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7 A ORGANIZAÇÃO DO DIREITO
A elaboração do direito clássico permaneceu predominantemente centrada nos casos, fossem estes reais ou hipotéticos, elaborados a título de exemplo. Inevitavelmente, um sistema casuístico se torna excessivamente intricado e complexo, e acaba por demandar um trabalho de sistematização. O processo de colocar o direito em alguma ordem começou ao fim da república, sob a influência dos métodos de classificação desenvolvidos pelos gregos. Estes não haviam aplicado tais técnicas ao direito, pois não possuíam uma classe profissional de juristas e tampouco o seu direito, tal como se caracterizava, permitiria o desenvolvimento técnico realizado pelos juristas romanos. 
Em torno do ano 100 a.C. o jurista Quintus Mucius Scaevola publicou um pequeno tratado sobre o direito civil. Ele se inicia com testamentos, legados e a sucessão não-testamentária, os quais ocupam aproximadamente um quarto de todo o tratado. Problemas emergentes da sucessão à herança de alguém que houvesse falecido produziam mais disputas do que quaisquer outros casos. A ordem social, à época, ainda se baseava na família como unidade e o principal propósito de um testamento era o de designar os herdeiros que, em razão da morte do pater familias, tomariam seu lugar e conduziriam a família até a próxima geração. Além de estabelecer quem seriam seus herdeiros no testamento, o testador podia constituir legados, apontar turores para os menores impúberes e libertar escravos. Uma vez que a propriedade da família se concentrava nas mãos do pater familias, ao invés de se distribuir entre seus membros, não surpreende o fato de que à sucessão por morte se dedicassem tantas disposições legais. Além da sucessão, Mucius incumbiu-se de agrupar os modos de aquisição da propriedade e posse; quanto aos temas remanescentes de direito privado, parecem ter sido ajuntados no restante do seu tratado sem uma ordem reconhecível.
Um século mais tarde, outro jurista, Masurius Sabinus, que deu seu nome à escola sabiniana, debruçou-se sobre o esquema de Scaevola e lhe agregou alguns outros temas, dos quais se começava a reconhecer estarem relacionados entre si e com outros já presentes no tratado anterior. Por exemplo, Scaevola houvera tratado o roubo/furto de propriedade e o dano à propriedade separadamente, como temas independentes entre si, mas Sabinus os agrupou, reconhecendo a partir daí a categoria de delito, a qual concedia à vítima uma ação civil para penalizar o perpetrante do ato. Sabinus, contudo, ainda não reconheceu a categoria genérica, do contrato, e lidou separadamente com os diversos modos através dos quais duas partes criavam uma obrigação vinculante.
A maior parte dos juristas clássicos viria a apresentar seus repositórios de pareceres e opiniões na forma de um comentário ao tratado de Sabinus ou ao edito do pretor. Somente na metade do segundo século d. C. um grande avanço se faria na ordenação do material de direito privado, tendo, contudo, sido percebido na época apenas nos círculos acadêmicos. O autor era um jurista obscuro, conhecido simplesmente como Gaio (sem os três nomes, portanto, como era uso entre os romanos), cuja atividade era a de professor de direito. Juristas anteriores haviam tido pupilos, mas seu trabalho era relacionado apenas à prática�. Gaio, contudo, parece ter-se dedicado exclusivamente à prática docente e, por isto, não alcançou, em sua época, a fama e o reconhecimento dos juristas.
O esquema de seu manual dirigido aos estudantes, as Institutas, é baseado em uma classificação do direito em três partes principais. A tricotomia era uma divisão especialmente atraente para os professores, em razão de ser facilmente apreensível por estudantes que dispensassem pouca atenção ao objeto de estudo. As três partes do direito constantes do esquema de Gaio relacionavam-se às pessoas, coisas (bens) e ações. A primeira categoria agrupava os diferentes tipos de status pessoal, considerados a partir de três critérios, quais fossem, liberdade (o indivíduo em questão é livre ou escravo?), cidadania (o indivíduo em questão é um cidadão ou peregrino?) e posição na família (o indivíduo em questão é um pater familias ou se encontra sujeito ao poder de um ancestral?).
A segunda categoria, das coisas (ou bens), constituiu-se na parte mais volumosa da classificação. Incluía qualquer coisa a que se pudesse atribuir valor e abrangia tanto as coisas corpóreas como as não corpóreas. Coisas com existência física, móveis ou imóveis, haviam sido reconhecidas desde sempre como coisas. Sob a nova classe de coisas (ou bens) incorpóreas, Gaio primeiramente incluiu as coletividades de coisas, que passam “em bloco” (per universitatem) de uma pessoa a outra, tais como a herança de uma pessoa, que é transmitida em bloco, como um todo, para os seus herdeiros. Tais coletividades podem incluir coisas corpóreas, mas são, em si mesmas, incorpóreas. O outro componente que Gaio incluiu sob a rubrica de coisas incorpóreas foi a noção de obrigações. Tal idéia já havia sido utilizada para descrever os vários modos pelos quais se uma pessoa se obrigava perante outra e havia sido pensada desde o ponto de vista da pessoa obrigada, o devedor. Assim, uma pessoa que fizesse uma promessa formal de pagar a outra uma soma em dinheiro se tornava obrigada diante desta; quem recebesse uma coisa de outrem, de modo a garantir o pagamento de um débito existente, tornava-se obrigado perante o outro a devolver a garantia quando o débito fosse quitado. Algumas vezes o pretor tratava as partes como obrigadas reciprocamente, meramente com base na força vinculatória de um acordo realizado entre elas. O exemplo principal disto era o acordo para a venda de bens. Uma vez que as partes houvessem se comprometido entre si a realizar a venda, de modo que o vendedor se comprometia a entregar a coisa vendida e o comprador, por sua vez, a pagar o preço, eles estavam obrigados entre si. 
Juristas anteriores a Gaio haviam já percebido que a maior parte das obrigações derivava de um acordo realizado previamente entre as partes, ainda que o que as vinculasse pudesse ser alguma coisa além do mero acordo. Portanto, a maior parte das obrigações eram vistas como possuindo uma característica comum, qual seja, a de que, o que quer que lhes houvesse dado força vinculatória, teria havido um acordo entre as partes. A categoria dos contratos, impondo deveres entre as partes, já havia nascido. Gaio então viu uma obrigação de um novo modo; ele a viu não apenas como um fardo sobre o devedor, mas também como um bem nas mãos do credor. Ao tratar o direito do credor de processar o devedor como uma obrigação, Gaio pode expandir a noção de obrigações e incluir na categoria não só os contratos, mas também os delitos como fontes de obrigações.
A terceira parte do direito no esquema de Gaio eram as ações. Esta parte se ocupava não tanto dos procedimentos para se ajuizar um processo, mas, sobretudo, dos diferentes tipos de ações, tais como aqueles que podem ser ajuizados contra qualquer pessoa (por exemplo, ações para reclamar a propriedade), em contraste com aqueles que somente podiam ser dirigidos contra alguns indivíduos particulares, tais como ações para garantir ou impor obrigações.
Na época de Gaio, o ápice do período clássico, os conteúdos do direito privado já se encontravam mais ou menos fixados, e ele então pode identificar seus componentes. Contudo, seu esquema trouxe algumas novidades. Ele incluiu as ações entre os fenômenos jurídicos a serem classificados, juntamente com as pessoas e os bens; ele reconheceu a existência de bens incorpóreos como algo a ser incluído na categoria geral de bens juntamente com os bens físicos, ou corpóreos; ele classificou heranças e obrigações como bens incorpóreos; e ele reconheceu tanto os contratos como os delitos como fontes de obrigações.
O esquema institucional (ou seja, das Institutas) estava destinado a ter enorme influência no direito no futuro, mas na sua época ele teve pouco impacto fora do ambiente acadêmico. Afinal, os juristasprofissionais não precisavam, àquela época, de uma ordenação sistemática do direito. 
Tradução parcial da obra “Roman Law in European History”, de Peter Stein
� O que aproxima tais pupilos dos atuais estagiários, diferenciando-os dos alunos, propriamente, a quem Gaio ensinava direito.

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