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1 a lei das xii tabuas

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A LEI DAS XII TÁBUAS
Quando se começa a registrar sua história, Roma era regida por uma monarquia, mas ao final do sexto século antes de Cristo os reis foram depostos e uma república foi instaurada. A essa época, Roma era uma pequena comunidade situada na margem esquerda do Rio Tibre, próxima ao seu estuário. Seu povo acreditava descender de refugiados da cidade de Tróia que teriam deixado a cidade após o saque promovido pelos gregos. Seu direito se compunha de uma série de costumes não escritos, passados adiante geração após geração e considerados parte integrante de sua tradição como romanos. Tais normas eram aplicáveis apenas àqueles que pudessem sustentar sua condição de cidadãos romanos (cives).
Nos casos em que a aplicação de uma norma costumeira a um caso em particular se tornava duvidosa, recorria-se à interpretação do colégio de pontífices – um corpo aristocrático responsável pela manutenção dos cultos religiosos do estado – que se pronunciava de modo decisivo sobre o conteúdo em questão. A população romana dividia-se em dois grupos socialmente distintos, os patrícios e os plebeus, sendo os primeiros proprietários de terras, pouco numerosos, mas de origem nobre, enquanto os segundos eram numericamente superiores, mas em desvantagem sob vários aspectos. Somente patrícios tinham acesso à função de pontífices, sendo natural, portanto, que os plebeus desconfiassem da imparcialidade de seus pronunciamentos jurídicos. Os plebeus arguíam que, caso os costumes fossem reduzidos à forma escrita, previamente à ocorrência dos casos sobre os quais incidiriam, isso lhes seria vantajoso, pois conheceriam de antemão o conteúdo do direito aplicável à sua situação e, em muitos casos, sequer seria necessário consultar o colegiado para compreendê-lo. Ademais, estando o poder de interpretação dos pontífices limitado aos textos legais, diminuiria o risco de os plebeus sofrerem arbitrariedades resultantes de interpretações parciais.
O resultado desse pleito foi a designação, em 451 AC, de uma comissão de dez cidadãos (os decênviros) para preparar uma compilação escrita dos costumes jurídicos. Essa compilação foi denominada “A Lei das XII Tábuas” e, formalmente proposta à assembléia popular dos cidadãos, foi aprovada. É importante ressaltar que, ao aprová-la, tal assembléia não considerava estar criando norma nova, mas apenas fixando mais claramente, e em texto, o que sempre fora o direito em Roma e que, desde então, passa a receber a designação de lex (oriundo do verbo legere, ler em voz alta), significando a declaração pública e autorizada do que já era o conteúdo tradicional do direito (ius). 
A Lei das XII Tábuas marca o início do Direito Romano tal como o conhecemos, e trata de matérias de todos os âmbitos do direito, incluindo normas de direito público e de direito sacro. O texto original não sobreviveu até nossos dias, mas tantas são as referências feitas em escritos posteriores que boa parte de seu conteúdo pode ser reconstruído. A ordem em que esses fragmentos apareciam no texto original não é conhecida, e certamente o caráter sistemático dessa legislação, a ela atribuído por eruditos do séc XIX, é um exagero. O que se sabe ao certo é que se iniciava com a disposição referente à intimação do réu para iniciar a ação e terminava disciplinando a execução do julgamento. 
As XII Tábuas não esgotavam todo o conteúdo do direito conhecido por todos e sobre o qual não pairassem dúvidas; diversamente, concentrava-se em aspectos que haviam sido objeto de disputas e consultas aos pontífices. Seu conteúdo não era particularmente favorável aos plebeus, mas o fato de que grande parte do direito vigente houvesse sido convertido em texto já representava, em si, maior segurança para este grupo social. Em particular, esta lei expunha os procedimentos que as partes podiam realizar sem socorrer-se de uma corte (autotutela), bem como esclarecia as providências referentes ao acesso à tutela judicial. No início do período republicano havia poucos servidores estatais disponíveis para o trabalho na jurisdição, então era difícil movimentar a máquina estatal para auxiliar a quem houvesse sofrido um dano. Em certos casos, a autotutela era tolerada, uma vez que a comunidade ainda não se tornara forte o suficiente para eliminá-la. A lei, contudo, mostrou-se determinada a institucionalizar tais casos e a mantê-los em estreitos limites.
Quando surgia uma disputa que as partes não pudessem resolver por si mesmas, elas deviam comparecer diante de um magistrado. O propósito dessa audiência era decidir se tal disputa envolvia matéria disciplinada pelo direito civil e, caso fosse, como deveria ser decidida. Antes do advento da república, os ordálios eram recursos utilizados pelos romanos para decidir tais litígios; contudo, no período republicano, o procedimento habitual era a submissão do caso a um cidadão (ou grupo de cidadãos) escolhido pelas partes e pelo magistrado. Esse cidadão, chamado de iudex, investigaria os fatos (a princípio recorresse, talvez, ao que já soubesse por si mesmo acerca do ocorrido), ouviria as evidências trazidas pelas testemunhas e os argumentos das partes e, então, decidiria pela condenação ou absolvição do acusado.
O maior problema para quem fosse iniciar tais procedimentos era o de levar o acusado à presença do magistrado. O acusado podia cooperar, de modo a obter, ele mesmo, uma solução para a disputa; contudo, caso não colaborasse voluntariamente, o pleiteante podia forçá-lo a comparecer em juízo. Os limites precisos desse poder não estavam estabelecidos claramente pela norma consuetudinária, mas a Lei das XII Tábuas os fixou. Caso o acusado se recusasse, diante de testemunhas, a comparecer perante o magistrado, ou tentasse fugir, o pleiteante podia usar de força para compeli-lo a ir. Se o acusado se encontrasse doente ou em idade avançada, o pleiteante não podia forçá-lo a comparecer nesta audiência sem providenciar-lhe transporte adequado. Mas, como já se afirmou acima, havia algumas condutas que o cidadão prejudicado por outro podia adotar sem recorrer ao magistrado. Por exemplo, a Lei das XII Tábuas dispunha que, quando um ladrão fosse flagrado no ato de furtar à noite, ou ainda se isto ocorresse durante o dia e o delinquente oferecesse resistência à prisão, o ocupante do imóvel invadido podia matá-lo. Contudo, na maior parte dos casos, um pronunciamento da justiça era necessário antes de qualquer ação direta do interessado. Nos casos de sério dano físico, as partes eram encorajadas a chegar a um acordo sobre o montante a ser pago a título de indenização à vítima; falhando a possibilidade de acordo, a lei autorizava o talião, ou seja, a vítima podia infligir dano em espécie, mas limitado àquele que lhe fora causado (“olho por olho”). A possibilidade de tal retaliação servia como um estímulo a que as partes se esforçassem por chegar a um acordo, de modo que o talião teria sido exercido somente quando a família do ofensor não pudesse ajudá-lo de modo a oferecer uma compensação apropriada. Para casos de ofensas mais leves, nenhuma retaliação era permitida, e quantias fixas eram prescritas a título de compensação.
Até então se falou em disputas entre indivíduos, mas na realidade, uma pessoa na Roma Antiga era mais propriamente considerada como membro de um grupo. A unidade com a qual o direito romano se preocupava, em seus primórdios, era a família; a lei não se ocupava do que acontecia dentro dos limites da família, as relações entre seus membros eram consideradas um assunto privado sobre o qual a comunidade não deveria exercer qualquer controle. No que se refere ao relacionamento com outros que não se encontravam na família, esta era representada pelo pater familias, e toda a propriedade do grupo familiar encontrava-se em suas mãos. Todos os seus descendentes masculinos em linha direta (agnatos) encontravam-se sob seu poder. Um menino não deixava de estar sob o controle de seu pai meramente por atingir uma certa idade; até que seu pai morresse, ele não podia ter qualquer propriedade sua. Consequentemente,todo o patrimônio familiar era mantido íntegro e os recursos da família como um todo eram otimizados e fortalecidos. Na prática, portanto, o pleito de uma vítima de furto ou injúria pessoal cometida por um escravo ou um filho ainda dependente tinha que ser dirigido ao chefe de família, uma vez que este era o único em condições de oferecer a compensação financeira a partir dos fundos do grupo. A Lei das XII Tábuas oferecia a este, contudo, a opção de, ou satisfazer a pretensão indenizatória da vítima, ou entregar o delinquente a esta ou ao chefe da família à qual ela pertencesse.
Em casos de homicídio não havia ação no âmbito da lei civil (lei dos cidadãos); diversamente, um magistrado tomava a iniciativa, em nome de toda a comunidade, de processar o ofensor, de modo a evitar vinganças familiares ou derramamento de sangue. Normalmente, contudo, a lei fornecia uma disciplina genérica dentro da qual as partes eram deixadas livres para resolver suas diferenças.
No período posterior à edição da Lei das XII Tábuas um pleiteante que não recebesse, no período de 30 dias, a indenização fixada pelo iudex , podia pressionar o réu e até chegar a matá-lo. O pleiteante podia trazê-lo à força diante do magistrado e, se nenhum pagamento ou nenhuma garantia substancial fossem oferecidos, ele poderia ser posto em correntes por até sessenta dias. Durante este período, o réu devia apresentar-se na praça do mercado e anunciar sua dívida, de modo que sua família ou seus amigos tivessem a oportunidade de tomar conhecimento de sua situação e lidar com a dívida. A última ameaça era a possibilidade de sua venda para fora de Roma como escravo, de modo a solver os débitos com os credores. Se assim o preferissem, os credores poderiam cortar o réu em quantas partes fossem necessárias para solver os débitos com cada um, desde que nenhum credor se locupletasse à custa de outro.
Com o passar do tempo os romanos reconheceram o caráter primitivo de muitos dispositivos dessa lei, mas ela precisa ser vista no contexto de uma comunidade que possuía poucos recursos, em termos de servidores do estado, que pudessem fornecer uma estrutura institucional consistente para a solução judicial dos conflitos. A legislação oferecia aos cidadãos a estrutura mínima dentro da qual as partes pudessem solucionar seus conflitos por si mesmas. Inevitavelmente, a parte que pudesse invocar a assistência de mais escravos, familiares e amigos se encontrava em melhor posição do que aquela que dispusesse de menos recursos em seu favor.

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