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A Nova Ciência da Mente CAP.2 Psicologia

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2
)
PSICOLOGIA
O CASAMENTO DE MÉTODOS COM SUBSTÂNCIA
TRÊS LINHAS CRUCIAIS DE PESQUISA DOS ANOS DE 1950
oMágico Número 7 de George Miller
Em 1956, George Miller publicou, na Psychological Review, um artigo
apresentado de forma engenhosa - "The Magica] Number Seven, Plus or Minus
Two: Some Limits on Our Capacity.for Processing Information" ["O Mágico
Número Sete, Mais ou Menos Dois: Algumas Limitações da Nossa Capacidade
do Processar Informações"]. Mais uma síntese do que um relatório de um
xperimento crucial ou a apresentação de uma teoria formal, a primeira afirma-
• O de Miller estava sustentada por uma evidência empírica considerávef "Meu
problema é que fui perseguido por um número inteiro. Durante sete anos este
IIIÍln 'I'() me seguiu por toda parte, intrometeu-se nos meus dados mais privados,
1 JlI ata 011 das páginas dos nossos periódicos mais públicos" (p. 81). Miller
11111. 1\ ou qu ' as habi lidades de um indivíduo para fazer distinções absolutas entre
1 I IIllrlOH, parti distinguir fonemas uns dos outros, para estimar números preci-
11111 1111 I plll'lI I mbrar um número' de itens discretos pareciam todas sofrer uma
1111111 til \ 1llldlllnpr< ximadarncntc no nível de sete itens. Abaixo desse número,
II IlltI Idll\l I ilIlo' guiam prontarn nte executar estas tarefas: acima dele, os
11111 'lIhlll IllIdlll1\ I ri 1('1\.',111'. I\stn d S ontinuidadc também não parecia aci-
111111 NUllp11l 111 dI MIIIII:
104 HOWARD GARDNER
geral. Com base na presente evidência parece seguro afirmar que possuímos uma capacidade finita e
bastante pequena para fazer tais ... [julgamentos] e que esta capacidade não varia muito de um atributo
sensorial simples para outro (p. 86).
Os humanos, contudo - como MiJler tranqüilizou a sua platéia - têm formas
de se livrar destas restrições. Processar ou codificar entidades em termos de suas
várias dimensões pode aumentar o número de elementos que podem ser distin-
guidos uns dos outros. Pode-se agrupar um número de elementos (por exemplo,
um conjunto de números ou letras) e depois tratar o agrupamento como uma
unidade. Pode-se fazer julgamentos relativos ao invés de absolutos. A capacidade
de recodificar a informação em linguagem e de lembrar este simbolismo mais
abstrato é especialmente importante. Como MiJler observa, "Este tipo de reco-
dificação lingüística que as pessoas fazem parece-me ser o próprio elemento vital
dos processos de pensamento" (1956, p. 95). De fato, ele certa vez descreveu a
eficiência potencial deste processo de recodificação da seguinte maneira: "Fa-
zendo uma analogia muito grosseira, é como se nós tivéssemos de levar todo o
nosso dinheiro em uma bolsa que só pudesse conter sete moedas. Não interessa
à bolsa, porém, se estas moedas são centavos ou dólares de prata" (MiJler,
Galanter & Pribram 1960, p. 132).
Por que esta questão aparentemente simples teve um impacto decisivamen-
te grande nas comunidades de orientação cognitivista? Em primeiro lugar, o
ensaio de MiJler reunia uma enorme quantidade de dados até então dispersos e
sugeria que eles apontavam para uma conclusão comum. Uma síntese valiosa,
para começar. Em segundo lugar, sugeria que o número 7 não era um mero acaso:
indicava limitações genuínas das capacidades humanas de processamento de
informação. Embora estas limitações "embutidas" pudessem ser um anátema
para os empiristas radicais, elas ajudaram a sinalizar uma mudança no sentido de
explorar a natureza e a estrutura de um mecanismo central de processamento
cognitivo. A idéia de limites rígidos de processamento foi defendida, não por
acaso, em termos da teoria da informação, que MiJler explicou no começo do
artigo: assim, ele introduziu um método através do qual os pesquisadores pode-
riam examinar outras modalidades ou tarefas sensoriais e verificar se esta
limitação aparente de fato vigora. (Grande parte das controvérsias subseqüentes
giravam em torno de saber como fazer tais traduções e.se, quando feitas, elas
realmente produziriam o mágico número 7.) Em terceiro lugar, como indicado,
a mensagem do artigo não era desesperadora, pois MiJler indicava maneiras pelas
quais os humanos habilmente transcendem esta limitação.
Pode ter havido uma outra razão para o impacto deste ensaio. Os psic61 'os
tentavam havia aproximadamente um século descobrir as I iflh. si as do sisl mil
mental humano. Muitas vias prorniss ras tinham 'ido dH 11", Illas li mnim iu
delas - inclusive, mais rcccnt m nt ,a "hol dapl'lIl 111h 1 11111I1 If( allml I I.u ,I.
saneio. Nos últimos anos, o. lrnhnllm 11I11 1111I11111 1"1 (1111I111
111111111111I.pruvlnluuu dI .lu I 11 I 1111rll 11111111I11li, qu
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 105
po't"ja princípios de transmissão aplicáveis a qualquer tipo de canal; e a
ciência da computação, que agora exibia máquinas empenhadas na manipulação
de símbolos. Miller estava oferecendo uma esperança de casamento entre as
quantidades dos dados coletados pelos psicólogos durante anos e as novas
abordagens rigorosas dos cientistas orientados para a engenharia. O resultado
poderia ser uma genuína ciência da psicologia com o seu próprio conjunto de leis
imutáveis. Ninguém pensou em questionar se todos os conteúdos, ou bits, podem
de fato ser tratados (e então considerados) como equivalentes.
A ABORDAGEM BRITÂNICA DO
PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO
Justamente enquanto Miller e seus colegas aplicavam conceitos da
ciência da comunicação à psicologia, um movimento paralelo começava a
pôr-se em marcha na Grã-Bretanha. Este movimento resultou diretamente do
trabalho de psicologia aplicada que fora realizado na Inglaterra durante a
Segunda Guerra Mundial, quando os psicólogos se uniram a outros cientistas
nos esforços para destruir códigos inimigos, entender a visão noturna, plane-
jar alertas de ataques aéreos, auxiliar no reconhecimento da aviação inimiga
e atender a muitas outras necessidades de guerra. Dois indivíduos que haviam
participado deste esforço aplicado eram Colin Cherry e Donald Broadbent;
seus estudos nos anos 1950 inspiraram a abordagem britânica da psicologia
do processamento de informação.
Um adepto da teoria da informação, Cherry (1953) concentrava-se na
apacidade dos indivíduos de prestar atenção e obter informações de canais com
ruído. Ele instruía os sujeitos a seguirem uma mensagem, transmitida a um
ouvido, pelo método de shadowing: ou seja, repetindo cada palavra o mais rápido
possível após a sua apresentação. Cherry verificou que os sujeitos não eram
capazes de relatar muito do que tinha entrado no ouvido oposto (não atento).
Mais precisamente, eles conseguiam relatar características grosseiras do sinal,
('OIl1(lpor xcrnplo se era música ou fala, mas não mudanças de conteúdo ou de
IllIpua. 13r adbent (1954) aprimorou este procedimento apresentando conjuntos
dI 11gilOH simultaneamente, em séries de três, aos dois ouvidos. Ele verificou
IJllt n. 1411j 'ilofl I inharn maior facilidade e obtinham melhor resultado quando eles
I( I 1i IV 111Ilodos os dí itos apre entados a um ouvido primeiro e, em seguida,
1111li , o. dfpilO. :1]11'S ntndos (ao mesmo tempo) ao outro ouvido.
1'111111 1111.o. 1>101>(.itos, 11pari importante do trabalho Broadbent-Cher-
11IlIlIdl 111dll )11111( 11 ""1111110. li pensam nto ti qu ele deu ri em. O
11 111 1111I1I I I 11dll IIlplll 1111111111nu-o, 1\11'cnmcçnvn COIll a informa-
1I I I I I '"I 1111 nuuvn I I m 11111I, 1'1110 noVII t' 11111'01
I I' I I 11 IllItI llmluulu plllll 111 I lI' IlI1 " o
106 HOWARD CARDNER
armazenamento de informação. (Nesta ênfase aos limites do processamento de
informação, o modelo estava intimamente ligado aos estudos de George Miller
sobre o mágico número 7.) Havia uma particularidade adicional importante: em
vez de falarem simplesmente de limites estruturais de uma forma estática, os
pesquisadores britânicos procuraram determinar precisamente o que acontece
com esta informação a partir do momento em que ela é apreendida pelaprimeira
vez. Dada esta abordagem do ponto de vista da "engenharia", o passo seguinte
naturalmente seria fazer um diagrama de fluxo do que acontece quando o sistema
perceptivo opera sobre informação nova. De fato, de acordo com um recente
livro-texto, Broadbent foi o primeiro psicólogo da época moderna a descrever o
funcionamento cognitivo com um diagrama de fluxo (Lachman, Lachman &
Butterfield 1979, p. 188).
Como era este primeiro diagrama de fluxo? Ele apresentava a informação
entrando através dos sentidos, sendo a informação colocada em um armazena-
mento de curto prazo, e em seguida sendo filtrada seletivamente antes de entrar
em um sistema perceptivo de capacidade limitada. Enquanto um órgão sensorial
pode receber muitas informações em paralelo e retê-Ias momentaneamente, a
função do filtro seletivo é bloquear mensagens indesejáveis, admitindo assim
apenas aquelas que mereçam uma análise adicional. Uma outra propriedade do
filtro seletivo é que ele pode ser sintonizado de tal maneira que, em qualquer
momento, só permita a entrada daquelas mensagens que preenchem certas
exigências. O buffer (memória temporária) pode reter informação não analisada
por um breve período, permitindo assim que o sujeito relate os conteúdos do
segundo ouvido, depois de ter enunciado os três dígitos apreendidos pelo primei-
ro ouvido. De acordo com o modelo inicial de Broadbent, somente a informação
que se torna consciente - que passa através do canal de capacidade limitada -
pode entrar na memória de longo prazo e assim tornar-se parte do conhecimento
ativo. Supõe-se que a informação presente em um canal não atentado, ou em um
sinal não atentado, desfaz-se em poucos segundos e não sofre nenhum processa-
mento além da análise inicial "pré-atencional".
Embora poucos investigadores, ou talvez nenhum, acreditassem que a
percepção ou o pensamento ocorram simultaneamente ou sem uma série de
passos, a opção de traçar os estágios do processamento de informação raramente
tinha sido feita antes da época de Broadbent. Mais uma vez, esta opção tornou-se
uma probabilidade quando a engenharia de comunicações começou a ter impacto
, sobre as questões de percepção e de atenção que interessavam os psicólogos havia
muito tempo. Mas o modelo de "diagramação de fluxo" apresentado por
Broadbent e colaboradores e sua evidência relevante para os estágios espccffi os
do processamento de informação criaram muitas possibilidad s produtivas, Po
dia-se agora examinar as dimensões lemp rais d c1iv('INO.P!tll'( /-ISO/-> psi: ()ltl~.j
cos, e pesquisadores ávidos im diatnrn nrc P"" 11111111I I 1111 "1'('1111 ('. SI (111 11.
A falta d atcn âo ao contcúd« p;lItil'ltlll '111I t I I /lIUIIII 11I111,1111 111
:;; ., oe. 'õ' "O <li
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108 I10WARD GARDNER
tipos de transformação impostos, não preocupava aqueles entusiasmados com as
demonstrações de Broadbent-Cherry.
A ABORDAGEM ESTRATÉGICA DE JEROME BRUNER
Com a colaboração de Jacqueline Goodnow e George Austin, Jerome
Bruner publicou em 1956 um livro intitulado A Study of Thinking. Este volume
resultou do Cognition Project [Projeto Cognição], que Bruner dirigia havia
alguns anos em Harvard. O assunto, bastante conhecido pelos psicólogos, era
classificação, categorização ou (como ele era geralmente chamado na área)
formação de conceitos ou aquisição de conceitos. E o problema era clássico:
Como uma pessoa, diante de um conjunto de elementos, passa a agrupá-Ios em
categorias de forma confiável- sejam elas compostas de todas as cadeiras, todos
os átomos ou todos os triângulos grandes e azuis?
Enquanto psicólogos, Bruner e seus colegas seguiam a tradição de exami-
nar formas abstratas de categorização, c~mo aquelas envolvidas na avaliação de
que cartas de um conjunto, cada uma exibindo uma forma geométrica diferente,
pertencem a uma categoria particular. O pesquisador escolhia um conceito -
digamos, a classe de todas as cartas com uma figura vermelha, a classe de todas
as cartas que possuíam quadrados vermelhos, ou, sendo particularmente diabó-
lico, a classe de todas as cartas contendo duas figuras e/ou CÍrculos. Apresenta-
vam ao sujeito uma carta de cada vez e lhe perguntavam em cada caso se aquela
carta pertencia ao conceito predeterminado; em seguida lhe diziam se a sua
resposta estava correta. A tarefa do sujeito, evidentemente, era descobrir as
propriedades do conceito escolhido, para poder selecionar todas, e apenas, as
cartas que exibissem seus aspectos definidores.
Embora fosse superficialmente semelhante a trabalhos realizados em anos
anteriores, a abordagem de Bruner na verdade divergia daquela defendida por
estudiosos mais antigos da categorização. Em primeiro lugar, ao invés de tratar
os sujeitos como animais surdos-mudos, Bruner e seus colegas simplesmente
diziam aos sujeitos o que eles deveriam fazer e recorriam muito a seus comentá-
rios como um auxílio na análise dos resultados. Contrariando a metodologia
behaviorista estabelecida, os sujeitos eram tratados como solucionadores de
problemas ativos e construtivos, e não como se simplesmente reagissem aos
éstímulos apresentados a eles. Suas introspecções realmente tinham importância.
Refletindo a influência da teoria da informação na época, Bruner e colabo-
radores começaram observando as informações assimiladas em encontros d s
sujeitos com tais estímulos simples. Mas em um outro desvio dos proccdirncnt s
operacionais usuais, eles acabaram analisando as pn I ric dlld(" i111"01'1111\1ivaN til
longas seqüências de atos den minadas " slml fti I •• VI IlIh 1111,( qU( 111111
Ihor forma de cxpli ar d H'1'1)1I1IHIHilldlvitlllll 111 1111 11110 I 11 pllt!IIH
A 'rniH ti Il'H)1thII1('111IlIlIilll, tontutivu I I 11I Ii I I til 1I1t1l1 111111111
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 109/
configuração de estímulo particular. Este era o aspecto mais iconoclasta - e mais
influente - do trabalho,
Os pesquisadores passaram a considerar o que cada estratégia realizava à luz
das metas do organismo, como por exemplo minimizar o risco ou conservar a
capacidade de armazenamento. As estratégias escolhidas foram: esquadrinhamento
sucessivo (successive scanning), na qual o sujeito tem uma única hipótese (todos os
objetos vermelhos, por exemplo) e limita suas escolhas aos exemplares que testem
diretamente esta hipótese; a abordagem dafocalização conservadora (conservative
focusing), na qual se encontra um exemplo positivo, faz-se em seguida uma série de
escolhas, cada uma das quais altera apenas um único valor de atributo da primeira
carta "foco", e verifica-se se amudança produz um exemplo positivo ou negativo;
e a tática de arriscar o foco (focus gambling), na qual o sujeito usa um exemplo
positivo como um foco, mas depois corre o risco calculado de mudar mais de um
atributo de uma vez. Arriscar o foco oferece a possibilidade de se chegar a um
conceito muito mais rapidamente do que a focalização conservadora, mas também
pode necessitar tentativas adicionais se as escolhas não forem reveladoras, A
focalização conservadora é o método mais seguro, já que limita a carga sobre a
memória e possibilita o progresso constante rumo à solução. Contudo, em caso de
limitação de tempo ou algum outro tipo de pressão, o indivíduo que responde pode
seguir o curso mais arriscado de mudar vários atributos simultaneamente.
O livro de Bruner revelou-se uma inovação na psicologia, o que talvez não
seja surpreendente para uma obra publicada no ano crucial de 1956. Os autores
comentam:
os úllimos anos assistiram a um aumento notável do interesse pelos processos cognitivos e pela sua
investigação ... Ele resultou de um reconhecimerito dos processqs complexos que servem de mediado-
res entre os clássicos "estímulos" e "respostas", a partir dos quais as teorias da aprendizagem
estímulo-resposta pretendiam moldar uma psicologiaque ignoraria qualquer coisa que cheirasse a
"mental". O caráter impecavelmente periférico destas teorias não podia durar. .. Seria bom que se'
observasse mais de perto estes "mapas cognitivos" intervenientes (p. vii).
A importância do livro de Bruner foi assinalada pelo elogio do eminente físico
.I. Rob rt Oppenheimer: "A Study ofThinking tem em muitos sentidos um sabor de .
Illllugura fio de uma nova ciência ... O livro possui uma uniformidade de visão e um
f( ivor ti onvicção que fazem com que ele aponte para o futuro" (citado em Bruner
jllH I, p, 1 I). /I. P ssibilidade de que o uso de tais conceitos artificiais invalidasse
1I 1(1,1I1111t10Hnão passava pela cabeça. de ninguém naquela época.
() /'/W(,'/MMA DA PS/ OLOG/A COGNITlVA
1'(11Millcr, Broudh nl h rry, e Bruner
111111ti Iti O ( tIlINIInos til 1<) 10. Pn iis
111111111IItIlI Il1Ipo til pl'llI lu hnvku i Illll
llO HOWARD GARDNER
com relação a questões da cognição, estes jovens psicólogos estavam dispostos
a introduzir noções que tinham sido proscritas "do tribunal" havia muito tempo.
A discussão de limitações embutidas à quantidade de informação que pode ser
recebida, tentativas de traçar os passos envolvidos no processamento desta
informação, e a postulação de estratégias globais empregadas na solução de um
problema - tudo isto assinalava uma maior disposição para debater questões da
mente de forma direta, sem tentar explicá-Ias em termos de longas séries de
estímulos e respostas publicamente verificáveis ..
Uma mudança tão grande não pode ser atribuída a um único fator, mas é
evidente que o advento do computador, assim como a linguagem da teoria da
informação através da qual ele costumava ser caracterizado, ajudaram a legitimar
tais abordagens. Os psicólogos não estavam mais restritos em suas explicações
a eventos que pudessem ser impostos a um sujeito ou observados no comporta-
mento; os psicólogos estavam agora dispostos a considerar a representação da
informação dentro da mente. Certamente, a disposição para tratar da repre-
sentação mental assumiu formas diferentes nas obras de diferentes psicólogos.
MilIer observava as propriedades e limitações estruturais embutidas no sistema
representacional; Broadbent e Cherry examinavam as transformações da infor-
mação quando ela entrava através dos sentidos e era armazenada na memória;
Bruner atribuía aos sujeitos uma variedade de abordagens ou estratégias que
governam o desempenho em uma tarefa. Embora as questões que estavam sendo
investigadas - memória para unidades isoladas, processamento de palavras ou
tons, classificação de conceitos - não fossem nada novas para a psicologia, a
perspectiva de aplicar conceitos da teoria da informação, de basear-se no modelo
de um computador, de admitir várias formas de representação mental, e de
permitir que os sujeitos utilizassem todos os seus poderes de reflexão era
estimulante e liberadora.
A psicologia é uma disciplina essencial para qualquer estudo da cognição.
No entanto, ela é também uma disciplina difícil de ser investigada e na qual tem
sido difícil realizar um progresso genuíno. Quase todo elemento concebível é
relevante para o desempenho de um sujeito, e poucas questões relacionadas com
a natureza e o comportamento humano podem ser excluídas do laboratório a
priori. Assim, a escolha de um problema, e a eliminação de todos os concorrentes,
torna-se uma tarefa especialmente difícil.
A psicologia também coloca problemas especiais para o historiador da
.ciência cognitiva- um problema que não é de maneira nenhuma reduzido quando
o historiador é também um psicólogo. Ela é um campo enorme - há muito mai
psicólogos do que representantes dos outros campos - e conseqüentemenl há
mais programas de pesquisa para examinar. Embora seja uma simplifi a 50
excessiva organizar qualquer campo em torno de um ou dois temas, é parti ulnr
mente difícil selecionar questões fundamentais da psicologiil. Assim, deve S(·
prestar atenção ao conteúdo cspccífi o da informucfio (uudilivn 1111 visuul, 11\11, j
calou lingiifsli 'a), ou Iralal lodos o ('onll'udll, 1'1111111, I 1'11 111 1111 Inh I
/ A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 11I
cambiáveis? Deve-se conduzir pesquisas para esclarecer aqueles processos que
são válidos para rodos os indivíduos, ou observar as diferenças individuais
pertinentes - criança versus adulto, masculino versus feminino, iniciante
versus treinado em tarefas experimentais? Deve-se examinar o comportamen-
to em seu contexto natural ou tentar excluir todos os apetrechos cotidianos e
recorrer a condições artificiais de laboratório? Deve-se supor que o indivíduo
aborda tarefas construindo elementos maiores de significado a partir de
pequenas unidades isoladas? Ou fará mais sentido supor que já se chega às
tarefas com estratégias ou roteiros gerais, que são simplesmente impostos a
uma tarefa, independente de suas dimensões, detalhes e exigências particula-
res?
Resolvi organizar este capítulo em termos de uma distinção que se relacio-
na com algumas das mencionadas acima, mas que talvez seja mais bem formu-
lada de maneira um tanto diferente: a saber, a distinção entre unidades de análise
moleculares ou de pequena escala e unidades de análise molares ou de grande
escala. Por razões de estratégia científica ou de simples preferência pessoal,
parece ser possível classificar a maioria dos programas de pesquisa psicológicos
ao longo desta dimensão. Alguns programas, tais como os da psicofísica tradi-
cional e os do processamento de informação contemporâneo, mostram uma
inclinação por unidades de pequena escala (bits, percepções individuais, asso-
ciações únicas examinadas em um breve período de tempo), presumindo que uma
compreensão perfeita destas unidades e processos elementares é o caminho mais
seguro rumo à explicação definitiva de unidades e entidades complexas. Uma
rença contrária é encontrada entre os que propõem a abordagem molar- aqueles
que observam problemas de grande escala tratados durante um longo período de
tempo e invocam conceitos analíticos como esquemas, estruturas ou estratégias.
I e acordo com estes pesquisadores, estas propriedades de grande escala são mais
salientes na cognição humana e assim funcionam como um ponto de partida
16 rico. Por que apostar que uma abordagem elementarista acabará produzindo
unidades maiores, quando ao invés disto se tem a opção de começar com estas
unidades maiores, que parecem mais próximas aos dados e à experiência da vida
('01 idiana?
.ontrastc entre as abordagens molecular e molar parece-se com a distin-
, 10 eutr a~ ab rdagen descendente e ascendente, embora não seja de forma
111\1111111 id 'lili o a ela, Em uma abordagem descendente, que tem implicações
I li IIlllili. Ins, lISSUl11e-seque o sujeito traz para a tarefa seus próprios esquemas,
1 1Il1l1l\ia, 1111 istruturas que modificam fortemente o seu desempenho, Em uma
111111111,11'1'111 IS('('1l I -nto, mais li ada ao campo empirista, assume-se que os
11 1111111 I' I. 11'1111'. 1'111 UIII;I turcfn Ou situa ão focal exercem uma influência
1"111I111111111 111111' II 111"1'11'1)1 IIho dI' 11111 slIj ito. Daqui p r diante geralmente
ti 111111 li' I 11I"1,,, 111111 "di I ('11111'111('" I' utolrrular '0111 "as endenle" não
It , t, "li' I 11111 IlltllIl "li II HIII 1111 11111111, IlIas p<lI<jucI"r('qii 11-
1I II Ii III/lII'Jlllllo
112 lfOWARD GARDNER
Como todas as dicotomias, esta pode ser facilmente exagerada, com dis-
torção subseqüente do campo. Quase todos os psicólogos têm uma simpatia por
um dos enfoqires, e muitos passam da abordagem molecular para a molar (e
vice-versa). Por exemplo, George Miller preferia uma visão molecular quando
examinava o número 7, mas mudou rapidamente para uma molar ao discutir
planos e metas no livro de 1960. De fato, quando o computador é usado como
um modelo, é igualmente justificável focalizar o nível mais molecular (bits
individuais, símbolos, circuitos "ligado-desligado") ou os conceitosde progra-
mação de nível mais alto (metas, meios e rotinas). Além disto, pode-se adotar
uma abordagem molecular (ou molar) por diferentes razões: alguns psicólogos
começam com uma abordagem molecular com a esperança de conseguir adaptar
os seus métodos a entidades molares; enquanto outros acreditam que basicamente
todo comportamento pode ser reduzido a, e explicado por, entidades moleculares,
Assim, incluindo esta dicotomia, procuro transmitir uma tensão ou luta contínua
pela alma da psicologia - não rotular duas caixas dentro das quais se possa
agrupar rápida e seguramente todos os experimentos, conceitos e psicólogos.
Duas outras tendências devem ainda ser mencionadas em qualquer des-
crição rápida dos primeiros cem anos da psicologia. A primeira delas é a
crescente segmentação do campo. Somente a American Psychological Associa-
tion possui mais de cinqüenta mil membros (incluindo alguns milhares de
pesquisadores ativos) que se espalham por quarenta divisões e algumas centenas
de grupos de interesses especiais, muitos dos quais ignoram completamente o
que se passa em outros setores da sua associação e da sua disciplina. Neste
clima, esforços para encontrar conceitos unificadores são essenciais, mas não é
nada fácil sustentá-los.
A segund~ é a tendência à perfeição metodológica. À medida que o tempo
passa, a invenção de novos instrumentos e a maior sofisticação das técnicas
estatísticas, 'os delineamentos de estudos individuais e de conjuntos de estudos
tornam-se cada vez mais elegantes. Ninguém lamentaria esta situação, mas
deve-se perguntar se (em comparação, digamos, à biologia molecular) esta
crescente sofisticação metodológica aprofundou a nossa compreensão dos fenô-
menos psicológicos. Em outras palavras, nós obtivemos um conhecimento mais
penetrante sobre a cognição humana, ou nós estam os simplesmente usando
demonstrações experimentais mais convincentes para reafirmar o conhecimento
que foi estabelecido há muito tempo?
Na minha opinião, a sofisticação metodológica está entre as realizações das
quais a psicologia mais se pode orgulhar, mas é uma conquista que ainda não foi
plenamente integrada à substância do campo. Muitas das questões mais irn] or-
tantes da psicologia precisam ser abordadas de uma perspectiva molar e exi III
uma perspectiva descendente. E no entanto os métod li psi 'Ollgi os mais l'il'0-
rosos muitas vezes não são adequados para slas <IIIl, 1111 di 1'lIl1dl'oscnln.Pc 11,1\
que o desafio com que se defronta ntunlmcnt. 11li 1111111111hl1l111IH'I'1 ,:1111111111
usam nto d SL'IIH, of'iHlit'lIdll, 11111111111111111111111111 11111pltlhlc 11111I
/ A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 113
questões de importância evidente. Como muitas destas perguntas provêm da
tradição filosófica da qual a psicologia resultou diretamente, seria conveniente
iniciar este exame do curso da psicologia cognitiva com uma rápida consideração
do legado kantiano para os estudos psicológicos do século XIX.
A PSICOLOGIA CIENTÍFICA DO SÉCULO XIX
Lidando com o Legado Kantiano
Imrnanuel Kant tinha sérias dúvidas acerca da possibilidade de uma ciência
como a psicologia - um ceticismo que, como observei no capítulo anterior,
provinha de diversas causas. Ele acreditava que uma ciência tem de aplicar leis
matemáticas aos dados empíricos, e que estes dados têm de ser coletados em
experimentos reais, mas como a psicologia lida com elementos que supostamente
não possuem dimensões espaciais - pensamentos puros - tal experimentação não
era possível. Um segundo problema era que a psicologia teria de investigar o
instrumento do conhecimento - o eu; mas não é possível que o eu examine suas
próprias operações, e muito menos que o faça de forma desinteressada. Além
disto, havia o problema do nível de abstração. Para se conduzir uma pesquisa
científica é necessário que se consiga excluir fatores acidentais, de modo que se
possa focalizar as variáveis cruciais para uma teoria - uma manipulação radical
do tema, que é difícil, senão impossível, de aplicar à interação humana, tão
mplexa e difundida.
As objeções mais graves de Kant derivavarn de sua concepção global do
domínio do conhecimento. Na sua visão "fundacional", era da competência da
filosofia elucidar a natureza do pensamento - traçar as relações entre as várias,
ri 'ncia e determinar seus fundamentos e limitações; a psicologia era vista como,
11111usurpador de segunda categoria neste programa. A psicologia deve~ia se
runl ntar em observar (5) contexto social e histórico no qual o pensamento ocorre,
1I111Snão deveria tentar investigar a natureza do pensamento propriamente dito. '
;\ uutoridadc de Kant - e o aparente poder de persuasão de seus argumentos
crn lfio irund que muitos estudiosos de sua época fugiam da investigação
11111'11('11dlll-i qu stõcs psicológicas. Felizmente, porém, pelo menos alguns
IIdivrdllp, foralll síimulados pelo ceticismo de Kant a buscar um papel mais
1"1 IIV'1 plll 1 I psi '010 lia. De ao rdo com o historiador da psicologia David
I I \I Y( I 'I/H " II ,'Ih nsndor s nl mães - Jakob Friedrich Fries, Johann Friedrich
II 111111I I' FIII til I'h IIdll inl nCII 'k dirigiram suas energias, no início do século
I • 1\ I Illh 1'1111li 111'1\1 di 1111111p, i 'ologia i ntff'i a. Tod s estes estudiosos
r I I I 1111IIJII li 111111'\ li 1111111111.pndinm SI'I' lIll'didos por xp rirncnto, e
I 1'" I ,11111 I1 I 11111111111I IlIdo '1111ll'IIII1I1'II1t !'1I1111'l·t',St 11Iinf'llI'lllilÇÕt'S 11
, 11 I 111' I' 1111I 111 111I plllll 111111,11Ihllll 11111111IVII "IIl 11 111111I
114 HOWARD GARDNER
exibem as variáveis de tempo, intensidade e qualidade, e que deveria ser possível
medir quantitativamente todos estes aspectos da ideaçâo e até mesmo escrever
equações que mapeassern suas relações uns com os outros. Embora o trabalho de
Herbart e de seus colegas se limitasse basicamente à especulação de gabinete,
estes estudiosos mantiveram viva a possibilidade de uma psicologia científica
em uma época na qual as restrições de Kant continuavam a constituir um
obstáculo colossal.
Em meados do século XIX, os cientistas passaram a ter menos reservas com
relação a investigações empíricas aplicadas diretamente a questões psicológicas.
Saindo da sombra de Kant e de outros filósofos e dispostos a realizar experimen-
tos e simplesmente ver o que apareceria, estes estudiosos anteciparam diretamen-
te a fundação da psicologia cognitiva perto do final do século e provocaram
abalos que ainda podem ser detectados nos laboratórios de hoje. Além disto,
todos eles deram contribuições específicas que ainda são pertinentes para as
discussões psicológicas.
ESTABELECENDO OS FUNDAMENTOS:
HELMHOLTZ, FECHNER, DONDERS E BRENTANO
Dentre os muitos pesquisadores com orientação empírica que demonstra-
vam interesse por questões psicológicas, provavelmente o de maior destaque era
o físico e fisiologista alemão Hermann von Helmholtz. Helmholtz queria mostrar
que grande parte dos assuntos sobre os quais Kant especulara podia ser submetida
a estudo empírico. Cético com relação a várias afirmações rivais sobre a espan-
tosa velocidade do pensamento, Helrnholtz se propôs a medir o período de tempo
necessário para a transmissão de impulsos ao longo de um nervo. Utilizando um
instrumento engenhoso, adaptado do galvanômetro de seu laboratório, Helm-
holtz conseguiu medir o tempo que leva para um impulso nervoso passar através
da perna cortada de uma rã. Depois ele conseguiu adaptar o método para sujeitos
humanos, aos quais pedia que respondessem apertando um botão sempre que um
estímulo fosse aplicado em suas pernas. Isto lhe permitiu descobrir a velocidade
do impulso nos nervos sensoriais humanos: verificou-se que ela está entre 54 e
109 metros por segundo (Fancher 1979, pp. 100-101). As reações comportamen-
tais humanas afinal podiam ser medidas.
Tendo desafiado com sucesso a crença de que o pensamento é essencial-
mente instantâneo ou inerentemente incomensurável,Helmholtz em se uida pôs
em questão as crenças de Kant em idéias inatas de espaço. De a ordo COI1I 1\
posição contrária de Helmholtz, os indivíduos formam seu onh irn '1110 ti \
espaço, da mesma forma que eon trocm s ralos d S 11rnun 10 físico. FiI:tI'llIlll
seus sujeitos usarem prismas '1\1 distor 'iam (l SI'II inundo, lII Il\lhlllll IHII, 1\1111
que os iutliv tI\lOS Cl\lIs\'Fllialll IIjll I111 \' uu IIl.lpl.lI \. Il\pllll\lIlIlIlI 1\ I I I
/ A NOVA CIÊNCIA DA MENTE JJ5
distorções e qpe logo estavam vendo o mundo novamente de uma maneira
essencialmente não distorcida: Em uma investigação complementar, ele estudou
indivíduos que tinham sido cegos um dia mas que agora podiam ver, e documen-
tou o tempo considerável que se passou até que eles aprendessem a perceber o
mundo dos objetos do mesmo modo que os que enxergam.
A partir destas demonstrações, Helmholtz desenvolveu a idéia ainda in-
fluente de inferência inconsciente: em vez de simplesmente ler percepções do
mundo de estirnulação externa, recorremos inconscientemente a nosso conheci-
mento anterior para efetuar interpretações precisas do que nós percebemos. A
experiência de nossa percepção anterior é adicionada inconscientemente à nossa
reação presente a um estímulo - como acontece quando, contrariando a evidência
dos sentidos, nós sucumbimos a uma ilusão de óptica. Helmho\tz utilizou a
palavra inferência deliberadamente. Ele acreditava que o sistema visual fica
implicitamente raciocinando sobre suas experiências: por exemplo, a fim de
calcular os tamanhos reais dos objetos, o sistema visual tem de fazer inferências
com base nas imagens formadas na retina de um indivíduo. Diferentemente das
inferências silogísticas, é claro, estes processos ocorrem sem nenhuma consciên-
cia.
Com o progresso constante de sua pesquisa e com a introdução de certas
distinções conceituais, Helrnholtz fez três grandes contribuições. Em primeiro
lugar, indicou que as dieta filosóficas de Kant não possuíam validade absoluta:
era na verdade possível esclarecer aspectos do funcionamento mental humano
ele um modo empírico. Em segundo lugar, Helrnholtz abriu espaços para formas
moleculares de análise (a velocidade de um impulso se deslocando ao longo de
uma fibra nervosa), como também para investigações molares (as maneiras nas
quais arranjos espaciais complexos são vistos tanto em condições normais como
distorcidas). Finalmente, ao enfatizar a contribuição do sujeito perceptivo para
11 percepção, Helmholtz tornou-se um dos primeiros a contribuir para a ideologia
da iência cognitiva.
Agora já era possível para os cientistas ele status menos deslumbrante
colaborar com a incipiente ciência da psicologia. O psicofísico pioneiro Gustav r
FI' hn J" (1912) conseguiu mostrar que, dentro ele certos limites, a intensidade de
1111111s nsa ã percebida varia segundo uma função logarítmica de aspectos
Ilhj\'livos do estímulo. Assim, parecia que os aspectos mais pessoais de uma
I, PI'I i 1\ 'ia psi ológica - quão alto parece ser um som, quão brilhante parece ser
111\\I IIIZ, qru () do' é um objeto - poeliam ter uma relação quantitativa com uma
, 1\11\I1d,'li 'ti 111.nsuráv I d um bjeto elo mundo.
1III'.I'i111110, ' nn tio '\1111ntucâo cle Hclmholtz ela velocidade de eventos
111111li , JI (' I )IlIIIII'1I pllll' ' ('111IHIíH que também se pode meelir o tempo que
I 111"1111I "1"1,11111' 1111111.11'IIjH'lÍl\lt'S S 'I '11) x uiadas. Por exemplo, para
11 '1\1111111I IIlpll I I I' 11,110111'1IIllla di,'('J iminaçao ntr dois estímulos,
\I\lll 111111 I 'I 1" I 11"1111dI 11,1.11 II1HIIIIÍI'Ill'VI'II10 isnlndnm nt
I til \I I" I I 11 I 1"11\I I 'I' 1111 I 11111I VI 111I! \11111'11'111111111111I1Ii.
116 HOWARD GARDNER
eventos são apresentados. Subtraindo-se o tempo necessário para detectar um
único evento isoladamente do tempo necessário para responder quando há dois
estímulos, pode-se inferir o tempo exato requerido para a operação de discrimi-
nação. Assim como Fechner, Donders trabalhou com materiais relativamente
moleculares: mas, em princípio, seus métodos poderiam ser aplicados a tarefas
molares.
Enquanto Helmholtz, Fechner e Donders estavam todos preocupados em
demonstrar que questões psicológicas poderiam produzir resultados quantitati-
vos no laboratório experimental, um padre-filósofo chamado Franz Brentano
estava abordando problemas da psicologia de um ponto de vista diferente. A obra
de Brentano era dirigida contra a noção molecular de que se pode dividir a
psicologia em elementos e examinar os elementos das experiências ou da cons-
ciência isoladamente, como também contra a noção de que se pode conceber os
processos mentais ou a consciência de uma forma puramente mecanicista. Para
Brentano, a psicologia começa com a mente - uma entidade ativa e criativa que
tem intenções, pois ela subentende e exige um objeto. O verdadeiro tema da
psicologia é o ato mental- como julgar, sentir, imaginar ou ouvir, cada um dos
quais reflete um sentido de direção e propósito. Não se pode simplesmente ver;
deve-se ver algo; e o ato de ver algo é psicológico ou mental.
Segundo esta visão, a tarefa da psicologia empírica é estudar a mente do
sujeito em funcionamento, lidando com objetos, propósitos e metas. Brentano
enfatizava os aspectos fenomenológicos do esforço psicológico: não se pode
conceber os pensamentos e julgamentos, e muito menos estudá-Ios, a não ser que
se leve em consideração a experiência fenomenológica interior do indivíduo. E
podemos ter acesso a ela não através da introspecção induzida - pois uma pessoa
não consegue observar ao mesmo tempo que experiencia - mas através da
experiência fenomenológica simples de nossa vida mental interior (Brentano
1874).
As palavras de Brentano seriam temporariamente esquecidas durante os
primeiros anos da disciplina da psicologia, quando predominava uma obsessão
pelo estudo dos elementos das sensações e dos estados mentais constitutivos
básicos. Nos laboratórios de Leipzig não havia muito espaço para sentimentos
tão ambiciosos como ato, propósito, intenção e experiência fenomenológica. No
entanto, os problema do tipo descendente ou molar que Brentano levantara não
poderiam ser ignorados eternamente. Eles ressurgiriam, em diferentes formas, na
rebelião de Würzburg, na plataforma do psicólogo da Gesta\t e, mais uma vez,
'na visão do computador como um agente com planos, intenções e metas. D
muitas maneiras, Brentano influenciou um grande número de pesquisad rcs ([u '
nunca ouviram seu nome.
I
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE ll7
o PROGRAMA DE WUNDT
Em um certo sentido, a psicologia estava bem avançada no final do século
XIX. Com o trabalho pioneiro de Helrnholtz e os esforços consideráveis de
Donders, Fechner e Brentano, que se dedicavam principalmente a assuntos
psicológicos, já existia uma pequena atividade de. pensamento e pesquisa psico-
lógica. Todavia, como observarei repetidas vezes nesta história, o desabrochar
de uma disciplina depende muito da fundação de instituições e organizações. Os
esforços dos pioneiros do início do século XIX talvez nunca tivessem se fundido
e se tornado cumulativos se não fosse por Wilhelm Wundt, que se propôs no final
do século a estabelecer a psicologia como uma disciplina experimental separada.
Mais do que qualquer outro indivíduo - e talvez do que qualquer grupo de
indivíduos - Wundt é o responsável pela emergência da psicologia como uma
disciplina científica separada, com seus próprios métodos, programas e institui-
ções. A psicologia, de seu estabelecimento original em uma única universidade
- Leipzig em 1879 - tornou-se um campo com representantes em praticamente
toda instituição de ensino superior. Seu sucesso espetacular pode ser atribu ído
em grande parte aos trabalhos - se não sempre às idéias - de Wundt (Boring
1950; Fancher 1979; Watson 1979).
De acordo com Wundt, a física estuda os objetos do mundo exterior:
mbora esta investigação seja necessariamente mediada pela experiência,a física
ainda não é o estudo da experiência propriamente dita. A psicologia, pelo
ntrário, é o estudo da experiência consciente enquanto experiência. Ela deve
ser abordada através da observação interior, através da introspecção. Embora
lad s os indivíduos tenham tais experiências, nem todos são necessariamente
qualificados como testemunhas competentes da natureza de sua experiência.
Assim, Wundt adotava o método da introspecção - um método por meio do qual.
lima pessoa presta uma atenção meticulosa às suas próprias sensações e as relata
dn forma mais objetiva possível. Esta objetividade significa aqui que a pessoa
descreve as sensações sentidas, e não os estímulos que as provocaram; e que a
[11ssou r laia pensamentos (ou imagens) sem fazer referência ao seu significado
nu no .ont xto no qual se apresentam. O programa de Wundt dependia da
[111, ihilidnd de haver introspecção desta maneira,
A, sim '01110 ra importante separar a psicologia da física, também era
IIIp\lllltll I nlizar o s u divórcio da fisiologia. A fisiologia tem como campo
I 111I !'II'O o 1\'ludo dos proccss s' mentais que não são conscientes - não
11I I IIVI di I'. 1Ill' introsp tivo - enquanto a psicologia trata daqueles pro-
l! IIH·IIIII1.:."pI'1iOles qu podem ser submetidos a exame pessoal. A fisio-
111111I plll II \1111\111\1.1('!lUl.Sl'nsa Õ s, mas a psi ologia abrange a descrição e
1111 ti" ( P( 11l11l'I.I,('IISllIl.II. Rl'conhl' x-ndo qu ai 'uns aspectos da expe-
I I hlllll "I" (11 (lalll 1"11111111'(,,!IIIVII,.1 (, ;1111",'I\II""IIOS d introsp fio,
I I t "" 11111111 11111 11111ti I 111111tllI P I(0111'1.1(11111aqlll'llIs,' P"I iên-
I lu 1" I ti 1111111I' 11 "1"11, 1 p' 111 da
118 HOWARD GARDNER
experiência humana que são por natureza sociais ou comunitários. Na divisão do
trabalho de Wundt, cabia aos psicólogos étnicos ou populares estudar as ativida-
des humanas complexas e de grande escala, tais como costumes, rituais e, talvez,
certos aspectos da linguagem e do pensamento. Por fim, ele contribuiu com dez
volumes para este esforço de construir a psicologia popular (folk psychology).
Como George Miller colocou, Wundt contemplava a agenda da psicologia
empírica britânica com os olhos de um homem formado nas tradições da fisiolo-
gia alemã (Johnson-Laird & Wason 1977, p. 2). Da mesma forma que Helmholtz
e Donders, Wundt criava tarefas simples - mas pedia aos sujeitos que fizessem
uma introspecção sobre elas durante a sua participação. Em uma tarefa de
demonstração, pedia-se aos sujeitos que apertassem um botão sempre que ouvis-
sem um som. Em algumas tentativas, a atenção dos sujeitos era dirigida ao som;
enquanto em outras sua atenção era dirigida ao movimento dos seus dedos sobre
o botão. Verificou-se que os tempos de reação eram maiores quando um sujeito
tinha de prestar atenção ao som, menores quando se prestava atenção ao movi-
mento. Wundt inferiu que este tempo mais longo devia-se à apercepção - o
processo de tornar as próprias experiências claras na consciência. Aparentemen-
te, quando alguém está concentrado em um estímulo, o estímulo primeiro tem de
ser percebido e em seguida apercebido, ou interpretado conscientemente, à luz
da resposta a ele associada .. Complicações ainda maiores surgiam quando vários
estímulos diferentes eram apresentados, sendo que só um deles deveria receber
resposta. Este processo demorava ainda mais, porque, segundo Wundt, tem de
ocorrer "cognição": o estímulo tem não só de ser percebido e apercebido, mas
também diferenciado de outros estímulos que não devem provocar respostas
(Fancher 1979, p. 139).
Wundt revelou seus vínculos com a tradição filosófica britânica na forma
pela qual ele interpretou estes resultados. Ele passou a conceber a experiência
como composta de elementos básicos simples - conteúdo sensorial bruto sem
qualquer significado; e todos os pensamentos conscientes eram vistos, conse-
qüentemente, como combinações das sensações que podem ser analisadas em
termos de qualidade, modo, duração, intensidade e coisas semelhantes. Elemen-
tos podem se fundir em complexos em uma infinidade de maneiras, de forma
que um elemento gera vários outros. No experimento descrito acima, o sujeito
revelava através da introspecção sua consciência do impacto dos sons, as
sensações de apertar o botão e qualquer conexão percebida entre estas impres-
sões. As várias imagens que passam pela consciência do sujeito colaborariam
crucialmente na análise subseqüente. O interesse de Wundt residia na idcnti ri-
cação das várias leis de associação que surgem em lima experiência ti um
sujeito experimental; ele procurava entender como a. I is vinham a s I sveln:
enquanto os indivíduos estavam gerando id ias, ( ("(IIlIlI 11111,nlcun 'avam dill-
rentes graus de clareza.
É irnportant assinalar qUI Wundt 11111111111
uma p ssoa ign!llilllll' do. I'" 110 dlllllllll 111 I
/
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 119
em muitos estudos, ele prestava atenção a questões molares e efeitos descend-,
entes. Em suas obras sobre linguagem, por exemplo, ele anteviu algumas das
idéias dos psicolingüistas modernos - tais como o papel das intenções anteriores
no controle do output da fala e os efeitos da estrutura sintática na produção de
mensagens. No entanto, um cientista deve ser julgado pelo impulso maior de seu
trabalho; e, no conjunto, a psicologia de Wundt emerge como uma espécie de
química mental, focalizada principalmente na descoberta dos elementos puros
do pensamento, cuja combinação vem a formar complexos de atividade mental.
Era este, então, resumidamente, o programa de Wundt. Devo enfatizar que
este programa não foi simplesmente enunciado um dia e em seguida esquecido.
Ao contrário, Wundt trabalhou incansavelmente durante cinqüenta anos para
promulgá-Ia, para treinar indivíduos na sua prática e para assegurar a existência
de laboratórios, manuais, periódicos e conferências adequados, através dos quais
se pudesse colocá-Ia em prática. Wundt treinou muitos, senão a maioria, dos
principais pesquisadores em torno da virada do século. Ele estabeleceu um alto
padrão para a condução dos experimentos, insistindo na seleção e treinamento
cuidadoso de sujeitos, na administração de controles relevantes e na replicaçâo
de experimentos para assegurar que os resultados não eram acidentais. Ele
mesmo sistematizou os resultados em enciclopédias, manuais e livros-texto,
revisando-os com uma regularidade admirável. Na verdade, a sua produção
Iiterária em psicologia, que se estendeu por um período de sessenta e três anos,
nunca foi igualada.
MÉTODOS INOVADORES: HERMANN EBBINGHAUS
Todos se admiraram da produtividade acadêmica de Wundt, mas nem todos-
ulotararn a sua visão da psicologia. Alguns de seus colegas - por exemplo,
II rrnann Ebbinghaus (1913) - simplesmente seguiram seu próprio caminho.
111,pirado pela fértil idéia de descobrir princípios da memória através do uso de
1I1111('riaisque não pudessem ser contaminados por experiências e associações
11111Ii01' 'S, Ebbinghaus criou mais de duas mil sílabas sem sentido e mediu a sua
pllll'l ia habilidade para aprender conjuntos delas. Praticando-as em uma única
I 11 011 '111 uma série delas, Ebbinghaus estudou os efeitos do tempo de
I 111 !'lI) 11111"IIS uprcscntações, de interferências para a frente e para trás, e de
111111I' "V" i.lvris independentes". Seus estímulos não tinham mais significado
.111qm 1\ dI' Wundt; II1;\S, ao romper com a introspecção enquanto fonte única
1I 11I11I1I1I11l111:'I' 110 plllpor novos m 'tod s de análise estatística, Ebbinghaus
11111""111 1I1l111'IIIill I p, il'olol'ia 11' uma man ira muito produtiva. Foi a própria
I 11 111I li 1111111pl 1111"11111111.1IlId'a \ não aS slIas introspccçõcs sobre o
I 111 qru I 111111111111111111111dI ''o 111doI dI IIHldi<';Ílo. Os 111'todos ti
I , '"11 1111I11'I ' 11111111111111I111111111111I p, 1I'IIIIIgi 11', 1"'1inu-ntul
1\1 11 I 111111 N I 1111111\11,1'"' 1111111111111111'111 , 11120 HOWARD GARDNER
trabalho tenha sido, deve-se perguntar se a abordagem imaculada, sem conteúdo
e sem contextode Ebbinghaus no fim não fez mais mal do que bem; pois hoje
nós sabemos que os métodos usados para lembrar eventos comuns diferem em
detalhes importantes dos métodos usados para lembrar combinações de letras ou
material organizado sem sentido.
o INÍCIO DO SÉCULO XX
o Ataque aos Wundtianos
Por um certo tempo Wilhelm Wundt e seus seguidores tiveram grande
influência sobre o grupo crescente de pesquisadores em psicologia. Mas em duas
décadas, o programa de introspecção sistemática sofreu ataques severos de
alguns ex-alunos do mestre de Leipzig. Por volta de 1900, iniciou-se na Alema-
nha uma versão moderna do debate entre Locke - que acreditava em idéias
abstratas, desprovidas de imagens - e Berkeley, que, cético quanto à existência
de idéias abstratas, acreditava somente na utilidade de imagens específicas. A
renegada visão lockeana era defendida por um grupo de psicólogos instalados na
pequena cidade de Würzburg, e que ficaram conhecidos pelos historiadores da
psicologia como a "escola de Würzburg". Liderada por Oswald Külpe, um
psicólogo influenciado por Franz Brentano, esta escola se envolveu em uma
controvérsia notória com Wundt e seu fiel seguidor americano Edward Bradford
Titchener sobre "o pensamento sem imagens". Em sua forma específica, esta
controvérsia simplesmente recriou um debate empirista clássico. Mas na sua
forma mais global, Würzburg iniciara uma crítica severa à maneira geral pela
qual Leipzig tratava suas investigações e tirava suas conclusões.
A história começa de forma bastante inocente em 1901, quando o jovem
psicólogo Karl Marbe pediu a seus pacientes que comparassem pesos uns com
os outros - um procedimento comum, remontando aos primeiros sonhos de
Fechner. Marbe constatou que, ao julgar pesos, os sujeitos não relatavam nenhum
conceito imagético como base de julgamento: em outras palavras, nenhuma
imagem circulava pelas suas mentes introspectivas. Ao invés disto, contrariando
a expectativa de Wundt, os sujeitos relatavam que várias atitudes vagas passavam
pela consciência - atitudes como hesitação, dúvida, espera por uma resposta,
sentimento de que a resposta chegara. Marbe foi obrigado a concluir: "Os dad s
atuais são suficientes para se concluir que não existe nenhuma condição psi 0-
lógica de julgamento ... Mesmo ... os observadores envolvidos ... ficaram extr 111;\-
mente surpresos ao notar a exigüidade de experiências que estavam ligadas ao,'
processos de julgamento" (Mandler & Mandler 19M, ]1, 1I1
O fato de alguns sujeitos terem cI ixndo dI' 1i'11I11I1Illlllgl'lI 1'11<1"l\l1tor IIiillll
um julgamento não parece s r UI1lIlgl'illldl' III1Vllllldl 1\III01\1\11\1I1IIdl "li I\tllllll,
mas ele se ho avn com o tlil'l//I// 11\1'1dl/lllo I I" I I I 11111111\10111" 11\11
imn '1'1\, m'l'" IVl'1 'I 1111\1'1 111111I 1\1 o n 111 1111,111111111111
I
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 121
carga de estudos provenientes de Würzburg repetiu e elaborou este primeiro
relatório negativo (ver Boring 1'950; Humphrey 1951; Mandler & Mandler 1964).
Havia Henry Watt, que relatou que a tarefa (ou Aufgabe) consciente proposta ao
sujeito tinha um efeito importante sobre o tipo de associações que eram feitas.
Havia Narziss Ach, que descreveu o funcionamento de uma tendência determi-
nante: a tarefa tinha o efeito de orquestrar várias associações e habilidades em
uma seqüência ordenada propositada - uma espécie de vontade' 'diretora" - que
conduzia tranqüilamente à sua execução final. Havia August Messer, que via a
consciência como a parte visível de um iceberg, com a maioria dos processos de
pensamento ocorrendo abaixo da superfície, e com os próprios processos cons-
cientes exibindo graus variáveis de Clareza. E havia Karl Bühler, uma das figuras
seminais da psicologia, que abandonou os problemas simples propostos pelos
leipziguianos e propôs tarefas verdadeiramente complexas a seus pacientes - por
exemplo, a discussão de problemas filosóficos. Como seus colegas de Würzburg,
Bühler descobriu variedades peculiares de consciência como dúvida, espanto, e
até mesmo consciência da consciência.
Oswald Külpe tentou juntar estas diferentes demonstrações. Em uma
crítica ao programa Wundt-Leipzig, ele assinalou que não é suficiente propor
meramente problemas aos indivíduos e deixá-Ios fazer a introspecção como
quiserem. É necessário propor os problemas fazendo diferentes tipos de solici-
tação e monitorizar seus efeitos variáveis. Não se pode simplesmente assumir
que todos os aspectos importantes dos processos mentais são conscientes, que as
imagens sempre guiam o pensamento e que conteúdos mentais (como sensações)
são necessariamente os elementos constitutivos do pensamento. Havia também
11maspecto mais positivo na crítica. Graças ao trabalho de Külpe e seus associa-
ti s, atos mentais como prestar atenção, reconhecer, querer, comparar e diferen-
.iur passaram a constituir uma esfera própria da psicologia. Embora estes atos
, rtamente não possuam as características perceptivas vívidas das sensações',
hua ens e impressões, eles não são menos importantes por causa disto. De'forma
I,
mais geral, havia uma disposição crescente para reconhecer "tendências' estru-
IIlIlId ras" descendentes na solução destes problemas e para usar problemas que
vordud irarncntc envolvessem a capacidade de raciocínio de um sujeito. Eis aqui
11111pr ' .ursor das preocupações molares de muitos cientistas cognitivistas con-
11111por. 11'Os.
(), wundtianos não aceitaram tantas críti-cas sem replicar. Os dois lados
1\1111'111111pOIlIOs-ol11ais mctodológico de Wundt, o mais substantivo (na minha
"1'"' 111)dI Würzbur '; mas no fim, esta discordância teve uma conseqüência
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II
122 HOWARD GARDNER
FUNCIONALISMO: WILLIAM JAMES
Os programas de Wundt e da escola de Leipzig inicialmente tiveram um
impacto significativo no outro lado do Atlântico. A maioria dos jovens psicólo-
gos acadêmicos interessados em psicologia fizeram um estágio no laboratório de
Wundt; e alguns, como o inglês radicado nos Estados Unidos Edward Titchener,
tornaram-se para sempre adeptos do programa introspeccionista. Mas o decano
dos psicólogos americanos neste período, William James, logo se desencantou
com Wundt. Ele via Wundt como um clássico professor alemão, que tinha de ter
uma opinião a respeito de todas as questões, mas que, na sua investigação tenaz
dos elementos do pensamento, não enxergava muitas das questões mais estimu-
lantes e importantes da psicologia. Em seu clássico livro-texto, James escreveu,
com um desprezo mal-intencionado, que a psicologia experimental de Wundt
"não poderia ter surgido em um país cujos habitantes pudessem se entediar ...
Não há nada de grandioso nestes novos filósofos de prismas, pêndulos e cronó-
grafos. Eles pensam em negócios, não em nobreza" (James 1890, vol. I, p. 193).
Havia muito estilo nas obras de William James. De fato, perto das sentenças
intricadas e dos empolados detalhes experimentais das escolas de Leipzig e de
Würzburg, suas palavras são como uma lufada de ar fresco. James pegava seus
métodos onde os achava e não tinha nenhum interesse em começar um programa
ou fundar uma instituição. Ao contrário, ele estava fascinado pelas questões da
psicologia, conforme são encontradas na vida cotidiana e buscava esclarecimento
na literatura e na história, como também na ciência experimental. Ele permitia
que a sua imaginação intensa brincasse em todo o campodos fenômenos psico-
lógicos - dos processos cerebrais à vontade, dos órgãos sensoriais ao estudo da
atenção, de uma investigação do hábito à descrição do fluxo momentâneo da
consciência. Em seu Principies of Psychology adotou uma abordagem pragmá-
tica tipicamente americana, que ele mesmo viria a propor em obras filosóficas.
Sugeriu que mecanismos psicológicos existem porque são úteis e auxiliam os
indivíduos a sobreviver e realizar atividades importantes da vida. Como declarou,
"Nossas várias formas de sentir e pensar se tornaram o que são devido à sua
utilidade na modelação de nossas reações ao mundo exterior". Sem hesitação,
ele considerava o propósito a marca distintiva da mentalidade - Romeu quer
Julieta como lascas de metal querem um ímã, afirmava ele. "A busca de metas
futuras e a escolha dos meios para alcançá-Ias são portanto o sinal e o critério ela
'presença de mentalidade em um fenômeno" (citado em Herrnstein & Boring
1965, p. 610).
O espírito que permeava as obras de James talvez tenha tido mais r ito
sobre gerações subseqüentes ele psicólogos americanos do que qualquer lima ti
suas afirmações particulares. Pois ele estava sinalizunrl« 111\111impu ir" .in ('0111
o tom geral da psicologia alemã, orn 1\ 1-111:1illlll), 111'1111)1111111('tllldll:-.ivlI PIII
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/
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 123
à natureza exploradora ativa ,da mente na colocação de problemas e no
cumprimento de metas e à dialética perene entre meios e fins. James se encon-
trava na vanguarda de um novo movimento americano que se opunha ao estru-
turalismo Wundt-Titchener - um movimento que veio a ser conhecido, muito
propriamente, como "funcionalismo"!. Contrariamente à tentativa estruturalista
de descobrir os componentes elementares da experiência, o psicólogo funciona-
lista procurava investigar as operações das atividades mentais em circunstâncias
reais de vida.
De acordo com os preceitos funcionalistas, é importante enfocar funções
ou disposições, tais como perceber, lembrar ou pensar. Uma função persiste e se
repete, enquanto os conteúdos da consciência e padrões específicos de resposta
só ocorrem uma vez. A ciência deveria basear-se nestas séries de ações mais
duradouras e significativas.
O funcionalismo inegavelmente efetuou uma mudança de ênfase necessá-
ria, e serviu como contrapeso à busca de unidades básicas da consciência. Mas
poucos anos depois de os cânones do funcionalismo terem sido apresentados por
William James (e também por James Angell e John Dewey), uma mudança muito
mais radical ocorreria na psicologia americana. A mudança para o behaviorismo
pode inicialmente ter sido necessária para afastar definitivamente os excessos do
estruturalismo e da introspecção, seja em sua versão de Leipzig ou de Würzburg.
No entanto, do ponto de vista de uma história da ciência cognitiva, é difícil pensar
nesta fase como não sendo basicamente negativa e retrógrada,
A REVOLUÇÃO BEHA VIORISTA
Em 1913, John B. Watson, que mal saíra da pós-graduação mas já era muito
forte na psicologia americana, iniciou a revolução behaviorista. Watson afirmava
que o verdadeiro tema da psicologia não é o funcionamento da mente e sim o
exame do comportamento objetivo e observável. Baseando-se em estudos fisio- '
16 icos da operação do arco reflexo, Watson propôs que todas as preocupações
da I sic logia podem ser explicadas através da compreensão dos reflexos que
, I
() '()J'I' irn na parte superior do sistema nervoso. Isto era uma psicologia molecular
I 11:>''I\d ntc, pura e simplesmente. Corno ele declarou:
/\ pN ('nlllll/1,1111('0IlH1\1h ihnviorista a vê, é umaciência natural puramente objetiva. Sua meta
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111(11,,111.,I. vl!l.lI.ltllllllon ,li .,11 Il.(hw 11111depende da facilidade com que eles se prestam à
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124 J-10WARD GARDNER
comportamento do homem, com todo o seu refinamento e complexidade, constitui apenas uma parte
do 'esquema total de investigação do behaviorista (citado em Fechner 1979, p. 319).
o apelo dramático de Watson teve profundas conseqüências. Ele estava
negando grande parte do programa e quase todo o método da psicologia tradicio-
nal. Nada mais de impressões ou intenções sentidas: dali em diante, apenas a
observação do comportamento explícito era relevante. A descrição e explicação
dos estados e conteúdos da consciência deveriam ser substituídos pela previsão,
e finalmente pelo controle do comportamento. A psicologia não mais se preocu-
paria com o que há supostamente na mente de uma pessoa, porque agora os
próprios termos mentalistas estavam todos abolidos do vocabulário do psicólogo.
Seria difícil superestimar o grau em que o programa de Watson veio a
dominar a psicologia americana e até mesmo a exercer influência no exterior. A
antiga psicologia poderia ter desmoronado por si mesma, mas esta desintegração
certamente foi incentivada pelo vigor retórico de Watson e pela eficácia de suas
demonstrações. Em sua explicação de orientação prática, era possível condicio-
nar organismos, inclusive humanos, a fazer quase tudo que se quisesse - por
exemplo, a ter medo de um objeto - simplesmente dispondo o ambiente de uma
certa maneira. De fato, ele fez exatamente isto em seu famoso estudo do bebê
Albert, que foi condicionado a ter medo de um rato branco (Watson & Rayner
1920).
Demonstrações tão dramáticas do que a psicologia podia fazer pareciam
ainda mais convincentes quando comparadas aos debates nada conclusivos da
escola alemã. Toda uma geração de cientistas - os principais psicólogos da
geração seguinte,- foi treinada na órbita de Watson; e investigadores como Clark
Hull, B. F. Skinner, Kenneth Spence e E. L. Thorndike ajudaram a assegurar que
a psicologia americana entre 1920 e 1950 fosse irremediavelmente behaviorista.
Cuidados com as crianças, tratamento de prisioneiros, ensino de crianças e muitas
outras atividades sociais passaram a ser dominadas pela retórica behaviorista e
pelas práticas behavioristas. Uma autoridade do peso do New York Times decla-
rou em 1942 que o behaviorismo marcava "uma nova era na história intelectual
do homem" (Fancher 1979, p. 322).
Até mesmo membros da comunidade psicológica americana que tinham
dúvidas fundamentais a respeito do programa de, Watson - estudiosos como
Edward C. Tolman, de Berkeley, e o ex-aluno de Watson, Karl Lashley, de
.Harvard - trabalharam sobretudo com animais e aderiram rigidamente aos
preceitos experimentais dos behavioristas. Lashley finalmente expressou stas
dúvidas: no Simpósio Hixon, chamou a atenção para o comportamento 'lu não
pode ser explicado em termos de ligações estímulo e resposta.
De sua parte, Tolman (1932) julgava irnp ssfvcl .xpli ar a hnhilidnde do,
animais para encontrar uma r mp nsa Sinlpkl>lIl!'lIl1' utt nvcs da iIlVIH.1 .111Ik
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!
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 125
alteradas, Tolman julgou necessário postular "mapas cognitivos" que guiam o
comportamento dos animais envolvidos na solução de problemas. Além disto,
ao descrever as atividades dos animais, ele julgou necessário invocar um voca-
bulário intencionalista, usando termos como "expectativas", "propósito" e
"significados". Correlatamente, dando um passo então ousado, ele introduziu
"variáveisintervenientes" entre estímulo e resposta. No entanto, apesar de tais
heterodoxias, estes influentes estudiosos permaneceram respeitosos dos cânones
behavioristas e, de fato, continuaram a chamar a si mesmos de behavioristas,
ainda que de uma estirpe um tanto renegada.
Conforme observei no capítulo 1 da parte I, uma porção excessivamente
grande da importância do comportamento humano foi negada pela abordagem
behaviorista. Em meados dos anos de 1950 seu programa começara a se enfra-
quecer; e hoje as afirmações teóricas do behaviorismo (embora não os vários
êxitos de sua aplicação) possuem em grande parte apenas valor histórico. A
revolução cognitiva gerada por psicólogos como Miller e Bruner saiu vencedora,
com a mesma certeza com que a revolução behaviorista venceu meio século atrás.
Na verdade, um tanto paradoxalmente, o cognitivismo prevaleceu por algumas
das razões que também estavam por detrás do sucesso inicial do behaviorismo:
uma nova abordagem estimulante e reanimadora foi considerada superior a uma
tática desgastada com o tempo, embrulhada em questões de pouco interesse para
qualquer um de fora do campo. Mas apesar do declínio relativamente rápido do
behaviorismo, são poucas as linhas de pesquisa em psicologia que se encontram
totalmente fora do campo behaviorista. Dentre elas, enfocarei a ligação mais
direta entre a psicologia com orientação cognitiva de 1900 e a de hoje - a escola
da psicologia da Gestalt.
A PSICOLOGIA DA GESTALT: UMA VISÃO DO ALTO
Origens
;\ psicologia da Gestalt pode ser apresentada como uma escola enraizada
,"li v. rias demonstrações dramáticas que defendem uma posição de forma vívida
I IIHsirnxug r rn lima certa forma de pensar sobre os fenômenos mentais. A
pr/11l ira ti 'l11ol1slração de fenômenos de Gestalt foi feita em 1890 por Christoph
vou Ehrllll"'ls, um aluno austríaco de Brentano. O interesse particular de Ehren-
"I ,'I I 11ti ',' . ')1'iio de melodia. Ele argumentava que a "qualidade da forma"
1111111'1v I onvolvkln 111Ul11amelodia não pode ser vista como sendo simples-
11\111111,1111111di ,'('USvários I 111ntos s noros: na verdade, ela é uma qualidade
IlIh,II. 1111"1('I" \.tll, qlll' tl:IIIS -cnd s us I mentes particulares. Como ele
111ri1111, plldllllll 1'1P li 1I1IIl'''''"11I'lllljllnlo de I rn nt s, ou sons, e produzir
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1111I 111111111111I111 IIh 111111 ptlr I l'lIIpltlo ti di 1111Ia uuu n cscnlu
126 HOWARD GARDNER
produzir uma forma que seria apreendida como a "mesma melodia" que a
original.
Ehrenfelscostuma ser considerado o precursor, e não o verdadeiro funda-
dor, do movimento Gestalt. Esta honra pertence a Marx Wertheimer, que em 1912
publicou um artigo sobre a percepção visual do movimento. Trabalhando com
dois jovens assistentes, Wolfgang Kôhler e Kurt Koffka, Wertheimer realizou
uma série de estudos sobre movimento aparente, ou o fenômeno "Phi" -
grosseiramente, a experiência perceptiva de movimento que surge quando um
conjunto de luzes ou formas aparece um logo após o outro (como em letreiros de
néon ou, neste sentido, em filmes de cinema). Wertheimer não descobriu o
movimento aparente - o fenômeno fora reconhecido havia algum tempo; mas ele
mostrou que a explicação psicológica usual deste fenômeno era insustentável.
Em particular, Wertheimer rejeitou a hipótese comum de que a percepção
do movimento se deve aos movimentos do olho: mostrou que o movimento é
percebido mesmo que o intervalo seja curto demais para permitir um movimento
e mesmo que o sujeito mantenha uma fixação rígida. Wertheimer também
demonstrou convincentemente que a percepção do movimento não é a soma ou
a associação de diferentes sensações elementares: todos os seus sujeitos - que
eram solicitados apenas a relatar, e não a analisar, o que eles viam - concordaram
que eles apreendiam um movimento diretamente, e não que ele era o movimento
de alguma coisa, ou de alguma coisa de um lugar para outro. Este resultado
sugeria a necessidade de um novo modo de pensar a respeito destes fenômenos
perceptivos.
Wertheimer e seus colegas atribuíam experiências perceptivas como o
movimento aparente à maneira pela qual o cérebro organiza o input perceptivo.
Na sua opinião, uma espécie de curto circuito ocorre nos "campos fisiológicos"
do cérebro. portanto, não havia necessidade de postular uma construção a partir
de elementos individuais: os padrões de estimulação no cérebro asseguram que
o movimento possa ser percebido diretamente.
Os psicólogos da Gestalt examinaram um grande número de "qualidades
da forma" cuja aparência fenomênica pudesse ser explicada em termos de
processos cerebrais análogos, e propuseram leis que pretendiam explicar como
a percepção está organizada. Por exemplo, eles mostraram que objetos que estão
muito próximos tendem a ser agrupados juntos (a lei da proximidade); quanto
.mais simétrica uma região fechada, mais ela tende a ser vista como uma figura
(a lei da simetria); e a disposição de figura e fundo vista é aquela que apres nta
menos mudanças ou interrupções em linhas retas ou levemente curvas (a I 'i da
boa continuidade) (Hochberg 1978). Embora em geral elas se referissem ini 'i:1I
mente a demonstrações visuais, versões ele. tas I is Iarnh .m S npli '(IVil11l ,I
seqüências auditivas - por exemplo, padni '1-1 I llIlÍl'lI A IlpO, içllo dlHlflllhllLI
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A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 127
perceptiva por eles defendida, a forma pela qual as partes são vistas é determi-
nada pela configuração do todo" e' não o contrário.
AS PESQUISAS ABRANGENTES DE KOHLER
Talvez porque as leis da Gestalt pudessem ser facilmente aplicadas ao
campo dos fenômenos perceptivos com os quais os psicólogos já estavam
farniliarizados-, tais como várias ilusões e constâncias - o movimento Gestaltista
rapidamente conquistou popularidade e prestígio, principalmente na Europa
continental. Mas os psicólogos da Gestalt não se contentaram em deitar sobre os
seus louros perceptivos. Quando Wolfgang Kõhler se encontrava encalhado em
Tenerife (uma ilha no Norte da África) durante a Primeira Guerra Mundial, ele
realizou uma série crucial de investigações com chimpanzés. O interesse de
Kõhler se concentrava na forma pela qual estes macacos atacavam problemas
cuja solução exigia alguma mudança ou "reestruturação" dos elementos de uma
situação. Assim, para pegar uma banana que estava fora de seu alcance, um
macaco teria de mover uma cadeira de um lugar para outro, unir duas varas, ou
reorganizar de alguma outra maneira a situação que ele tinha diante de si. Kõhler
(1925) verificou que as explicações usuais em termos de tentativa e erro eram
inadequadas para explicar o comportamento dos macacos. Ao contrário, o que
parecia acontecer era muito mais um processo de pensamento do tipo humano,
quando o macaco parava, refletia e em seguida, como se lhe tivesse ocorrido um
repentino lampejo de insight, pegava a cadeira ou a corda que forneciam a
solução. De acordo com a análise de Kõhler, o chimpanzé "reestruturava" o
arnpo que lhe fora apresentado; e o fazia graças a um momento de insight - o
que a escola de Würzburg denominara "experiência do a-ha".
Kõhler também distinguiu os macacos inteligentes dos estúpidos. Enquan-
10 um macaco inteligente exibia regularmente estes momentos de insight, o'
11111aco estúpido agia de forma muito diferente. Mesmo quando via o comporta-
1\1mto c rreto exemplificado, o macaco não era capaz de achar o tesouró. Ao
inv 'S disto, passo a passo o macaco imitava as ações componentes, aparentemen-
11 N'111jamais compreender como ligá-Ias para garantir uma recompensa.
S' 'lindo a psicologia da Gestalt, as formas mais primitivas de aprendiza-
1111pod III S r explicadas em termos demera repetição ou associações passo a
p I ,11, 1\111 .ontrap siçã , o que caracteriza a aprendizagem superior ou 'os
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IllId,1 li' 111111111do 'alllJlo" (Mnridl r & Mandler 1964, p. 248).
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128 HOWARD GARDNER
chegar à sua teoria da relatividade. Karl Duncker (1945) concentrou-se na
solução de problemas de engenharia - por exemplo, como se pode direcionar
raios X para eliminar um tumor sem destruir uma porção desnecessária de tecidos
intermediários. Abraham Luchins (1942) examinou o fenômeno da fixação
funcional: como os usos que são dados habitualmente a um material podem
impedir um indivíduo (macaco ou professor) de perceber como usar esse mesmo
implemento de uma nova maneira para solucionar um problema.
Note que os tipos de problema molar colocados contrastavam nitidamente
com aquelas tarefas moleculares tipicamente propostas pelos estruturalistas
alemães e behavioristas americanos de antes. Estes problemas molares são um
pouco mais semelhantes àqueles colocados pelos würzburguianos, mas sem o
peso das introspecções e da terminologia interpretativa elaborada, e são precur-
sores de problemas defendidos atualmente por muitos pesquisadores da inteli-
gência artificial. Os métodos de explicação também são de outra ordem.
Wertheimer e os outros gestaltistas propunham uma abordagem muito mais ativa
e estratégica dos problemas, em termos do reconhecimento de características
estruturais: como estas estruturas são inicialmente percebidas; que vazios são
sentidos; que elementos podem ser combinados uns com os outros ou rearranja-
dos; que operações dinâmicas podem ser então aplicadas para preencher os
vazios, levando de "uma relação inadequada e confusa para uma confrontação
clara, transparente e direta - do coração do que pensa diretamente para o coração
de seu objeto, de seu problema", como Wertheirner colocou de forma bastante
grandiosa (1945, p. 191).
Para o gestaltista, o melhor pensamento era o produtivo e novo, e não o
reprodutivo. Ocorrem reorganizações perceptivas regulares quando confronta-
mos um problema; e, mais cedo ou mais tarde, uma reorganização crucial é
acompanhada de insight, quando elementos críticos para uma solução se desta-
cam. Havia um suporte kantiano na crença de que a mente é construída de forma
tal que certas relações lógicas são impostas ao mundo, ao invés de serem "lidas"
nas experiências da pessoa no mundo.
Na opinião da maioria dos analistas contemporâneos, o programa teórico
específico da psicologia da Gestalt não estava bem fundamentado. Princípios de
percepção como proximidade e simetria realmente fornecem uma indicação
razoável de como a informação está organizada, mas há muitas exceções ou casos
indeterminados; especulações a respeito do funcionamento do cérebro e seus
efeitos sobre a percepção fenomênica foram minadas por descobertas ncur 16 i-
cas; os principais conceitos explicativos são vagos demais para serem op ru io-
nalizados. Como conclui o psicólogo Ulrie Neisser em uma crítica simpát i '1\ t
psicologia da Gestalt:
o conceito gcsrãliico cI orgnniznçllCl qllIlNl' 11111\10'11111111111111\1'11Ili' I 1111li 111111>/0111111/'1>111'11
atunl. Ele ncnlhou IIIlS 11110 ('111\'11'1'1111' 1111111'111111'11IIII1~'11I 111 I 1111I111111VI! 1\ , 11 ,,11111 "1'11
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A NOVA CIÊNCIA DA MENTE 129
que,forneciam expli:ações alternativas plausíveis dos mesmos fatos ... As explicações hoje aceitas dos
feno~enos do _movImento em termos da movimentação do olho e de detectores específicos de
movimento estao extremamente distantes do espírito da psicologia da Gestalt (1980, p. 4).
~o entanto, Ne~sser conclui com uma avaliação mais positiva: "Quaisquer
que sejam as nossas diferenças, todos nós ainda estamos trabalhando no problema
qu~ Wertheimer propôs: ver o mundo 'do alto', como Kõhler colocou, e não de
baixo. Porque, de fato, a vista é melhor de lá" (p. 6). Eis aí uma sugestão de que
a abordagem descendente talvez tenha o tempo a seu favor.
A ABORDAGEM ESQUEMÁTICA DE FREDERIC BARTLE1T
Enquant? os gestal~is~as sustentavam o interesse por problemas de grande
escala, por metodos holísticos de solução e pelos aspectos construtivistas do
pe~same~t~,.um psicólogo solitário trabalhando na Inglaterra também mantinha
a fe cogmt~vlsta. Nas suas explorações da memória, Frederic Bartlett procurara
usar .os met.odos experimentais rígidos apresentados por Ebbinghaus, mas os
considerou Inadequados. _Eles pareciam não contemplar grande parte do que é
fundam~ntal na ~ec?rdaç~o de um conteúdo significativo, e Bartlett chegou à
co~clusao que nao e possível empregar materiais totalmente arbitrários e ainda
assim ~aptar os a~pectos principais da memória em pleno vôo. Uma abordagem
essencialmente diferente era necessária.
. Bartlett tinha vagas suspeitas de que a memória era mais um fenômeno
S ~Ial ou cultural, e de que a "predisposição" que acompanha uma experiência
isümulante tem um efeito crucial sobre o que a pessoa lembra e quão bem ela
lembra. No entanto, de acordo com suas próprias recordações, Bartlett se ateve
1\ uma ab~rdagem experimental até que teve uma conversa com seu amigo
~ rbert ~Iener. .Em um momento importante na história intelectual da psicolo-
).\lfl ogrutiva, Wiener deu a Bartlett uma idéia crucial, como recorda o último:
;
, ",I C tava fascinado com a variedade de interpretações a que diferentes pessoas chegavam
/11111"111 pOCII .. , Um dia, quando eu falava dos meus experimentos e de como eu estava usando
111111lI"'ns em. 11m estudo sobre a convencionalização vista como um processo mais ou menos contínuo
1111101111:°;(WI ncr) e1isse: "Por que você não faz alguma coisa com o 'Russian Scandal' ('telefone
~I IIt I/I! ) , '011I011 S ostumávamos chamá-Io?" Foi isto que me conduziu ao métoelo que e h' .
I 1 I I " u c amei
11111 111111( M 'toelo ela Reprodução Serial ", que muito contribuiria, sob uma forma modificada,
1'"11111/I' 11111' o dos 111'IIS experimentos (1958, pp. 139, 144).
t ('1111111 ('11111\ /'loli 'itndos fi rec rdá-Ias em vários intervalos
di 11' lHO (dim mto, mostravam-lhe figuras geo-
I"M",I"" -)111 IIIIIIIIIIIIIIINI lI/1rlllllr 11111
130 HOWARD GARDNER
métricas ou argumentos lógicos e eles eram solicitados a retê-los para "exame"
posterior.) Bartlett (1932) verificou que os indivíduos não conseguiam recordar
este tipo de input com precisão e, o que é mais revelador, que os erros exibiam
padrões sistemáticos. Tome como exemplo "A Guerra dos Fantasmas", um
conto popular indiano que (para um ouvinte ocidental moderno) parece estar
repleto de lacunas estranhas e seqüências causais bizarras. Os sujeitos freqüen-
temente forneciam os seus próprios elos causais, desprezavam as informações
difíceis de assimilar e modificavam o enredo até que ele viesse aassemelhar-se
ao de uma história ocidental comum. Além disto, em recordações subseqüentes,
estas alterações distinguiam-se cada vez mais, até que a história alcançasse uma
forma relativamente estável - muito mais próxima de uma história ocidental
prototípica do que do conto popular originalmente apresentado.
Recorrendo a um termo que fora usado (em um sentido um tanto diferente)
por Kant e introduzido na psicologia deste período pelo neurologista britânico
Henry

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