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PROGRAMA DO CURSO Com efeito, vemos o Direito Internacional como referência inafastável em inúmeros temas, como, por exemplo: acesso à Justiça; adoção internacional; arbitragem; aviação e navegação aérea; combate aos ilícitos transnacionais; comércio internacional; condição jurídica do estrangeiro; conflitos de leis no espaço; cooperação jurídica internacional; crises econômicas e financeiras internacionais; democracia; desenvolvimento; direitos humanos; entrada e permanência do estrangeiro em território de outro país; exploração espacial; harmonização de ordenamentos internos; integração regional; investimento externo; mecanismos de solução de conflitos internacionais; meio ambiente; nacionalidade; navegação marítima e manejo dos recursos do mar; prestação de alimentos no estrangeiro; promoção da paz; propriedade intelectual; proscrição de armas de destruição em massa; rios internacionais; saúde pública; seguridade social; sequestro internacional de crianças; telecomunicações; trabalho e; turismo internacional. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEORIA GERAL SOCIEDADES INTERNACIONAL (ESTADO E ORGANIZAÇAO INTERNACIONAL) LITIGIOS INTERNACIONAL TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 1. CONCEITO Uma definição irônica do direito internacional público é aquela onde pronuncia, que esse direito e com o qual, ou sem o qual o mundo continua o mesmo. No esforço de conceituar o Direito Internacional Público, a doutrina oscila entre uma visão tradicional e uma perspectiva que considere o novo quadro das relações internacionais. Um conceito clássico do Direito Internacional Público é o de Alberto do Amaral Júnior, que o define como o ramo do Direito que "tem sido tradicionalmente entendido como o conjunto das regras escritas e não-escritas que regula o comportamento dos Estados", lembrando que essa concepção remonta à Paz de Vestefália, que "consolidou o sistema moderno dos Estados". Na mesma linha, Francisco Rezek alude a um "sistema jurídico autônomo, onde se ordenam as relações entre os Estados soberanos". Os contornos da sociedade internacional moderna aparecem no conceito de Celso de Albuquerque Mello, que afirma que o Direito Internacional Público é "o conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Tais pessoas internacionais são as seguintes: Estados, organizações internacionais, o homem etc.". No mesmo sentido, Valério Mazzuoli o conceitua como um "sistema de normas jurídicas que visa a disciplinar e a regulamentar as atividades exteriores da sociedade dos Estados (e também, modernamente, das organizações internacionais e ainda do próprio indivíduo)". Uma noção que concilia as perspectivas tradicional e contemporânea é apresentada por Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly, para os quais o Direito Internacional Público é “o conjunto de normas jurídicas que rege a comunidade internacional, determina direitos e obrigações dos sujeitos, especialmente nas relações mútuas dos estados e, subsidiariamente, das demais pessoas internacionais, como determinadas organizações, bem como dos indivíduos”. Tal definição traduz a percepção de parte da doutrina de que certas pessoas só têm direitos e obrigações na ordem internacional porque os Estados o permitiram. Há conceitos de Direito Internacional Público que não se preocupam com a composição da sociedade internacional, como aquele formulado por Dinh, Dailler e Pellet, que se referem ao Direito Internacional como "o direito aplicável à sociedade internacional". Philippe Manin, citado por Ricardo Seitenfus, faz alusão ao "conjunto de regras que se aplicam às relações internacionais e que não se fundam no direito de um Estado". Guido Fernando Silva Soares apresenta uma noção que sintetiza os conflitos entre concepções clássicas e conceitos modernos: " 0 Direito Internacional Público, de uma perspectiva tradicional, poderia ser definido como um sistema de normas e princípios jurídicos que regula as relações entre os Estados. Na atualidade, contudo, tal definição é por demais estreita, uma vez que não contempla um dos grandes destinatários de suas normas, a pessoa humana, nem situações particulares de outros sujeitos de Direito Internacional Público, que não são Estados". 2. DENOMINAÇÃO A expressão direito internacional (international law) surge com Jeremias Bentham, em 1780, utilizada em oposição a national law ou a municipal law. Traduzida para o francês e demais línguas latinas como direito internacional, a expressão tem sido criticada, visto que para estas a palavra nação não tem o mesmo significado de estado, como em inglês. Para alguns juristas, o mais correto seria falar em direito interestatal, mas atualmente a expressão se acha consagrada, e modificá-la já não se justifica. Na medida em que os estados sejam estados nacionais, a expressão encontra certo grau de justificação. A palavra público pode ser acrescentada a fim de distinguir a matéria do direito internacional privado (conflict of laws dos países de língua inglesa), embora o qualificativo seja dispensável. Como, ademais, aqui se assinala, mas não se retoma. Muitos autores empregam a expressão direito de gentes (law of nations ou Völkerrecht), utilizada por Richard Zouch (1650), que é mantida em uso por Antoine FAVRE (1974), melhor dito, jus inter gentes. Como formulara Francisco de VITÓRIA. A expressão direito das gentes tem o inconveniente de criar confusão com o direito das gentes do direito romano (jus gentium), cujo objeto era outro. É, contudo, usada frequentemente como sinônimo de direito internacional, e evitar confusão com o direito internacional privado. Outras expressões sugeridas, como direito público internacional, não são neutras, mas têm o objetivo de salientar o primado do direito público sobre o dado internacional, o que se aproxima da corrente positivista: o direito das gentes, visto como emanação do direito interno, relativo às relações internacionais (ausseres Staatsrecht), “direito público externo”. Clóvis BEVILÁQUA, ao intitular seu livro Direito público internacional, evidencia determinada filiação intelectual, que não é simples detalhe terminológico. Não se constrói sistema internacional com a simples superposição mais que soma de sistemas internos, estes colocado lado a lado. Aí não se inscreve conjunto de princípios, normas e instituições da ordem internacional. Para A. A. CANÇADO TRINDADE (2002)22: “o direito internacional, ao longo dos anos, tem se transformado sob o impacto dos ideais, e o reconhecimento de que não depende da vontade dos estados: se fosse produto exclusivo de tal vontade, não poderia obrigá-los e se os obriga, não é mero produto de sua vontade”. Embora passível de reparos, a denominação direito internacional integrou--se, de tal modo, ao uso corrente, a ponto de que quaisquer tentativas de construção terminológica diversa acabam não indo além da obra e do círculo de influência pessoal dos autores que as formulam. Consignados os reparos, cabe assinalar se estes mantêm a utilização do termo habitual. 3. NEGADORES Poucos autores ainda negam a existência do direito internacional, e é sintomático que os estados nunca recorram a esse argumento, mas busquem, no próprio direito internacional, justificar as suas ações, mesmo quando violam suas normas. Contrariamente à opinião amplamente divulgada e que se explica em razão de algumas graves e espetaculares violações do direito internacional, este é aplicado, é observado de modo igualmente amplo e consistente, com toda a naturalidade, nas incontáveissituações de relações entre os estados e demais sujeitos de direito internacional. Convém mencionar os argumentos, geralmente inspirados em tentativas de reduzir o direito internacional a noções de força ou de moral internacional, para, a seguir, negar o caráter jurídico do direito internacional. Outros críticos parecem querer transpor conceitos de direito interno, para negar o caráter jurídico do direito internacional, em razão da ausência de leis internacionais, de tribunais ou de sanções. Querer reduzir o direito a sistema de relações de força não somente nega a qualidade de direito às normas regentes das relações entre estados como também contraria os fatos. Todos os estados observam, em suas relações, normas que conscientemente consideram obrigatórias, vinculantes e restritivas do exercício das respectivas soberanias nacionais. Da mesma forma esvazia o direito internacional de seu conteúdo jurídico e de sua efetividade a pretensão de querer reduzi-lo a conjunto de postulados de moral internacional. Se o direito se torna impreciso, perde grande parte de sua eficácia. O argumento da ausência de lei pode ser descartado pelo simples raciocínio de que não se deve confundir lei com direito. Além do mais, principalmente depois da criação das Nações Unidas, a sociedade internacional tem adotado uma série de tratados multilaterais, destinados a regulamentar as relações internacionais, sem falar nas regras de direito internacional costumeiro, ou consuetudinário, observadas pelos estados em suas relações recíprocas. O argumento da ausência de tribunais cai por terra a partir da instauração dos mecanismos institucionais de solução de controvérsias entre estados. O fenômeno ocorre a partir do momento em que existem tribunais internacionais aos quais os estados podem submeter as suas queixas: a Corte Permanente de Arbitragem existe e opera desde 1899; a Corte Permanente de Justiça Internacional, no período entre as duas guerras mundiais, e, desde 1946, a Corte Internacional de Justiça, sucessora da Corte Permanente. Ao lado desta, o Tribunal Internacional para direito do mar (estipulado pela Convenção das Nações Unidas para Direito do Mar, 1982, instalado e em operação desde 1996), bem como o Tribunal Penal Internacional (estipulado pelo Estatuto de Roma, de 1998, instalado desde 2002), bem como os Tribunais internacionais ad hoc, criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, para a ex- Iugoslávia e para Ruanda. Convém, ainda, lembrar de ser a coexistência dos vários tribunais internacionais especializados a materialização da expansão da função judicial internacional. Os tribunais são posteriores ao direito, e a maioria dos atos, mesmo em direito interno, ocorre fora dos tribunais, que exercem uma função psicológica. O argumento da ausência de sanções reflete o erro essencial dessa concepção: considerar o estado como a única fonte de direito. Paul REUTER (1961) enfatiza “a recusa do monopólio” sobre o direito, na linha de Ph. JESSUP e Alfred VERDROSS. Quanto mais perfeita a ordem jurídica, menor a necessidade de coação. Esta pode existir como potencialidade, sem necessariamente ter de ser transformada em medidas coercitivas ou sem que haja relação direta entre o estado, responsável pela violação, e os estados que reajam a tal violação. Em outras palavras, há negadores teóricos que alegam que as normas internacionais têm natureza meramente moral e de pura cortesia, e que seria impossível haver uma ordem jurídica internacional enquanto não existir uma sociedade mundial organizada. Os negadores práticos ora afirmam que os Estados atuam unicamente em função de seus interesses, ora que as relações internacionais são baseadas apenas na força ou, ainda, que a ordem jurídica internacional carece de coercitividade. Por fim, há quem afirme que o Direito das Gentes não tem relevância e utilidade, visto que, na convivência internacional, acabariam prevalecendo apenas os interesses dos Estados, que se impõem segundo os respectivos diferenciais de poder, ficando a eventual aplicação das normas internacionais vinculada a considerações de caráter político, econômico, militar etc. Com efeito, não é difícil verificar que existe um ordenamento jurídico internacional, formado por um conjunto de preceitos voltados a regular as condutas dos membros da sociedade internacional e o tratamento de temas de interesse global. Assim como os demais preceitos jurídicos, as normas internacionais são obrigatórias e, com frequência, contemplam expressamente a possibilidade de sanções no caso de seu descumprimento. 4. FUNDAMENTOS O estudo do fundamento do direito internacional busca explicar a sua obrigatoriedade. Trata-se do problema mais complexo da matéria, pois a formulação das regras de direito internacional poderá variar conforme a posição apriorística adotada. Mas, não obstante a importância atribuída à questão pela grande maioria, para vários conceituados autores o estudo do fundamento não faz parte do direito internacional propriamente dito. As doutrinas que procuram explicar a razão de ser do direito internacional podem ser filiadas a duas correntes, ou seja, a voluntarista e a naturalista/objetivista. Para os defensores das doutrinas voluntaristas, ou do direito positivo, a obrigatoriedade do direito internacional decorre da vontade dos próprios estados; para a outra corrente, a obrigatoriedade é baseada em razões objetivas, isto é, acima da vontade dos estados. O voluntarismo é uma corrente doutrinária de caráter subjetivista, cujo elemento central é a vontade dos sujeitos de Direito Internacional. Para o voluntarismo, os Estados e organizações internacionais devem observar as normas internacionais porque expressaram livremente sua concordância em fazê-lo, de forma expressa (por meio de tratados) ou tácita (pela aceitação generalizada de um costume). O Direito Internacional, portanto, repousa no consentimento dos Estados. É também chamado de "corrente positivista". A doutrina desenvolveu várias vertentes do voluntarismo, que são as seguintes: Autolimitação da vontade (Ceorg Jellinek): O Estado, por sua própria vontade, submete-se às normas internacionais e limita sua soberania; Vontade coletiva (Heinrich Triepei): O Direito Internacional nasce não da vontade de um ente estatal, mas da conjunção das vontades unânimes de vários Estados, formando uma só vontade coletiva; Consentimento das nações (Hall e Oppenheim): O fundamento do Direito das Gentes é a vontade da maioria dos Estados de um grupo, exercida de maneira livre e sem vícios, mas sem a exigência de unanimidade; Delegação do Direito interno (ou do "Direito estatal externo", de Max Wenzel): O fundamento do Direito Internacional é encontrado no próprio ordenamento nacional dos entes estatais. O objetivismo sustenta que a obrigatoriedade do Direito Internacional decorre da existência de valores, princípios ou regras que se revestem de uma importância tal que delas pode depender, objetivamente, o bom desenvolvimento e a própria existência da sociedade internacional. Nesse sentido, tais normas, que surgem a partir da própria dinâmica da sociedade internacional e que existem independentemente da vontade dos sujeitos de Direito Internacional, colocam-se acima da vontade dos Estados e devem, portanto, pautar as relações internacionais, devendo ser respeitadas por todos. O objetivismo também inclui vertentes teóricas, como as seguintes: Jusnaturalismo (teoria do Direito Natural): as normas internacionais impõem-se naturalmente, por terem fundamento na própria natureza humana, tendo origem divina ou sendo baseadas na razão; Teorias sociológicas do Direito: a norma internacionaltem origem em fato social que se impõe aos indivíduos; Teoria da norma-base de Kelsen: o fundamento do Direito Internacional é a norma hipotética fundamental, da qual decorrem todas as demais, inclusive as do Direito interno, até porque não haveria diferença entre normas internacionais e internas; Direitos fundamentais dos Estados: o Direito Internacional fundamenta-se no fato de os Estados possuírem direitos que lhe são inerentes e que são oponíveis em relação a terceiros. A doutrina voluntarista é criticada por condicionar toda a regulamentação internacional, inclusive a concernente a matérias de grande importância para a humanidade, à mera vontade dos Estados, normalmente vinculada a inúmeros condicionamentos. A doutrina objetivista, por outro lado, ao minimizar o papel da vontade dos atores internacionais na criação das normas internacionais, coloca também em risco a própria convivência internacional, ao facilitar o surgimento de normas que podem não corresponder aos anseios legítimos dos povos. As críticas a tais correntes levaram à formulação de uma teoria, elaborada por Dionísio Anzilotti, que fundamenta o Direito Internacional na regra pacta sunt servanda. Para esse autor, o Direito Internacional é obrigatório por conter normas importantes para o desenvolvimento da sociedade internacional, mas que ainda dependem da vontade do Estado para existir. Ademais, a partir do momento em que os Estados expressem seu consentimento em cumprir certas normas internacionais, devem fazê-lo de boa-fé. O princípio segundo o qual os acordos têm de ser cumpridos (pacta sunt servanda) é basilar para a ordenação de qualquer sistema de convivência organizada. Tanto mais relevante e necessário em contexto descentralizado, como a sociedade internacional. Da mesma forma que pactum est servandum, não se pode, tampouco, negligenciar o papel e o alcance do princípio equivalente, segundo o qual o costume tem de ser observado (consuetudo est servanda) e aplicado como a expressão da juridicidade, no plano internacional. E aí se inscreve o debate quanto ao alcance e o conteúdo respectivo, na delimitação entre a norma escrita e a norma consuetudinária, no direito internacional. 5. DIVISÃO O Direito como um todo se subdivide em direito interno e Direito Internacional, onde temos o primeiro se tratando das relações jurídicas no interior do sistema jurídico nacional e o segundo, as relações entre diferentes sistemas internacionais. Cada Estado possui o seu direito interno regulando a vida no seu interior, enquanto que tratados e convenções internacionais regulam a convivência destes Estados. Matérias como as que discorrem sobre nacionalidade ou que se preocupam com os direitos humanos, têm um campo quase que comum. Por estes motivos, fica difícil muitas vezes diferenciar onde começa um e termina o outro. Se tratando do Direito Internacional temos as divisões: a) quanto ao objeto: Direito da Paz e da Guerra – clássica; b) quanto à abrangência: Direito Internacional Público Geral e Direito Internacional Privado. Temos ainda ramos ou sub-ramos do direito internacional; tais como o Direito da Guerra e da Neutralidade; Direito do Mar; Direito Aéreo; Direito Diplomático e Consular; Direito dos Tratados; Direito Internacional do Espaço Extra-Atmosférico; Direito Internacional da Proteção dos Direitos do Homem; Direito Internacional da Economia e do Desenvolvimento; Direito Administrativo Internacional; Direito das Organizações Internacionais; Direito da Cooperação Científica e Técnica; Direito Internacional do Meio Ambiente; Direito do Comércio Internacional. 6. RELAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL COM O DIREITO INTERNO Das relações travadas entre o Direito Internacional e o Direito interno surgem discussões que buscam determinar a posição hierárquica do Direito Internacional frente ao Direito Interno e solucionar os conflitos, porventura existentes, entre normas internacionais e as normas internas de cada ordenamento jurídico. A questão, embora seja de interesse global, não apresenta um regramento uniforme e universal, uma vez que recebe tratamento diferente de acordo com o Direito Constitucional de cada Estado. As relações entre o Direito Internacional e o Direito interno geram diversas discussões doutrinárias que tentam solucionar as questões teóricas – estudo da hierarquia do Direito Internacional frente ao Direito interno estatal – e práticas – soluções para situações de conflitos, porventura existentes, entre normas de Direito Internacional e regras de Direito interno – advindas desta relação. Na tentativa de solucionar tais questões, surgiram diversas teorias, dentre as quais se destacam a teoria dualista e a teoria monista. Estas teorias discutem se o Direito Internacional e o Direito interno dos Estados são duas ordens jurídicas distintas e independentes (teoria dualista) ou se o Direito Internacional e o Direito interno formam uma única ordem jurídica (teoria monista). TEORIA MONISTA A teoria monista admite a existência de apenas uma ordem jurídica coordenada no contexto de uma unidade normativa, logo, o Direito Internacional aplica-se diretamente na ordem jurídica dos Estados, independentemente de qualquer transformação. De acordo com essa teoria, as normas internacionais podem ter eficácia condicionada a harmonia de seu teor com o direito interno. Da mesma forma, as aplicações das normas nacionais não podem contrariar os preceitos do Direito Internacional aos quais o Estado encontra-se vinculado. Segundo Hidelbrando Accioly, a doutrina monista não parte do princípio da vontade dos estados, mas sim da norma superior, pois o direito é um só, quer se apresente nas relações de um estado, quer nas relações internacionais. (ACCIOLY, 2010, p. 231) No caso de conflito entre normas de direito interno e internacional, duas subespécies dentro do monismo foram desenvolvidas, para decidir qual norma será aplicada, quais sejam: monismo nacionalista e monismo internacionalista. O monismo nacionalista provém da doutrina constitucionalista nacionalista baseada em Hegel, defensor da soberania absoluta do Estado, que é irrestrita e absoluta. De acordo com essa teoria, havendo um conflito, deverá prevalecer a ordem jurídica nacional de cada Estado. Já o monismo internacionalista teve como maior precursor Hans Kelsen, formulando a conhecida imagem da pirâmide das normas, sendo que no vértice deveria encontrar-se a norma fundamental, que vem a ser o direito internacional. Para essa teoria, o direito interno e o direito internacional, embora tratem de assuntos diferentes, fazem parte de um todo harmônico e, portanto, devem conviver desta maneira, porém, em caso de conflitos de normas internacionais e as do ordenamento jurídico interno de cada Estado, aquelas se sobrepõem a estas, surgindo então a superioridade hierárquica do direito internacional em face do direito interno. A doutrina monista adota a sistemática da recepção que determina que assinado e ratificado um tratado por um Estado, este assume um compromisso jurídico, não sendo necessária a edição de um novo diploma normativo TEORIA DUALISTA A denominação de dualista foi dada por Alfred Verdross, em 1914, e aceita por Triepel, em 1923. O primeiro estudo sistematizado acerca da existência de um conflito entre normas foi realizado por Heinrich Triepel, em 1899, na obra Volkerrecht und Landesrecht, Triepel defendia que o direito interno e o direito internacional são duas ordens jurídicas separadas, autônomas e independentes. Em decorrência dessa completa independência, não existe possibilidade de um conflito entre elas. De acordo com essa teoria, para que uma normainternacional seja aplicada na ordem interna de um Estado, este deve primeiramente transformá-la em norma de direito interno, incorporando-a ao seu ordenamento jurídico. Essa concepção traduz a chamada ``Teoria da Incorporação``. Devido a Teoria da incorporação, surgiram duas subdivisões ao dualismo, quais sejam: dualismo moderado e dualismo radical. De acordo com o dualismo radical, para que uma norma internacional tenha aplicabilidade e eficácia no âmbito interno, é necessário que seja transformada por uma lei interna, que a incorpore ao ordenamento jurídico nacional do Estado. Já o dualismo moderado defende que não é necessário que conteúdo das normas internacionais seja inserido em um projeto de lei interna, bastaria um ato formal de internalização, no caso do Brasil, um decreto de promulgação do presidente da república, que inclui o ato internacional na ordem jurídica nacional. A respeito, o Ilustríssimo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que: É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. (480 DF, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 03/09/1997, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213) Desta forma, pode-se afirmar que no Brasil há uma tendência para a aplicação do dualismo moderado, uma vez que não há a necessidade de dupla manifestação do Congresso Nacional como condição de validade dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. A Suprema Corte brasileira tem exigido, após a aprovação do tratado no Congresso Nacional e a troca dos respectivos instrumentos de ratificação, que seja o tratado internacional promulgado internamente, por meio de um decreto executivo, não necessitando, portanto, de transformação em lei interna. POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS A posição hierárquica dos tratados de direito internacional do Brasil, variou ao longo do tempo, gerando muitas dúvidas na doutrina, no meio político e na jurisprudência do STF, vejamos um pouco dessa evolução, por assim, da hierarquia dos tratados internacionais no sistema jurídico brasileiro. 1940 CF < DIP > LEI 1950 a 1970 CF > DIP > LEI 1988 CF > DIP = LEI Ainda existem controvérsias doutrinárias acerca da forma de integração e eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico interno. O artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição brasileira de 1988 determina que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A interpretação dada por muitos autores ao disposto neste artigo, levando em consideração uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição brasileira, foi a de atribuir aos direitos garantidos nos tratados de direitos humanos devidamente ratificados pelo Estado brasileiro uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional. O referido artigo ao expressamente determinar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem direitos decorrentes dos tratados internacionais estaria assim, incluindo no catálogo dos direitos protegidos constitucionalmente, aqueles direitos enunciados nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte. Outra parte da doutrina vai ainda mais além defendendo o status supraconstitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos, ou seja, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos estariam localizados acima da própria Constituição. Diante das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema e buscando resolver a questão da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro, a Emenda Constitucional no 45 de dezembro de 2004 acrescentou um 3o parágrafo ao artigo 5o determinando que: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes à emenda constitucional. Antes da emenda 45/2004 os tratados internacionais de direitos humanos eram aprovados por meio de decreto legislativo, por maioria simples, conforme artigo 49, inciso I da Constituição de 1988 e, posteriormente, eram ratificados pelo Presidente da República. Tal forma de recepção dos tratados, idêntica à forma de recepção dos tratados que não versam sobre direitos humanos, gerou diversas controvérsias sobre a aparente hierarquia infraconstitucional, ou seja, nível de normas ordinárias dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro. Com o advento da emenda 45/2004 os tratados sobre direitos humanos passariam a ser equivalentes às emendas constitucionais. Todavia, as dúvidas e discussões não cessaram: apenas os tratados aprovados conforme o rito das emendas constitucionais teria valor hierárquico de norma constitucional e aqueles que não obtivessem o quórum qualificado passariam a ter o valor de norma infraconstitucional? O que aconteceria com os tratados ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da emenda 45 – perderiam o status de normas constitucionais que aparentemente era garantido pelo parágrafo 2º do artigo 5o da CF no caso de não serem aprovados pelo quórum o parágrafo 3º do artigo 5º? Para os autores que defendem que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuem hierarquia constitucional, estes tratados já possuem status de norma constitucional, nos termos art. 5º, parágrafo 2o da CF; sendo assim, independentemente de serem posteriormente aprovados pela maioria qualificada do parágrafo 3º do art. 5o da CF, os tratados já são materialmente constitucionais. O parágrafo 3º do art. 5º da CF traz apenas a possibilidade de os tratados, além de materialmente constitucionais, serem ainda formalmente constitucionais, ou seja, equivalentes a emendas constitucionais, desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quórum do parágrafo 3o do mesmo art. 5º da CF. O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do Recurso Extraordinário 466.343- SP, em dezembro de 2008, modificou o seu posicionamento acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. O Supremo entendeu, majoritariamente, que esses tratados, antes equiparados às normas ordinárias federais, apresentam status de norma supralegal, isto é, estão acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição. Tal posicionamento admite a hipótese de tais tratados adquirirem hierarquia constitucional, desde observado o procedimento previsto no parágrafo 3º, artigo 5º da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional no 45/2004. A partir desse novo entendimento do Supremo, sendoaprovado um tratado internacional de direitos humanos o tratado passa a ter hierarquia superior à lei ordinária (supralegal ou constitucional), ocorrendo a revogação das normas contrárias por antinomia das leis. Com a nova posição do Supremo a configuração da pirâmide jurídica do ordenamento brasileiro foi modificada: na parte inferior encontra-se a lei; na parte intermediária encontram os tratados de direitos humanos – aprovados sem o quórum qualificado do artigo 5º, parágrafo 3º da CF – e no topo encontra-se a Constituição. A nova posição do Supremo, apesar de não adotar a tese doutrinária majoritária defendida pelo Ministro Celso de Mello que defende que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos possuem status constitucional independentemente da forma de sua ratificação, representa um grande avanço para o ordenamento jurídico brasileiro que durante vários anos considerou a paridade entre os tratados de direitos humanos e as leis ordinárias. 7. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO A palavra fonte designa o lugar de onde flui a nascente d’água; por extensão, designa de onde provém alguma coisa, como por exemplo, a fonte de notícias, a fonte de um incêndio. É o lugar onde nasce, de onde brota. É sinônimo de nascente, manancial. Na ciência jurídica, a fonte de direito possui um significado especial e importante, ao designar a procedência do direito, assumindo diversos ângulos, dos quais dois são os principais: as fontes de cognição do direito e as fontes de produção do direito. As fontes de cognição do direito representam o conjunto de documentos ou fatores diversos sobre os quais os juristas vão-se basear para elaborar sua doutrina ou as hipóteses. Essas hipóteses serão expostas, às vezes, à Justiça, para comparar a solução proposta a um litígio. Podem ser chamadas de fontes para interpretação do direito, pois é por essas fontes que um jurista fará seu estudo para interpretação do direito e das soluções que apontará para uma contenda judicial. Outros juristas admitem outras duas acepções das fontes do direito: formais e materiais. As fontes materiais são os fatos que demonstram a necessidade e a importância da formulação de preceitos jurídicos, que regulem certas situações. Exemplo de fonte material foi a II Guerra Mundial, cujas atrocidades evidenciaram a relevância de proteger a dignidade humana, impulsionando a negociação e a consagração de algumas das principais normas internacionais de direitos humanos. As fontes materiais são também “os fundamentos sociológicos das normas internacionais, a sua base política, moral ou econômica”. São, portanto, as bases teóricas que influenciam a construção das normas, de cunho filosófico, sociológico, político, econômico etc., ou os valores, aspirações e ideais que inspiram a concepção dos preceitos jurídicos, como o desejo de manutenção da paz e de realização da justiça, a proteção da dignidade humana e a mera necessidade de sobrevivência. As fontes formais são o modo de revelação e exteriorização da norma jurídica e dos valores que esta pretende tutelar, representadas pelas normas de Direito positivo. Ao conceituar as fontes formais, Soares enfatiza o elemento axiológico de que estas devem se revestir, asseverando que se tratam de “expressão clara dos valores jurídicos” e que a “fonte formal nos informa sobre as formas externas e claras com que um valor deverá revestir-se”. Dinh, Dailler e Pellet enfatizam seu modo de preparação, ao defini-las como “os processos de elaboração do direito, as diversas técnicas que autorizam a considerar que uma regra pertence ao direito positivo”. OBS.: O aparecimento das fontes formais é normalmente relacionado às fontes materiais, as quais, como afirmamos, inspiram a criação de novas normas e orientam a sua elaboração, levando a que os preceitos de Direito positivo consagrem determinados valores, voltados a atender às demandas da sociedade. Ainda que controvertido o caráter cogente do direito internacional, a verdade é que a Comunidade Internacional carece de um instrumento com valor universal que determine quais são as fontes de direito internacional. Na lacuna da universalidade, no entanto, vigora um texto de natureza para-universal, de grande importância em função do número de Estados que a ele aderiram: o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que elenca exemplificativamente em seu artigo 38 as fontes de direito internacional: 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhes forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais (tratados), quer gerais quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo direito; c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias (jurisprudência) e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de uma questão ex aequo et bono (equidade), se as partes com isto concordarem. Não há nenhuma espécie de hierarquia entre as fontes de direito internacional público, são todas equiparadas. As fontes secundárias não são menos importantes que as primárias. Porém, são separadas em fontes primárias e secundárias porque as convenções, os costumes e os princípios possuem uma igualdade de natureza jurídica, e esta natureza jurídica é distinta das fontes secundárias, que possuem igual natureza jurídica. A natureza jurídica da jurisprudência, da doutrina e da equidade é igual. O art. 38 não é exaustivo, pois existem outras fontes que não estão elencadas neste artigo. O Estatuto é do ano de 1945 e seria impossível prever naquele ano todas as fontes possíveis e imagináveis que surgiriam. Destarte, possuímos mais duas fontes secundárias que possuem a mesma natureza jurídica: Atos unilaterais de natureza normativa dos Estados e As decisões das O.I.I – Organizações internacionais intergovernamentais. FO N TE S D O D IR EI TO IN T ER N A C IO N A L P Ú B LI C O PRIMARIAS TRATADOS INTERNACIONAIS COSTUME INTERNACIONAL PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO SECUNDARIAS ATOS UNILATERAIS DO ESTADO RESOLUÇÕES DE ÓRGÃOS INTERNACIONAIS JURISPRUDENCIA DAS CORTES INTERNACIONAIS DOUTRINA ANALOGIA E EQUIDADE Deve-se observa que parte da doutrina confere preferência aos tratados, por ser uma fonte escrita, cujas normas podem, por isso, se revestir de maior clareza e precisão. Entretanto, esse entendimento não é unânime, como revela Guido Soares, que defende que não pode haver hierarquia entre as fontes de Direito Internacional, por conta da estreita relação que estas mantêm entre si, mormente no momento da aplicação de uma norma, quando a regra de um tratado pode ser interpretada à luz do costume e da doutrina, por exemplo12. É nesse sentido que Celso de Albuquerque Mello, em entendimento muito difundido, afirma que não há hierarquia entre tratado e costume, não prevalecendo nenhum deles sobre o outro. Com isso, um tratado mais recente tem a capacidade de derrogar ou modificar um costume, e vice-versa. Sendo assim, o entendimento de que não há hierarquia de fontes é majoritário na doutrina. TRATADOS INTERNACIONAIS (OU CONVENÇÕES) Os tratados (também chamadas convenções) constituem a fonte primordial. Surgem de reuniões de determinados países para estabelecer normas a serem seguidas pelos países participantes sobre qualquer questão que viercriar conflitos na área internacional. Normalmente, as convenções reúnem grande número de países, mas é possível que seja estabelecida entre só dois países, sendo, por isso, chamado de tratado bilateral. Os tratados ou convenções, são as mais numerosas e importantes fontes de direito internacional, elencados, juntamente com os costumes, como uma de suas principais fontes. De acordo com LACHS, entre 1500 a.C até 1860 haviam sido concluídos cerca de 8.000 tratados de paz, enquanto somente entre 1947 e 1984 foram celebrados entre 30.000 e 40.000 tratados20. Estas estatísticas nos levam a estimar que até a presente data este número possa ter chegado a 60.000 tratados, pois após a II Grande Guerra Mundial praticamente toda a produção de regras de direito internacional tem se dado através de tratados (i.e., tratados de paz, de cooperação econômica, de proteção ao meio ambiente, instrumentos constitutivos de organizações internacionais). Apesar de existirem desde a Antiguidade, começaram a firmar-se como fonte por excelência do Direito Internacional apenas a partir da Paz de Vestefália, substituindo paulatinamente o costume como fonte mais empregada no Direito das Gentes. A importância dada aos tratados está na maior certeza do direito oferecida pela forma escrita (o que implica em conflitos não quanto à existência do direito, mas em relação à sua interpretação e aplicação) e na forma pela qual entram em vigor, a qual permite que regras novas sejam rapidamente introduzidas. COSTUME INTERNACIONAL O Costume Internacional encontra definição no art. 38 (1) (b) do Estatuto da Corte de Haia, trata-se de uma espécie de norma formada pela reiterada prática dos sujeitos do Direito Internacional, consiste, portanto, numa “prática geral aceita como sendo o direito”. Poderíamos conceituar com maior precisão o costume internacional como a prática geral, uniforme e reiterada dos sujeitos de Direito Internacional, reconhecida como juridicamente exigível. O costume internacional nasce das relações de um Estado com outros, atitudes determinadas por uma convicção de direito e aceita como tal pelo próprio Estado para o fim pelo qual foi adotado. O costume assim definido como uma prática comum, evolutiva, é reconhecido como um costume jurídico em razão de sua obrigatoriedade, elemento que o distingue, da cortesia (comitas gentium). A justificativa da obrigatoriedade de um costume internacional parte da comprovação de sua existência (condições de existência: elemento material e psicológico) e de sua relação com questões jurídicas internacionais (elementos constitutivos). Pode-se afirmar que, assim como no direito interno, o costume no direito internacional é constituído por dois elementos que indicam os fundamentos de sua obrigatoriedade: elemento material (uso, prática e tempo) e o psicológico (convicção da obrigatoriedade deste uso - opinio iuris). Como se revelam os costumes? Os costumes admitidos por um Estado podem se revelar de duas formas distintas: através das ações de seus órgãos exteriores, de acordo com seu ordenamento interno (Chefe de Estado, Chefe de Governo, Chanceleres, Diplomatas), ou através de seus órgãos internos (Parlamento, Governo e Tribunais). Prova do Costume Internacional. O professor Francisco Rezek, ressaltando decisão da Corte Internacional de Justiça acerca do caso do Asilo Político, afirma que "a parte que alega em seu prol certa regra costumeira deve provar sua existência e sua opinibilidade à parte adversa". Os Costume Internacionais encontram prova nos atos estatais, nos textos legais e nas decisões judiciárias acerca de temas relacionados ao "jus cogens". No plano internacional, busca-se a prova do Costume Internacional na jurisprudência internacional ou nos tratados. Hierarquia entre Costumes Internacionais e Tratados. Mais uma vez o professor Rezek nos ensina que não há uma hierarquia entre as normas consuetudinárias e as positivadas, uma e outra se derrogam. Inegável que, uma vez visto os elementos materiais e subjetivos dos Costumes Internacionais, que os Tratados, essência do direito posto na ordem internacional, possuem uma maior segurança jurídica dada a sua clareza e certeza. Entretanto, O'Connell, por exemplo, entende que os costumes consistem na principal, quando não única fonte verdadeira do "jus cogens". Durante muitos séculos, o costume foi a principal fonte de Direito Internacional. Entretanto, as normas costumeiras perderam parte da importância de que antes se revestiam em benefício do tratado, que oferece maior estabilidade às relações internacionais por vários motivos. Com efeito, o tratado adota a forma escrita, o que confere mais precisão ao conteúdo normativo. Em segundo lugar, não é possível que o Estado ou organismo internacional denegue haver celebrado um tratado do qual é parte, ao passo que, em tese, um desses entes pode alegar não reconhecer determinado costume. Por fim, a tarefa de provar a existência do costume pode ser complexa. Com isso, o costume vem-se integrando ao processo de codificação do Direito Internacional, por meio da incorporação de preceitos costumeiros a tratados. Exemplo disso é a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, que reuniu regras relativas à atividade diplomática que eram objeto, há séculos, do costume internacional. O costume extingue-se: a) pelo desuso, quando determinada prática deixa de ser reiterada, generalizada e uniforme dentro de um determinado grupo social após certo lapso temporal, ou quando se perde a convicção acerca de sua obrigatoriedade; b) pelo aparecimento e afirmação de um novo costume que substitua costume anterior, o que ocorre quando a dinâmica internacional impõe novas práticas mais consentâneas com a realidade e; c) pela substituição do costume por tratado internacional que incorpore as normas costumeiras, dentro de um processo conhecido como “codificação do Direito Internacional”. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO Os princípios gerais do Direito são as normas de caráter mais genérico e abstrato que incorporam os valores que fundamentam a maioria dos sistemas jurídicos mundiais, orientando a elaboração, interpretação e aplicação de seus preceitos e podendo ser aplicadas diretamente às relações sociais. São exemplos de princípios gerais do Direito pertinentes ao Direito Internacional: o primado da proteção da dignidade da pessoa humana; o pacta sunt servanda; a boa-fé; o devido processo legal; a res judicata e a obrigação de reparação por parte de quem cause um dano. A expressão “nações civilizadas” foi objeto de crítica por seu “caráter etnocêntrico”, ou seja, pela referência a preceitos formulados no mundo ocidental. Hoje, os princípios gerais do Direito abrangem aquelas normas estáveis que incorporam valores reconhecidos na maior parte das ordens jurídicas existentes no mundo. Entendimento extensivo. Hostil a uma série de princípios comuns às ordens internas do Ocidente — como o dos direitos adquiridos e o da justa indenização pela nacionalização de bens estrangeiros — a escola soviética proporia, com relativo êxito, um conceito mais elaborado e amplo. Cumpriria prestigiar antes de tudo os grandes princípios gerais do próprio direito das gentes na era atual: o da não agressão, o da solução pacífica dos litígios entre Estados, o da autodeterminação dos povos, o da coexistência pacífica, o do desarmamento, o da proibição da propaganda de guerra; sem prejuízo de outros, menos conjunturais, e sempre lembrados em doutrina ocidental, como o da continuidade do Estado. No domínio comum ao direito internacional e às ordens jurídicas domésticas, é virtualmente unânime o abono à validade de princípios ora de direito material,ora de procedimento, todos com grande lastro histórico: pacta sunt servanda, lex posterior derogat priori, nemo plus juris transferre potest quam ipse habe. Princípio da independência nacional, pelo qual as relações internacionais de um País devem consolidar-se na soberania política e econômica, e de autodeterminação dos povos, repudiando a intervenção direta ou indireta nos negócios políticos de outros Estados. Princípio da prevalência dos direitos humanos, ou do respeito aos direitos humanos, um dos mais importantes a serem considerados, que teve o auge do seu desenvolvimento após o fim da Segunda Guerra Mundial, ante aos intensos abusos cometidos durante aquele período. Princípio da autodeterminação dos povos estabelece que o povo de um Estado possui a prerrogativa de tomar as escolhas que são necessárias sem qualquer interferência externa, escolhendo o seu destino e a forma da qual será dirigido. Tem sua base na soberania do País. Princípio da não-intervenção tem relação direta com o princípio da independência nacional, e é a regra, que cada País se desenvolve da forma que lhe convier, sendo soberano, e não sujeito a sofrer intervenção de qualquer outro país, seja ele qual for. Contudo, admitem-se exceções, onde a intervenção será admitida quando for autorizada previamente pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, sendo possível que essa autorização venha após a intervenção no país, nos casos em que se exija urgência. Importa ressaltar que a intervenção somente será autorizada mediante motivos suficientes. Princípio da igualdade entre os Estados temos que, se todos possuem um governo, um território e um povo próprio, nenhum deles poderá ser superior ou mais importante no cenário internacional para justificar qualquer desigualdade entre os mesmos. Assim, o exercício pleno de todos os diretos e garantias fundamentais pertence a todas as pessoas, independentemente de sua raça, condição social, genealogia, seco, credo, convicção política, filosófica ou qualquer outro elemento arbitrariamente diferenciador, defendendo as minorias étnicas – indígenas e os estrangeiros – religiosas, linguísticas e políticas de discriminações. A defesa da paz é um dos mais almejados, a paz é tida como a regra para as relações humanas, ficando a questão da força e da guerra reservada para casos excepcionais. Princípio da solução pacífica dos conflitos afirma que para a solução de divergências e demais conflitos, é necessária a utilização de meios pacíficos, que se subdividem em diplomáticos, políticos, jurídicos e jurisdicionais. O meio não pacífico (coercitivos e guerra) somente serão admitidos quando do meio pacífico não surtir efeito. Princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade tem-se que toda a humanidade deve cooperar entre si, para a perpetuação da paz. Fundamento de validade dos princípios gerais. Quando por nada mais fosse, por eliminação haveríamos de admitir que sobre o consentimento dos Estados repousa a validade dos princípios gerais enquanto normas jurídicas. Qual a alternativa? Se se descarta toda inspiração teológica para a ciência do direito, rejeitando-se, a fortiori, que dá vontade de um grupo seleto de Estados, ou das convicções do olimpo doutrinário, possa promanar norma que obrigue indistintamente toda a sociedade internacional, resulta claro que o fundamento de validade dos princípios gerais não difere, em essência, daquele sobre o qual assentam os tratados e o costume. Dir-se-á que inúmeros dentre esses princípios fluem de modo tão natural e inexorável do espírito humano que não há como situá-los, ao lado do costume e do tratado, no domínio da criação voluntária das pessoas jurídicas de direito das gentes. Essa ideia, aparentemente bem fundada, resulta de uma simplificação primária, pois passa ao largo da importante circunstância de que o consentimento tanto pode ser criativo quanto apenas perceptivo. ATOS UNILATERAIS DO ESTADO Os atos unilaterais são praticados por uma só pessoa, por uma só parte. Constituem declaração de vontade de um só Estado, criando para ele obrigações; geram, contudo, direitos para outras pessoas. Trata-se, portanto, da manifestação de vontade de um sujeito internacional, seja o Estado ou organização internacional, expressa por escrito, oralmente ou pelo silêncio. São manifestações que não possuem vínculo com um tratado ou com o costume. Para tal, exige-se duas coisas: 1) o ato unilateral deve ser público, isto é, de conhecimento da sociedade internacional; 2) o Estado deve ter a intenção de se obrigar com o ato unilateral. Quem pode formular Atos Unilaterais são os Estados e as Organizações Internacionais. O Indivíduo não poderá formulá-lo. Além da pessoa do direito, deve-se observar também se o órgão daquela pessoa é competente para formular Atos Unilaterais (neste caso, o Poder Executivo), que deverão por sua vez ter um objeto lícito e possível, além de não conter vícios de consentimento. Não poderão ferir a moral internacional nem a norma imperativa do DI (Jus Cogens). Os atos unilaterais classificam-se em expressos e tácitos. Os atos expressos aperfeiçoam-se por meio de declaração que adote a forma escrita ou a oral. Os tácitos configuram-se quando os Estados implicitamente aceitam determinada situação, normalmente pelo silêncio ou pela prática de ações compatíveis com seu objeto. Protesto: manifestação expressa de discordância quanto a uma determinada situação, destinada ao transgressor de norma internacional e voltada a evitar que a conduta objeto do protesto se transforme em norma. Visa a resguardar os direitos do Estado em face de pretensões de outro Estado. Exemplo: protestos por ocasião de golpes de Estado, que violam normas internacionais que determinam o respeito à democracia; Notificação: ato pelo qual um Estado leva oficialmente ao conhecimento de outro ente estatal fato ou situação que pode produzir efeitos jurídicos, dando-lhe “a necessária certeza da informação”. É entendido como “ato condição”, ao qual a validade de ações posteriores está vinculada. Exemplos são as notificações de estado de guerra; Renúncia: é a desistência de um direito, que é extinto. A bem da segurança jurídica e da estabilidade das relações internacionais, a renúncia deve ser sempre expressa, nunca tácita ou presumida a partir do mero não-exercício de um direito; Denúncia: ato pelo qual o Estado se desvincula de um tratado; Reconhecimento: ato expresso ou tácito de constatação e admissão da existência de certa situação que acarrete consequências jurídicas. Exemplo: reconhecimento de Estado e de governo; Promessa: compromisso jurídico de adoção de certa conduta; Ruptura das relações diplomáticas: ato que suspende o diálogo oficial com um Estado nas relações internacionais. Vamos citar alguns exemplos. Um país que deseje entrar em guerra contra outro, deverá fazer-lhe uma notificação, chamada “declaração de guerra”. Deve também fazer outra notificação, chamada “ruptura de relações diplomáticas”. Outro exemplo pode ser indicado: se um país tomar conta de um território abandonado, uma res nullius, deverá dar notificação a todos os demais países. É também considerado ato jurídico o silêncio. Assim, se um país ocupa um território abandonado, notifica outros países e estes não protestam, interpreta-se como aprovado o ato. Aplica-se também no plano internacional o princípio do Direito Romano em vigor no plano nacional: qui tacet cum loqui potuit et debuit consentire videtur = quem cala quando deve e pode falar, parece consentir. RESOLUÇÕES DE ÓRGÃOS INTERNACIONAIS As decisões de organizações internacionais são os resultados das atividadesde entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU), que se materializam em atos que podem gerar efeitos jurídicos para o organismo que o praticou e para outros sujeitos de Direito Internacional. São também denominadas de “atos unilaterais de organizações internacionais” ou de “atos das organizações internacionais”. Um dos fatores que revolucionaram o Direito Internacional moderno foi a proliferação de organizações internacionais, entre as quais realça-se a ONU. Diversas outras organizações já existiam antes da ONU, mas, por serem regionais ou especializadas, não tinham grande expressão. Paulatinamente, porém, foram se avultando na sociedade internacional. Algumas organizações têm poderes legislativos: elaboram normas a serem seguidas pelos países. Os Estados-membros delegam a elas alguma parcela de seu poder individual, a fim de que sejam tutelados os interesses coletivos. Outras exercem controle sobre as atividades dos Estados, fazem mediação entre eles, atuando com funções judiciárias. Outras ainda desenvolvem funções políticas ou tecnológicas, enquanto outras, funções econômicas ou mercantis, como é o caso da OPEP, que constitui verdadeiro cartel do petróleo. Os atos praticados por essas organizações formaram então o elenco de atos internacionais, junto com os atos unilaterais e os tratados. Distinguem-se dos atos unilaterais, porquanto suas decisões independem de ratificação pelos Estados; os atos são votados pelos Estados, mas não assinados por eles. Os atos emanados de organizações internacionais apresentam dois tipos principais: regulamento interno e resoluções. O regulamento interno é o estatuto básico da organização e funcionamento de uma organização internacional, define seus poderes, sua estrutura, as condições para ingresso nela, os objetivos e modos de ação. Concerne, portanto, ao funcionamento interno da organização internacional. As resoluções são medidas tomadas pela organização internacional com efeitos sobre os países-membros, que se obrigaram a aceitá-las desde o momento em que nela ingressaram. Como sugestivo modelo, podem ser citadas as resoluções do Conselho de Segurança ou da Assembléia-Geral da ONU, que produzem efeitos em todo o mundo. Há três tipos primordiais de resoluções, baseados no sistema de sanção e força obrigante: decisões, diretivas e recomendações. As decisões são dotadas de força obrigante e de sanções previstas na própria decisão. É o caso das decisões do Conselho de Segurança da ONU, segundo o artigo 42 da Carta das Nações Unidas. As diretivas são resoluções providas de força obrigante, mas deixam aos Estados-membros a faculdade de adotar os modos necessários à aplicação das decisões. Como exemplo, podemos fazer referência ás diretivas adotadas pela União Europeia, previstas no artigo 184 do Tratado de Roma, de 1957. Este foi o tratado que criou a União Europeia. As “recomendações” não têm força obrigante nem preveem sanções, no caso de não serem observadas; tem o caráter de aconselhamento, de orientação. Muitas vezes, porém, produzem efeitos sobre os Estados-membros, posto que as recomendações visam ao interesse coletivo da comunidade internacional. JURISPRUDÊNCIA DAS CORTES INTERNACIONAIS A jurisprudência internacional é o conjunto de decisões judiciais reiteradas no mesmo sentido, em questões semelhantes, proferidas por órgãos internacionais jurisdicionais de solução de controvérsias relativas a matéria de Direito Internacional. A jurisprudência internacional origina-se especialmente de cortes internacionais, que começam a se difundir no cenário internacional, como a Corte Internacional de Justiça (CIJ), o Tribunal Penal Internacional (TPI) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). No Brasil, a maioria das decisões jurisprudenciais de caráter internacional é tomada pelo Superior Tribunal de Justiça e são publicadas em sua revista, ou pelo Supremo Tribunal Federal, que detinha antigamente a competência única. Na doutrina, Mazzuoli afirma que a jurisprudência não é fonte do Direito porque “não cria o direito, mas sim o interpreta mediante a reiteração de decisões no mesmo sentido. Sendo ela uma sequência de julgamentos no mesmo sentido, nada mais é do que a afirmação de um direito preexistente, ou seja, sua expressão. Além do mais, as decisões de tribunais não criam normas propriamente jurídicas, o que demanda abstração e generalidade, requisitos sem os quais não se pode falar na existência de uma regra de direito stricto sensu”. Em qualquer caso, as decisões judiciais também criam direito, ainda que apenas entre as partes em litígio. Nesse sentido, enfatizamos que o artigo 59 do Estatuto da CIJ determina que “A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão”. Outrossim, com o aumento das atividades das cortes e tribunais internacionais, vem ficando cada vez mais claro que os julgados anteriores servem como referência para julgamentos posteriores. DOUTRINA A doutrina é o conjunto dos estudos, ensinamentos, entendimentos, teses e pareceres dos estudiosos do Direito Internacional, normalmente constantes de obras acadêmicas e de trabalhos de instituições especializadas, como a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas. No Brasil, ficaram famosos os pareceres doutrinários de Vicente Rao, Pontes de Miranda e Temístocles Cavalcanti. Na área do Direito Internacional são respeitadas as opiniões de Haroldo Valladão, Celso D. Albuquerque Mello, Amílcar de Castro. Como doutrinadores estrangeiros, no Direito Internacional, realçam-se Hugo Grócio, Albérico Gentili, Francisco Suarez, Francisco Vitória, Dionizio Anzilotti, Roberto Ago, Antonio Sanchez Bustamante y Sirven, Santi Romano. Doutrina: a difícil sintonia. Segundo Francisco Rezek, hoje não é mais comum que sobre qualquer questão tópica exista o conforto da convergência doutrinária. Mas, justamente por isso, tornou-se inestimável o valor de qualquer tese que tenha podido reunir o abono das grandes correntes contemporâneas. Afinal, mesmo no interior de cada uma delas, a identidade de pontos de vista costuma faltar com alguma frequência. Entre os europeus ocidentais, notadamente, encontram-se ainda expoentes retardatários daquele direito internacional da era do concerto, de ranço impalatável, a coexistir com espíritos arejados e universais. Na hora presente, toda tese que obtenha o consenso doutrinário é de ser vista como segura, seja no domínio da interpretação de uma regra convencional, seja naquele da dedução de uma norma costumeira ou de um princípio geral do direito. ANALOGIA E EQUIDADE Mazzuoli definiu a analogia como “a aplicação a determinada situação de fato de uma norma jurídica feita para ser aplicada a caso parecido ou semelhante”, apontando-a como resposta à falta ou inutilidade de preceito existente para regular caso concreto. A analogia refere-se, portanto, à forma de regular relações sociais que não sejam objeto de norma jurídica expressa por meio do emprego de regras aplicáveis a casos semelhantes. Na realidade, será difícil encontrar referência nominal à analogia no trabalho dos foros internacionais de variada natureza, mas é certo que esse método foi prestigiado, repetidas vezes, à hora de se definirem, por exemplo, as competências de organizações internacionais — notadamente quando se reconheceu à ONU a prerrogativa de conferir proteção funcional a seus agentes, no parecer da CIJ relacionado com o caso Bernadotte. A equidade é a aplicação de considerações de justiça a uma relação jurídica, quando não exista norma que a regule ou quando o preceito cabível não é eficaz para solucionar, coerentemente e de maneira equânime, umconflito. É, como afirma Mazzuoli, “a aplicação dos princípios de justiça a um caso concreto sub judice”. O Estatuto da Corte de Haia é claro ao dispor, no segundo parágrafo do art. 38, que o recurso à equidade depende da aquiescência das partes em litígio. Defrontando-se, pois, seja com a flagrante impropriedade, seja — o que é bem mais comum em direito internacional — com a insuficiência das normas aplicáveis à espécie, a Corte não poderá decidir à luz da equidade por sua própria vontade. A autorização das partes é de rigor TRATADOS INTERNACIONAIS 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS Há registros de que os tratados vêm regulando situações específicas da convivência internacional desde a Antiguidade, havendo evidências de seu uso por povos como os egípcios e os gregos. O primeiro registro seguro da celebração de um tratado, naturalmente bilateral, é o que se refere à paz entre Hatusil III, rei dos hititas, e Ramsés II, faraó egípcio da XIXª dinastia. Esse tratado, pondo fim à guerra nas terras sírias, num momento situado entre 1280 e 1272 a.C., dispôs sobre paz perpétua entre os dois reinos, aliança contra inimigos comuns, comércio, migrações e extradição. Historicamente, predominavam os tratados bilaterais, e mesmo quando o assunto dizia respeito a mais de dois Estados, concluíam-se vários atos entre eles, e não um só, como aconteceu na Paz de Vestefália. Entretanto, a partir do século XIX, a maior percepção da existência de interesses comuns a vários Estados, e as exigências de praticidade que já se impunham nas relações internacionais, levaram ao aparecimento dos tratados multilaterais, cujo marco inicial foi o Congresso de Viena, em 1815. O século XX abriria espaço a dois fatos novos: a entrada em cena das organizações internacionais, no primeiro após-guerra — fazendo com que o rol das pessoas jurídicas de direito das gentes, habilitadas a pactuar no plano exterior, já não se exaurisse nos Estados soberanos; e a codificação do direito dos tratados, tanto significando a transformação de suas regras costumeiras em regras convencionais, escritas, expressas, elas mesmas, no texto de tratados. 2. CONCEITO E TERMINOLOGIA Os tratados são acordos escritos, firmados por Estados e organizações internacionais dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Direito Internacional Público, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos no tocante a temas de interesse comum. Francisco Rezek, conceitua tratado como todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos. Diz ainda o estimado Rezek, que na afirmação clássica de Georges Scelle, o tratado internacional é em si mesmo um simples instrumento; identificamo-lo por seu processo de produção e pela forma final, não pelo conteúdo. Este — como o da lei ordinária numa ordem jurídica interna — é variável ao extremo. Pelo efeito compromissivo e cogente que visa a produzir, o tratado dá cobertura legal à sua própria substância. Mas essa substância tanto pode dizer respeito à ciência jurídica quanto à produção de cereais ou à pesquisa mineral. Desse modo, a matéria versada num tratado pode ela própria interessar de modo mais ou menos extenso ao direito das gentes: em razão da matéria, pontificam em importância os tratados constitutivos de organizações internacionais, os que dispõem sobre o serviço diplomático, sobre o mar, sobre a solução pacífica de litígios entre Estados. É certo, contudo, que todos os tratados — mesmo quando disponham sobre um tema prosaico como a classificação de marcas de origem de vinhos ou queijos — interessam igualmente, em razão da forma. Hildebrando Accioly, diz que por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional. As Convenções de Viena sobre direito dos tratados de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de estabelecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo dos estados, e pode ser exercido também pelas demais pessoas internacionais, sobretudo as organizações internacionais. Segundo definiu a Convenção de Viena do Direito dos Tratados, de 1969, tratado internacional é "um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica" No tocante ao uso da terminologia, refere-se ao tratado como acordo regido pelo direito internacional, “qualquer que seja a sua denominação”. Em outras palavras, tratado é a expressão genérica. São inúmeras as denominações utilizadas conforme a sua forma, o seu conteúdo, o seu objeto ou o seu fim, citando-se as seguintes: acordo, ajuste, arranjo, ata, ato, carta, código, compromisso, constituição, contrato, convenção, convênio, declaração, estatuto, memorando, pacto, protocolo e regulamento etc., além das concordatas, que são os atos sobre assuntos religiosos celebrados pela Santa Sé com os estados que têm cidadãos católicos. Em todas essas denominações, o dado que se enfatiza é a expressão do acordo de vontades, estipulando direitos e obrigações, entre sujeitos de direito internacional. ATO INTERNACIONAL É sinônimo de tratado. É adotada pelo Ministério das Relações Exteriores, que estabeleceu a Divisão de Atos Internacionais (DAI), competente para a coordenação das providências relativas à preparação dos tratados no Brasil e para a guarda dos acordos celebrados pelo Estado brasileiro. ACORDO A denominação "acordo" foi concebida para atos internacionais com reduzido número de participantes e menor importância política. Por outro lado, é expressão de amplo uso na prática internacional e também muito empregada como sinônimo de tratado. Celso de Albuquerque Mello afirma que o termo "acordo" é geralmente utilizado para tratados "de cunho econômico, financeiro, comercial e cultural". OBS.: Acordo de sede geralmente uma organização internacional quando vai ajustar a sua sede no país ela faz um acordo de sede. Isolado, o termo acordo quase nada informa. Já a expressão acordo de sede, nas condições presentes, e sem qualquer outro dado, permite saber: (a) que se cuida de um tratado bilateral; (b) que uma das partes é uma organização internacional, e a outra um Estado, provavelmente — mas não seguramente — membro da primeira; e (c) que o tema precípuo desse tratado é o regime jurídico da instalação física da organização no território do Estado. Acordo executivo é o tratado monofásico, aquele que é feito em uma fase só. A CF diz que qualquer tratado que produza encargo gravoso ao Brasil ou ao patrimônio precisa da anuência do Congresso Nacional, de modo que a regra é que todos os acordos brasileiros sejam bifásicos. Mas metade dos tratados feitos no Brasil são unifásicos, executivos. Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Acordo por troca de notas é em regra empregado para assuntos de natureza administrativa e para alterar ou interpretar cláusulas de tratados já concluídos, embora seu escopo venha sendo ampliado. Ê formado por uma nota diplomática do proponente e por uma nota de resposta, tendo, portanto, mais de um instrumento. No Brasil, dispensa aprovação congressual, se não acarretar compromissos gravosos para o patrimônio nacional. Acordo complementar visaa detalhar ou a executar outro tratado de escopo mais amplo, geralmente do tipo acordo-quadro. Funciona de maneira semelhante ao decreto, à portaria e a outros instrumentos infralegais de Direito interno. ACORDO DE CAVALHEIROS (GENTIEMEN'S AGREEMENT) Modalidade de avença celebrada não pelos Estados, mas por autoridades de alto nível, em nome pessoal, e que é regulada por normas morais. De emprego comum nos países anglo-saxões, os acordos de cavalheiros visam normalmente a estabelecer "programas de ação política" e não são juridicamente vinculantes. São também conhecidos como "non-bindingagreements"a e, tecnicamente, não são considerados tratados. A respeito dos acordos de cavalheiros, Rezek lembra que "É conhecida em direito das gentes a figura do gentlemen's agreement, que a doutrina distingue do tratado, sob o argumento de não haver ali um compromisso entre Estados, à base do direito, mas um pacto pessoal entre estadistas, fundado sobre a honra, e condicionado, no tempo, à permanência de seus atores no poder". CONCORDATA Acordo celebrado com a Santa Sé para fins religiosos. Esse nome é estritamente reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé, e que tem por objeto a organização do culto, a disciplina eclesiástica, missões apostólicas, relações entre a Igreja católica local e o Estado que está compactuando. CARTA É o tipo de tratado que cria organizações internacionais, estabelecendo seus objetivos, órgãos e modo de funcionamento, do que é exemplo a Carta das Nações Unidas (Carta da ONU). Entretanto, o ato constitutivo de um organismo internacional pode também se chamar "constituição", como é o caso da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Outrossim, o termo "carta" também é empregado para designar documentos que fixam direitos e deveres dos indivíduos, a exemplo da Carta Social Europeia. Cabe destacar, porém, que, para tratados que criam tribunais internacionais, prefere-se o termo "estatuto", do que são exemplos o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) e o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ). COMPROMISSO É o tratado que cuida de arbitragem. É o tratado pelo qual dois Estados submetem à arbitragem certo litígio que os antagoniza. CONVENÇÃO É normalmente empregado para acordos multilaterais que visam a estabelecer normas gerais de Direito Internacional em temas de grande interesse mundial, como no caso dos tratados de direitos humanos. É também frequentemente utilizado como sinônimo de tratado. CONVÊNIO Destina-se a regular a cooperação bilateral ou multilateral de natureza econômica, comercial, cultural, jurídica, científica e técnica, normalmente em campos mais específicos. A respeito. Celso de Albuquerque Mello afirma que os convênios versam apenas sobre cultura ou transporte. Na prática, porém, tais tratados efetivamente regulamentam um rol variado de temas, do que são exemplos o Convênio Internacional do Café e o Convênio de Cooperação Educativa Brasil-Argentina (1997). DECLARAÇÃO É usada para consagrar princípios ou afirmar a posição comum de alguns Estados acerca de certos fatos. Pode não vincular juridicamente quando, em análise feita no caso concreto, seja percebida como mera enunciação de preceitos gerais, o que a excluiria da lista de tipos de tratados. Em todo caso, os princípios não necessitam ser incluídos em declarações para serem reconhecidos como tal, podendo se fazer presentes nos tratados ou ser identificados pela doutrina e pela jurisprudência. PACTO Refere-se a tratados que se revestem de importância política, mas que sejam mais específicos no tratamento da matéria que regulam. Celso de Albuquerque Mello aponta, ainda, a existência do "pacto de contraendo" (pactum de contrahendo), tipo de "acordo concluído pelo Estado com o compromisso de concluir um acordo final sobre determinada matéria", que funciona como verdadeiro "tratado preliminar". Outra modalidade de ato internacional apontada por esse autor é o pactum de negotiando, que gera a obrigação das partes de "iniciar negociações de boa-fé com a finalidade de concluir um tratado". PROTOCOLO É uma modalidade de ato internacional que, normalmente, é meramente complementar ou interpretativa de tratados anteriores. Pode ser também um compromisso menos formal. Pode, ainda, aludir à ata de uma reunião internacional, documento no qual ficam registrados os compromissos nela assumidos. 3. PRINCÍPIOS NORTEADORES A convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) diz que alguns princípios norteadores regem os tratados internacionais: a) Livre consentimento: apenas na medida em que o Estado tenha manifestado livre e desimpedido é que ele estará obrigado àquele compromisso internacional; b) Boa-fé: deve ser empregado não só na celebração, mas também na sua conclusão e execução e c) Pacta sunt servanda: os pactos devem ser cumpridos. Em função desse princípio, o tratado internacional, uma vez celebrado pela parte, adquire força de lei. Nesse sentido, devem os sujeitos que tenham pactuado algum compromisso internacional observar seus termos, em consonância com o antigo preceito romano sintetizado na seguinte máxima: "o que há de mais compatível com a lealdade humana do que respeitar aquilo que foi pactuado”. 4. REQUISITOS Para qualquer tratado internacional ser considerado válido, imprescindível apresentar os seguintes requisitos: a) capacidade das partes contratantes; b) habilitação dos agentes signatários; c) consentimento mútuo; d) objeto lícito e possível. CAPACIDADE DAS PARTES CONTRATANTES Tradicionalmente, podem concluir tratados apenas os Estados e as organizações internacionais. Entretanto, também podem celebrar tratados outros sujeitos de Direito Internacional, que são a Santa Sé, os beligerantes, os insurgentes, os blocos regionais e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Quanto aos Estados Soberanos, o art. 6º da Convenção de Viena determina que todos os Estados soberanos têm capacidade para concluir tratados. Esta é a regra geral e como tal, possui exceções. Assim, os Estados Dependentes ou os membros de uma Federação também podem concluir Tratados Internacionais em certos casos especiais. O Direito Interno (Constituição), pode dar aos Estados Federados o direito de concluir tratados. O Governo Federal no Brasil não será responsável se um Estado membro da Federação concluir um acordo sem que seja ouvido o Poder Executivo Federal e nem seja aprovado pelo Senado. Os Estados Vassalos e Protegidos possuem o direito de Convenção quando autorizados pelos soberanos ou protetores. A Santa Sé sempre teve o direito de Convenção. Os Tratados formados pela Santa Sé são acerca de matéria religiosa e denominados Concordatas. As Organizações Internacionais têm sua capacidade limitada pelos próprios fins para os quais foram criadas. A título de exemplo, o poder dessas entidades nesse campo não é tão amplo quanto o do Estado, porque os organismos internacionais só podem celebrar acordos relativos a seus objetivos. É, assim, uma capacidade parcial, que decorre de seu tratado constitutivo, que estabelece os objetivos da organização. A capacidade dessas entidades de concluir tratados é derivada, visto que resulta da decisão dos Estados que as criaram e que, como seus membros, são em muitos casos os responsáveis pela formação da vontade do organismo, por meio das negociações que entabulam em seu âmbito. Os Beligerantes (que se encontra em guerra) e Insurgentes (que se revolta contra algo) também possuem direito de Convenção, apesar de ser este um direito