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Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 1 Texto 2 – Físico-química II: Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 1. Sistema, fronteira e vizinhanças (RU) A figura 1 mostra um sistema em estudo, situado dentro do universo. Figura 1: um sistema em estudo (erlenmeyer com solução vermelha), contido no universo. Note a fronteira e o resto do universo. Como o próprio nome diz, o sistema é aquilo que escolhemos para investigar. Pode ser um recipiente como uma reação química, uma célula, um vasilhame com algo para cozer sobre o fogão, um gás confinado num recipiente, um automóvel, etc. O importante aqui é definir a fronteira do sistema, isto é, os limites que o separam das vizinhanças (ou resto do universo), ou seja, tudo aquilo que queremos que esteja fora do sistema. A escolha do sistema e de suas fronteiras é arbitrária. Por exemplo, ao se estudar a água sob aquecimento numa vasilha de alumínio, podemos considerar somente a água como sistema e a caneca pode ser a fronteira. Podemos, no entanto, investigar se esse processo de aquecimento aumenta a temperatura da cozinha. Neste caso, o interior da cozinha passa a ser o sistema e a fronteira será constituída pelas paredes da cozinha. Uma coisa importante a se estabelecer aqui é que todas as medidas que fazemos são feitas sobre o sistema, pois é nele que conseguimos intervir para fazer a medida. Por outro lado, quando falamos em vizinhanças, ou resto do universo, estamos falando de todo o Universo, incluindo estrelas, planetas, galáxias e etc. (Daí advém a dificuldade de se fazer medidas fora do sistema). Em função da fronteira, os sistemas podem ser classificados em três tipos: • Sistemas abertos: permitem troca de matéria e de energia com as vizinhanças. Por exemplo, uma canela com água destampada, um ovo, uma caixa de leite aberta. Sistema Fronteira Resto do universo Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 2 • Sistemas fechados: permitem troca apenas de energia com as vizinhanças. Por exemplo, uma caixa de leite fechada, um forno sendo aquecido, uma barra de chocolate ainda no seu envelope. • Sistemas isolados: não permitem troca nem de matéria e nem de energia com as vizinhanças. Do ponto de vista termodinâmico, existe apenas um sistema isolado: o próprio Universo como um todo. Admitimos que nada pode escapar dele, nem matéria e nem energia. Podemos então afirmar que a energia total do Universo de mantém constante. A figura 2 abaixo mostra essas três possibilidades. Figura 2: o sistema, as vizinhanças e suas fronteiras: a) sistema aberto; b) sistema fechado e c) sistema isolado. Examine as possibilidades de troca de matéria e energia em cada caso. Em nossas discussões, vamos lidar apenas com sistemas fechados ou isolados, isto é, não haverá troca de matéria entre o sistema e as vizinhanças. Sob esse aspecto, as fronteiras podem ser de dois tipos: diatérmicas (permitem trocas de energia, constituindo os sistemas fechados) e adiabáticas (não permitem troca de energia, constituindo os sistemas isolados). 2. A primeira lei da termodinâmica – a energia interna (U) Um sistema qualquer contém energia. Não sabemos a quantidade total de energia contida num sistema, mas sabemos que ele contém energia. Por exemplo, a água contida em uma caneca sobre o fogão contém certa quantidade de energia. Chamamos essa energia de energia interna (U). Se acendermos o fogo, ela vai ganhar energia. Sabemos disso porque podemos verificar que a temperatura da água aumenta. Isso quer dizer que a temperatura é uma medida de variação da energia interna do sistema. Não sabemos quanto de energia a água tem depois de sofrer aquecimento, mas podemos medir o quanto variou sua temperatura, isto é, é possível, ainda que indiretamente, saber qual foi a variação de energia interna da água, ou seja, é possível determinar U. Existem duas maneiras de aquecer a água: transferindo a ela energia na forma de calor (é isso que fazemos ao aquecer a água sobre o fogo) e sob a forma de trabalho. Poderíamos, por exemplo, agitar a água continuamente com uma colher até observar que sua temperatura aumenta. Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 3 Claro que isso seria demorado, mas o aquecimento iria ocorrer. Nesse caso, a transferência de energia para a água se deu na forma de trabalho mecânico ou simplesmente trabalho. Os processos descritos acima podem ser consolidados numa equação matemática que consolida a primeira lei da termodinâmica: ∆𝑈 = 𝑞 + 𝑤 (1) Na equação acima, q = energia trocada na forma de calor e w = energia trocada na forma de trabalho. Não entraremos no mérito do uso destas letras e do porque elas não têm o delta. 3. A entalpia (H) do sistema Vamos voltar ao nosso exemplo de aquecer água numa caneca. Como vimos, não podemos aproveitar toda a energia que consumimos da queima do gás pois uma parte foi dissipada para as vizinhanças. Contudo, há um outro processo ocorrendo, mas que não nos é muito evidente. Ao ser aquecida, a água sofre dilatação, ou seja, seu volume aumenta. Isso pode ser percebido pelo aumento no nível da água na caneca com o aquecimento. Para que seu nível suba, a água deve “empurrar” a atmosfera acima dela, mais para cima. Nesse processo, a água está realizando trabalho mecânico sobre a atmosfera. Ora, a energia necessária para a realização desse trabalho vem da energia que estamos fornecendo para a água. Isto quer dizer que há mais um processo que impede que toda a energia fornecida seja aproveitada no aquecimento. Nesse exemplo, foi o fato de parte dessa energia ser utilizada para a realização de trabalho externo (contra a pressão atmosférica). A quantidade de trabalho realizado pela água pode ser facilmente calculada. A figura 3 ilustra como isso pode ser feito. Figura 3: um sistema em dilatação (no caso, um gás) se expande contra uma pressão atmosférica constante (por exemplo p=1 atm). Podemos imaginar que o recipiente seja a água contendo sobre sua superfície uma tampa de área A. Sobre essa tampa, há a pressão atmosférica (pext) constante. Quando a água se dilata, a tampa sobre por um percurso pequeno dz. Então, houve um aumento de volume da água que pode ser calculado como 𝑑𝑉 = 𝐴𝑑𝑧. A pressão é definida do ponto de vista mecânico como sendo a força divida por unidade de área, isto é, 𝑝 = 𝐹 𝐴⁄ , e o trabalho é definido como sendo o produto da força exercida sobre um corpo multiplicada pela distância que o corpo percorre, ou seja, 𝑑𝑤 = 𝐹𝑑𝑧. Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 4 Desse modo, podemos escrever, substituindo uma equação na outra, 𝑑𝑤 = 𝑝𝐴𝑑𝑧. Contudo, o produto 𝐴𝑑𝑧 é a própria variação de volume, como mostra a figura, ou seja, podemos determinar o trabalho executado na expansão mostrada na figura como 𝑑𝑤 = −𝑝𝑑𝑉 (2) O sinal negativo surge do fato de que a força que a atmosfera exerce é contrária ao sentido do movimento de expansão da água. A equação acima se refere a modificações bem pequenas de volume (𝑑𝑉) e de trabalho (𝑑𝑤). Para grandes variações, podemos escrever, 𝑤 = −𝑝∆𝑉 (3) Podemos substituir a equação (3) na equação (1), obtendo, ∆𝑈 = 𝑞 − 𝑝∆𝑉 (4) Vamos interpretar a equação (4) com muita calma. Lembremos os seus termos, o primeiro deles é a variação de energia interna do sistema (∆𝑈). Nosso sistema, no caso, é a água da caneca. O termo q representa a energia transferida para a água na forma de calor (vinda da queima do gás) e, por fim, 𝑝∆𝑉 é a quantidade de trabalho que o sistema executado no processo (no caso, a expansão da água executou trabalhosobre a atmosfera). A quantidade de energia transferida para a água recebe, nesse caso, uma designação especial, trata-se da entalpia (H). Podemos definir assim a variação de entalpia (H) de um sistema como sendo a energia (q) transferida em um processo no qual o sistema está submetido à pressão constante (e pode se expandir ou contrair). Em termos formais, rearranjando a equação anterior, 𝑞𝑝 = ∆𝐻 = ∆𝑈 + 𝑝∆𝑉 Ou seja, 𝑞𝑝 = ∆𝐻 (5) O subscrito indica que a pressão se manteve constante. Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 5 Poderíamos ter evitado o processo de expansão da água (assim como podemos evitar o processo de expansão de um gás). Bastava, por exemplo, ter apoiado sobre a superfície da água um peso muito grande e impedir que ela se dilatasse. Nesse caso, não haveria transferência de energia de volta para as vizinhanças na forma de trabalho, pois não haveria variação de volume, ou seja, ∆𝑉 = 0. Então, a equação acima ficaria, 𝑞𝑣 = ∆𝑈 (6) Nesse caso, toda a energia transferida ao sistema ficaria retido nele, contribuindo para o aumento de sua energia interna, sem perda por expansão. O que é importante perceber aqui é que as duas funções termodinâmicas, energia interna e entalpia, medem o aumento ou diminuição da energia interna do sistema, só que no primeiro caso, o processo se dá a volume constante e no segundo o processo se dá à pressão constante. Para nossos propósitos, o que interessa determinar num processo químico é a variação da entalpia da reação (H) e não a variação da energia interna (U). Isto porque virtualmente todas as reações químicas são conduzidas à pressão atmosférica constante. Vejamos um exemplo bem comum em bioquímica, no caso a reação da glicose com oxigênio. Sabemos que a combustão da glicose gera energia. Quanto de energia ela gera, e em que condições essa quantidade é gerada? A resposta a tudo isso está na equação abaixo, admitindo combustão completa de um mol de glicose. 𝐶6𝐻12𝑂6(𝑠) + 6𝑂2(𝑔) → 6𝐶𝑂2(𝑔) + 6𝐻2𝑂(𝑙) ∆𝑐𝐻298 𝑜 = −2805 𝑘𝐽 Vejamos o que tudo isso quer dizer. A reação de combustão da glicose gera gás carbônico e água. Glicose (como qualquer carboidrato) tem energia acumulada em suas ligações químicas (chamamos isso de energia química). No processo de combustão, a glicose reage com o oxigênio e se transforma em gás carbônico e água. Estas duas moléculas, assim como o oxigênio, também têm energia química acumulada em suas moléculas, mas o total dessa energia é bem menor se comparado à quantidade acumulada na glicose. O resultado é que, ao sofrer combustão, o excesso de energia vai ser liberado para o ambiente (daí o sinal negativo no valor da variação da entalpia). Dito de outra forma, ∆𝐻 = 𝐻𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝐻𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 < 0. Ou seja, o a energia contida no sistema no início da reação é maior do que a energia final, considerando todos os componentes envolvidos. Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 6 4. A entropia e a segunda lei da termodinâmica A segunda lei da termodinâmica tem uma fundamentação um pouco mais complicada. Vamos tentar entende-la a partir de um exemplo simples, que deve ser considerado com cuidado. Quando colocamos água no fogo para fazer café, nossa finalidade é fazer a água se aquecer. O ideal nesse processo é gastar o mínimo de energia, economizando gás. Vamos lembrar que o aquecimento da água (aumento de sua temperatura) significa que está havendo aumento de sua energia interna, ou seja, ∆𝑈 > 0. Contudo, não aquecemos somente a água, a caneca que a contém também se aquece, e muito. No fim, transferimos energia também para a fronteira do sistema e essa energia acaba por se dissipar nas vizinhanças, não podendo ser aproveitada por nós. A conclusão óbvia que se obtém disso é: não podemos aproveitar 100% da energia que entregamos ao sistema, uma parte se perdeu, por dissipação nas vizinhanças. É exatamente isso que nos diz a segunda lei da termodinâmica: nunca conseguiremos alcançar 100% de rendimento em um processo de transferência de energia, qualquer que seja ele. A energia para aquecimento da água estava concentrada nas moléculas do gás. Quando elas reagiram com o oxigênio, essa energia foi liberada e uma parte foi transferida para a água da caneca, mas, na verdade, a maior parte da energia obtida na queima se perdeu para as vizinhanças (mais de 90%), ou seja, se dissipou no ar, e não pode mais ser aproveitada. A quantidade de energia dissipada se chama variação de entropia (S) do processo. Assim, há uma variável termodinâmica que mede essa dissipação, e que se chama entropia (S). O que a segunda lei da termodinâmica estabelece é que para um sistema isolado, a entropia sempre aumenta, enquanto o sistema estiver fora do equilíbrio. No momento em que ele alcançar o equilíbrio, não mais haverá aumento de entropia, então, ∆𝑆 ≥ 0 (7) Devemos lembrar que o sinal de maior vale para processos que estão fora do equilíbrio, enquanto que a igualdade é válida para quando o sistema entra em equilíbrio, isto é, quando ele não mais se transforma ao longo do tempo. Lembremos que o processo de dissipação de energia foi espontâneo (nada tivemos que fazer para ele ocorrer, pelo contrário, gostaríamos de tê-lo evitado, mas isso não é possível). Sendo assim, a equação acima serve para qualquer processo espontâneo. Dito de outra forma, o aumento de entropia corresponde à dissipação para as vizinhanças de parte da energia que estava concentrada num sistema no momento em que houve um processo de troca de energia. Temos uma noção do que é a entropia mas não temos ainda uma definição matemática, que nos permita determinar seu valor (isso corresponde a determinar a quantidade de energia que se dissipou num processo qualquer, e que não pode ser recuperada). Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 7 4.1. A definição termodinâmica da entropia A definição da entropia se baseia na ideia de que a dissipação da energia depende da quantidade de calor envolvida no processo (q). Assim, uma boa expressão para a variação de entropia de um processo é, 𝑑𝑆 = 𝑑𝑞 𝑇 (8) O que a expressão acima nos diz é que a quantidade de energia trocada na forma de calor, em pequenos infinitésimos de energia (dq) dividida pela temperatura mede uma variação infinitesimal de entropia (dS). Para uma variação de entropia ao longo de um processo podemos escrever ∆𝑆 = 𝑆𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 − 𝑆𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 𝑞 𝑇 (9) Voltemos um pouco à espontaneidade dos processos. Por que isso é importante? Primeiro, porque queremos entender como a natureza funciona, para, em seguida, poder tirar proveito desse funcionamento. Se alguma reação ou processo ocorre espontaneamente, sem que precisemos intervir, e o produto da reação ou processo nos interessa, então estamos no melhor dos mundos, pois a natureza faz o serviço por nós. Por outro lado, se o produto de uma reação ou processo nos interessa, mas eles não ocorrem espontaneamente, então teremos que intervir e provocar sua ocorrência. Isso vai nos obrigar a realizar trabalho e teremos que, de alguma forma, gastar energia. Vejamos um exemplo de cada caso. A queda de água de uma montanha é um processo espontâneo. Aproveitamos muito bem isso construindo dispositivos que transformam o movimento da água (a energia da queda) em rotação de turbinas que geram energia elétrica. Por outro lado, num exemplo bastante diferente, óleo e ovos não se misturam espontaneamente. Se quisermos fazer maionese, teremos que gastar energia para tanto.... O que vamos fazer agora é buscar critérios para determinar se um processo é ou não é espontâneo.Comecemos pela definição termodinâmica da entropia, conforme a equação (8). Podemos imaginar sem problemas que ela se aplica tanto ao sistema quanto às vizinhanças, então, 𝑑𝑆𝑣𝑖𝑧 = 𝑑𝑞𝑣𝑖𝑧 𝑇𝑣𝑖𝑧 (9) A equação acima nos diz que se transferirmos uma pequena quantidade de calor para as vizinhanças (𝑑𝑞𝑣𝑖𝑧), sua entropia vai aumentar de 𝑑𝑆𝑣𝑖𝑧. Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 8 É muito importante salientar que a entropia não é uma nova forma de energia, é apenas uma medida do quanto a energia que estava concentrada num sistema na forma de energia interna (U) se dissipa para as vizinhanças, isto é, para o Universo. 4.2. A desigualdade de Clausius e a espontaneidade Vejamos agora, a partir das equações acima, de que modo o aumento da entropia sinaliza processos espontâneos. Sabemos que, em qualquer transformação espontânea, a entropia total do Universo deve aumentar. Queremos com isso dizer que o aumento pode acontecer no sistema, nas vizinhanças ou nos dois. Podemos, então, escrever, lembrando também da condição de equilíbrio, 𝑑𝑆𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 ≥ 0 (10) Imaginemos agora um sistema em contato térmico e mecânico com suas vizinhanças. Qualquer processo que ocorra no sistema, vai provocar aumento da entropia no sistema e nas vizinhanças, de modo que 𝑑𝑆𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 = 𝑑𝑆𝑠𝑖𝑠𝑡 + 𝑑𝑆𝑣𝑖𝑧 ≥ 0 (11) Ou seja, 𝑑𝑆𝑠𝑖𝑠𝑡 ≥ −𝑑𝑆𝑣𝑖𝑧 Considerando a equação (9), 𝑑𝑆𝑠𝑖𝑠𝑡 ≥ − 𝑑𝑞𝑣𝑖𝑧 𝑇𝑣𝑖𝑧 Contudo, todo o calor que chega nas vizinhanças provém da transformação pelo qual o sistema passou, ou seja, 𝑑𝑞𝑣𝑖𝑧 = −𝑑𝑞𝑠𝑖𝑠𝑡, então, omitindo os subscritos 𝑑𝑆 ≥ 𝑑𝑞 𝑇 (12) A expressão acima é conhecida como desigualdade de Clausius. Vamos supor que o sistema esteja isolado de suas vizinhanças por paredes adiabáticas (aquelas que não permitem troca de energia e o sistema está isolado), neste caso, 𝑑𝑞 = 0, de tal modo que, 𝑑𝑆 ≥ 0. Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 9 O resultado acima nos conta algo muito importante. Num sistema isolado a entropia não pode diminuir quando ocorre uma transformação espontânea, ou seja, a entropia sempre vai aumentar enquanto houverem transformações no Universo (que é, como vimos, por definição, um sistema isolado). Não haverá mais aumento de entropia, isto é, 𝑑𝑆𝑠𝑖𝑠𝑡 = 0 somente quando as coisas no Universo estiverem em equilíbrio. Vamos lembrar de duas coisas importantes: 1) aumento da entropia significa aumento da dissipação de energia no Universo. A energia está concentrada em algum ponto e espontaneamente vai se dissipar por todo o Universo e 2) seres vivos não estão em equilíbrio, ou seja, a existência de seres vivos pressupõe aumento de entropia no Universo. Eis aí uma fundamental correlação entre a termodinâmica e os seres vivos. Então, para resumir, as transformações (ou processos espontâneos) são aquelas que causam aumento de entropia. Isso não quer dizer que não podemos provocar redução de entropia em algum sistema. Para isso, temos que executar trabalho sobre o mesmo (gastar nossa energia acumulada em nossas reservas alimentares). Contudo, neste consumo de energia para reduzir a entropia de um sistema, nós vamos provocar aumento de entropia nas vizinhanças, e esse aumento será maior do que a redução de entropia que provocarmos no sistema, ou seja, a equação (11) continua verdadeira. 4.3. Em busca de um critério mais amplo de espontaneidade Vamos procurar um critério melhor para avaliar se uma transformação é ou não espontânea, tentando levar em conta somente o sistema, sem termos que apelar para o que acontece nas vizinhanças. Imaginemos um sistema em equilíbrio térmico com suas vizinhanças, na temperatura T. Quando ocorre uma transformação qualquer no sistema e há troca de calor entre este e as vizinhanças, a desigualdade de Clausius (12) nos diz que, 𝑑𝑆 − 𝑑𝑞 𝑇 ≥ 0 (13) Ora, como vimos na primeira parte, a transformação pode se dar a volume constante ou a pressão constante (mais comum no dia a dia e no laboratório). Vamos considerar a equação acima levando em conta essas duas possibilidades. Se a transformação se der a volume constante, então, a quantidade de calor (dq) trocada com as vizinhanças corresponde à variação de energia interna (dU) conforme vimos na equação (6). Para transformações infinitesimais Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 10 𝑑𝑞𝑣 = 𝑑𝑈 Substituindo na equação (13) 𝑑𝑆 − 𝑑𝑈 𝑇 ≥ 0 𝑇𝑑𝑆 − 𝑑𝑈 ≥ 0 (14) Consideremos agora o caso mais comum, quando a troca de energia entre o sistema e as vizinhanças se dá a pressão constante – exemplos disso são todas as reações químicas conduzidas no ambiente, inclusive as reações biológicas, pois todas essas transformações estão ocorrendo com o sistema em contato com a atmosfera – neste caso, o calor trocado corresponde à variação da entalpia do sistema ou, conforme a equação (5), escrita para transformações infinitesimais, 𝑑𝑞𝑝 = 𝑑𝐻 Substituindo na equação (13), 𝑑𝑆 − 𝑑𝐻 𝑇 ≥ 0 𝑇𝑑𝑆 − 𝑑𝐻 ≥ 0 (15) Invertendo o sinal da desigualdade acima, 𝑑𝐻 − 𝑇𝑑𝑆 ≤ 0 (16) Veremos agora que a equação acima estabelece completamente o critério para se estabelecer se uma transformação será ou não espontânea, ou ainda, se não houver qualquer transformação (e o sistema alcançou o equilíbrio). Para tanto, definimos uma propriedade termodinâmica chamada de energia de Gibbs. Esse nome vez de Josiah Willard Gibbs, físico-químico responsável pela formalização, no século XIX, da termodinâmica, tal qual a conhecemos. A energia de Gibbs é definida pela identidade 𝐺 ≡ 𝐻 − 𝑇𝑆 A partir da identidade acima podemos escrever, para a expressão (16), Conceitos fundamentais em termodinâmica – prof. Ourides 11 𝑑𝐺 = 𝑑𝐻 − 𝑇𝑑𝑆 ≤ 0 Para processos em que as transferências de energia não são infinitesimais, ∆𝐺 = ∆𝐻 − 𝑇∆𝑆 ≤ 0 (17) A expressão (17) estabelece um critério definitivo para a espontaneidade das transformações no Universo: • Se um processo é espontâneo então há diminuição da energia de Gibbs enquanto ele ocorre (isto é, ∆𝐺 < 0). • No momento em que o processo para, não há mais redução do valor da energia de Gibbs (∆𝐺 = 0), e o sistema entra em equilíbrio. • Por outro lado, se estiver havendo variação positiva da energia de Gibbs (∆𝐺 > 0), então o processo não é espontâneo e está havendo intervenção externa para ele ocorrer. Para finalizar, é importante lembrar que a energia de Gibbs também não é uma nova forma de energia (assim como a entropia também não é uma nova forma de energia), mas apenas um critério para se verificar a espontaneidade dos processos. Vamos tentar abordar um exemplo simples de como podemos lidar com o critério acima. Água e óleo não se misturam. Ao colocarmos um pouco de água num copo e acrescentarmos óleo, haverá a formação de um sistema de duas fases, com o óleo sobre a água. Sendo assim, o processo de mistura destas duas substâncias não é espontâneo. Para misturá-los, teremos que realizar trabalho. Fazemos isso agitando a mistura fortemente, por exemplo com um garfo. Durante esse processo, não espontâneo, está havendo aumento da energia de Gibbs do sistema (∆𝐺 > 0 durante o processo). Uma vez feita a mistura, o que vai ocorrer? Espontaneamente, o óleo vai começar a se separar da água. Como essa separação é espontânea, enquanto ela estiver ocorrendo estará havendo diminuição da energia de Gibbs (∆𝐺 < 0 durante o processo). No momento em que os dois componentes se separam completamente, o sistema entra em equilíbrio e não mais muda aolongo do tempo (nessa condição ∆𝐺 = 0). É importante ressaltar que o critério de espontaneidade e equilíbrio que estabelecemos acima vale para transformações à pressão constante, usual no ambiente em que vivemos. Ao longo da disciplina vamos procurar correlacionar os conceitos vistos acima com as transformações pelas quais os diversos sistemas estudados vão passar.
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