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DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES menteromântico:paraexaltarcomocritériosbásicosda "verdadeira" obradearteasimplicidadeecompreensibilidadeporpartedasmassas. Em outronívelcertamente,masemumadireçãobempróxima,acha- seacondenaçãoquefazLukácsdamodernidadepor dissolvera forma e misturar,confundiros gêneros.Os queestãopróximosda apocalí- ptica e conservadorateoriada decadênciaculturalna sociedadede massas,quevamosestudaradiante,configuramumaestranhacoinci- dência. 42 CAPíTULO 2 NEM POVO NEM CLASSES: A SOCIEDADE DE MASSAS A idéiadeuma"sociedadedemassas"é bemmaisvelhado que costumamcontaros manuaisparaestudiososda comunicação. Obstinadosemfazerda tecnologiaa causanecessáriae suficienteda nova sociedade- e decertoda novacultura-, a maioriadesses manuaiscolocao surgimentoda teoriada sociedadede massasentre osanos30/40,desconhecendoasmatrizeshistóricas,sociaisepolíticas de um conceitoque em 1930tinha já quaseum séculode vida, e pretendendocompreendera relaçãomassas/culturasema maismíni- ma perspectivahistóricasobreo surgimentosocialdasmassas.Para começara contaressahistória,queé a únicamaneiradefazerfrente à fascinaçãoproduzidapelo discursodostecnólogosda mediaçãode massa,talvezsejaboaumaimagem:o acionamentoduranteo século XIX da teoriadasociedade-massaé o de um movimentoquevai do j medoà decepçãoe daí ao pessimismo,masconservandoo asco.Em seuponto departida- a desencantadareflexãode liberaisfranceses einglesesno convulsivoperíodopós-napoleônicoquevaidarestaura- çãoà Revoluçãode 1848- fica bem difícil separaro que há de decepçãopelocaossocialquetemtrazidoo "progresso"do medodas perigosasmassasqueconformamasclassestrabalhadoras.46 Até 1835começaa gerar-seumaconcepçãonovado papel e do lugar dasmultidõesna sociedade,concepçãoque guardasem dúvida,emsuasdobras,rastrosevidentesdo "medodasturbas"e do desprezoqueasminoriasaristocráticassentempelo "sórdidopovo". Os efeitosda industrializaçãocapitalistasobreo quadrode vida das classespopularessãovisíveis.E vãomaislongedo queasburguesias talvezesperassem.É todaatramasocialquesevêafetada,transbordada DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÓES emseuleitopormovimentosdemassasquepõememperigo"ospilares da civilização".As mudançasseproduziamdeformaque,"à medida que as técnicaseram mais racionaise as riquezasmateriaismais abundantes,asrelaçõessociaiserammaisirracionaise a culturado povo,maispobre(...). Em meadosdo séculoXIX autopiaprogressista já sehaviaconvertidoem umaideologia.Era umainterpretaçãodo mundo emevidentecontradiçãocomo estadorealdasociedade"YE então,junto aosnovosmodosdecontroledosmovimentospopulares seporáemmarchaum movimentointelectualquea partirda direita políticatratadecompreender,dedotardesentidoo queestáaconte- cendo.A teoriasobreasnovasrelaçõesdasmassascom a sociedade constituiráum dospivôsfundamentaisda racionalizaçãocom quese recompõea hegemoniae sereadequao papelde umaburguesiaque, de revolucionária,passanessemomentoa controlare frearqualquer revolução.O quenãoimplicadenenhummodoainvocaçãodo velho fantasmadateoriaconspirativa,pois"ateoriadasociedade-massatem fontesdiferenteseumapaternidademistacompostadeliberaisdescon- tentes e conservadoresnostálgicos, além de alguns socialistas desiludidose uns tantosreacionáriosabertos".48 A DESCOBERTA POLíTICA DA MULTIDÃO A novavisãosobrea relaçãosociedade/massasencontrano pensamentode Tocqueville49seuprimeiroesboçode conjunto. Se antessituavam-sefora, comoturbasqueameaçamcomsuabarbáriea "sociedade",asmassasseencontramagoradentro:dissolvendoo tecido das relaçõesde poder, erodindo a cultura, desintegrandoa velha ordem.Estãosetransformandodehordagregáriae informeemmul- tidão urbana,transformaçãoque,emborasejapercebidaem ligação com os processosde industrialização,é atribuídaantesde tudo ao igualitarismosocial,no qualsevêogermedodespotismodasmaiorias. Trocando em miúdos:Tocquevilleolha a emergênciadas massassemnostalgia,inclusiveconseguepercebercomnitidezquenela 44 POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE resideumachavedo início dademocraciamoderna.lv1asademocracia de massasportaemsi mesmao princípiode suaprópriadestruição. Se democráticaé uma sociedadena qual desaparecemas antigas distinçõesde castas,categoriase classes,e na qualqualquerofício ou dignidadeé acessívela todos, uma sociedadeassimnão pode não relegara liberdadedos cidadãose a independênciaindividuala um planosecundário:o primeiroocuparásempreavontadedasmaiorias. E dessemodoo quevematerverdadeiraimportâncianãoéaqueleem quehá razãoevirtude,masaquelequeéqueridopelamaioria,istoé: o queseimpõeunicamentepelaquantidadedepessoas.Dessamaneira o queconstituio princípiomodernodo poderlegítimoacabarálegi- timando a maior das tiranias.A quem poderáapelar,pergunta-se Tocqueville,umhomemou umgrupoquesofreinjustiça?,eresponde: "àopiniãopública?Não, poisestaconfiguraavontadedamaioria.Ao corpolegislativo?Não, esterepresentaamaioriaeaobedececegamen- te.Ao poderexecutivo?Não, o executivoé nomeadopelamaioriae a servecomo instrumentopassivo".50 O quefazmaisopressivoessepoderadquiridopelamaioria, équesobreelaTocquevilleprojetaaimagemdeumamassaignorante, semmoderação,quesacrificapermanentementealiberdadeemaltares daigualdadeesubordinaqualquercoisaaobem-estar.Estamosdiante de uma sociedadecompostapor "uma enormemassade pessoas semelhanteseiguais,queincansavelmentegiramsobresimesmascom o objetivode poder dar-seos pequenosprazeresvulgarescom que satisfazemsuasalmas"Y É a sociedadedemocráticaquevê gerar-se rapidamenteenaformamaisclaranosEstadosUnidos:essanaçãona qualjá nãoháprofissãoemquenãosetrabalhepor dinheiro,naqual "atéo presidentetrabalhapor umsalário(...) quedáatodosum arde família".E na qualaAdministraçãotendea invadi-Iotodo, todasas atividadesdavida,uniformizandoasmaneirasdevivereconcentrando a gestãono vértice. A justificaçãodo pessimismosocialfaz dessediscursouma misturaquaseinextricáveldeumacertaanálisedasnovascontradições 45 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES coma expressãodo desencantodo aristocrata.Na linhaabertapor La Boetieem Da servidãovoluntdria, na qual já no séculoXVI o pessi- mismoculturalemtermosdefracassomoraltraçavaumaradiografia desoladoradacumplicidadedo povocom a tirania,Tocquevillepro- põequeaconvergênciadamecanizaçãointroduzidapelaindústriacom a"enfermidadedemocrática"conduzeminevitavelmenteà auto-degra- daçãodasociedade.Um estudiosoatualdo temapensaqueo queesse esquecidoautordo séculoXIX estavafazendoerapropor profetica- mente "a deterioraçãoda qualidadeda açãoe da experiêncianas sociedadesigualitárias",com o que Tocquevilleacabariasendoum "crítico utópicodo quehoje sechamao problemapós-revolucioná- rio".52Sem ir tão longe, o que de fato é necessárioreconhecerna reflexãodeTocquevilleé queelepropôsumaperguntafundamental sobreo sentidoda modernidade:pode-sesepararo movimentopela igualdadesocialepolíticadoprocessodehomogeneizaçãoeuniformi- zaçãocultural?Mas tal e como é propostaem seu momentopor Tocquevilleessacontradiçãoacabareveladoraantesdetudo do medo produzidopelasmudanças.Analisandoemboaparteosmesmosfatos masolhando-ossemessemedo,Engels,emAs condiçõesda classetraba- lhadora na Inglaterra, vê na massificaçãodas condiçõesde vida o processode homogeneizaçãoda exploraçãoa partir da qual se faz possíveluma consciênciacoletivada injustiçae da capacidadedas massastrabalhadorasparagerarumasociedadediferente.Daí que,por maislúcidoquesequeira,o conceitodemassaqueiniciasuatrajetória no pensamentodeTocquevilleracionalizatodaviao primeirogrande desencantodeumaburguesiaquevêemperigoumaordemsocialpor elaeparaelaorganizada.O qualnãoimplicadesconhecerquecomo nomedemassasedesignaaípelaprimeiravezummovimentoqueafeta aestruturaprofundadasociedade,aomesmotempoemqueéo nome comquesemistificaaexistênciaconflitivadaclassequeameaçaaquela ordem. Menosbeligerantementepolítico,edeempenhomaisfilosó- fico, o pensamentode StuartMill, já situadona segundametadedo 46 POVO E MASSA NA CULTURA:OS MARCOS DO DEBATE séculoXIX, continuae complementao de Tocqueville,elaborando umaconcepçãodo processosocial,na quala idéiademassaseafasta de umaimagemnegativado povoparapassara designara tendência da sociedadea converter-senumavastae dispersaagregaçãode indi- víduos isolados.De um lado a igualdadecivil pareceriapossibilitar umasociedademaisorgânica,masaoromper-seo tecidodasrelações hierarquizadaso queseproduzéumadesagregaçãosócompensadapela uniformização. Massaé então"a mediocridadecoletiva"quedomina culturalepoliticamente,"poisosgovernosseconvertememórgãodas tendênciase dos instintosdasmassas".53 A PSICOLOGIA DAS MUL TIDÓES Depois da Comuna de Paris, o estudoacercada relação massa/sociedadetomaumrumodescaradamenteconservador.Mas no último quarteldo séculoXIX as massas"se confundem"com um proletariadocujapresençaobscenadeslustrae entravao mundobur- guês.E entãoo pensamentoconservador,maisquecompreender,o quebuscaráa seguirserácontrolar.Em 1895,o mesmoanoem que os irmãos Lumiere põem em funcionamentoa máquinaque dará origemà primeiraartedemassas,o cinema,GustaveLe Bon publica Ia psychologiedesfoules,54o primeirointento"científico"parapensar a irracionalidadedasmassas.Podemosmedira importânciadesselivro naressonânciaqueencontrarámesmoemFreud,queemPsicologiadas massase andlisedo euo situacomoo pontodepartidainevitávelpara suaprópria reflexão. L~Bonpartedeumaconstatação:acivilizaçãoindustrialnão é possívelsemaformaçãodemultidões,eo mododeexistênciadestas éa turbulência:um mododecomportamentono qualafloraà super- fície fazendo-sevisívela "almacoletiva"da massa. Mas queé umamassa?É umfenômenopsicológicopelo qual os indivíduos,por maisdiferenteque sejaseumodo de vida, suas ocupaçõesouseucaráter,"estãodotadosdeumaalmacoletivaquelhes 47 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES fazcomportar-sedemaneiracompletamentedistintadecomoo faria cadaindivíduo isoladamente.Alma cuja formaçãoé possívelsó no descenso,na regressãoatéum estadoprimitivo,no qual as inibições moraisdesapareceme a afetividadee o instintopassama dominar, pondo a "massapsicológica"à mercêda sugestãoe do contágio. Primitivas,infantis,impulsivas,crédulas,irritáveis... asmassasseagi-o tam, violam leis,desconhecema autoridadee semeiama desordem ondequerqueapareçam.Sãoumaenergiamassemcontrole:e nãoé esseprecisamenteo ofício daciência?O psicólogosepropõeentãoo estudodo modo comoseproduza sugestionabilidadeda massapara assimpoderoperarsobreela.A chaveseencontrariana constituição dascrençasqueemsuaconfiguração"religiosa"permitemdetectaros doisdispositivosdeseufuncionamento:o mitoqueasuneeo líderque celebraos mitos. Le Bon nãoéumnostálgico,já nãoguardanenhumanostal- gia por outrostemposmelhores.Ao contrário,o que o assustanas massasé a espéciederetornoaopassadoobscurantistaqueelasrepre- sentam:o retornodassuperstições.E essatendênciaéidentificadapor Le Bonpuraesimplesmentecomo retrocessopolítico.A operaçãotem sua lógica. Reduzidosa "movimentosde massas",os movimentos políticosdasclassespopularessãoidentificadoscomcomportamentos irracionaisecaracterizadoscomorecaídasemestágios"primitivos".E a essalógica se devemafirmações"científicas"do calibredesta:o movimentosocialistaé essencialmenteinimigo da civilização,que pode se ler no seguintelivro de Le Bon, intitulado A psicologiado socialismo. DizíamosqueFreudapóiaseuestudodasmassassobreaobra de Le Bon, maselemesmoseencarregade marcarclaramentesuas distâncias.O quelhe interessouprofundamenteno estudodeLe Bon é a importânciaqueaí adquireo inconsciente.Mas, "paraLe Bon, o inconscientecontémantesde tudo os maisprofundoscaracteresda alma e da raça,o qual não é propriamenteobjeto da psicanálise. 48 POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE Reconhecemosdesdejá que o nódulo do eu, ao qual pertence'a herançaarcaica'da almahumana,é inconsciente,maspostulamos alémdissoa existênciado 'reprimidoinconscientemente'surgidode umapartedetalherança.Esteconceito'do reprimido'faltana teoria deLe Bon".55As duasdiferençasassinaladassãofundamentais.Rechaço à confusãodo inconscienteestudadopelapsicanálisecomessamemó- ria biológica da raça que de Le Bon nos conduz diretamenteà racionalizaçãopsicológicado nazismoou ao substancialismodos ar- quétiposjunguianos.O inconscienteestáconformadobasicamente pelo reprimido,queé o que,ao faltarna teoriadeLe Bon, induz ao segundodesacordoimportante:oqueacontecenamassatalveznãoseja tãoradicalmentediferentedoquesepassacomo indivíduo.Poiso que explodena massaestáno indivíduo,porémreprimido.O queequivale a dizerquea massanão estásubstancialmentefeitade outramatéria pior que a dos indivíduos.Mas com essaconcepçãoFreud estava arrebentando,nadamaisnadamenos,o substratodo pensamentoque racionalizao individualismoburguês.E o queapartirdaíficaránítido équea teoriaconservadorasobreasociedade-massanãoémaisquea outrafacedeumasóemesmateoria,aquefazdo indivíduoo sujeito e motor da história. O terceirodesacordoestárelacionadocoma obsessãode Le Bonpelafaltadelíderesnassociedadesmodernas,frenteaoqualFreud propõenãosóaestreitezaesuperficialidadedaconcepçãoqueLe Bon temdafiguraedafunçãodo líder,comotambémareduçãodo social quetodaessateoriasustenta."LeBonreduztodasassingularidadesdos fenômenossociaisa dois fatores:a sugestãorecíprocadosindivíduos eo prestígiodo caudilho".56 Com o quesefazmaisnítidaa lógicada operaçãoquedescrevíamosmaisatrás.A teoriadasociedadedemassas, tal e comoemergedasproposiçõesdeLe Bon, temnabaseanegação mesmadosocialcomoespaçodedominaçãoedeconflitos,espaçoquenos abre ao único modo de recuperaçãoda história sem pessimismos metafísicosnemnostalgias.E quepermitecompreendero comporta- 49 ",'J' DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES mentodasmassasnãosóemsuadimensãopsicológica,mas- escân- dalo!- emseufazercultural.PoissegundoFreudnasmassashá não só instintos,masprodução:"Tambéma almacoletivaé capazde dar vida a criaçõesespirituaisde umaordemgenialcomoo provam,em primeirolugar,o idioma,edepoisoscantospopulares,o folcloreetc. Serianecessário,alémdisso,precisarquantodevemo pensadore o poetaaosestímulosda massa,e se sãorealmentealgo maisque os aperfeiçoadoresde um laboranímicono qualos demaistêmcolabo- rado simultaneamente".57 Wilhelm Reich continuaráessadesmistificaçãoda teoria sobreasmassas.Em umaobraescritanão a posteriori,masempleno 1934,58o autor desmontaa operaçãode "intoxicaçãopsíquicadas massas"que,iniciadaemLe Bonesuaidentificaçãoda"almacoletiva" com o inconscienteda raça,encontrarásuaplenitude"na fidelidade aosangueeà terra"daideologianacional-socialista.Reichtransforma as perguntaspsicológicasde Freud - que é uma massa?em que consistea modificaçãopsíquicaque impõe ao indivíduo? - nas perguntassociológicasque, segundoele afirma, fez pessoalmentea Freudem1937:"Como épossívelqueumHitler ouumDjungashsvili [Stalin]possamreinarcomoamossobreoitocentosmilhõesde indi- víduos?Como é possívelisso?".59Perguntasquenãosãorespondidas nem a partir de umapsicologiado líder, do caudilhoe seucarisma, nem a partirdasmaquinaçõesdoscapitalistasalemães.Porque "não existenenhumprocessosócio-econômicodealgumaimportânciahis- tóricaquenãoestejaancoradonaestruturapsíquicadasmassase que nãosetenhamanifestadoatravésdeum comportamentodessasmas- sas".60E entãoo verdadeiroproblemaqueumapsicologiadasmassas deveenfrentaré "o problemadasubmissãodo homemà autoridade", de suadegradação,já que"ondequerquegruposhumanose frações dasclassesoprimidaslutem 'pelopãoe pelaliberdade',o grupo das massassemantémà margeme reza,ou simplesmenteluta pelaliber- dadeno bandode seusopressores".61 50 li J! li , POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE Com a viradado século,aparecepublicadoum livro que, retomandoasquestõesdeLe Bon, daráa elasumainflexãodiferente, inaugurandoa "psicologiasocial"com que o funcionalismonorte- americano dos anos 30-40 iria temperara primeira teoria da comunicação.Trata-sedeL 'Opinion etIa Foule,62noqualaquestãodas crençasé objetode umdeslocamentofundamental:em lugarde ter como espaçode compreensãode seuestatutosocialo religioso,as crençasserecolocamno espaçoda comunicação,desuacirculaçãona imprensa.A massaé convertidaempúblico e ascrenças,em opinião. O novo objetodeestudoserápoiso públicocomoefeitopsicológico da difusãode opinião, isto é: aquelacoletividade"cujaadesãoé só mental".É a únicapossívelem umasociedadereduzidaa massa,a conglomeradodeindivíduosisoladosedispersos.Mas comoseproduz essaadesão?A respostadeTarderevelasuasdívidascomLe Bon: por sugestão.Só queagoraessasugestãoé "a distância".No pensamento de Tarde faz-seespecialmenteclaraa inadequaçãoentreo novo do problemaque sebuscapensare o "velho"dascategoriasem que é formulado. E isso apesarda renovaçãodo léxico. Sem dúvida, o relacionamentopostoentremassaepúbliconosinteressaenormemen- te,já que,maisalémdaquiloqueesseautortematiza,apontaatépara a novasituaçãoda massana cultura:a progressivatransformaçãodo ativo - ruidosoe agitado- públicopopulardasfeirase dosteatros nopassivopúblicodeumaculturaconvertidaemespetáculopara"uma massasilenciosae assustada".63 Formuladaem termosdas idealidadesde Max Weber, é desenvolvidapor FerdinandTõnies uma reflexãoque combinaele- mentosdasociologiadeTocquevillecomoutrosdapsicologiaproposta porLe Bon.64ParaTõniesamudançaquesignificaapresençamoderna dasmassasdeveserpensadaa partirda oposiçãode dois "tipos" de coletividade:a comunidadee a sociedade(associação).A comunidade sedefinepelaunidadedopensamentoedaemoção,pelapredominân- cia dos laços estreitose concretose das relaçõesde solidariedade, 51 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES lealdadee identidadecoletiva.A "sociedade",pelo contrário, está caracterizadapelaseparaçãoentremeiosefins,compredominânciada razãomanipulatóriaeaausênciaderelaçõesidentificatóriasdo grupo, com a conseguinteprevalênciado individualismoe a meraagregação passageira.A faltadelaçosqueverdadeiramenteaunemserácompen- sadapelacompetênciaepelocontrole.A propostadeTünies,embora formuladaemtermosquepretendemdescreversemvalorar,nãopôde escaparàcargadepessimismoquesuas"idealizações"arrastam,eapar- tir do qualserálido pelamaioriadosautoresqueseocupamdo tema. Metafísica do homem-massa Os acontecimentosquese"precipitam"noprimeiroterçodo séculoXX vãoconduziro pensamentosobreasociedadeaoparoxismo. PrimeiraGuerraMundial, RevoluçãoSoviética,surgimentoe avanço do fascismo,tudo vemcorroborarna direitaliberalou conservadora suasensaçãodedesastredefinitivoe exacerbaro pessimismocultural. Dois livrosrecolhemesintetizamessaexacerbação,convertendo-seem "clássicos"empoucosanosdepublicados:A rebeliãodasmassas,deJosé Ortegay Gasset,e A decadênciado Ocidente,de OswaldSpengler.65 Propostaumasociologia(Tocqueville)eumapsicologia(Le Bon, Tarde), já não faltavasenãoo saltona metafísica.É o queleva a caboOrtega,com suateoriado homem-massa,na qual, como ele mesmoexplicaemumalinguagemtãopoucometafísicacomoa sua, trata-sedeir "d<ipele"dessehomemasuas"entranhas".O quesignifica caminhardo fatosocialdasaglomerações--"amultidãoimediatamen- te se fez visível.Antes, se existia,passavadesapercebida,ocupavao fundo do cenáriosocial;agoraseadiantouàsbaterias,é elao perso- nagemprincipal"66- atéa dissecaçãode suaalma:mediocridadee especialização.O exterior,ou seja,a história,estáformadopelocres- cimento demográfico e pela técnica,que têm seu lado bom "no crescimentodavida"- avidamédiasemovea umaalturasuperior, pois tem-seampliadoo repertóriode possibilidadesda maioria- e 52 li 1.1·.'i il I, "",I t' ~ .,., POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE seulado mauna aglomeração- "essainvasãopelasmassasde todos os lugares,inclusivedos reservadosàs minoriascriativas"- e na especializaçãoque desalojade cadahomem de ciênciaa "cultura integral".O interior nos é descritoatravésde uma longae sinuosa viagemaocoraçãodo homem-meio,do homem-massa,no qualsóhá vulgaridadeeconformismo.É comoseosdetritosdohomemocidental tivessemtomadoseucoração.No final daviagemOrteganos espera com umafórmulaqueo resumeinteiro:"A rebeliãodasmassasé a mesmacoisaqueRathenauchamavaa invasãoverticaldosbárbaroi'.67 Ou seja,o retornodaqueladefinitivaIdadeMédia quenãoé a histó- rica,poisnãoestáno passado,masno futuro-presenteeseusbárbaros invadindo-nosagoraverticalmente,querdizer, debaixopara cima. Creioqueéo momentoderecordaraimagemcomqueabria epretendiasintetizaro sentidodo movimentoquesubjazaolongode todoo desenvolvimentodestateoria:do medoaodesencantoconser- vandoo asco.E por maisqueOrteganosrepitaqueo homem-massa não pertencea uma classe,mashabitatodas,sua referênciasócio- históricaseachanosdebaixo,dadoqueelessão,naatrasadaEspanha do começodo século,osqueconformamamaioria,amassaobscena, amultidãoquenessesanosjustamenterealizadiaapósdiainsurreições, levantamentosatravésdosquaissealça- verticalmente!- contraa espessacapado feudalismopolíticoe econômicoenrijecido,e invade os sagradose aristocráticosespaçosda cultura.Frenteà insurreição popular,quenosanos30alcança,tantonopolíticocomonocultural,68 o momentomaisaltoefecundodaEspanhamoderna,Ortegaescreve um livro comprólogoparafranceses,epílogoparainglesese cheiode piscadelasdeolhosparaa filosofiaalemã,masdo qualestáprofunda- menteausenteaprópriareferênciahistóricaespanhola.Há umponto, semdúvida, no qual Ortegatoca a história,e sãoas referênciasà cumplicidadedasmassascom o Estadofascistae suanecessidadede segurança.Mas aindaaí acríticaseresolveemumaanálisemaismoral que política: o Estadoaparecesemraíz no econômicoe o conflito deslizaparao cultural.Vejamo-Iomaisde perto. 53 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES A relaçãomassa/culturaé tematizadapor Ortega de um modo especialem A desumanizaçãoda arte,masos dois traços,que paraeledefinememprofundidadeacultura,formampartesubstancial da argumentaçãoquesedesdobraem A rebeliãodasmassas.Um: a "culturaintegral"definidapor oposiçãoà ciênciae à técnica,reafir- mandoaquelehumanismoquedelimitaa culturapor suadiferença com a civilização. Propõe-se uma teoria para compreender a modernidade,maso espaçodo quesepensacomoculturaapresenta- seseparadodo trabalhocientíficoe técnico,e aferradoa umamistura do clássicocultivodo espiritualcomelementosda éticaburguesado esforçoe do autocontrole.Dois: a culturaé antesde tudo normas. Quantomaisprecisa,quantomaisdefinidaanorma,maioréacultura. E com esseconceitose"enfoca"a artequesefaznessetempo! Qual éentãoparaOrtegao tipo derelaçãoqueamassatem com a cultura?Paradizê-Iosemrodeios:nãosó a massaé incapazde cultura- issovemsendodito dopovoháséculos- senãoqueo que salvaa artemoderna,amonstruosaartequefazemDebussy,Cézanne ou Mallarmé, é que serveparapôr a descobertoessaincapacidade radicaldasmassasagora,quandoelaspretendemesecrêemcapazesde tudo, atéda cultura.O melhordessaarteé quedesmascaracultural- menteasmassas:frentea elanãopodemfingir quegozam,tantolhes aborreceeirrita.Culturacriativa,anovaarteéavingançadaminoria que,em meioda igualitarismosociale da massificaçãocultural,nos tornapatenteque aindahá "classes':E nessadistinçãoque separaé onde residepataOrtegaa possibilidademesmada sobrevivênciada cultura. A artemodernaresultasim essencialmenteimpopularpor- queseerguecontraaspretensões- osdireitos- comquesecrêem as massas,produzindo sua incomprensãoou repugnância,incom- preensãoa queo artistarespondeexacerbandosuahostilidadee sua distância.Com o quearelaçãoentrearteesociedadeserompe.E des- integradaa artenãopodenãodes-humanizar-se:a figuradesbota,os 54 I, "~ ~ ,~ ~: POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE gênerosseconfundem,a harmoniaseperde.Mas tambémo quese ganhaémuito,pensaOrtega,porquenestaprovadefogoqueatravessa a artesepurificade todo o magmadesentimentalismoe melodrama queaindaarrastava.Debussydesumanizaamúsicamas"nospossibilita escutarmúsicasem desfalecimentonem lágrimas".No fundo, ao separar-sedavida,o quesepassacomaarteéqueseencontraconsigo mesma:apoesiasefazpurametáforaeapinturapuraformaecor.Antea ameaçaquevemda barbárievertical,antea ameaçaqueatormenta por dentro,a culturaredescobresuasessências.E o paradoxotocará fundo então.Ao defendera novaarte,Ortegachegaa seuponto de máximoenfrentamentocomo fascismo."Hitler, Goebbelseosporta- vozesda cultura'nazificada'atribuemao 'homem-nazi'o reflexode- fensivotão claramentediagnosticadopor Ortega".69 Porqueparaos nazisa artemodernaé degeneração,à qual só sepodefazerfrente resgatandoasessênciasdaverdadeiraartequepermanecena tradição popular.O modernonãoseriaarteporquerenegasuaorigemétnica e suarelaçãocomo nacional.SeucosmopolitismoéparaGoebbelso maisclarosinalde suadecomposição. Mas o paradoxodeveser lido. Tanto o aristocratismode Ortega,paraquema verdadeúltimada desumanizadaartemoderna resideem humilharaspretensõesdasmassase demonstrar-Ihessua insuperávelvulgaridade,como o nauseabundopopulismonazi com sua defesade uma artepara o "autêntico"povo-raça,mascarame mistificamos processoshistóricosde transformaçãoda culturae os conflitos e contradiçõesque essatransformaçãoarticula.O mérito indubitávelde Ortegaestáem nos ter feito compreendero graude opacidadeeambigüidadepolíticacomqueserevesteemnossoséculo aquestãocultural,eainversãodosentidodopopularquealiseproduz. Na mesmaépocaque o livro de Ortega,sai publicadoA decadênciadoOcidente.Nele,Spenglerconduzameditaçãometafísica sobrea degradaçãoculturaldassociedadesocidentaisatéconvertê-Ia emfilosofiada história.A filosofiasegundoa qual a vidadascultu- 55 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES ras- quesão"o interiordaestruturaorgânicadahistória"- é uma vidavegetativa:asculturasnascem,sedesenvolvememorrem.E assim, ademocraciademassasmarcariao pontodeinflexãofataldo ciclono Ocidente:o iníciodesuamorte.PoisaculturaéalmadaHistória (com maiúscula),essa"animidade"queaorientapordentroeaempurraem formade destino,enquantoascivilizaçõessãoseu"exteriorartificial esucessivo".E quandoaculturasedegradaa civilizaçãotodasedesa- gregae perdeseusentido,ficandoreduzidaa mera"exploraçãodas formasinorgânicase mortas".70 As duasmanifestaçõesmaisevidentesda morteda cultura ocidentalsão,segundoSpengler,ademocraciaeatécnica.A democra- ciaporqueemsuaformamodernaacabacom averdadeiraliberdade. Aí estáo jornal, com a uniformizaçãoque impõe,acabandocom a riquezaevariedadedeidéiasquefaziapossívelo livro.Como aretórica na Antigüidade,o jornal fazcomque"cadaqualpensesó o quelhe fazempensar".O jornal pode assimserao mesmotempo o maior expoentedacivilizaçãomodernaea expressãomaisacabadadamorte da cultura.A outramanifestaçãoé a técnica,enquantoela realizaa dissoluçãoda ciênciae sua fragmentação,atomizaçãoem ciências. Perdida a unidadedo saber,o que nesseprocessose liqüida é sua capacidadede orientar a história, e o que restanão é mais que submissãoà quantidade,aodinheiroe àpolitica.E dessaforma,uma concepçãoda históriaincapazde dar contadasnovascontradições mata-segritandoqueé a históriaquechegaao fim. É certoqueo pensamentodeOrteganãocaino organicismo de Spenglernememseupessimismosuicida,masaopensamentode ambosque,fazendoo jogodapseudofatalidade,acabapor encobriras transformaçõesquevêmdo real-possível,pode-seaplicarestaafirma- ção de Adorno: "Paraos pensadoresda direitaeramuito mais fácil penetrarcom o olhar as ideologias,pela simplesrazãode que não tinhamnenhuminteressenaverdadenelascontidade formafalsa",71 56 POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE Antiteoria: a mediação-massa como cultura De T ocquevilleaOrtegaosgrandesteóricosdasociedadede massapertencemaovelhocontinente.Emboranãodevamosesquecer que o textoinauguralfoi A democraciana Américae que foi nessa Américado Norte ondesefizeramnítidosostraçosdanovasociedade. Com o pós-guerra,anos40, o eixodaeconomiasedeslocae com ele sedeslocatambém,atéinverterseusentido,a reflexão.Mais queum deslocamentotrata-sede umarevoluçãocopernicana,pois enquanto paraospensadoresdavelhaEuropaasociedadedemassasrepresenta a degradação,a lentamorte,a negaçãodequantoparaelessignificaa Cultura, paraos teóricosnorte-americanosdosanos40-50a cultura demassasrepresentaaafirmaçãoeaapostanasociedadedademocracia completa.A "síndromeda liderançamundial"queos norte-america- nosadquiriramporessesanostemsuabase,segundoHerbertSchiller, "na fusão da força econômicae do controleda informação"e ao mesmotempo"na identificaçãoda presençanorte-americanacom a liberdade:liberdadede comércio,liberdadede palavra,liberdadede empresa".72Quando teriamexistidono mundo maisliberdades?A profeciade Tocqueville e de todos os apocalípticosdesmoronava diante da fusãode igualdadee liberdadeapresentadapelo mundo norte-americano.Foi necessáriatoda a força econômicado novo impérioe todo o otimismodo paísquehaviaderrotadoo fascismoe todaa fé na democraciadessepovo,paraquefossepossívelo inves- timento - de capitale de sentido- que permitiaaos teóricos norte-americanosassumira culturaproduzidapelosmeiosmassivos, ou seja,a culturade massa,comoa culturadessepovo. O primeiro a esboçaras chavesdo novo pensamentofoi Daniel Bell, em um livro cujo merotítulo contémjá o sentidoda inversão:Ofim da ideologia.Porquea novasociedadesóépensávela partirda compreensãoda novarevolução,a da sociedadedeconsumo, queliqüidaavelharevoluçãooperadanoâmbitodaprodução.Daí que 57 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES nem os nostálgicosda velhaordem,paraos quaisa democraciade massaséo fimdeseusprivilégios,nemosrevolucionáriosaindafixados na óticada produçãoe da lutadeclassesentendemverdadeiramente oqueestásepassando.Poisoqueestámudandonãosesituano âmbito dapolítica,masno dacultura,enãoentendidaaristocraticamente,mas como "os códigosde condutade um grupoou um povo".É todo o processodesocializaçãoo queestásetransformandopelaraizaotrocar o lugar de onde se mudam os estilosde vida. "Hoje essafunção mediadoraé realizadapelosmeiosdecomunicaçãodemassa".?3Nem a família, nem a escola- velhosredutosda ideologia- sãojá o espaçochaveda socialização,"os mentoresda novacondutasãoos filmes,a televisão,a publicidade",que começamtransformandoos modos de vestir e terminamprovocandouma "metamorfosedos aspectosmoraismaisprofundos".?4O que implicaque a verdadeira crítica social tem mudado tambémde "lugar": já não é a crítica política,masa críticaculturaLAquela que é capazde propor uma análiseque vá "mais além"das classessociais,pois os verdadeiros problemassesituamagoranosdesníveisculturaiscomoindicadoresda organizaçãoe circulaçãoda nova riqueza,isto é, da variedadedas experiênciasculturais.E oscríticosdasociedadedemassa,tantoosde direitacomoosdeesquerda,estão"forado jogo" quandocontinuam opondoosníveisculturaisa partirdo velhoesquemaaristocráticoou populistaquebuscaa autenticidadenaculturasuperiorou na cultura populardo passado.Ambasasposiçõestêmsidosuperadaspelanova realidadeculturaldamassaqueédeumasóvez"o unoeo múltiplo".?5 EdwardShilsirámaislonge.Com o adventodasociedadede massanãotemosunicamente"aincorporaçãodamaioriadapopulação àsociedade",o quedealgumamaneirareconhecematéseusinimigos, mastambémumarevitalizaçãodo indivíduo: "A sociedadede massa suscitoueintensificouaindividualidade,istoé,adisponibilidadepara asexperiências,o florescimentodesensaçõeseemoções,aaberturaaté os outros(...), liberouascapacidadesmoraise intelectuaisdo indivÍ- duo"76.Dessemodomassadevedeixardesignificaradianteanonimato, 58 POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE passividadee conformismo.A culturademassaé a primeiraa possi- bilitaracomunicaçãoentreosdiferentesestratosdasociedade.E dado queé impossívelumasociedadequecheguea umacompletaunidade cultural,entãoo importanteé quehajacirculação.E quandoexistiu maiorcirculaçãoculturalquenasociedadedemassa?Enquantoo livro mantevee até reforçoudurantemuito tempoa segregaçãocultural entreasclasses,foi o jornal quecomeçoua possibilitaro fluxo, e o cinemae o rádioqueintensificaramo encontro. Paraosrecalcitrantes,paraaquelesqueaindaseempenham embuscarrelaçõesentreasociedadedemassaeo totalitarismo,D. M. White temumaperguntademolidora:"AcasoeraaAlemanhade1932 uma'sociedadedemassa'quandopermitiupelovotoqueo partidode Hitler subisseaopoder?(...) Não eraaAlemanhao paísquepossuía o maiornúmerodeorquestrassinfônicaspercapita,publicavaamaior quantidadedelivrosedesenvolviaumaindústriacinematográficacom produçõesde primeiraqualidade?"?? Desbastadoo terrenosetornavapossívelpassarà elaboração deumateoriasistemática.É o quelevaacaboDavidRiesmanemuma obracujotítulo temo sabordeumclássico,A multidãosolitdria,ecuja estruturaé a consagraçãoda psicologiasocial como a ciênciadas ciências,já queseriaaúnicacapazdeintegrarosdadosdademografia com os da teoriado conhecimento,da antropologiacoma adminis- traçãodas empresase da economiacom a moral.Trata-sede uma caracterizaçãodanovasociedade,queemerge"dasegundarevolução, da passagemde umaerade produçãoparaumaerade consumo".78 Passagemque é fato pensávelmediantea construçãodos tiposde sociedade,ou melhor:dostiposde relaçãoentrecardteresociedadeque permitemdarcontadomovimentodetransformaçõesqueculminana sociedadede massas.Baseadona articulação primordial entre demografiae psicologia,Riesmanpropõetrêstipos de sociedade:a "caracterizada"por serumasociedadedependenteda direçãotradici- onal, a sociedadedependenteda direçãointerna e a sociedade dependentedadireçãopelosoutros.A cadaumdessestiposcorresponde 59 ) DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES umamodalidadedefamília,deescola,degruposdepares,um modo denarrar,detrabalhareorganizaro comércio,devivero sexoedirigir apolítica.DessemodoRiesmanbuscapensaraconstituiçãodacultura demassacomoprincípiodeinteligibilidadeglobaldosocial.Princípio quesedesdobraemtrêsdimensõesbásicas.Primeira:a classe-eixoda sociedadededireçãoparaosoutroséaclassemédia.Segunda:cadadia maisasrelaçõescomo mundoexterioreconsigomesmoseproduzem no fluxo da comunicaçãomassiva.Terceira: a análisedo "cardter dirigidopor outroséaomesmotempoumaanálisedo norte-americano e do homemcontemporâneo".79Riesmanprojetaassimsobrea dinâ- micadamodernidadeumaduplafigura:adohomemmédiodissolvendo asclassessociaisem conflitoe a dos meiosdecomunicaçãoelevadosa causalidadeeficientedahistória-cultura.Dupla figuraquesintetizao pensamentodosautoresnorte-americanossobreasociedadedemassas como aquela,quenão é o fim maso princípio de umanovacultura queos meiosmassivostornampossível.E issonãosó no sentidoda circulação,masemoutromaisprofundo:"A sociedadeà qualfaltavam instituiçõesnacionaisbemdefinidaseumaclassedirigenteconsciente desê-Ioseamalgamouatravésdosmeiosdecomunicaçãodemassas".80 E um "crítico" como B. Rosemberg,paraquema culturade massa arrastaa tendênciaa confundirculturacom diversãoe a misturaro genuínoe o bastardoatétorná-Iosindistinguíveis,proclamacontudo a mesmacrençana todo-poderosaeficáciada tecnologia,e especial- menteda mídia:a explicaçãodo surgimentoda novaculturanão se achanemno capitalismo,nemno nivelamentotrazidopelademocra- cia,masnumapeculiarconfiguraçãodo caráternorte-americano:"se pudéssemosarriscar uma formulação positiva, diríamos que a tecnologiamodernaé a causanecessáriae suficienteda cultura de massa".81 Daí atéa fórmulamcluhanianaéum passo.Mas certamente poder-se-iaafirmarqueMcLuhan não fez maisqueexpressarnuma linguagemexplicitamenteantiteóricaaintuição-obsessãoqueatravessa de pontaa pontaa reflexãonorte-americanadosanos40-50sobrea 60 POVO E MASSA NA CULTURA: OS MARCOS DO DEBATE relaçãocultura/sociedade.Existeumaprofundahomologiaentreos conceitosbásicose na lógica dos dois livros que condensamessa reflexão:A multidãosolitdriaeA compreensãodosmeios.A diferençaestá maisno jargão- "os tiposdecaráter-sociedade"deum e as"idades tecnológicas"do outro- masadireçãoéamesma:umalongaépoca "daexplosãoedaangústia"terminaeseiniciaoutranaqual"o efeito é mais importanteque o significado(...) já que o efeitoabrangea situaçãototal e nãosó o nível do movimentoda informação".82 Nissochegamos.Uma formidávelcapacidadedeobservação, umafina sensibilidadeparaasmudançaseumadecisivapercepçãodo pesoe da forçada sociedadecivil nãopossibilitaram,contudo,quea afirmaçãodapositividadehistóricadasmassasnasociedadesuperasse a idealistadissoluçãodo conflito social.ExcetoemW. Mills83e H. Arendt,84aanáliseculturaléseparadadaanálisedasrelaçõesdepoder. Isso medianteuma concepçãoda culturaque, emborasuperesem dúvidao idealismoaristocrático,permaneceamarradaao idealismo liberalquedesvinculaa culturado trabalhocomoespaçosseparados da necessidadee do prazer,e conduzindo-aa um culturalismoque acabareduzindoasociedadeà culturaeaculturaaoconsumo.E desse modo- outravezo paradoxodacoincidênciaentreadversários- a teoriaelaboradapor sociólogose psicólogosnorte-americanoscontra o pessimismoaristocráticodos pensadoresdos séculosXIX e XX coi~cideco:n ~stee.mum ponto crucial:a incorporaç~odas~assasà \ SOCIedadeslg111ficana,parao bemou parao mal, a dIssoluçao-supe- . raçãodasclassessociais.Com o quecontinuafazendo-seimpensável o modode "articulação"específicadosconflitosquetêmseulugarna cultura e na imbricação da demandacultural na produção de hegemonia.Resultado:um culturalismoque recobreo idealismode seuspressupostoscom o materialismotecnologicistadosefeitose da inflaçãoa-históricade suamediação. A denominaçãodopopularficaassimatribuídaà culturade massa,operandocomoum dispositivodemistificaçãohistórica,mas tambémpropondopelaprimeiravez a possibilidadede pensar em 61 DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES positivo o quesepassaculturalmentecom asmassas.E isto constitui um desafiolançadoaos"críticos"emduasdireções:a necessidadede incluir no estudodo popularnãosóaquiloqueculturalmenteprodu- zem as massas,mas tambémo que consomem,aquilo de que se alimentam;eadepensaro popularnaculturanãocomoalgolimitado ao queserelacionacom seupassado- e um passadorural -, mas também e principalmente o popular ligado à modernidade, à mestiçageme à complexidadedo urbano. 62 CAPíTULO 3 INDÚSTRIA CULTURAL: CAPITALISMO E LEGITIMAÇÃO A experiênciaradicalquefoi o nazismoestásemdúvidana baseda radicalidadecom que pensaa Escolade Frankfurt.Com o nazismoo capitalismodeixade serunicamenteeconomiae explicita suatexturapolíticaecultural:suatendênciaà totalização.Daí queos frankfurtianosnãopossamfazereconomianemsociologiasemfazerao mesmotempofilosofia.É o quesignificaa críticaeo lugarestratégico atribuídoà cultura.Por issopodemosafirmarsemmetáforasquena reflexãode Horkheimer,Adorno e Benjamino debateque viemos rastreandotoca de perto. Em parteporque os procedimentosde massificaçãovãoserpelaprimeiravezpensadosnãocomosubstitutivos, mascomoconstitutivosda conflitividadeestruturaldo social.O que implica numa mudançaprofundade perspectiva:em lugarde ir da análiseempíricadamassificaçãoà deseusentidona cultura,Adorno e Horkheimerpartemda racionalidadedesenvolvidapelosistema- tal e como pode ser analisadano processode industrialização- mercantilizaçãodaexistênciasocial- parachegaraoestudodamassa comoefeitodosprocessosde legitimaçãoe lugarde manifestaçãoda culturaemquealógicadamercadoriaserealiza.E empartea reflexão dosfrankfurtianosretiraacríticaculturaldosjornaiseasituano centro do debatefilosóficode seutempo:no debatedo marxismocom o positivismonorte-americanoecomo existencialismoeuropeu.A pro- blemáticaculturalseconvertiapelaprimeiravezparaasesquerdasem espaçoestratégicoa partir do qualpensarascontradiçõessociais. Em fins dos anos 60 um pensamentoque prolongapor herançaoupolêmicaareflexãodosfrankfurtianosvaitomarcomoeixo a criseentendidacomoemergênciado acontecimento,contracultura, ~
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