Buscar

Jesus Martin Barbero - dos meios as mediações

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
menteromântico:paraexaltarcomocritériosbásicosda "verdadeira"
obradearteasimplicidadeecompreensibilidadeporpartedasmassas.
Em outronívelcertamente,masemumadireçãobempróxima,acha-
seacondenaçãoquefazLukácsdamodernidadepor dissolvera forma
e misturar,confundiros gêneros.Os queestãopróximosda apocalí-
ptica e conservadorateoriada decadênciaculturalna sociedadede
massas,quevamosestudaradiante,configuramumaestranhacoinci-
dência.
42
CAPíTULO 2
NEM POVO NEM CLASSES:
A SOCIEDADE DE MASSAS
A idéiadeuma"sociedadedemassas"é bemmaisvelhado
que costumamcontaros manuaisparaestudiososda comunicação.
Obstinadosemfazerda tecnologiaa causanecessáriae suficienteda
nova sociedade- e decertoda novacultura-, a maioriadesses
manuaiscolocao surgimentoda teoriada sociedadede massasentre
osanos30/40,desconhecendoasmatrizeshistóricas,sociaisepolíticas
de um conceitoque em 1930tinha já quaseum séculode vida, e
pretendendocompreendera relaçãomassas/culturasema maismíni-
ma perspectivahistóricasobreo surgimentosocialdasmassas.Para
começara contaressahistória,queé a únicamaneiradefazerfrente
à fascinaçãoproduzidapelo discursodostecnólogosda mediaçãode
massa,talvezsejaboaumaimagem:o acionamentoduranteo século
XIX da teoriadasociedade-massaé o de um movimentoquevai do j
medoà decepçãoe daí ao pessimismo,masconservandoo asco.Em
seuponto departida- a desencantadareflexãode liberaisfranceses
einglesesno convulsivoperíodopós-napoleônicoquevaidarestaura-
çãoà Revoluçãode 1848- fica bem difícil separaro que há de
decepçãopelocaossocialquetemtrazidoo "progresso"do medodas
perigosasmassasqueconformamasclassestrabalhadoras.46
Até 1835começaa gerar-seumaconcepçãonovado papel
e do lugar dasmultidõesna sociedade,concepçãoque guardasem
dúvida,emsuasdobras,rastrosevidentesdo "medodasturbas"e do
desprezoqueasminoriasaristocráticassentempelo "sórdidopovo".
Os efeitosda industrializaçãocapitalistasobreo quadrode vida das
classespopularessãovisíveis.E vãomaislongedo queasburguesias
talvezesperassem.É todaatramasocialquesevêafetada,transbordada
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÓES
emseuleitopormovimentosdemassasquepõememperigo"ospilares
da civilização".As mudançasseproduziamdeformaque,"à medida
que as técnicaseram mais racionaise as riquezasmateriaismais
abundantes,asrelaçõessociaiserammaisirracionaise a culturado
povo,maispobre(...). Em meadosdo séculoXIX autopiaprogressista
já sehaviaconvertidoem umaideologia.Era umainterpretaçãodo
mundo emevidentecontradiçãocomo estadorealdasociedade"YE
então,junto aosnovosmodosdecontroledosmovimentospopulares
seporáemmarchaum movimentointelectualquea partirda direita
políticatratadecompreender,dedotardesentidoo queestáaconte-
cendo.A teoriasobreasnovasrelaçõesdasmassascom a sociedade
constituiráum dospivôsfundamentaisda racionalizaçãocom quese
recompõea hegemoniae sereadequao papelde umaburguesiaque,
de revolucionária,passanessemomentoa controlare frearqualquer
revolução.O quenãoimplicadenenhummodoainvocaçãodo velho
fantasmadateoriaconspirativa,pois"ateoriadasociedade-massatem
fontesdiferenteseumapaternidademistacompostadeliberaisdescon-
tentes e conservadoresnostálgicos, além de alguns socialistas
desiludidose uns tantosreacionáriosabertos".48
A DESCOBERTA POLíTICA DA MULTIDÃO
A novavisãosobrea relaçãosociedade/massasencontrano
pensamentode Tocqueville49seuprimeiroesboçode conjunto. Se
antessituavam-sefora, comoturbasqueameaçamcomsuabarbáriea
"sociedade",asmassasseencontramagoradentro:dissolvendoo tecido
das relaçõesde poder, erodindo a cultura, desintegrandoa velha
ordem.Estãosetransformandodehordagregáriae informeemmul-
tidão urbana,transformaçãoque,emborasejapercebidaem ligação
com os processosde industrialização,é atribuídaantesde tudo ao
igualitarismosocial,no qualsevêogermedodespotismodasmaiorias.
Trocando em miúdos:Tocquevilleolha a emergênciadas
massassemnostalgia,inclusiveconseguepercebercomnitidezquenela
44
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
resideumachavedo início dademocraciamoderna.lv1asademocracia
de massasportaemsi mesmao princípiode suaprópriadestruição.
Se democráticaé uma sociedadena qual desaparecemas antigas
distinçõesde castas,categoriase classes,e na qualqualquerofício ou
dignidadeé acessívela todos, uma sociedadeassimnão pode não
relegara liberdadedos cidadãose a independênciaindividuala um
planosecundário:o primeiroocuparásempreavontadedasmaiorias.
E dessemodoo quevematerverdadeiraimportâncianãoéaqueleem
quehá razãoevirtude,masaquelequeéqueridopelamaioria,istoé:
o queseimpõeunicamentepelaquantidadedepessoas.Dessamaneira
o queconstituio princípiomodernodo poderlegítimoacabarálegi-
timando a maior das tiranias.A quem poderáapelar,pergunta-se
Tocqueville,umhomemou umgrupoquesofreinjustiça?,eresponde:
"àopiniãopública?Não, poisestaconfiguraavontadedamaioria.Ao
corpolegislativo?Não, esterepresentaamaioriaeaobedececegamen-
te.Ao poderexecutivo?Não, o executivoé nomeadopelamaioriae
a servecomo instrumentopassivo".50
O quefazmaisopressivoessepoderadquiridopelamaioria,
équesobreelaTocquevilleprojetaaimagemdeumamassaignorante,
semmoderação,quesacrificapermanentementealiberdadeemaltares
daigualdadeesubordinaqualquercoisaaobem-estar.Estamosdiante
de uma sociedadecompostapor "uma enormemassade pessoas
semelhanteseiguais,queincansavelmentegiramsobresimesmascom
o objetivode poder dar-seos pequenosprazeresvulgarescom que
satisfazemsuasalmas"Y É a sociedadedemocráticaquevê gerar-se
rapidamenteenaformamaisclaranosEstadosUnidos:essanaçãona
qualjá nãoháprofissãoemquenãosetrabalhepor dinheiro,naqual
"atéo presidentetrabalhapor umsalário(...) quedáatodosum arde
família".E na qualaAdministraçãotendea invadi-Iotodo, todasas
atividadesdavida,uniformizandoasmaneirasdevivereconcentrando
a gestãono vértice.
A justificaçãodo pessimismosocialfaz dessediscursouma
misturaquaseinextricáveldeumacertaanálisedasnovascontradições
45
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
coma expressãodo desencantodo aristocrata.Na linhaabertapor La
Boetieem Da servidãovoluntdria, na qual já no séculoXVI o pessi-
mismoculturalemtermosdefracassomoraltraçavaumaradiografia
desoladoradacumplicidadedo povocom a tirania,Tocquevillepro-
põequeaconvergênciadamecanizaçãointroduzidapelaindústriacom
a"enfermidadedemocrática"conduzeminevitavelmenteà auto-degra-
daçãodasociedade.Um estudiosoatualdo temapensaqueo queesse
esquecidoautordo séculoXIX estavafazendoerapropor profetica-
mente "a deterioraçãoda qualidadeda açãoe da experiêncianas
sociedadesigualitárias",com o que Tocquevilleacabariasendoum
"crítico utópicodo quehoje sechamao problemapós-revolucioná-
rio".52Sem ir tão longe, o que de fato é necessárioreconhecerna
reflexãodeTocquevilleé queelepropôsumaperguntafundamental
sobreo sentidoda modernidade:pode-sesepararo movimentopela
igualdadesocialepolíticadoprocessodehomogeneizaçãoeuniformi-
zaçãocultural?Mas tal e como é propostaem seu momentopor
Tocquevilleessacontradiçãoacabareveladoraantesdetudo do medo
produzidopelasmudanças.Analisandoemboaparteosmesmosfatos
masolhando-ossemessemedo,Engels,emAs condiçõesda classetraba-
lhadora na Inglaterra, vê na massificaçãodas condiçõesde vida o
processode homogeneizaçãoda exploraçãoa partir da qual se faz
possíveluma consciênciacoletivada injustiçae da capacidadedas
massastrabalhadorasparagerarumasociedadediferente.Daí que,por
maislúcidoquesequeira,o conceitodemassaqueiniciasuatrajetória
no pensamentodeTocquevilleracionalizatodaviao primeirogrande
desencantodeumaburguesiaquevêemperigoumaordemsocialpor
elaeparaelaorganizada.O qualnãoimplicadesconhecerquecomo
nomedemassasedesignaaípelaprimeiravezummovimentoqueafeta
aestruturaprofundadasociedade,aomesmotempoemqueéo nome
comquesemistificaaexistênciaconflitivadaclassequeameaçaaquela
ordem.
Menosbeligerantementepolítico,edeempenhomaisfilosó-
fico, o pensamentode StuartMill, já situadona segundametadedo
46
POVO E MASSA NA CULTURA:OS MARCOS DO DEBATE
séculoXIX, continuae complementao de Tocqueville,elaborando
umaconcepçãodo processosocial,na quala idéiademassaseafasta
de umaimagemnegativado povoparapassara designara tendência
da sociedadea converter-senumavastae dispersaagregaçãode indi-
víduos isolados.De um lado a igualdadecivil pareceriapossibilitar
umasociedademaisorgânica,masaoromper-seo tecidodasrelações
hierarquizadaso queseproduzéumadesagregaçãosócompensadapela
uniformização. Massaé então"a mediocridadecoletiva"quedomina
culturalepoliticamente,"poisosgovernosseconvertememórgãodas
tendênciase dos instintosdasmassas".53
A PSICOLOGIA DAS MUL TIDÓES
Depois da Comuna de Paris, o estudoacercada relação
massa/sociedadetomaumrumodescaradamenteconservador.Mas no
último quarteldo séculoXIX as massas"se confundem"com um
proletariadocujapresençaobscenadeslustrae entravao mundobur-
guês.E entãoo pensamentoconservador,maisquecompreender,o
quebuscaráa seguirserácontrolar.Em 1895,o mesmoanoem que
os irmãos Lumiere põem em funcionamentoa máquinaque dará
origemà primeiraartedemassas,o cinema,GustaveLe Bon publica
Ia psychologiedesfoules,54o primeirointento"científico"parapensar
a irracionalidadedasmassas.Podemosmedira importânciadesselivro
naressonânciaqueencontrarámesmoemFreud,queemPsicologiadas
massase andlisedo euo situacomoo pontodepartidainevitávelpara
suaprópria reflexão.
L~Bonpartedeumaconstatação:acivilizaçãoindustrialnão
é possívelsemaformaçãodemultidões,eo mododeexistênciadestas
éa turbulência:um mododecomportamentono qualafloraà super-
fície fazendo-sevisívela "almacoletiva"da massa.
Mas queé umamassa?É umfenômenopsicológicopelo qual
os indivíduos,por maisdiferenteque sejaseumodo de vida, suas
ocupaçõesouseucaráter,"estãodotadosdeumaalmacoletivaquelhes
47
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
fazcomportar-sedemaneiracompletamentedistintadecomoo faria
cadaindivíduo isoladamente.Alma cuja formaçãoé possívelsó no
descenso,na regressãoatéum estadoprimitivo,no qual as inibições
moraisdesapareceme a afetividadee o instintopassama dominar,
pondo a "massapsicológica"à mercêda sugestãoe do contágio.
Primitivas,infantis,impulsivas,crédulas,irritáveis... asmassasseagi-o
tam, violam leis,desconhecema autoridadee semeiama desordem
ondequerqueapareçam.Sãoumaenergiamassemcontrole:e nãoé
esseprecisamenteo ofício daciência?O psicólogosepropõeentãoo
estudodo modo comoseproduza sugestionabilidadeda massapara
assimpoderoperarsobreela.A chaveseencontrariana constituição
dascrençasqueemsuaconfiguração"religiosa"permitemdetectaros
doisdispositivosdeseufuncionamento:o mitoqueasuneeo líderque
celebraos mitos.
Le Bon nãoéumnostálgico,já nãoguardanenhumanostal-
gia por outrostemposmelhores.Ao contrário,o que o assustanas
massasé a espéciederetornoaopassadoobscurantistaqueelasrepre-
sentam:o retornodassuperstições.E essatendênciaéidentificadapor
Le Bonpuraesimplesmentecomo retrocessopolítico.A operaçãotem
sua lógica. Reduzidosa "movimentosde massas",os movimentos
políticosdasclassespopularessãoidentificadoscomcomportamentos
irracionaisecaracterizadoscomorecaídasemestágios"primitivos".E
a essalógica se devemafirmações"científicas"do calibredesta:o
movimentosocialistaé essencialmenteinimigo da civilização,que
pode se ler no seguintelivro de Le Bon, intitulado A psicologiado
socialismo.
DizíamosqueFreudapóiaseuestudodasmassassobreaobra
de Le Bon, maselemesmoseencarregade marcarclaramentesuas
distâncias.O quelhe interessouprofundamenteno estudodeLe Bon
é a importânciaqueaí adquireo inconsciente.Mas, "paraLe Bon, o
inconscientecontémantesde tudo os maisprofundoscaracteresda
alma e da raça,o qual não é propriamenteobjeto da psicanálise.
48
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
Reconhecemosdesdejá que o nódulo do eu, ao qual pertence'a
herançaarcaica'da almahumana,é inconsciente,maspostulamos
alémdissoa existênciado 'reprimidoinconscientemente'surgidode
umapartedetalherança.Esteconceito'do reprimido'faltana teoria
deLe Bon".55As duasdiferençasassinaladassãofundamentais.Rechaço
à confusãodo inconscienteestudadopelapsicanálisecomessamemó-
ria biológica da raça que de Le Bon nos conduz diretamenteà
racionalizaçãopsicológicado nazismoou ao substancialismodos ar-
quétiposjunguianos.O inconscienteestáconformadobasicamente
pelo reprimido,queé o que,ao faltarna teoriadeLe Bon, induz ao
segundodesacordoimportante:oqueacontecenamassatalveznãoseja
tãoradicalmentediferentedoquesepassacomo indivíduo.Poiso que
explodena massaestáno indivíduo,porémreprimido.O queequivale
a dizerquea massanão estásubstancialmentefeitade outramatéria
pior que a dos indivíduos.Mas com essaconcepçãoFreud estava
arrebentando,nadamaisnadamenos,o substratodo pensamentoque
racionalizao individualismoburguês.E o queapartirdaíficaránítido
équea teoriaconservadorasobreasociedade-massanãoémaisquea
outrafacedeumasóemesmateoria,aquefazdo indivíduoo sujeito
e motor da história.
O terceirodesacordoestárelacionadocoma obsessãode Le
Bonpelafaltadelíderesnassociedadesmodernas,frenteaoqualFreud
propõenãosóaestreitezaesuperficialidadedaconcepçãoqueLe Bon
temdafiguraedafunçãodo líder,comotambémareduçãodo social
quetodaessateoriasustenta."LeBonreduztodasassingularidadesdos
fenômenossociaisa dois fatores:a sugestãorecíprocadosindivíduos
eo prestígiodo caudilho".56 Com o quesefazmaisnítidaa lógicada
operaçãoquedescrevíamosmaisatrás.A teoriadasociedadedemassas,
tal e comoemergedasproposiçõesdeLe Bon, temnabaseanegação
mesmadosocialcomoespaçodedominaçãoedeconflitos,espaçoquenos
abre ao único modo de recuperaçãoda história sem pessimismos
metafísicosnemnostalgias.E quepermitecompreendero comporta-
49
",'J'
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
mentodasmassasnãosóemsuadimensãopsicológica,mas- escân-
dalo!- emseufazercultural.PoissegundoFreudnasmassashá não
só instintos,masprodução:"Tambéma almacoletivaé capazde dar
vida a criaçõesespirituaisde umaordemgenialcomoo provam,em
primeirolugar,o idioma,edepoisoscantospopulares,o folcloreetc.
Serianecessário,alémdisso,precisarquantodevemo pensadore o
poetaaosestímulosda massa,e se sãorealmentealgo maisque os
aperfeiçoadoresde um laboranímicono qualos demaistêmcolabo-
rado simultaneamente".57
Wilhelm Reich continuaráessadesmistificaçãoda teoria
sobreasmassas.Em umaobraescritanão a posteriori,masempleno
1934,58o autor desmontaa operaçãode "intoxicaçãopsíquicadas
massas"que,iniciadaemLe Bonesuaidentificaçãoda"almacoletiva"
com o inconscienteda raça,encontrarásuaplenitude"na fidelidade
aosangueeà terra"daideologianacional-socialista.Reichtransforma
as perguntaspsicológicasde Freud - que é uma massa?em que
consistea modificaçãopsíquicaque impõe ao indivíduo? - nas
perguntassociológicasque, segundoele afirma, fez pessoalmentea
Freudem1937:"Como épossívelqueumHitler ouumDjungashsvili
[Stalin]possamreinarcomoamossobreoitocentosmilhõesde indi-
víduos?Como é possívelisso?".59Perguntasquenãosãorespondidas
nem a partir de umapsicologiado líder, do caudilhoe seucarisma,
nem a partirdasmaquinaçõesdoscapitalistasalemães.Porque "não
existenenhumprocessosócio-econômicodealgumaimportânciahis-
tóricaquenãoestejaancoradonaestruturapsíquicadasmassase que
nãosetenhamanifestadoatravésdeum comportamentodessasmas-
sas".60E entãoo verdadeiroproblemaqueumapsicologiadasmassas
deveenfrentaré "o problemadasubmissãodo homemà autoridade",
de suadegradação,já que"ondequerquegruposhumanose frações
dasclassesoprimidaslutem 'pelopãoe pelaliberdade',o grupo das
massassemantémà margeme reza,ou simplesmenteluta pelaliber-
dadeno bandode seusopressores".61
50
li
J!
li
,
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
Com a viradado século,aparecepublicadoum livro que,
retomandoasquestõesdeLe Bon, daráa elasumainflexãodiferente,
inaugurandoa "psicologiasocial"com que o funcionalismonorte-
americano dos anos 30-40 iria temperara primeira teoria da
comunicação.Trata-sedeL 'Opinion etIa Foule,62noqualaquestãodas
crençasé objetode umdeslocamentofundamental:em lugarde ter
como espaçode compreensãode seuestatutosocialo religioso,as
crençasserecolocamno espaçoda comunicação,desuacirculaçãona
imprensa.A massaé convertidaempúblico e ascrenças,em opinião.
O novo objetodeestudoserápoiso públicocomoefeitopsicológico
da difusãode opinião, isto é: aquelacoletividade"cujaadesãoé só
mental".É a únicapossívelem umasociedadereduzidaa massa,a
conglomeradodeindivíduosisoladosedispersos.Mas comoseproduz
essaadesão?A respostadeTarderevelasuasdívidascomLe Bon: por
sugestão.Só queagoraessasugestãoé "a distância".No pensamento
de Tarde faz-seespecialmenteclaraa inadequaçãoentreo novo do
problemaque sebuscapensare o "velho"dascategoriasem que é
formulado. E isso apesarda renovaçãodo léxico. Sem dúvida, o
relacionamentopostoentremassaepúbliconosinteressaenormemen-
te,já que,maisalémdaquiloqueesseautortematiza,apontaatépara
a novasituaçãoda massana cultura:a progressivatransformaçãodo
ativo - ruidosoe agitado- públicopopulardasfeirase dosteatros
nopassivopúblicodeumaculturaconvertidaemespetáculopara"uma
massasilenciosae assustada".63
Formuladaem termosdas idealidadesde Max Weber, é
desenvolvidapor FerdinandTõnies uma reflexãoque combinaele-
mentosdasociologiadeTocquevillecomoutrosdapsicologiaproposta
porLe Bon.64ParaTõniesamudançaquesignificaapresençamoderna
dasmassasdeveserpensadaa partirda oposiçãode dois "tipos" de
coletividade:a comunidadee a sociedade(associação).A comunidade
sedefinepelaunidadedopensamentoedaemoção,pelapredominân-
cia dos laços estreitose concretose das relaçõesde solidariedade,
51
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
lealdadee identidadecoletiva.A "sociedade",pelo contrário, está
caracterizadapelaseparaçãoentremeiosefins,compredominânciada
razãomanipulatóriaeaausênciaderelaçõesidentificatóriasdo grupo,
com a conseguinteprevalênciado individualismoe a meraagregação
passageira.A faltadelaçosqueverdadeiramenteaunemserácompen-
sadapelacompetênciaepelocontrole.A propostadeTünies,embora
formuladaemtermosquepretendemdescreversemvalorar,nãopôde
escaparàcargadepessimismoquesuas"idealizações"arrastam,eapar-
tir do qualserálido pelamaioriadosautoresqueseocupamdo tema.
Metafísica do homem-massa
Os acontecimentosquese"precipitam"noprimeiroterçodo
séculoXX vãoconduziro pensamentosobreasociedadeaoparoxismo.
PrimeiraGuerraMundial, RevoluçãoSoviética,surgimentoe avanço
do fascismo,tudo vemcorroborarna direitaliberalou conservadora
suasensaçãodedesastredefinitivoe exacerbaro pessimismocultural.
Dois livrosrecolhemesintetizamessaexacerbação,convertendo-seem
"clássicos"empoucosanosdepublicados:A rebeliãodasmassas,deJosé
Ortegay Gasset,e A decadênciado Ocidente,de OswaldSpengler.65
Propostaumasociologia(Tocqueville)eumapsicologia(Le
Bon, Tarde), já não faltavasenãoo saltona metafísica.É o queleva
a caboOrtega,com suateoriado homem-massa,na qual, como ele
mesmoexplicaemumalinguagemtãopoucometafísicacomoa sua,
trata-sedeir "d<ipele"dessehomemasuas"entranhas".O quesignifica
caminhardo fatosocialdasaglomerações--"amultidãoimediatamen-
te se fez visível.Antes, se existia,passavadesapercebida,ocupavao
fundo do cenáriosocial;agoraseadiantouàsbaterias,é elao perso-
nagemprincipal"66- atéa dissecaçãode suaalma:mediocridadee
especialização.O exterior,ou seja,a história,estáformadopelocres-
cimento demográfico e pela técnica,que têm seu lado bom "no
crescimentodavida"- avidamédiasemovea umaalturasuperior,
pois tem-seampliadoo repertóriode possibilidadesda maioria- e
52
li
1.1·.'i
il
I,
"",I
t'
~
.,.,
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
seulado mauna aglomeração- "essainvasãopelasmassasde todos
os lugares,inclusivedos reservadosàs minoriascriativas"- e na
especializaçãoque desalojade cadahomem de ciênciaa "cultura
integral".O interior nos é descritoatravésde uma longae sinuosa
viagemaocoraçãodo homem-meio,do homem-massa,no qualsóhá
vulgaridadeeconformismo.É comoseosdetritosdohomemocidental
tivessemtomadoseucoração.No final daviagemOrteganos espera
com umafórmulaqueo resumeinteiro:"A rebeliãodasmassasé a
mesmacoisaqueRathenauchamavaa invasãoverticaldosbárbaroi'.67
Ou seja,o retornodaqueladefinitivaIdadeMédia quenãoé a histó-
rica,poisnãoestáno passado,masno futuro-presenteeseusbárbaros
invadindo-nosagoraverticalmente,querdizer, debaixopara cima.
Creioqueéo momentoderecordaraimagemcomqueabria
epretendiasintetizaro sentidodo movimentoquesubjazaolongode
todoo desenvolvimentodestateoria:do medoaodesencantoconser-
vandoo asco.E por maisqueOrteganosrepitaqueo homem-massa
não pertencea uma classe,mashabitatodas,sua referênciasócio-
históricaseachanosdebaixo,dadoqueelessão,naatrasadaEspanha
do começodo século,osqueconformamamaioria,amassaobscena,
amultidãoquenessesanosjustamenterealizadiaapósdiainsurreições,
levantamentosatravésdosquaissealça- verticalmente!- contraa
espessacapado feudalismopolíticoe econômicoenrijecido,e invade
os sagradose aristocráticosespaçosda cultura.Frenteà insurreição
popular,quenosanos30alcança,tantonopolíticocomonocultural,68
o momentomaisaltoefecundodaEspanhamoderna,Ortegaescreve
um livro comprólogoparafranceses,epílogoparainglesese cheiode
piscadelasdeolhosparaa filosofiaalemã,masdo qualestáprofunda-
menteausenteaprópriareferênciahistóricaespanhola.Há umponto,
semdúvida, no qual Ortegatoca a história,e sãoas referênciasà
cumplicidadedasmassascom o Estadofascistae suanecessidadede
segurança.Mas aindaaí acríticaseresolveemumaanálisemaismoral
que política: o Estadoaparecesemraíz no econômicoe o conflito
deslizaparao cultural.Vejamo-Iomaisde perto.
53
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
A relaçãomassa/culturaé tematizadapor Ortega de um
modo especialem A desumanizaçãoda arte,masos dois traços,que
paraeledefinememprofundidadeacultura,formampartesubstancial
da argumentaçãoquesedesdobraem A rebeliãodasmassas.Um: a
"culturaintegral"definidapor oposiçãoà ciênciae à técnica,reafir-
mandoaquelehumanismoquedelimitaa culturapor suadiferença
com a civilização. Propõe-se uma teoria para compreender a
modernidade,maso espaçodo quesepensacomoculturaapresenta-
seseparadodo trabalhocientíficoe técnico,e aferradoa umamistura
do clássicocultivodo espiritualcomelementosda éticaburguesado
esforçoe do autocontrole.Dois: a culturaé antesde tudo normas.
Quantomaisprecisa,quantomaisdefinidaanorma,maioréacultura.
E com esseconceitose"enfoca"a artequesefaznessetempo!
Qual éentãoparaOrtegao tipo derelaçãoqueamassatem
com a cultura?Paradizê-Iosemrodeios:nãosó a massaé incapazde
cultura- issovemsendodito dopovoháséculos- senãoqueo que
salvaa artemoderna,amonstruosaartequefazemDebussy,Cézanne
ou Mallarmé, é que serveparapôr a descobertoessaincapacidade
radicaldasmassasagora,quandoelaspretendemesecrêemcapazesde
tudo, atéda cultura.O melhordessaarteé quedesmascaracultural-
menteasmassas:frentea elanãopodemfingir quegozam,tantolhes
aborreceeirrita.Culturacriativa,anovaarteéavingançadaminoria
que,em meioda igualitarismosociale da massificaçãocultural,nos
tornapatenteque aindahá "classes':E nessadistinçãoque separaé
onde residepataOrtegaa possibilidademesmada sobrevivênciada
cultura.
A artemodernaresultasim essencialmenteimpopularpor-
queseerguecontraaspretensões- osdireitos- comquesecrêem
as massas,produzindo sua incomprensãoou repugnância,incom-
preensãoa queo artistarespondeexacerbandosuahostilidadee sua
distância.Com o quearelaçãoentrearteesociedadeserompe.E des-
integradaa artenãopodenãodes-humanizar-se:a figuradesbota,os
54
I,
"~
~
,~
~:
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
gênerosseconfundem,a harmoniaseperde.Mas tambémo quese
ganhaémuito,pensaOrtega,porquenestaprovadefogoqueatravessa
a artesepurificade todo o magmadesentimentalismoe melodrama
queaindaarrastava.Debussydesumanizaamúsicamas"nospossibilita
escutarmúsicasem desfalecimentonem lágrimas".No fundo, ao
separar-sedavida,o quesepassacomaarteéqueseencontraconsigo
mesma:apoesiasefazpurametáforaeapinturapuraformaecor.Antea ameaçaquevemda barbárievertical,antea ameaçaqueatormenta
por dentro,a culturaredescobresuasessências.E o paradoxotocará
fundo então.Ao defendera novaarte,Ortegachegaa seuponto de
máximoenfrentamentocomo fascismo."Hitler, Goebbelseosporta-
vozesda cultura'nazificada'atribuemao 'homem-nazi'o reflexode-
fensivotão claramentediagnosticadopor Ortega".69 Porqueparaos
nazisa artemodernaé degeneração,à qual só sepodefazerfrente
resgatandoasessênciasdaverdadeiraartequepermanecena tradição
popular.O modernonãoseriaarteporquerenegasuaorigemétnica
e suarelaçãocomo nacional.SeucosmopolitismoéparaGoebbelso
maisclarosinalde suadecomposição.
Mas o paradoxodeveser lido. Tanto o aristocratismode
Ortega,paraquema verdadeúltimada desumanizadaartemoderna
resideem humilharaspretensõesdasmassase demonstrar-Ihessua
insuperávelvulgaridade,como o nauseabundopopulismonazi com
sua defesade uma artepara o "autêntico"povo-raça,mascarame
mistificamos processoshistóricosde transformaçãoda culturae os
conflitos e contradiçõesque essatransformaçãoarticula.O mérito
indubitávelde Ortegaestáem nos ter feito compreendero graude
opacidadeeambigüidadepolíticacomqueserevesteemnossoséculo
aquestãocultural,eainversãodosentidodopopularquealiseproduz.
Na mesmaépocaque o livro de Ortega,sai publicadoA
decadênciadoOcidente.Nele,Spenglerconduzameditaçãometafísica
sobrea degradaçãoculturaldassociedadesocidentaisatéconvertê-Ia
emfilosofiada história.A filosofiasegundoa qual a vidadascultu-
55
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
ras- quesão"o interiordaestruturaorgânicadahistória"- é uma
vidavegetativa:asculturasnascem,sedesenvolvememorrem.E assim,
ademocraciademassasmarcariao pontodeinflexãofataldo ciclono
Ocidente:o iníciodesuamorte.PoisaculturaéalmadaHistória (com
maiúscula),essa"animidade"queaorientapordentroeaempurraem
formade destino,enquantoascivilizaçõessãoseu"exteriorartificial
esucessivo".E quandoaculturasedegradaa civilizaçãotodasedesa-
gregae perdeseusentido,ficandoreduzidaa mera"exploraçãodas
formasinorgânicase mortas".70
As duasmanifestaçõesmaisevidentesda morteda cultura
ocidentalsão,segundoSpengler,ademocraciaeatécnica.A democra-
ciaporqueemsuaformamodernaacabacom averdadeiraliberdade.
Aí estáo jornal, com a uniformizaçãoque impõe,acabandocom a
riquezaevariedadedeidéiasquefaziapossívelo livro.Como aretórica
na Antigüidade,o jornal fazcomque"cadaqualpensesó o quelhe
fazempensar".O jornal pode assimserao mesmotempo o maior
expoentedacivilizaçãomodernaea expressãomaisacabadadamorte
da cultura.A outramanifestaçãoé a técnica,enquantoela realizaa
dissoluçãoda ciênciae sua fragmentação,atomizaçãoem ciências.
Perdida a unidadedo saber,o que nesseprocessose liqüida é sua
capacidadede orientar a história, e o que restanão é mais que
submissãoà quantidade,aodinheiroe àpolitica.E dessaforma,uma
concepçãoda históriaincapazde dar contadasnovascontradições
mata-segritandoqueé a históriaquechegaao fim.
É certoqueo pensamentodeOrteganãocaino organicismo
de Spenglernememseupessimismosuicida,masaopensamentode
ambosque,fazendoo jogodapseudofatalidade,acabapor encobriras
transformaçõesquevêmdo real-possível,pode-seaplicarestaafirma-
ção de Adorno: "Paraos pensadoresda direitaeramuito mais fácil
penetrarcom o olhar as ideologias,pela simplesrazãode que não
tinhamnenhuminteressenaverdadenelascontidade formafalsa",71
56
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
Antiteoria: a mediação-massa
como cultura
De T ocquevilleaOrtegaosgrandesteóricosdasociedadede
massapertencemaovelhocontinente.Emboranãodevamosesquecer
que o textoinauguralfoi A democraciana Américae que foi nessa
Américado Norte ondesefizeramnítidosostraçosdanovasociedade.
Com o pós-guerra,anos40, o eixodaeconomiasedeslocae com ele
sedeslocatambém,atéinverterseusentido,a reflexão.Mais queum
deslocamentotrata-sede umarevoluçãocopernicana,pois enquanto
paraospensadoresdavelhaEuropaasociedadedemassasrepresenta
a degradação,a lentamorte,a negaçãodequantoparaelessignificaa
Cultura, paraos teóricosnorte-americanosdosanos40-50a cultura
demassasrepresentaaafirmaçãoeaapostanasociedadedademocracia
completa.A "síndromeda liderançamundial"queos norte-america-
nosadquiriramporessesanostemsuabase,segundoHerbertSchiller,
"na fusão da força econômicae do controleda informação"e ao
mesmotempo"na identificaçãoda presençanorte-americanacom a
liberdade:liberdadede comércio,liberdadede palavra,liberdadede
empresa".72Quando teriamexistidono mundo maisliberdades?A
profeciade Tocqueville e de todos os apocalípticosdesmoronava
diante da fusãode igualdadee liberdadeapresentadapelo mundo
norte-americano.Foi necessáriatoda a força econômicado novo
impérioe todo o otimismodo paísquehaviaderrotadoo fascismoe
todaa fé na democraciadessepovo,paraquefossepossívelo inves-
timento - de capitale de sentido- que permitiaaos teóricos
norte-americanosassumira culturaproduzidapelosmeiosmassivos,
ou seja,a culturade massa,comoa culturadessepovo.
O primeiro a esboçaras chavesdo novo pensamentofoi
Daniel Bell, em um livro cujo merotítulo contémjá o sentidoda
inversão:Ofim da ideologia.Porquea novasociedadesóépensávela
partirda compreensãoda novarevolução,a da sociedadedeconsumo,
queliqüidaavelharevoluçãooperadanoâmbitodaprodução.Daí que
57
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
nem os nostálgicosda velhaordem,paraos quaisa democraciade
massaséo fimdeseusprivilégios,nemosrevolucionáriosaindafixados
na óticada produçãoe da lutadeclassesentendemverdadeiramente
oqueestásepassando.Poisoqueestámudandonãosesituano âmbito
dapolítica,masno dacultura,enãoentendidaaristocraticamente,mas
como "os códigosde condutade um grupoou um povo".É todo o
processodesocializaçãoo queestásetransformandopelaraizaotrocar
o lugar de onde se mudam os estilosde vida. "Hoje essafunção
mediadoraé realizadapelosmeiosdecomunicaçãodemassa".?3Nem
a família, nem a escola- velhosredutosda ideologia- sãojá o
espaçochaveda socialização,"os mentoresda novacondutasãoos
filmes,a televisão,a publicidade",que começamtransformandoos
modos de vestir e terminamprovocandouma "metamorfosedos
aspectosmoraismaisprofundos".?4O que implicaque a verdadeira
crítica social tem mudado tambémde "lugar": já não é a crítica
política,masa críticaculturaLAquela que é capazde propor uma
análiseque vá "mais além"das classessociais,pois os verdadeiros
problemassesituamagoranosdesníveisculturaiscomoindicadoresda
organizaçãoe circulaçãoda nova riqueza,isto é, da variedadedas
experiênciasculturais.E oscríticosdasociedadedemassa,tantoosde
direitacomoosdeesquerda,estão"forado jogo" quandocontinuam
opondoosníveisculturaisa partirdo velhoesquemaaristocráticoou
populistaquebuscaa autenticidadenaculturasuperiorou na cultura
populardo passado.Ambasasposiçõestêmsidosuperadaspelanova
realidadeculturaldamassaqueédeumasóvez"o unoeo múltiplo".?5
EdwardShilsirámaislonge.Com o adventodasociedadede
massanãotemosunicamente"aincorporaçãodamaioriadapopulação
àsociedade",o quedealgumamaneirareconhecematéseusinimigos,
mastambémumarevitalizaçãodo indivíduo: "A sociedadede massa
suscitoueintensificouaindividualidade,istoé,adisponibilidadepara
asexperiências,o florescimentodesensaçõeseemoções,aaberturaaté
os outros(...), liberouascapacidadesmoraise intelectuaisdo indivÍ-
duo"76.Dessemodomassadevedeixardesignificaradianteanonimato,
58
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
passividadee conformismo.A culturademassaé a primeiraa possi-
bilitaracomunicaçãoentreosdiferentesestratosdasociedade.E dado
queé impossívelumasociedadequecheguea umacompletaunidade
cultural,entãoo importanteé quehajacirculação.E quandoexistiu
maiorcirculaçãoculturalquenasociedadedemassa?Enquantoo livro
mantevee até reforçoudurantemuito tempoa segregaçãocultural
entreasclasses,foi o jornal quecomeçoua possibilitaro fluxo, e o
cinemae o rádioqueintensificaramo encontro.
Paraosrecalcitrantes,paraaquelesqueaindaseempenham
embuscarrelaçõesentreasociedadedemassaeo totalitarismo,D. M.
White temumaperguntademolidora:"AcasoeraaAlemanhade1932
uma'sociedadedemassa'quandopermitiupelovotoqueo partidode
Hitler subisseaopoder?(...) Não eraaAlemanhao paísquepossuía
o maiornúmerodeorquestrassinfônicaspercapita,publicavaamaior
quantidadedelivrosedesenvolviaumaindústriacinematográficacom
produçõesde primeiraqualidade?"??
Desbastadoo terrenosetornavapossívelpassarà elaboração
deumateoriasistemática.É o quelevaacaboDavidRiesmanemuma
obracujotítulo temo sabordeumclássico,A multidãosolitdria,ecuja
estruturaé a consagraçãoda psicologiasocial como a ciênciadas
ciências,já queseriaaúnicacapazdeintegrarosdadosdademografia
com os da teoriado conhecimento,da antropologiacoma adminis-
traçãodas empresase da economiacom a moral.Trata-sede uma
caracterizaçãodanovasociedade,queemerge"dasegundarevolução,
da passagemde umaerade produçãoparaumaerade consumo".78
Passagemque é fato pensávelmediantea construçãodos tiposde
sociedade,ou melhor:dostiposde relaçãoentrecardteresociedadeque
permitemdarcontadomovimentodetransformaçõesqueculminana
sociedadede massas.Baseadona articulação primordial entre
demografiae psicologia,Riesmanpropõetrêstipos de sociedade:a
"caracterizada"por serumasociedadedependenteda direçãotradici-
onal, a sociedadedependenteda direçãointerna e a sociedade
dependentedadireçãopelosoutros.A cadaumdessestiposcorresponde
59
)
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
umamodalidadedefamília,deescola,degruposdepares,um modo
denarrar,detrabalhareorganizaro comércio,devivero sexoedirigir
apolítica.DessemodoRiesmanbuscapensaraconstituiçãodacultura
demassacomoprincípiodeinteligibilidadeglobaldosocial.Princípio
quesedesdobraemtrêsdimensõesbásicas.Primeira:a classe-eixoda
sociedadededireçãoparaosoutroséaclassemédia.Segunda:cadadia
maisasrelaçõescomo mundoexterioreconsigomesmoseproduzem
no fluxo da comunicaçãomassiva.Terceira: a análisedo "cardter
dirigidopor outroséaomesmotempoumaanálisedo norte-americano
e do homemcontemporâneo".79Riesmanprojetaassimsobrea dinâ-
micadamodernidadeumaduplafigura:adohomemmédiodissolvendo
asclassessociaisem conflitoe a dos meiosdecomunicaçãoelevadosa
causalidadeeficientedahistória-cultura.Dupla figuraquesintetizao
pensamentodosautoresnorte-americanossobreasociedadedemassas
como aquela,quenão é o fim maso princípio de umanovacultura
queos meiosmassivostornampossível.E issonãosó no sentidoda
circulação,masemoutromaisprofundo:"A sociedadeà qualfaltavam
instituiçõesnacionaisbemdefinidaseumaclassedirigenteconsciente
desê-Ioseamalgamouatravésdosmeiosdecomunicaçãodemassas".80
E um "crítico" como B. Rosemberg,paraquema culturade massa
arrastaa tendênciaa confundirculturacom diversãoe a misturaro
genuínoe o bastardoatétorná-Iosindistinguíveis,proclamacontudo
a mesmacrençana todo-poderosaeficáciada tecnologia,e especial-
menteda mídia:a explicaçãodo surgimentoda novaculturanão se
achanemno capitalismo,nemno nivelamentotrazidopelademocra-
cia,masnumapeculiarconfiguraçãodo caráternorte-americano:"se
pudéssemosarriscar uma formulação positiva, diríamos que a
tecnologiamodernaé a causanecessáriae suficienteda cultura de
massa".81
Daí atéa fórmulamcluhanianaéum passo.Mas certamente
poder-se-iaafirmarqueMcLuhan não fez maisqueexpressarnuma
linguagemexplicitamenteantiteóricaaintuição-obsessãoqueatravessa
de pontaa pontaa reflexãonorte-americanadosanos40-50sobrea
60
POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE
relaçãocultura/sociedade.Existeumaprofundahomologiaentreos
conceitosbásicose na lógica dos dois livros que condensamessa
reflexão:A multidãosolitdriaeA compreensãodosmeios.A diferençaestá
maisno jargão- "os tiposdecaráter-sociedade"deum e as"idades
tecnológicas"do outro- masadireçãoéamesma:umalongaépoca
"daexplosãoedaangústia"terminaeseiniciaoutranaqual"o efeito
é mais importanteque o significado(...) já que o efeitoabrangea
situaçãototal e nãosó o nível do movimentoda informação".82
Nissochegamos.Uma formidávelcapacidadedeobservação,
umafina sensibilidadeparaasmudançaseumadecisivapercepçãodo
pesoe da forçada sociedadecivil nãopossibilitaram,contudo,quea
afirmaçãodapositividadehistóricadasmassasnasociedadesuperasse
a idealistadissoluçãodo conflito social.ExcetoemW. Mills83e H.
Arendt,84aanáliseculturaléseparadadaanálisedasrelaçõesdepoder.
Isso medianteuma concepçãoda culturaque, emborasuperesem
dúvidao idealismoaristocrático,permaneceamarradaao idealismo
liberalquedesvinculaa culturado trabalhocomoespaçosseparados
da necessidadee do prazer,e conduzindo-aa um culturalismoque
acabareduzindoasociedadeà culturaeaculturaaoconsumo.E desse
modo- outravezo paradoxodacoincidênciaentreadversários- a
teoriaelaboradapor sociólogose psicólogosnorte-americanoscontra
o pessimismoaristocráticodos pensadoresdos séculosXIX e XX
coi~cideco:n ~stee.mum ponto crucial:a incorporaç~odas~assasà \
SOCIedadeslg111ficana,parao bemou parao mal, a dIssoluçao-supe- .
raçãodasclassessociais.Com o quecontinuafazendo-seimpensável
o modode "articulação"específicadosconflitosquetêmseulugarna
cultura e na imbricação da demandacultural na produção de
hegemonia.Resultado:um culturalismoque recobreo idealismode
seuspressupostoscom o materialismotecnologicistadosefeitose da
inflaçãoa-históricade suamediação.
A denominaçãodopopularficaassimatribuídaà culturade
massa,operandocomoum dispositivodemistificaçãohistórica,mas
tambémpropondopelaprimeiravez a possibilidadede pensar em
61
DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES
positivo o quesepassaculturalmentecom asmassas.E isto constitui
um desafiolançadoaos"críticos"emduasdireções:a necessidadede
incluir no estudodo popularnãosóaquiloqueculturalmenteprodu-
zem as massas,mas tambémo que consomem,aquilo de que se
alimentam;eadepensaro popularnaculturanãocomoalgolimitado
ao queserelacionacom seupassado- e um passadorural -, mas
também e principalmente o popular ligado à modernidade, à
mestiçageme à complexidadedo urbano.
62
CAPíTULO 3
INDÚSTRIA CULTURAL:
CAPITALISMO E LEGITIMAÇÃO
A experiênciaradicalquefoi o nazismoestásemdúvidana
baseda radicalidadecom que pensaa Escolade Frankfurt.Com o
nazismoo capitalismodeixade serunicamenteeconomiae explicita
suatexturapolíticaecultural:suatendênciaà totalização.Daí queos
frankfurtianosnãopossamfazereconomianemsociologiasemfazerao
mesmotempofilosofia.É o quesignificaa críticaeo lugarestratégico
atribuídoà cultura.Por issopodemosafirmarsemmetáforasquena
reflexãode Horkheimer,Adorno e Benjamino debateque viemos
rastreandotoca de perto. Em parteporque os procedimentosde
massificaçãovãoserpelaprimeiravezpensadosnãocomosubstitutivos,
mascomoconstitutivosda conflitividadeestruturaldo social.O que
implica numa mudançaprofundade perspectiva:em lugarde ir da
análiseempíricadamassificaçãoà deseusentidona cultura,Adorno
e Horkheimerpartemda racionalidadedesenvolvidapelosistema-
tal e como pode ser analisadano processode industrialização-
mercantilizaçãodaexistênciasocial- parachegaraoestudodamassa
comoefeitodosprocessosde legitimaçãoe lugarde manifestaçãoda
culturaemquealógicadamercadoriaserealiza.E empartea reflexão
dosfrankfurtianosretiraacríticaculturaldosjornaiseasituano centro
do debatefilosóficode seutempo:no debatedo marxismocom o
positivismonorte-americanoecomo existencialismoeuropeu.A pro-
blemáticaculturalseconvertiapelaprimeiravezparaasesquerdasem
espaçoestratégicoa partir do qualpensarascontradiçõessociais.
Em fins dos anos 60 um pensamentoque prolongapor
herançaoupolêmicaareflexãodosfrankfurtianosvaitomarcomoeixo
a criseentendidacomoemergênciado acontecimento,contracultura,
~

Outros materiais

Outros materiais