimada no exercí-
cio de um dos poderes mais terríveis sobre as pessoas.
Por isso é um recurso necessário para estudar esta área do 
poder, pois, como afirmou ZAFFARONI, “um poder judicial sem 
história corresponde à imagem sem contornos de um juiz que 
sempre quis sustentar o establishment, ou seja, a de um juiz que, 
por ser asséptico, o poder lhe perpassa sem tocá-lo, porque não 
o protagoniza” (1994: 12).
Da mesma maneira se expressava BERGALLI ao ressaltar a im-
portância de uma “História da questão criminal latinoamericana” 
(1999: 230), para se opor à imagem ideológica e autorrepresentati-
va daqueles que atuam no poder judicial, como se estivessem fora 
dos seus condicionamentos políticos e sociais.
Para além de insistir, assim, na referência histórica, destaca-
-se que se fará isso no trabalho de forma geral, deixando por um 
momento de lado uma necessária análise das características pró-
prias do particular contexto social, econômico, cultural e jurídico 
dos diferentes espaços geográficos, sejam nacionais ou regionais. 
Cada um desses âmbitos oferecem características e disposições 
diferenciadas e, assim como sinaliza Tolstoi – ao começar Anna 
Karenina – que “todas as famílias felizes se parecem umas com 
as outras; mas cada família infeliz tem um motivo especial para 
se sentir desgraçada”, é válido apontar que as “justiças” de cada 
país são desgraçadas por suas específicas e particulares circuns-
tâncias. Não obstante, aqui se prestará atenção nos caracteres 
que dão conta dessa dificuldade e mal-estar comum dentro da 
questão judicial penal.
Para isso, tentar-se-á evitar uma típica “armadilha” fami-
liar, que consiste em esconder os antepassados obscuros dos 
quais não cabe se orgulhar ou dos quais não haja herança a ser 
reclamada. A administração da justiça atual é produto dessas 
circunstâncias, que costumam estar entrelaçadas com fatos 
notáveis, inclusive “mitificados”. Isso é especialmente notá-
vel no que diz respeito às ideias reformistas da ilustração e do 
constitucionalismo, que nunca foram realizadas de verdade. E 
isso por não atender às realidades precedentes, concomitantes 
e futuras. Como diz Alejandro NIETO, um grande crítico do 
sistema judicial, “os anos parecem não correr e no século XXI 
seguimos falando de Rousseau e Montesquieu e silenciando – 
quando não ignorando – um século inteiro, o XIX, de guerras 
civis constantes e de uma administração da justiça que nem em 
um ano sequer foi administrada ou repartiu justiça; ao tempo 
que se ocultam deliberadamente os desastres do caciquismo, 
a guerra civil de 36 e a ditadura. Supõe-se que tão tenebroso 
passado pode se remediar com a conjuração de simples verbalis-
mos constitucionais: ‘a justiça emana do povo’ (...) surpreende 
inclusive que neste beatério não se tenha proclamado também 
que os juízes são ‘justos e benéficos’” (2004: 61 e 62).
Entendo que esse “tenebroso passado” também requer um 
estudo adequado. Como em qualquer dos poderes públicos, 
no geral, mas em particular nos que se relacionam com os con-
flitos humanos, esse estudo deve começar pela compreensão 
do problema cultural e político que justificou sua aparição e 
manutenção. Para isso, é oportuna esta mistura de ferramentas 
que não coincide, embora não desdenhe das análises clássicas 
do tipo de história das ideias, de história das mentalidades, e 
28 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
que também atende a biografias ou histórias mínimas.
Conforme já falei, acredito sobremaneira que isto é re-
levante no que se trata do poder de julgar, manifesto em sua 
forma mais brutal nesse poder em relação a determinados con-
flitos e com a violência, o que remete à análise especialmente 
do que fazem e fizeram os juízes em matéria penal. Isso não 
se aplicará a um contexto nacional específico, mas se colocará 
atenção aos condicionamentos políticos e sociais sobre a ins-
tituição judicial, o que por sua vez requererá prestar atenção 
também ao momento jurídico, tanto na sua dimensão políti-
co-constitucional, quanto na estritamente penal e processual.
Capítulo 1
AS ORIGENS DAS ESTRUTURAS JUDICIAIS
Os sistemas de julgamento penal andaram juntamente 
com a história política e guardam perfeita correspondência com 
ela, como nos ensinou Julio MAIER (1996: 442). O mesmo pode 
ser dito dos sistemas de organização do poder no que toca à 
tarefa de julgar. E isso remete diretamente à questão por anali-
sar, a questão judicial, e à indagação sobre certas permanências 
ou momentos históricos que digam algo sobre a natureza e 
função daquelas instituições e pessoas, que se justificam como 
artifício encarregado de resolver certas disputas.
No começo, se se insiste no julgar enquanto fenômeno 
cultural e político é porque resulta fundamental para poder 
falar deste, de fato, como um artifício, e sublinhar que não se 
trata de um fenômeno natural. O que, por certo, não lhe retira 
nenhum valor, nem desmerece a instituição, senão o contrário: 
tenho para mim que todo o artificial é realmente imprescindí-
vel para as pessoas, caso contrário não o teriam criado, e que “o 
natural”, às vezes, é injustamente valorado de forma positiva. 
Insisto na “artificialidade” precisamente como a consequência 
da decisão de colocá-lo na história, e contra certa pretensão 
“naturalizadora” desta questão.
Não obstante, Perfecto Andrés Ibañez, na mais recente e 
indispensável obra sobre esse poder, e de onde tomei a palavra 
“herdado”, sustenta que “na maioria dos grupos humanos mini-
mamente articulados resulta constatável a existência de alguma 
instância, no mais amplo sentido, institucional, encarregada de 
dirimir os conflitos dos associados entre si e com o próprio grupo” 
e que desde esse ponto vista “a presença da função de julgar cons-
titui uma certeza universal” (ANDRES IBAÑEZ, 2015: 43).
GABRIEL IGNACIO ANITUA 3130 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
Isso pode e deve-se discutir, desde outros pontos de vista 
que incluam especialmente a antropologia, da qual poderia ob-
servar-se diferentes maneiras de resolver os conflitos, incluindo 
muitas “instâncias”, que pouco têm a ver com o que interessa aos 
fins deste ensaio.
Em todo caso, parece evidente que para aquilo que importa 
aqui – nosso presente – é fundamental analisar a coexistência do 
poder de julgar dentro da forma “Estado”, que começa a surgir no 
finalda Idade Média européia e, por outro lado, relaciona-se com 
a emergência do que se tem denominado como questão penal ou 
criminal (ZAFFARONI, 2011; ANITUA, 2015).
É nesse período que se produziram as mudanças mais 
importantes na forma da política e em concreto da política 
criminal, e tais mudanças perduram até a atualidade, apesar 
de serem peculiarmente questionadas. Os seguintes conceitos 
têm sua origem naquele importante momento histórico: “ca-
pitalismo”, “Estado”, a noção de “monarquia” como sinônimo 
inicial do paradigma da “soberania” (que se manterá, apesar 
da paulatina e feliz abolição das monarquias a partir do século 
XVIII), a “burocracia” como governo em mãos de expertos, e um 
novo desenho do poder em mãos do Estado que, com as noções 
de “delito” e de “castigo”, conformará o “poder punitivo”. Ainda 
que não tenham surgido nessa época, foi também quando se 
produziu a redefinição e começava a globalização de conceitos 
tais como “justiça” e “direito”, que provinham especialmente do 
passado romano comum dessa parte da Europa.
Isso, de fato, relaciona-se com a profunda “marca” que 
Roma deixou no Ocidente e no mundo globalizado (LEGENDRE, 
2008). Se aquela época segue presente em tantos aspectos cultu-
rais e políticos é porque, entre outras coisas, deixou uma herança 
inapagável pela sua complexidade quanto ao fenômeno jurídico 
e na forma de entender a justiça. Como se verá, essa presença do 
direito romano, inevitável no presente, também teve uma aura 
de justificação mítica, embora diferente, tanto no momento de 
aparição das estruturas estatais, ao final da Idade Média, como 
na sua passagem a formas mais ou menos liberais, entre os sé-
culos XVIII e XIX.
Será necessário, portanto, um breve exame da organização 
da justiça na época em que a cidade de Roma organizou a civiliza-
ção em torno ao mar Mediterrâneo. Nessa forma de organizá-la 
não foi menor a figura da iuris dictio, a qual parece aproximar-se 
menos do tradicional “dizer” e mais à etimologia de “ditar” (que 
vem desde “dedo” e chega até “ditadura”).
Da época da monarquia não ficam quase rastros, ainda 
que se saiba que o poder de julgar era exercido diretamente e 
de forma pessoal pelo rei que, junto ao poder político e religio-
so, reunia em si todas as funções jurisdicionais, especialmente 
aquelas penais, apesar de que “não se conheciam normas gerais 
processuais as quais sujeitar-se para o exercício desse direito de 
coação penal” (MOMMSEN, 1999: 388). Em tal sentido, essas 
atribuições se associavam às religiosas e estavam formalmente 
encabeçadas por “pontífices” e assessorados por juristas. Já antes 
da instituição da República se produziu uma espécie de delega-
ção de funções entre magistrados chamados duumviri. Nos casos 
penais mais graves, como os delitos de alta traição, correspondia 
a dois magistrados chamados duoviri perduellionis. O povo, não 
obstante, contava com um recurso para insurgir-se contra a de-
cisão do Rei ou de seus magistrados: a provocatio ad populum, 
que obrigava a assembleia popular a reunir-se e decidir sobre a 
anulação das consequências prejudiciais de tal decisão.
Este antecedente e a instauração da República provo-
caram a aparição de um novo sistema de julgamento e assim 
novas formas de exercer o poder de julgar. Este procedimento 
surgiu paulatinamente, mas, finalmente, mudou de mãos tanto 
o poder de requerer como o de decidir, que recaíram sobre o 
povo (acusação popular e algum tipo de tribunal de jurados). 
Durante a República romana, de qualquer forma, a maioria 
dos conflitos continuavam sendo resolvidos de forma privada 
entre as partes envolvidas e aqueles que decidiam o pleito. Estes 
foram os pretores e outros magistrados menores, uma vez que 
GABRIEL IGNACIO ANITUA 3332 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
os cônsules delegaram esse labor (STEIN, 2001:12), embora não 
tivessem a prerrogativa de funcionários estáveis. Este é o mo-
mento de maior desenvolvimento do direito romano. A partir 
das míticas XII tábuas se organizou esse saber em torno das 
decisões da jurisprudência que, de “secreta” e pouco previsível, 
passou a estar organizada ao redor das influentes formas de 
raciocinar dos expertos, que, por aconselhar esses “pontífices”, 
passaram a ser verdadeiros organizadores dessa forma, a jurídi-
ca, que ainda hoje está vigente e informa o sistema de resolver 
disputas (IGLESIAS, 2007: 140 e ss).
A República estabeleceu um limite acentuado ao poder 
de julgar em mãos do funcionário, com a sua transferência a 
tribunais “populares”, como os “curiais”, os “centuriais” ou os in-
tegrados por “tribos”, que davam conta de uma limitação posta 
pela divisão de poder. Com todo o peso que tinha o “comício” 
para a tomada de decisões, a faculdade de impor penas ou a coer-
tium, sempre formou parte do imperium que esteve em mãos dos 
magistrados eleitos para tal fim: os pretores, principalmente, 
tomavam decisões que, excepcionalmente, eram recorríveis.
Logo, com o Império e a fase expansiva dessas formas 
organizadas politicamente ao redor das cidades, economica-
mente baseadas na exploração de escravos, reviveu-se a cognitio 
(método “vertical” de busca da verdade e atribuição da razão 
própria da monarquia romana) em mãos do Senado imperial e 
dos cônsules, e também, finalmente, do próprio Imperador e dos 
magistrados por ele nomeados, que constituíram a aparição dos 
primeiros funcionários oficiais encarregados especificamente de 
julgar penalmente e com estabilidade no cargo. Foi de grande 
importância o praefectus urbi, de nomeação imperial, o qual 
acabou por deslocar o pretor. Era juiz de apelação, tinha juris-
dição e poder de polícia, que em seu distrito se estendia por um 
raio de cem milhas em Roma. E também exercia sua faculdade de 
investigação através dos seus ajudantes. Nasceu assim também 
o germe do sistema de persecução penal pública de responsabi-
lidade de funcionários, que é recebido pela inquisição e, dessa 
forma, chega até nossos dias. Com Diocleciano esse sistema que 
se aprofundou logo no Império do Oriente, consolidou-se até 
limites nunca antes atingidos (STEIN, 2001: 31). É também desde 
então que começava a se desenhar um tipo de funcionário judi-
cial, de acordo com um particular sistema burocrático “de castas”.
Estava ali já, como se disse, o embrião desse sistema judi-
cial de magistraturas específicas que, com o declínio do Império 
romano, foi desaparecendo para renascer ao final da Idade Média. 
É que, de fato, e para além de seu desenvolvimento na área orien-
tal, a decadência do Império no Ocidente coincidiu com o período 
de lutas para dominar o poder de julgar, o qual permaneceu, por-
tanto, sob várias cabeças e com diversas fontes de justificação.
Para além disso, o período feudal europeu, no que se 
refere à tomada de decisões em conflitos, estava caracterizado 
por encontrar a razão de um dos litigantes através de sinais 
exteriores que a revelassem diretamente. A revelação, como 
é lógico, não se produzia senão diante da interpretação dada 
pela comunidade aos fatos, sobre os quais podia se relativi-
zar o cumprimento (cicatrização da mão queimada, flutuar 
na água, ganhar “provas” difíceis etc.). Sustenta MOORE que, 
nesses casos, “a interpretação não era ditada pelo bispo ou por 
outro juiz ou oficial senão pelo povo reunido, a comunidade 
em conjunto” (1989: 150). Isso, não obstante, acontecia apenas 
em casos nos quais as partes não resolviam suas diferenças de 
forma privada. Assim se manifestava esse caráter não excluden-
te, nem orgânico, além de especialmente compositivo (ALESSI, 
2001: 3 e ss.), e nos quais não se organizava o poder com o exer-
cício monopólico da violência. Não é possível falar, portanto, de 
autêntico poder punitivo, nem tampouco de uma justiça penal 
como a do presente naqueles exemplos.
“No que diz respeitoà organização judicial, teve lugar um 
retorno à justiça administrada por tribunais populares em forma 
de assembleia (mallus, mallum), nos quais deveria participar todo 
membro livre da comunidade, todo membro digno e respeitável. 
As regras aplicadas para resolver cada assunto não provinham do 
GABRIEL IGNACIO ANITUA 3534 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
legislador, autoridade ou fonte externa alguma, senão que eram 
conhecidas como elemento inseparável da experiência grupal 
comum”, de acordo com PARDO LOPEZ (2009: 15).
Posteriormente ao século VIII, aparece uma embrionária 
função judicial, mas sempre existiria de forma paralela e, com 
maior extensão, a possibilidade de escolher entre a composição 
privada e o processo judicial comunitário. O processo judicial 
propriamente dito, ainda assim, só teria lugar se fracassava a 
composição privada e, inclusive, neste caso “não encontramos ne-
nhuma diferença entre processo penal e processo civil” (ROXIN, 
2000: 557). Essa diferença tampouco será tão marcada a posteriori, 
quando o que decairá será esse caráter adversarial, no qual a juris-
dição não era um poder.
Apesar de diferir muito nos diversos espaços territoriais, 
no geral, coexistiam diversas “justiças” medievais, que depen-
diam também das tentativas de alcançar a hegemonia de poderes 
localmente concentrados. Mais além dessas diferentes justiças 
eclesiásticas, feudais, senhoriais, monárquicas, urbanas, de agre-
miações, mercantis etc., o poder de decidir tinha algum tipo de 
relação com as concretas manifestações das relações de força. 
Quase em todas as diversas circunstâncias, aplicar justiça era 
equivalente à declarada intenção de restituir um estado de coisas 
presumidamente originário ou prévio ao conflito. Na prática, 
exercer o poder de julgar era o equivalente ao exercer o poder. 
Aponta ANDERSON que “a justiça era a modalidade central do 
poder político” (1979: 154).
Isso dificultou a aparição de uma verdadeira burocracia até 
aquele insigne momento em que começaram a emergir os Es-
tados e com eles, logicamente, uma justiça penal formalizada. 
Esses Estados e príncipes exitosos obtiveram triunfos, ao passo 
em que a Igreja também o fizera, com métodos semelhantes 
àqueles mitificados do passado imperial romano. A recepção do 
direito romano nas organizações estatais da Baixa Idade Média e 
no início da era moderna foi também a que deu suporte ao pro-
cesso inquisitivo. Descartaram-se historicamente as teorias que 
sustentavam a aparição de uma justiça profissional e o desenvol-
vimento do processo inquisitivo sem aquela influência romana 
(ROXIN, 2000: 559).
O êxito da chamada “revolução papal” (PRODI, 2008: 55) 
estava embasado na racionalidade do direito romano, sobrema-
neira desde que se recuperou o projeto de Justiniano (mais um 
sistema que integrava textos bíblicos com a patrística, e textos 
mais jurídicos como as “Decretais” de Gregorio IX, as “Extrava-
gantes”, o “Decreto” de Graciano etc.) por parte de importantes 
atores, que se identificavam como juristas e escolásticos, em 
cuja formação e legitimação as Universidades nascentes tive-
ram um papel importantíssimo (BERMAN, 1996: 131 e ss.). Essa 
recuperação da racionalidade abriu caminho, como já disse, para 
esse revolucionário direito canônico, que recuperava formas do 
processo romano imperial, para o sistema processual inquisitivo 
(ARMENTA DEU, 1997: 210).
O ano de 1215 é uma data relevante para a transformação 
referida, justamente por ser o início da Inquisição. A inquisitio 
haereticae pravitatis ou “inquisição (busca) da perversidade he-
rética”, desenvolveu um sistema caracterizado pela vigilância, a 
concentração de poder, o encarceramento, a exclusão e o casti-
go, e também determinadas formas processuais e de organizar a 
investigação da verdade e resolver pleitos, que também seguem 
vigentes. O sistema inquisitivo, como modelo judicial, é carac-
terístico desse momento do continente europeu, onde se impôs 
o absolutismo monárquico e uma ideia mais forte de Estado, o 
que logo será mencionado.
Mas, antes disso, a mencionada transformação jurídica 
possibilitou a legitimação do sistema de julgamento e da ins-
tituição encarregada de realizá-lo, que é o antecedente mais 
direto para se pensar na questão judicial. Com o método in-
quisitivo, confirmou-se a persecução de ofício, a vítima e a 
comunidade foram desempoderadas do seu papel no conflito, 
que adotará, então, uma perspectiva propriamente “penal”. A 
lesão já não era considerada contra uma pessoa determinada, 
GABRIEL IGNACIO ANITUA 3736 SÉRIE CIÊNCIAS CRIMINAIS - VOL. 2 - INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA
senão contra a ordem estabelecida pela Igreja ou pelo soberano. 
Nem sequer a possibilidade de denunciar constituiu um reflexo 
desse conflito originário, já que se davam efeitos idênticos à 
delação ou denúncia anônima, com a qual se permite evitar res-
ponsabilidades ao acusador, que permanece oculto ao acusado 
e ao resto das pessoas. Isso reforçará o poder exercido pelo até 
então denominado árbitro e que a partir daí será o único sujeito 
real da questão a decidir.
A Inquisição, enquanto instituição surgiu, como se disse, em 
1215, e através dessa reforma jurídica efetivada no IV Concílio de 
Latrão é que se colocaria em jogo a repressão dos cátaros e albigen-
ses no Languedoc, realizada por motivações de unidade política e 
religiosa. A influência que exercerá, assim, a Igreja sobre o organo-
grama moderno da justiça, através dessa instituição e seu método 
penal e de processo, é notável. Ela se destaca em vários aspectos, 
como as teorias da pena, a identificação do delito e do pecado (e 
do “estado de pecado” como formas de direito penal do “autor”), 
a representação do infrator como um traidor ou inimigo do sobe-
rano, a teoria da lei penal e a obrigatoriedade do ius puniendi e a 
busca pela confissão. Vou me deter agora sobre esta última.
Então, já era usual a indagação para obter confissões como 
método e prática habitual de manter a disciplina nos diversos mo-
nastérios, que eram controlados poucas vezes ao ano. Foi após o IV 
Concílio de Latrão, de 1215, que se impôs que tal exercício de con-
fissão deixasse de ser público e passasse a ser secreto e feito apenas 
diante do sacerdote confessor, que regularia a penitência de acordo 
com a sua análise da personalidade pecadora, sendo sua prática 
preceptiva. Também se converteria em ferramenta necessária à 
nascente instituição encarregada de perseguir hereges, dissidentes 
ou meramente desobedientes ao poder. Essa importância da con-
fissão é afirmada por aqueles que analisaram genealogicamente 
o direito penal e o direito processual penal (ZAFFARONI et. al., 
2000: 225; ALESSI, 2001: 18). Mesmo quando a origem da tortura e 
da busca pela confissão nesse momento da Igreja é negado por au-
tores como HERZOG, que afirma como exemplo que a Inquisição 
de Benedicto XII não realizava essa prática e que os interrogató-
rios eram o contrário do tormento (2000: 42), fica evidenciada a 
importância e centralidade da confissão, e que para obtê-la não se 
imporiam limites aos encarregados de atingi-la com maior zelo, 
e que a tortura seria, portanto, uma consequência quase lógica 
ou necessária. Uma e outra foram a chave que manteve o fun-
cionamento da Inquisição. A confissão abriria o caminho para 
denunciar a si mesmo e aos outros. Para se denunciar e denunciar 
aos outros foi necessária a vigilância, porque eram todos suspeitos 
de estar em pecado ou em desobediência, e apenas os novos ex-
pertos podiam declarar o contrário. Nesse sentido, e como aponta 
agudamente Nilo BATISTA, a metodologia que modelava um novo 
suspeito modelava, por sua vez, um novo tipo de juiz (2002: 261).
De fato, a eficácia do método de interrogatório e persecução 
das heresias abriu caminho para a formação de uma instituição

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