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REVISÃO AV1 - DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO - AULAS 01 A 04

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YM
Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
REVISÃO AV1
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO
AULA 01 1. Sociedade internacional, o papel do Direito Internacional e a relação entre o Direito
Internacional Público e o Direito interno
1.1. A sociedade internacional e o sistema normativo internacional
1.2. Conceito, objeto e fundamento do Direito Internacional Público
1.3. Origem e evolução histórica do Direito Internacional Público
1.4. Relações internacionais, soberania e autodeterminação dos Estados
AULA 02 2. Introdução ao Direito Internacional
2.1. Fundamentos e noções preliminares do DIP
2.2. Sociedade internacional
2.3. Princípios do Direito Internacional
AULA 03 3. Fontes do Direito Internacional Público
3.1. De�nição
3.2. Tipos de fonte: materiais e formais
3.3. Art. 38 do Estatuto da CIJ e Art. 21 do Estatuto de Roma
3.3.1. Convenções Internacionais
3.3.2. Costumes
3.3.3. Princípios gerais de Direito
3.3.4. Tratados Internacionais
AULA 04 4. Fontes primárias e os meios auxiliares do Direito e novas fontes do Direito
Internacional
4.1. Meios auxiliares
4.2. Equidade
4.3. Analogia
4.4. Atos unilaterais
4.5. Decisões dos Organismos internacionais
4.6. Obrigações erga omnes
4.7. Jus Cogens
4.8. Soft Law
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YM
Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
AULA 01
1. Sociedade internacional, o papel do Direito Internacional e a relação entre o Direito Internacional
Público e o Direito interno
1.1. A sociedade internacional e o sistema normativo internacional
As relações internacionais são de�nidas pela existência de Estados: comunidades políticas independentes,
com governo próprio e a�rmação de soberania sobre um território e um grupo de pessoas.
Estado – 1º sujeito de DIP.
Em outros momentos, a dita sociedade internacional era composta por cidades-Estado, como na Grécia
Antiga, ou pelas monarquias helenísticas após o �m do Império de Alexandre, o Grande (BULL, 2002, p. 22). No
momento atual, os Estados têm a primazia como modelo de organização política.
Um sistema de Estados (ou sistema internacional) se forma quando dois ou mais Estados têm su�ciente
contato entre si, com su�ciente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até
certo ponto, como parte de um todo.
A medida que determinará a efetiva existência de um sistema é, portanto, a intensidade da interação entre os
Estados, não necessariamente a sua qualidade. Essa interação pode, inclusive, ser direta ou indireta, assumir a forma
de con�ito ou de cooperação, abranger uma ampla gama de atividades (políticas, econômicas, culturais, sociais etc.)
ou apenas uma delas. Basta que haja interação.
A existência de uma sociedade internacional ou de uma sociedade de Estados pressupõe características
adicionais que não estarão presentes, necessariamente, em todos os sistemas internacionais. De acordo com Bull
(2002, p. 19), “existe uma ‘sociedade de estados’ quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e
interesses comuns, formam uma sociedade no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um
conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns”. Atribui papel central, portanto, ao Direito
Internacional como manifestação dos esforços de cooperação e regulação nas interações entre os Estados.
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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
O sistema normativo internacional se consubstancia por uma ampla rede de normas e princípios jurídicos
que desempenham um papel na realização dos diversos objetivos compartilhados da sociedade internacional. Entre
esses objetivos, destacam-se a preservação do próprio sistema e da sociedade de Estados, a manutenção da
independência dos Estados individuais, a manutenção da paz e a limitação da violência (BULL, 2002, p. 23-26).
1.2. Conceito, objeto e fundamento do Direito Internacional Público
O Direito Internacional Público pode ser conceituado, de acordo com Valério Mazzuoli (2010, p. 55), da
seguinte forma:
(...) CONJUNTO DE PRINCÍPIOS E REGRAS JURÍDICAS (COSTUMEIRAS E
CONVENCIONAIS) QUE DISCIPLINAM E REGEM A ATUAÇÃO E A CONDUÇÃO DA
SOCIEDADE INTERNACIONAL (FORMADA PELOS ESTADOS, PELAS ORGANIZAÇÕES
INTERNACIONAIS INTERGOVERNAMENTAIS E, TAMBÉM, PELOS INDIVÍDUOS),
VISANDO ALCANÇAR AS METAS COMUNS DA HUMANIDADE E, EM ÚLTIMA
ANÁLISE, A PAZ, A SEGURANÇA E A ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS.”
Esse é um conceito que abarca os sujeitos intervenientes, as matérias reguladas e as fontes normativas
consideradas, não se restringindo a um ou a outro critério.
É importante distinguir o Direito Interno do Direito Internacional:
- DIREITO INTERNACIONAL: Refere-se ao conjunto de normas jurídicas não pertencentes a uma
ordem interna, regulando e regendo as relações entre os Estados e o complexo das atividades envolvendo
organizações internacionais e indivíduos.
- DIREITO INTERNO: Consubstancia-se no conjunto de normas em vigor em dado Estado.
As Constituições estatais (normas de Direito Interno) preveem regras para a aplicação interna do Direito
internacional.
Ao longo do último século, principalmente, notou-se uma progressiva expansão do âmbito de alcance do
Direito Internacional. O seu objeto se expandiu, portanto, para incluir questões e temáticas não originalmente
afetas à sua abrangência. Deixou de tratar apenas de questões de guerra e paz e comércio, passando a adentrar arenas
como meio ambiente, direitos humanos, saúde, meios de comunicação e transporte, questões monetárias e
�nanceiras, terrorismo, crime organizado, entre tantas outras. Conforme as relações internacionais se tornaram mais
complexas (tanto em termos temáticos, quanto em relação aos atores envolvidos), também mais diversas se
tornaram as normas de Direito Internacional. Isso, naturalmente, se deu em um processo de tensão com aquilo que
era entendido como uma esfera exclusivamente doméstica de atuação e competência do Estado.
Determinar o fundamento do Direito Internacional Público equivale a identi�car os motivos que justi�cam e
dão causa à sua legitimidade e obrigatoriedade. É um esforço que pretende identi�car quais as origens, os fatores
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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
(fatos, valores) de onde emanam a imposição de respeito de suas normas e seus princípios. Basicamente,
questiona-se por que o Direito Internacional Público se impõe aos Estados, entidades soberanas.
Diversas doutrinas oferecem respostas divergentes para este conjunto de questões fundamentais. Vejamos:
- DOUTRINA VOLUNTARISTA: Atribui a obrigatoriedade do Direito Internacional Público ao
consentimento, à vontade comum dos Estados, expressa tácita ou explicitamente. O fundamento do Direito
Internacional Público seria, essencialmente, o consentimento. Povos, ao realizar o princípio da autodeterminação,
que se organiza sob a forma de Estados e ingressam em uma comunidade internacional sem estrutura centralizada,
subordinam-se apenas ao Direito que livremente reconheceram ou construíram.
- DOUTRINA OBJETIVISTA: Prevê a existência de princípios e normas superiores aos do ordenamento
jurídico, os quais teriam prevalência sobre as vontades e os interesses dos Estados. Atribui, principalmente, ao
direito natural as raízes da obrigatoriedade de normas que poderiam ser extraídas, a partir da razão humana, do que
é observado como a ordem natural (e moral).
- DOUTRINA OBJETIVISTA TEMPERADA: Reconhece que o Direito Internacional se baseia em
princípios jurídicos alçados a um patamar superior ao da vontade dos Estados, mas sem que esta seja deixada
completamente de lado.
O consentimento não é necessariamente criativo (como quando se trata de estabelecer uma norma sobre a
exata extensão do mar territorial, ou de especi�car o aspecto �scal dos privilégios diplomáticos). Ele pode ser
perceptivo, qual se dá quando os estados consentem em torno de normas que �uem inevitavelmente da pura razão
humana, ou que se apoiam, em maiorou menor medida, num imperativo ético, parecendo imunes à prerrogativa
estatal da manipulação.
Uma regra objetiva fundamental, fundada no consentimento perceptivo, que justi�ca a existência e a validade
do Direito Internacional é a pacta sunt servanda, que impõe aos Estados o dever de cumprir com as obrigações
aceitas livremente no exercício de sua soberania. Teria como razão de ser a sua própria indispensabilidade para a
conservação da sociedade internacional e, como �nalidade, a proteção do bem comum pela promoção da harmonia
e das boas relações entre os povos.
Essa regra foi, inclusive, posteriormente positivada na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados1. Prevê
o art. 26 que “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”.
1.3. Origem e evolução histórica do Direito Internacional Público
Um ponto de esclarecimento necessário e anterior à discussão sobre a história do Direito Internacional é
sobre o condicionamento da sua existência à presença de Estados. É importante reconhecer que manifestações do
Direito Internacional – entendido como um “direito intersocial” ou “intergrupal” – já se faziam presentes antes
mesmo dos Estados Modernos surgirem na Europa Ocidental a partir do século XVI. E essas manifestações
oferecem indícios de práticas e costumes que ganhariam força e expressão propriamente jurídica com o surgimento
desses Estados.
1 A Convenção de Viena foi incorporada ao nosso sistema jurídico por meio do Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro
de 2009.
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Mesmo entre os impérios da Antiguidade – Egito, Babilônia, Assíria, Pérsia – já era possível identi�car a
presença de alguns institutos que seriam reconhecidos posteriormente como partes integrantes e fundamentais do
Direito Internacional. Apesar de a guerra e a violência representarem condições permanentes que desa�avam o
estabelecimento de relações pací�cas (e reguladas), criavam também condições para que determinados instrumentos
fossem instituídos. Compromissos “internacionais” eram �rmados por meio do mecanismo de tratados, lidando
com questões como alianças ofensivas e defensivas, delimitações territoriais e acordos de paz. Acordos comerciais
também eram comuns.
Esses tratados se fundamentavam, em alguma medida, na base da igualdade entre as partes. A regra da pacta
sunt servanda – a obrigatoriedade de se cumprir o acordado – era acompanhada (e reforçada) por juramentos
religiosos. Também nesse período já era possível identi�car uma rede de relações diplomáticas compostas por
enviados dos reis e imperadores, os quais gozavam de determinados privilégios e prerrogativas.
Na Grécia Antiga, as relações “internacionais” davam-se com base em outra unidade constitutiva: as
cidades-Estado. Além dos tratados comerciais e aqueles em volta da guerra e do con�ito – alianças militares e
tratados de paz –, nota-se o surgimento dos primeiros indícios de um direito de guerra baseado em condições
humanitárias. A arbitragem emerge com uma importante inovação, sendo colocada em prática de modo recorrente
para (tentar) dirimir con�itos. Mesmo no âmbito de “organizações internacionais”, alguns indícios são relevantes,
como as an�ctionias, agrupamentos de cidades para administrar templos religiosos, e as symmachias, organizações
de defesa coletiva.
Já no Império Romano, vale mencionar o surgimento do jus gentium ou Direito das gentes, que se aplica às
relações entre romanos e não romanos. Ainda que essencialmente privado, já inaugura a compreensão de um
Direito comum da humanidade, aplicável a todos e baseado em princípios da razão universal.
No contexto da Idade Média, a confusão e a insegurança dos con�itos internos predominaram por grande
parte do continente europeu. As relações de suserania e vassalagem impõem uma lógica de subordinação e não de
coordenação, como o Direito Internacional pressupõe. Há, ainda, a �gura do papa, com sua pretensão de domínio
universal sobre todos os monarcas e nobres. Movimentos importantes no �nal da Idade Média, a partir do século
XV, contribuem para transformar esse cenário:
- As grandes navegações2;
- O início do processo de colonização3; e
- A reforma protestante4.
O direito da guerra e o direito da paz, assim como o conceito de guerra justa e o próprio direito do mar, foram
imprescindíveis para oferecer orientações e, principalmente, uma justi�cativa para as guerras de conquista nas
Américas e no restante do Novo Mundo. Pensadores que se debruçaram sobre essas questões, como Francisco de
4
https://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/reforma-protestante.htm#:~:text=as%2095%20teses.-,Reforma%
20Protestante%20%C3%A9%20o%20nome%20dado%20ao%20movimento%20reformista%20que,teol%C3%B3gicas
%20defendidas%20pela%20Igreja%20Cat%C3%B3lica.
3
https://www.stoodi.com.br/blog/historia/colonizacao-do-brasil/#:~:text=O%20in%C3%ADcio%20da%20coloniza%C3%
A7%C3%A3o%20no,engenho%20para%20produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20a%C3%A7%C3%BAcar.
2 https://www.historiadomundo.com.br/artigos/as-grandes-navegacoes.htm
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Vitória, Hugo Grócio e Suárez, são responsáveis por estabelecer as bases do Direito Internacional como o
conhecemos hoje. Também se fortalecem as relações comerciais (e as regras em cima das quais essas se assentam),
especialmente entre as cidades mercantis do norte da Europa, que formam as ligas, e aquelas desenvolvidas pelos
mercadores italianos com regiões distantes como a China e a Índia.
Com a Reforma Protestante, o questionamento da autoridade papal abre espaço para que os monarcas
centralizem o poder e passem a exercer a plenitude das funções estatais sobre um território claramente constituído.
Os Tratados de Vestfália (1648), que colocam �m à Guerra dos Trinta Anos, representam um marco para a nova
ordem interestatal europeia. Reconhecem, a�nal, a soberania e a igualdade entre os Estados que estavam em
processo de formação.
Nos séculos que se seguem, nota-se, na Europa Ocidental, um processo de concentração dos poderes nas
mãos dos monarcas, que se tornam soberanos absolutos. Os processos de formação e uni�cação dos Estados
naquela região se estendem até o �nal do século XIX, com a uni�cação da Itália e da Alemanha. A Primeira e a
Segunda Guerras Mundiais tiveram impacto profundo sobre o desenvolvimento do Direito Internacional Público,
impulsionando os Direitos Humanos e a construção de um sistema de segurança coletiva destinado a prevenir
novos con�itos globais.
Com os séculos XIX e XX, ganham importância as organizações internacionais, entendidas como sujeitos de
Direito Internacional independentes dos Estados que as compõem. A Organização das Nações Unidas é o maior
símbolo desse processo. Processos de integração regional são empreendidos, principalmente a partir da segunda
metade do século XX, e a União Europeia representa o processo mais ousado de integração política, econômica e
social. Também os indivíduos ascendem como sujeitos titulares de direitos e deveres perante o Direito
Internacional.
1.4. Relações internacionais, soberania e autodeterminação dos Estados
As relações internacionais – e o próprio sistema internacional – são marcados pela horizontalidade, já que
deles participam mais de 190 Estados independentes e teoricamente iguais, sem reconhecer nenhuma autoridade
superior à sua.
Enquanto nos sistemas domésticos a estrutura jurídica é hierárquica, no plano internacional são os próprios
Estados que criam as regras que deverão (ou não) obedecer, a�nal, são todos dotados de soberania.
Existem diversas correntes teóricas com explicações próprias e conceitos-chave para as relações internacionais:
realismo, liberalismo, marxismo, construtivismo, feminismo, pós-modernismo, pós-colonialismo, entre outras. Vem
da perspectiva realista o conceito de anarquia, central para a de�nição das relações internacionais. Nessa perspectiva,
anarquia não se refere propriamente ao caos, mas à ausênciade uma autoridade suprema, legítima e indiscutível que
possa ditar as regras, interpretá-las, implementá-las e castigar quem não as obedece”.
Nas relações internacionais, coexistem múltiplos soberanos que não podem abrir mão do uso legítimo da
força em favor de um terceiro. O chamado monopólio do uso da força, que existe no sistema doméstico, nem se
vislumbra no cenário internacional. De fato, é a multiplicidade de unidades – Estados – com possibilidade (e
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disponibilidade) de usar da força para resolver controvérsias e con�itos que gera a necessidade de regras mínimas de
convívio.
O objetivo inicial do Direito Internacional é, a�nal, evitar a guerra.
Vejamos dois tipos de soberania, cientes de que ambos existem no plano normativo e no plano factual:
- Soberania interna: Corresponde à supremacia que os Estados têm em relação ao seu território e à sua
população.
- Soberania externa: Diz respeito à independência em relação a autoridades externas.
O princípio da autodeterminação dos povos remonta, em seu entendimento político e histórico, ao século
XIX, mas ganha força e relevância jurídica principalmente a partir do �m da Primeira Guerra Mundial. Perpassam,
naquele momento, os 14 Pontos de Wilson, apresentados pelo então presidente norte-americano, Woodrow
Wilson, como as bases para um sistema de paz duradouro. Apesar de não ser incorporado diretamente na Carta da
Liga das Nações, ele foi empregado para abordar uma série de questões relativas a minorias que haviam surgido com
o desmantelamento dos impérios multiétnicos do século XIX – o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano.
Na Carta da ONU (1945(Promulgada no Brasil. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945 )), o princípio
da autodeterminação dos povos é, �nalmente, reconhecido explicitamente:
“Art. 1º. Os propósitos das nações unidas são: 2. desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no
respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas
apropriadas ao fortalecimento da paz universal.”
Naquele momento histórico, contudo, o princípio representava mais uma sinalização de intenções e não
autorizava, propriamente, que minorias ou grupos étnicos se separassem de um Estado soberano ou que povos
coloniais buscassem a independência. Havia, de modo geral, uma disputa sobre a interpretação desse dispositivo e
seu alcance, opondo países ocidentais que ainda detinham colônias e países latino-americanos, africanos e asiáticos,
principalmente, que já haviam obtido sua independência, aos quais se somavam os países socialistas.
A evolução do entendimento daquilo que seria visto como princípio da autodeterminação dos povos pode
ser rastreada nas resoluções da Assembleia Geral da ONU (AGNU) – fórum no qual as principais discussões sobre
o tema foram realizadas. Entre elas, destaca-se a Resolução 1514, de 1960, intitulada Declaração sobre a concessão
da independência aos Países e Povos coloniais, por meio da qual se reiterou o direito à autodeterminação e se
proclamou a necessidade de pôr �m ao colonialismo.
O princípio da autodeterminação dos povos desdobra-se em dois aspectos:
- ASPECTO EXTERNO: Refere-se à independência em relação ao domínio de Estados ou autoridades não
legitimamente reconhecidos como representativos daquele povo.
- ASPECTO INTERNO: Diz respeito ao direito de um povo de determinar seu próprio regime econômico e
político.
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Como resultado do fortalecimento deste princípio, entende-se que houve, também, uma �exibilização dos
requisitos para o reconhecimento de Estados. Existem diversos requisitos formais para o reconhecimento de um
novo Estado, o qual deve possuir:
1. Território bem de�nido;
2. População permanente; e
3. Governo ou capacidade de exercício efetivo de autoridade sob aquela população naquele território.
Na prática, diversos Estados foram reconhecidos por representarem a culminação de esforços para garantir a
independência de certos povos, ainda que fosse limitado o controle efetivo da autoridade política emergente sobre
aquele território. Nesse sentido, a Declaração 1514 da AGNU explicita que “a falta de preparação no domínio
político, social ou educativo não deve jamais servir de pretexto para atrasar a independência”.
- DUALISMO: Em resumo, a teoria dualista propõe que o Direito Interno e o Direito Internacional são
sistemas jurídicos distintos que, apesar de algum contato, não se sobrepõem jamais. Como regulam relações
diferentes, é impossível que haja con�ito entre suas fontes.
De acordo com Carl Triepel, um dos principais expoentes do dualismo, a distinção principal entre o Direito
Interno e o Direito Internacional Público refere-se às relações sociais que eles regem. Vejamos:
Direito Interno: É aquele estabelecido dentro de uma comunidade política nacional – incluindo Direito
estatal positivo, Direito costumeiro e Direito privado.
Direito Internacional: Regula as relações entre os Estados, e apenas entre os Estados iguais.
As relações entre os Estados e suas subdivisões políticas não estariam incluídas. Tampouco as relações com os
indivíduos, que não estariam sujeitos ao Direito Internacional. É, portanto, pela razão de que regula diferentes
relações (apenas entre os Estados), que o Direito Internacional é diferente do Direito Interno.
As fontes do Direito Internacional não poderão jamais substituir as do Direito Interno, que devem agir por
elas próprias. Um tratado internacional não é meio de criação do Direito Interno; no máximo constitui convite para
que os legisladores domésticos criem seu Direito, como um ato particular de vontade do Estado.
Não se pode dizer, por exemplo, que a publicação do texto de um tratado gera obrigações para os sujeitos do
Direito Doméstico – pode ser, no máximo, que a publicação constitua forma de manifestação da vontade estatal e,
assim, gere essas obrigações.
Uma fonte de Direito Internacional não poderá, jamais, criar regras de Direito Interno, da mesma forma que
uma regra de Direito Interno não poderá criar Direito Internacional.
As comunicações entre as duas ordens só poderiam se realizar por meio de processos próprios a cada ordem
jurídica e pela transformação da norma internacional em norma interna, ou vice-versa. Ou seja, um tratado não
seria recebido pelo ordenamento interno, a não ser que passasse pelo processo de introdução formal que, ao seu �m,
o “transformaria” em norma interna.
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Yasmim Martins de Magalhães - Direito Internacional Público e Privado - 2022.2
Ao ser parte de um tratado, o Estado se obriga perante as outras pessoas jurídicas estrangeiras, sem que isso
in�uencie seu ordenamento jurídico interno. Para que se fale em recepção, é necessário que a regra estatal
corresponda, de forma exata, ao conteúdo da norma internacional – qualquer modi�cação impossibilita essa
referência. Quando um Estado, para cumprir com obrigações internacionais, cria determinadas normas destinadas
aos indivíduos, claramente não está reproduzindo �elmente a norma internacional.
A fonte do Direito Interno pode ser obrigada ou autorizada pelo Direito Internacional a criar (ou não) o
direito. É a imposição de um dever internacional ao Estado. Para concretizar essa tarefa, o Direito Internacional
precisa recorrer ao Direito Interno – a�nal, só assim poderá realizar aquela obrigação na vida interna do Estado. Em
um cenário de dualismo puro, o processo de produção da norma de Direito Interno, ainda que prevista ou
autorizada pelo Direito Internacional, começará do zero, assim como a produção de qualquer outra norma fora da
in�uência do Direito Internacional. Trata-se de um processo legislativo completamente independente.
Na prática, para o dualismo puro, o que se exige para a efetiva recepção da norma de Direito Internacional no
plano doméstico – entendida como uma norma separada, diferente e independente – é o seguinte processo:A norma internacional (ex.: um tratado), para que vincule o Estado no plano internacional, deve passar pelo
processo de rati�cação que, na maioria dos casos, exige uma manifestação positiva do Congresso Nacional, anterior
ao depósito do instrumento de rati�cação.
Um novo processo legislativo se desencadeia para que a norma doméstica, com as devidas adaptações, seja
discutida, deliberada e aprovada pelo Congresso (e pelo chefe do poder Executivo) e entre em vigor no plano
doméstico.
O dualismo moderado reconhece a necessidade de um ato formal de internalização, mas não,
necessariamente, a “repetição” dos processos legislativos. Assim, no plano doméstico brasileiro, que adota esta
corrente, exige-se a promulgação interna do tratado, por meio de um decreto presidencial executivo, que deve ser
publicado ao �nal do processo de rati�cação, para que aquela norma internacional adquira vigência plena no
ordenamento doméstico. Esta promulgação (interna) ocorre em paralelo ao processo externo, em que os
instrumentos de rati�cação são depositados ou trocados, de acordo com a previsão do tratado em especí�co.
- MONISMO: Em resumo, a teoria monista sustenta que o Direito Internacional tem aplicação direta na
ordem jurídica dos Estados, sem depender de qualquer processo de transformação ou incorporação das normas
internacionais. O Direito Internacional e o Direito Interno seriam dois ramos dentro de um mesmo sistema
jurídico.
Hans Kelsen, um dos principais defensores do monismo, postula a unidade do sistema normativo porque
seria impossível reconhecer o caráter obrigatório a dois sistemas jurídicos realmente diferentes (que decorram de
duas fontes diferentes). Efetivamente, opera-se apenas com um sistema de normas – assim, não existiriam con�itos
insolúveis entre normas e obrigações. Todos os con�itos aparentes poderiam ser resolvidos pelos seguintes critérios:
- CRITÉRIO CRONOLÓGICO: Uma lei posterior derroga uma lei anterior.
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- CRITÉRIO HIERÁRQUICO: Quando uma norma não respeitar sua norma superior, formal ou
materialmente, ela será considerada nula.
Existiriam duas formas de relacionamento entre sistemas normativos: a coordenação e a subordinação.
COORDENAÇÃO
+
SUBORDINAÇÃO
Como a coordenação também implica uma subordinação (dos dois sistemas coordenados a um terceiro que
subordina aqueles), é ela que importa na prática. Quando um sistema se subordina ao outro, quer dizer que o
sistema inferior busca seu fundamento de validade em uma norma do superior, sendo sua fonte strictu sensu. Essa
norma fundamental fará parte dos dois sistemas, portanto. O que haveria, ao �nal das contas, não são dois sistemas
subordinados, mas um único sistema, com uma mesma fonte no topo da pirâmide, sendo impossível um con�ito de
normas entre eles (há apenas con�itos aparentes que serão resolvidos de acordo com a aplicação dos critérios já
enunciados).
Kelsen critica o dualismo porque este implicaria uma negação da natureza jurídica do Direito Internacional,
a�nal, seria impossível o reconhecimento mútuo da natureza obrigatória das regras de dois sistemas distintos.
Assim, o Direito Internacional seria apenas uma forma de moral ou uma manifestação do direito natural. Na sua
construção lógica, uma regra não pode ser considerada jurídica se não tiver como fonte de validade outra norma
jurídica.
Kelsen também critica a ideia de que não haveria con�itos porque os Direitos Interno e Internacional se
ocupariam de objetos diferentes. A realidade é que sempre o objeto corresponderá às relações entre indivíduos, com
a determinação de obrigações e direitos. Mesmo as relações entre Estados e entre Estado e indivíduos são, no fundo,
relações entre indivíduos – indivíduos cujas obrigações ou direitos são imputados, por qualquer razão, ao Estado. O
fato de que a conduta pode ou não ser imputada ao Estado não muda em nada a natureza da relação jurídica – são
relações estabelecidas pelo direito entre atos individuais.
As normas de Direito Internacional regulariam, portanto, diretamente as relações jurídicas entre os
indivíduos.
Nesse contexto de aplicação direta, seria inútil e até contraditório estabelecer mecanismos e processos, no
Direito Doméstico, para que as normas internacionais se tornassem aplicáveis. Não haveria, portanto, processo de
recepção formal para que as normas internacionais adentrassem o ordenamento doméstico.
EXEMPLO: Não faria sentido, em um modelo puramente monista, todo o processo doméstico de
rati�cação dos tratados internacionais que envolve, no caso do Brasil, o envio do tratado pelo Presidente da
República ao Congresso Nacional, a tramitação de um projeto de decreto legislativo pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal, a sua promulgação e publicação pelo Presidente do Congresso e, posteriormente, a
promulgação e publicação do decreto executivo pelo Presidente (art. 49, I; 84, VIII da Constituição Federal).
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Importante norma internacional endossa o entendimento monista: o art. 27 da Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados prevê que “uma parte não pode invocar as disposições de seu Direito Interno para justificar o
inadimplemento de um tratado.”
Situações de con�itos são possíveis nesse contexto de um sistema jurídico único comportando normas
internas e internacionais e, para tais con�itos, soluções são oferecidas por três correntes:
1. Internacionalista ou Radical;
2. Moderada; e
3. Nacionalista.
- INTERNACIONALISTA OU RADICAL: Propõe a supremacia do Direito Internacional sobre o Direito
Interno. Nesse contexto, recorrendo à imagem da pirâmide, a própria Constituição estaria sujeita e buscaria sua
legitimidade no Direito Internacional, sendo a norma fundamental pacta sunt servanda o ápice daquela pirâmide
de normas. O Direito Interno, portanto, deriva do Direito Internacional e deverá ceder, em caso de con�ito, em
favor da ordem internacional.
- MODERADA: Equipara hierarquicamente o Direito Interno e o Internacional, sujeitando a resolução dos
con�itos ao critério cronológico (lex posterior derogat priori). Não haveria primazia de uma ordem jurídica sobre a
outra, mas sim concorrência.
- NACIONALISTA: Defende a primazia do Direito Nacional de cada Estado soberano, sendo a adoção dos
preceitos do Direito Internacional uma faculdade discricionária.
(...) Os monistas nacionalistas aceitam a integração do produto externo convencional ao direito interno,
mas sob o ponto de vista do primado da ordem jurídica estatal, valendo tal integração somente na
medida em que o estado reconhece como vinculante em relação a si a obrigação contraída. (mazzuoli,
2010, p. 78)
A Constituição teria primazia e o Direito Internacional só é internamente obrigatório na medida em que e
porque o Direito Interno o reconhece como vinculante.
AULA 02
2.1. Fundamentos e noções preliminares do DIP
A discussão sobre a fundamentação do Direito Internacional Público é um esforço para determinar os fatos
que atribuem a natureza obrigatória, no senso jurídico, às normas e aos princípios do Direito Internacional.
A doutrina voluntarista tem uma base positivista e extrai a obrigatoriedade do Direito Internacional do
consentimento ou da vontade comum dos Estados.
O Direito Internacional Público seria obrigatório porque os Estados, expressa ou tacitamente, assim o
desejam e querem. Como a�rma Mazzuoli, “o seu fundamento encontra suporte na vontade coletiva dos Estados ou no
consentimento mútuo destes, sem qualquer predomínio da vontade individual de qualquer Estado sobre os outros”.
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O voluntarismo se confunde com o estatismo: se o direito se baseia na vontade do Estado, só existem regras
positivas fundadas sobre a sua vontade que são expressa e regularmente formuladas pelos órgãos do Estado que têm
competência para exprimir esta vontade, independentemente dasua constituição. O critério central é a competência
do órgão que elabora o direito e a regularidade do procedimento utilizado para esse �m.
Nota-se uma preocupação muito maior com o seu aspecto formal do que com o material, a�nal, a força
obrigatória do direito advém da sua origem e não da conformidade do seu conteúdo. A vontade criadora do direito
é autônoma na medida em que não está subordinada ao seu conteúdo, mas o domina. A autonomia desta vontade é
absoluta (DINH et al., 2003, p. 101).
No plano do Direito Internacional, essa corrente teórica enfrenta o desa�o de explicar se o Estado soberano se
vincula apenas à sua própria vontade. Surgem teorias para explicar este dilema. Vejamos duas delas:
1. Autolimitação do Estado: Teoria de Georg Jellinek, a qual propõe a origem do Direito Internacional na
disposição dos Estados de se autolimitar na relação com outros Estados, fazendo isso em seu próprio interesse
para atender às necessidades da sociedade internacional da qual é membro (por exemplo, impedir con�itos e
promover a cooperação); e
2. Vontade comum: Teoria de Heinrich Triepel, a qual funda o Direito Internacional Público não na
vontade individual dos Estados, mas na vontade comum, resultado da fusão de vontades dos membros da
sociedade internacional.
Há importantes críticas ao voluntarismo. Primeiramente, implica uma ausência de limitação aos poderes do
Estado, visto que só se vinculam por atos voluntários. Tudo seria permitido. É inconcebível – e de fato não é o que
se observa na prática – que entidades, ainda que soberanas, coexistam sem regras jurídicas mínimas que lhes
imponham limites às suas expressões de vontade. A noção de jus cogens, como será visto, é exemplo disso.
Já a doutrina objetivista a�rma o seguinte:
“(...) A obrigatoriedade do direito internacional advém da existência de princípios e normas superiores
aos do ordenamento jurídico estatal, uma vez que a sobrevivência da sociedade internacional depende de
valores superiores que devem ter prevalência sobre as vontades e os interesses domésticos dos Estados.
(MAZZUOLI, 2010, p. 91)”
Buscar a obrigatoriedade do Direito Internacional fora da vontade dos Estados leva a um esforço de análise
que envolve outras disciplinas não jurídicas, como a Sociologia e a História, desembocando, também, no direito
natural. Aqueles que se atêm ao direito natural dão primazia a valores morais, extraídos da ordem natural,
utilizando conceitos mais ou menos vagos, como, por exemplo:
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Conceitos mais vagos: Justiça e ética
Conceitos menos vagos: Obrigação de respeitar os compromissos assumidos e reparar danos injustamente
causados
Os defensores do positivismo sociológico explicam a obrigatoriedade do Direito Internacional em função das
necessidades sociais, a partir das quais surgem normas que se tornam jurídicas pela sua aceitação coletiva, o que
poderia ser transposto para o plano internacional.
2.3. Princípios do Direito Internacional
Os princípios gerais de Direito são reconhecidos como uma das fontes do Direito Internacional Público pelo
próprio Estatuto da Corte Internacional de Justiça que oferece uma lista balizada de fontes em seu artigo 38. A sua
importância repousa na necessidade de se preencher eventuais lacunas que poderiam impedir a resolução de
controvérsias – é a chamada proibição do non liquet (Não está claro).
Toda situação internacional é passível de determinação, enquanto questão de Direito, mesmo que não haja
uma norma obviamente aplicável. Uns a�rmam tratar-se de postulados do direito natural que estariam por trás do
sistema de Direito Internacional e constituiriam o critério de validade das normas positivas.
Outros, principalmente os positivistas, tratam dos princípios como reiterações, subitens do direito
costumeiro e dos tratados, sem trazer, por si, inovações signi�cativas. De modo geral, se reconhece que os “princípios
gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas” são fontes autônomas do Direito Internacional, mas com
alcance limitado, como é reconhecido pela jurisprudência da Corte Internacional de Justiça. Nessa jurisprudência é
possível identi�car alguns princípios já explicitados:
1. O dever de reparação em resposta a um ato contrário ao Direito Internacional;
2. O respeito à coisa julgada;
3. O princípio da preclusão;
4. O respeito aos direitos adquiridos;
5. O princípio da boa-fé.
Fica evidente que esses princípios reconhecidos se originam tanto dos ordenamentos jurídicos internos dos
Estados, quanto do próprio Direito Internacional. O conceito de jus cogens baseia-se na ideia de que existem
valores fundamentais e superiores dentro do sistema normativo internacional, os quais não poderiam ser afastados,
substituídos ou eliminados a partir de manifestações volitivas por parte dos Estados que o compõem.
Encontra-se explicitado no art. 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados:
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“É NULO UM TRATADO QUE, NO MOMENTO DE SUA CONCLUSÃO, CONFLITE COM
UMA NORMA IMPERATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL GERAL. PARA OS FINS DA
PRESENTE CONVENÇÃO, UMA NORMA IMPERATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL
GERAL É UMA NORMA ACEITA E RECONHECIDA PELA COMUNIDADE
INTERNACIONAL DOS ESTADOS COMO UM TODO, COMO NORMA DA QUAL
NENHUMA DERROGAÇÃO É PERMITIDA E QUE SÓ PODE SER MODIFICADA POR
NORMA ULTERIOR DE DIREITO INTERNACIONAL GERAL DA MESMA NATUREZA.”
Também entendida como norma imperativa de Direito Internacional, a norma jus cogens não pode ser
derrogada nem por uma norma positivada, nem por um costume local ou especial. Apenas outra norma jus
cogens teria o condão de modi�cá-la. Exemplos são a proibição do uso ilícito da força, da prática do genocídio, do
trá�co de escravos e da pirataria. Nota-se que constituem normas a partir de valores amplamente compartilhados
pela sociedade, mas que são fruto de uma construção histórica: o trá�co de escravos era, por exemplo, prática
comum e aceita até o século XIX.
A constituição de uma norma desse tipo se dá em dois estágios:
1) A proposição se �rma como uma norma de Direito Internacional geral.
>>>>>
2) Ganha aceitação como uma norma imperativa pelos membros da sociedade internacional.
A aceitação universal é fundamental para que esta norma jurídica alcance o estágio de constituição de uma
norma jus cogens. Nesse processo de formação e constituição de novas normas de jus cogens, a Convenção de Viena
de Direito dos Tratados prevê o que acontecerá com normas anteriores que, porventura, não se coadunem com os
seus preceitos – prevê o art. 64:
“SE SOBREVIER UMA NOVA NORMA IMPERATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL
GERAL, QUALQUER TRATADO EXISTENTE QUE ESTIVER EM CONFLITO COM ESSA
NORMA TORNA-SE NULO E EXTINGUE-SE.”
** Natureza do Direito Internacional segundo Carl Schmitt, Hans Kelsen, Herbert Hart e Ronald Dworkin.
Carl Schmitt localizou o fundamento do Direito Internacional na necessidade de se ordenar o espaço. De
forma geral, o Direito tem uma relação direta com o espaço, determinando como ele é distribuído e como seus
recursos são aproveitados. Não é diferente com todas as ordens internacionais na história.
A origem do Direito Internacional estaria justamente nas divisões territoriais que delimitam o espaço e
diferenciam o interior do exterior, o eu do outro. Durante séculos, até a Primeira Guerra Mundial, uma ordenação
centralizada na Europa Ocidental (que dominava o restante do globo), na soberania absoluta e na premência dos
Estados territoriais havia vigorado. A partir de 1914, esta ordenação teria caído por terra.
No entanto, deu origem à necessidade de novos modelos de organização. A formulação do universalismo
humanista da Liga das Nações seria incapaz de oferecer essa ordenação, pois se encontrava entre os dois extremos:
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não havia constituído um Estado mundial capaz de pôr �m às divisões territoriais,tampouco construiu uma ordem
baseada nos Estados soberanos, já que se mostrava por demais idealista.
Com um realismo particular, Schmitt propôs, assim, uma nova divisão espacial que reconhecesse a
hegemonia de determinadas potências sobre regiões do globo. A doutrina Monroe é um exemplo disso. O Direito
Internacional deveria funcionar para sustentar determinado status quo territorial. Nesse sentido, “a força jurídica da
ordem internacional da modernidade emerge da terra, de uma determinada ordenação que se sente comum e que se
entende ser bom conservar”. O sentimento de pertencimento a um espaço comum – ordenado de uma forma
particular – obriga o Estado, até porque este está convencido da conveniência de se manter aquela ordenação.
Em essência, a �nalidade do Direito Internacional é limitar a guerra – não a eliminar, posto que isso era
considerado impossível.
Ao desenvolver a chamada teoria pura do Direito, Hans Kelsen pretendia despojá-lo de todas as considerações
e elementos externos, como a questão da justiça, da política, da Sociologia e da História. Pretendia, assim, de�nir o
Direito unicamente em função de seus elementos internos, como uma ciência normativa, feita de normas que
determinam padrões de comportamento. Cada norma depende, para sua validade, de uma norma anterior, de
modo que o processo continua até que se alcance a chamada norma fundamental de todo o sistema, que alicerça o
sistema jurídico, dando o caráter jurídico às normas que dela dependem.
No âmbito do Direito Internacional, essa estrutura lógica de validade encontra di�culdades. Kelsen percebe o
Direito Internacional como um ordenamento jurídico primitivo, já que inexistem órgãos fortes com função
legislativa, judicial e executiva. Assim como em uma sociedade no período anterior à constituição do Estado, a
autotutela é a única forma de se fazer garantir os direitos.
No plano lógico da busca por uma norma fundamental, no Direito Internacional, esse esforço recai sobre o
costume como fonte do Direito e, mais especi�camente, sobre a norma costumeira pacta sunt servanda, a qual
prescreve que os compromissos assumidos devem ser cumpridos de boa-fé. Sobre esta norma, todo o restante do
ordenamento jurídico internacional se assentaria.
Herbert Hart retoma o positivismo, mas oferece um quadro mais sociológico. A�nal, ele compreende o
Direito como um sistema de normas baseado na interação entre normas primárias e secundárias:
- NORMAS PRIMÁRIAS: Detalham padrões de conduta.
- NORMAS SECUNDÁRIAS: Oferecem os meios pelos quais esses padrões podem ser identi�cados e
desenvolvidos (e alterados).
As sociedades primitivas possuíam, de acordo com essa lógica, somente normas primárias, o que geraria
incerteza, ine�ciência e estagnação. A so�sticação da sociedade levaria ao desenvolvimento de normas secundárias,
de modo a identi�car a autoridade responsável por ditar as normas de conduta e o processo por meio do qual estas
se adaptariam às circunstâncias da vida, de modo ordeiro e previsível.
O ordenamento jurídico internacional constituiria um exemplo de sociedade primitiva no qual, considerando
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a ausência de um poder legislativo centralizado, de um conjunto de tribunais com jurisdição compulsória e de meios
organizados para a imposição das leis, só existiriam normas primárias. Não haveria, ainda, norma fundamental ou
de reconhecimento que servisse de parâmetro de validade para todas as outras normas. Em conclusão, Hart postula
que as “regras do Direito Internacional não constituem ainda um “sistema”, mas configuram tão-somente um
“conjunto de normas””
Ronald Dworkin não aceita o consentimento autolimitante dos Estados como a base do Direito
Internacional, preferindo um retorno à concepção parcialmente moral da disciplina.
No entendimento de Dworkin, os Estados teriam uma obrigação geral de ampliar sua própria legitimidade
política. Como o Direito Internacional é parte do sistema coercivo que os Estados impõem aos seus cidadãos, esse
dever inclui ampliar a legitimidade da ordem legal internacional.
Isso poderia ser feito por um esforço para minimizar as de�ciências e os riscos que a soberania sem restrições
produz. Mais especi�camente, os Estados devem proteger os Direitos Humanos, garantir a assistência da
comunidade internacional em caso de invasões ou ameaças externas contra a independência de um Estado,
promover a cooperação internacional e promover a participação política das pessoas em seus próprios governos.
O dever de minimizar as imperfeições do sistema estatal baseado na soberania é um princípio estrutural do
Direito Internacional, assim com o princípio da saliência, de acordo com o qual o Estado tem o dever de aderir a
normas consensuais que emerjam, caso elas contribuam com aqueles objetivos acima referidos. A�nal, isso
promoverá a legitimidade da ordem legal internacional.
AULA 03
3. Fontes do Direito Internacional Público
3.1. De�nição
O primeiro passo a ser dado consiste em retomarmos as de�nições de fontes do Direito estabelecidas pelas
lições da dogmática jurídica em seus manuais e cursos de Introdução ao Estudo do Direito. Maria Helena Diniz
(2017) e Dimitri Dimoulis (2011) iniciam suas exposições lembrando a de�nição etimológica da palavra “fonte”,
possível de ser encontrada nos dicionários da língua portuguesa, segundo os quais a fonte decorre do latim fons,
fontis, isto é, de onde a água brota, surge. Alysson Mascaro (2013), por sua vez, explica que a investigação acerca das
fontes do Direito constitui-se um fenômeno da modernidade capitalista, na medida em que o Estado nacional, em
sua institucionalidade formal, passa a deter o monopólio da produção do Direito. Dessa forma, o controle da
juridicidade das normas estaria ligado ao controle das fontes por parte do Estado.
Nesse aspecto, o grande �lósofo e jurista Miguel Reale (2002) de�ne as fontes de Direito como:
“(...) OS PROCESSOS OU MEIOS EM VIRTUDE DOS QUAIS AS REGRAS JURÍDICAS SE
POSITIVAM COM LEGÍTIMA FORÇA OBRIGATÓRIA, ISTO É, COM VIGÊNCIA E
EFICÁCIA NO CONTEXTO DE UMA ESTRUTURA NORMATIVA. O DIREITO RESULTA
DE UM COMPLEXO DE FATORES QUE A FILOSOFIA E A SOCIOLOGIA ESTUDAM, MAS
SE MANIFESTA, COMO ORDENAÇÃO VIGENTE E EFICAZ, ATRAVÉS DE CERTAS
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FORMAS, (...) OU ESTRUTURAS NORMATIVAS, QUE SÃO O PROCESSO LEGISLATIVO, OS
USOS E COSTUMES JURÍDICOS, A ATIVIDADE JURISDICIONAL E O ATO NEGOCIAL.”
Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2018) destaca os problemas e as ambiguidades da temática das fontes, uma vez que
a analogia com a fonte de onde emana, bem como a sua etimologia, conduzem o:
- OLHAR SOCIOLÓGICO: Perspectiva em que se visualizam as normas jurídicas para saber sobre suas
origens nos fenômenos políticos, sociais, históricos, morais, psicológicos etc.
- OLHAR ANALÍTICO: Perspectiva em que se investigam os critérios formais e jurídicos dos processos de
produção e validação das normas jurídicas.
3.2. Tipos de fonte: materiais e formais
Maria Helena Diniz (2017), jurista brasileira, entende que as fontes materiais ou reais apontam: "(...) a
origem do Direito, configurando a sua gênese, daí ser fonte de produção, aludindo a fatores sociológicos, históricos,
políticos etc., que produzem o Direito, condicionam seu desenvolvimento e determinam o conteúdo das normas."
- Fontes materiais: elementos profundos que in�uenciam na produção do Direito – os fatos
históricos, sociais, políticos e econômicos e as fontes formais seriam o re�exo das fontes materiais.
São as normas aceitas e positivadas cuja autoridade é pelos sujeitos de direito internacional, em
especial, pelos Estados.
As fontes formais lhes dão: “(...) forma, fazendo referência aos modos de manifestação das normas jurídicas,
demonstrando quais os meios empregados pelo jurista para conhecer o direito, ao indicar os documentos que revelam o
direito vigente, possibilitando a sua aplicação aos casos concretos.”
- Fontes formais:apresentadas formalmente no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de
Justiça (é o Anexo da Carta da ONU) + Art. 21 do Estatuto de Roma.
Uma segunda classi�cação pode ser encontrada em Dimoulis (2011), segundo o qual podemos dividir as
fontes formais do Direito em escritas e não escritas. As primeiras (fontes escritas) contêm a Lei – em sentido
amplo e estrito –, as decisões dos tribunais, os Tratados Internacionais etc. Como fonte não formal, mas
contribuição escrita para a compreensão do Direito, há a doutrina, a saber: as interpretações e explicações dos
juristas e cientistas do Direito que acabam por colaborar com a melhor aplicação do Direito, embora não
tenham força formal ou coercitiva.
No cotidiano jurídico, o apelo à autoridade da doutrina é comum, mas, dada a sua ausência de coercibilidade,
não podemos a�rmar que ela é uma fonte do Direito. A doutrina não cria Direito, apenas o interpreta.
3.3. Art. 38 do Estatuto da CIJ e Art. 21 do Estatuto de Roma
O Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (Anexo à Carta da ONU)
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(1920 /1945)5
Capítulo II – COMPETÊNCIA DA CORTE
“Artigo 38. 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará:
a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas
pelos Estados litigantes;
b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das
diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
2.A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as
partes com isto concordarem.”
✔ Art. 38 do ECIJ não é taxativa, portanto, outras fontes além das citadas por sua redação são passíveis de
serem admitidas.
✔ Ausência de hierarquia entre as fontes.
❖ Fontes primárias - São aquelas que constituem as fontes de onde emana a normatividade jurídica
internacional. Convenções e tratados internacionais; Costume internacional; Princípios gerais do Direito;
Equidade.
❖ Meios Auxiliares - São um conjunto de métodos e elementos interpretativos autorizados capazes de dar
concretude à compreensão das normas de Direito Internacional Público. Decisões judiciárias; Doutrinas
dos juristas quali�cados.
❖ Novas Fontes - Jus cogens: normas superiores a todas as demais; Decisões dos organismos internacionais;
Atos unilaterais dos Estados; Soft Law.
3.3.1. Convenções Internacionais
3.3.2. Costumes
É diferente de um hábito social na medida em que se torna uma prática reiterada, consistente, persistente e
reconhecida pela sociedade como direito, dando ensejo às sanções de ordem jurídica. Por isso, os costumes jurídicos
surgem de forma espontânea. Como ensina Dimoulis, para que possam adquirir juridicidade, dois elementos são
fundamentais:
1. ELEMENTO OBJETIVO: Os costumes devem ser estruturados em práticas reiteradas, persistentes,
consistentes, longas ou duradouras, demonstrando assim usus ou diuturnitas dentro de uma sociedade.
Quando isto é evidenciado, estamos diante da demonstração do elemento.
5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm
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2. ELEMENTO SUBJETIVO: Os membros da sociedade precisam reconhecer aquele costume como
juridicamente vinculante e necessário, ou seja, como coercitivamente obrigatório (opinio iuris vel
necessitatis). Quando isto é evidenciado – o que é difícil, pois, como auferir o reconhecimento das partes
de que um costume jurídico não é mera convenção social? –, estamos diante da demonstração do
elemento.
3.3.3. Princípios gerais de Direito
O art. 38 do ECIJ estabelece que os princípios gerais do Direito também constituem uma fonte do Direito
Internacional Público. O primeiro ponto a se destacar, segundo Accioly, Silva e Casella (2019) e Mazzuoli (2020), é
a redação do dispositivo que faz uma referência anacrônica e criticável aos princípios gerais do Direito das “nações
civilizadas”. Nesse aspecto, a�rmar a existência de “nações civilizadas” é retomar um horizonte de signi�cado
imperialista e colonizador. Retoma o Sistema de Potências europeu e a sua a�rmação sobre o mundo “não
civilizado”.
Afastada a semântica negativa da expressão, podemos entender que o ECIJ está se referindo aos princípios
gerais do Direito reconhecidos nos mais diversos ordenamentos jurídicos, independentemente do sistema
econômico a que pertencem os Estados, de sua positivação nos tratados ou nos costumes ou do sistema jurídico a
que pertencem – se romano-germânico ou anglo-fônico, por exemplo.
Trata-se dos princípios gerais do Direito reconhecidos histórica, social, normativa e atemporalmente nas
práticas jurídicas, tais como:
1. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
2. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
3. PRINCÍPIO DO DIREITO ADQUIRIDO
4. PRINCÍPIO DO RESPEITO À COISA JULGADA
5. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS
6. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS
7. PACTA SUNT SERVANDA
8. EX INJURIA NON ORITUR, DENTRE OUTROS.
3.3.4. Tratados Internacionais
Os tratados internacionais são os instrumentos mais utilizados na modernidade, desde a formação dos
Estados nacionais até o presente momento, pois a sua multipolaridade expressa a vontade dos Estados e estabelece
normas jurídicas entre eles. A de�nição do tratado é encontrada na Convenção de Viena de 1969, que foi
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 7.030/2008, que traz em seu art. 2, item 1,
alínea a, o seguinte:
'TRATADO' SIGNIFICA UM ACORDO INTERNACIONAL CONCLUÍDO POR ESCRITO
ENTRE ESTADOS E REGIDO PELO DIREITO INTERNACIONAL, QUER CONSTE DE UM
INSTRUMENTO ÚNICO, QUER DE DOIS OU MAIS INSTRUMENTOS CONEXOS,
QUALQUER QUE SEJA SUA DENOMINAÇÃO ESPECÍFICA [...].
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Os tratados internacionais são, por excelência, o instrumento jurídico formal que estabelece a maior
segurança jurídica para os Estados e organismos internacionais que deles fazem parte. Segundo Malcolm Shaw
(2017), os tratados retiram sua força jurídica de um princípio costumeiro do Direito Internacional, qual seja: pacta
sunt servanda, segundo o qual os acordos celebrados pelos Estados soberanos, quando respeitadas as condições de
livre exercício da autonomia de suas vontades, são vinculantes.
Antes de analisarmos os tratados como fontes do Direito Internacional Público, cabe fazer uma análise
explicitando seus principais tipos, suas condições de existência e sua validade.
A Convenção de Viena de 1969 regula as possibilidades de nulidade dos tratados nos arts. 42 a 53. Traz
hipóteses envolvendo erro (art. 48), dolo (art. 49), corrupção dos representantes estatais (art. 50), coação ao
representante de um Estado (art. 51), coação a um Estado pela ameaça ou pelo emprego da força (art. 52) e con�ito
com uma norma imperativa de Direito Internacional – jus cogens (art. 52).
** TIPOS DE TRATADOS INTERNACIONAIS
Na perspectiva dos interesses jurídicos envolvidos, os tratados podem ser divididos em duas espécies:
- TRATADOS-LEI: Criam normas gerais a todos os Estados, como, por exemplo, a Convenção de Viena
sobre as Relações Diplomáticas de 1961, a Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963 e a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, conforme explica Mazzuoli (2020).
- TRATADOS-CONTRATOS: De acordo com Accioly, Silva e Casella (2019), dizem respeito apenas às
partes interessadas em versar sobre negócios especí�cos, como, por exemplo, os acordos comerciais do
Mercosul, como o ACE 02, entre Brasil e Uruguai, e o ACE 14, entre Brasil e Argentina.
Quanto às partes signatárias, podemser:
- Bilaterais: Quando, por óbvio, abrangem apenas duas partes.
- Plurilaterais: Quando abrangem mais de duas partes.
- Convenções gerais: Trazem diretrizes gerais a título de normas ou princípios.
- Convenções especí�cas: Detalham as normas e os princípios gerais trazidos pelas convenções gerais.
Por �m, Accioly, Silva e Casella (2019) nos informam que a natureza jurídica dos tratados internacionais leva
à seguinte divisão: (i) tratado de Direito Dispositivo, que representa aquele tratado cujo conteúdo pode ser
derrogado por meio de um tratado posterior; e (ii) tratado de Direito Cogente (jus cogens), que não pode sofrer
derrogação por tratado posterior, exceto por um de mesma natureza – na prática, esse segundo tratado possui mais
força.
** VALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
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As condições de validade de um tratado internacional, segundo Accioly, Silva e Casella (2019), são
semelhantes às de um negócio jurídico:
1. CAPACIDADE DAS PARTES: As partes são os próprios Estados, que possuem capacidade para se
tornarem signatários dos tratados internacionais, conforme o art. 6 da Convenção de Viena.
2. AGENTES HABILITADOS: As partes passam a ser consideradas agentes habilitados a partir do
momento em que apresentam um documento em que constam os plenos poderes para representação dos
Estados Partes.
3. CONSENTIMENTO ENTRE AS PARTES: O consentimento entre as partes também é condição
essencial para a realização do tratado. Torna-se mais fácil obter um consentimento quando se trata de um
tratado bilateral. Um tratado multilateral requer a concordância de, pelo menos, 2/3 dos Estados votantes
presentes na sessão de aprovação dele, salvo a opção de adoção de outra forma de votação. Segundo a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, existem várias formas de demonstrar o consentimento, a
exemplo da própria assinatura do tratado.
4. OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL: O objeto de um tratado internacional não pode se revelar como
impossível de ser realizado, bem como não pode se revelar ilegal ou violador dos aspectos morais e
costumeiros do Direito Internacional, pontuam Accioly, Silva e Casella (2019). Todas com previsão na
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, �rmada em 1969.
** REGRA DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
A Convenção de Viena de 1969 estabelece a forma pela qual eles podem ser construídos, e os ordenamentos
jurídicos nacionais estabelecem a maneira pela qual eles são introduzidos nas suas respectivas hierarquias de normas.
A relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados é organizada pelas disposições
constitucionais dos Estados acerca do tema.
De acordo com Valério Mazzuoli (2020), existem pelo menos três formas de regulamentar a incorporação dos
tratados internacionais no âmbito do Direito Interno dos Estados:
Cláusula de adoção sem primazia
do Direito Internacional Público
Cláusula de adoção com primazia
do Direito Internacional Público
Ausência de regulamentação
Adotam o Direito Internacional,
mas não fazem referência à
hierarquia das suas normas em
relação ao Direito Interno.
Adotam o Direito Internacional
Público e dão primazia às suas
normas em detrimento do Direito
Interno.
Sem regulamentação expressa
Constituições não escritas
Constituições omissas
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Constituição Portuguesa de 1976.
Constituição Espanhola de 1978.
Lei Fundamental da República
Federativa Alemã
Constituição Inglesa (não escrita)
Constituição Suíça de 1874
(omissa)
Em nossa República Federativa, na forma do nosso Direito Constitucional vigente, estamos classi�cados no
grupo de Constituições omissas, mas possuímos uma exceção, que é a incorporação dos tratados internacionais de
Direitos Humanos. Dessa forma, o processo de incorporação de tratados passa pela negociação, assinatura,
aprovação do Congresso Nacional (art. 49, I, da CF/88), rati�cação do presidente da República,
promulgação e publicação.
Impera no Brasil a teoria da junção das vontades, segundo a qual um tratado internacional, para ser
incorporado, demanda a participação dos Poderes Executivo e Legislativo, constituindo, portanto, a incorporação
de tratados internacionais que, conforme determina o STF, é ato subjetivamente complexo.
AULA 04
4. Fontes primárias
São aquelas que constituem as fontes de onde emana a normatividade jurídica internacional. Exemplos:
Convenções e tratados internacionais; Costume internacional; Princípios gerais do Direito; Equidade.
4.1. Meios auxiliares
São um conjunto de métodos e elementos interpretativos autorizados capazes de dar concretude à
compreensão das normas de Direito Internacional Público. Exemplos: Decisões judiciárias; Doutrinas dos juristas
quali�cados.
Sobre o art. 38 do ECIJ, temos duas observações iniciais. A primeira é que ele não pretendeu, em sua
constituição, a�rmar quais seriam as fontes do Direito Internacional Público. Seu objetivo, antes, era apenas
informar quais seriam as fontes por meio das quais a Corte Internacional de Justiça iria julgar os casos trazidos a ela.
A segunda observação é que a lista trazida pelo art. 38 do ECIJ não é taxativa, portanto, outras fontes além das
citadas por sua
redação são passíveis de serem admitidas.
Recordemos, então, a classi�cação entre fontes primárias e meios auxiliares. Da leitura do art. 38 da ECIJ,
podemos perceber que:
FONTES PRIMÁRIAS MEIOS AUXILIARES
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− Convenções e tratados internacionais
− Costume internacional
− Princípios gerais do Direito
− Decisões judiciárias
− Doutrinas dos juristas quali�cados
4.2. Equidade
A equidade aparece no art. 38, 2, do ECIJ, quando a sua redação abre a possibilidade para CIJ “decidir uma
questão ex aeque et bono (Conforme o correto e válido), se as partes com isto concordarem”. A equidade surge quando as
partes decidem, con�ando no julgador, entregar a solução do caso. Isso pode ocorrer porque a regra existente não
atende às suas expectativas de justiça ou porque não existe uma regra disponível sobre o caso.
Diferentemente da analogia, recurso compensatório de integração, no qual inexiste uma norma para decidir,
a equidade pode ser utilizada para o caso de a norma existir, mas não ser considerada justa para as partes em litígio.
Por isso, a equidade se liga à justiça, pois visa dar respostas às pretensões satisfativas das partes.
Podemos, portanto, inferir que a equidade surge quando, diante de um caso:
(i) O sistema jurídico internacional não tenha determinado de forma su�ciente a norma aplicável ao caso;
(ii) Quando a norma aplicável ao caso não é considerada satisfativa pelas partes, portanto, injusta,
demandando do julgador uma nova solução. Por isso, a equidade não é um recurso acessível em primeira
ordem pelas partes – pelo contrário. Em primeiro lugar, ela tem um caráter supletivo, ou seja, surge quando
não há solução explicitamente determinada para o caso. Em segundo lugar, ela não pode ser utilizada
mediante a livre convicção do julgador, mas, de forma explícita, as partes precisam concordar explicitamente
com a sua utilização.
Em razão disso, a redação do art. 38, 2, do ECIJ diz frontalmente “se as partes concordarem”. Ao autorizar a
CIJ a utilizar a equidade, por inferência, segue-se que esta não poderá utilizar o Direito Positivo, formal, par dar
solução ao caso. Não faz sentido demandar a equidade perante a CIJ para que esta decida com base nas normas
positivas vigentes do ordenamento jurídico internacional. Por isso, a equidade abre uma janela de suspensão do
ordenamento, para que um novo caso seja decidido pelas ponderações justas dos magistrados. Por conseguinte,
conforme já visto aqui, a decisão será normativamente vinculante às partes que assim resolverem adotar a equidade,
não se estendendo a casos futuros.
4.3. Analogia
A analogia é um raciocínio no qual as conclusõesdecorrem de premissas que associam como semelhantes
determinadas propriedades dos objetos. Assim, se X é análogo a Y, signi�ca dizer que se X tem a propriedade P1, P2
e Y têm as mesmas propriedades, logo, se X tiver P3, Y também o terá. Dito de outra maneira, se dois objetos têm a
mesma série de predicados, é plausível imaginar, todas as coisas consideradas, que se um deles apresentar um
predicado a mais, o outro terá também.
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No Direito, a analogia também é um recurso da prática judicial que visa encontrar soluções para casos que
não possuem regras ou princípios claros de solução. Ao utilizar este recurso, a autoridade passa a justi�car sua
decisão comparando o caso X em suas mãos com o caso Y anteriormente decidido. De tal modo que demonstra que
podem possuir os mesmos fatos, mesma causa de pedir e mesmos pedidos, sendo, portanto, em muitos aspectos
semelhantes, conduzindo a uma decisão. O raciocínio por analogia está na base da teoria dos precedentes de diversos
ordenamentos jurídicos.
Seria a analogia uma fonte do Direito Internacional Público? A resposta é: NÃO.
A analogia não é uma fonte, mas um instrumento hábil a completar a ausência ou falta de uma norma,
preenchendo, assim, lacunas e operando de forma compensatória e integrativa no ordenamento jurídico.
A doutrina internacionalista observa, segundo Rezek (2018), que a analogia não é um recurso utilizado de
forma nominal pelo sistema jurídico internacional. Em primeiro lugar, por conta da falta de sua remissão no art. 38
do ECIJ. Em segundo lugar, porque, considerando a soberania como elemento fundante da Sociedade
Internacional, não haveria como ter decisões análogas in�uenciando umas às outras.
Por último, a analogia poderia pôr em risco a devida proteção dos Direitos Humanos, de acordo com
Mazzuoli (2020). Francisco Rezek (2018), no entanto, lembra que o raciocínio por analogia foi bastante utilizado
para estabelecer as competências de organismos internacionais, sobretudo diante da temática das prerrogativas
funcionais de seus agentes, a exemplo do Caso Bernadotte.
MÉTODOS DE RACIOCÍNIO JURÍDICO
Analogia Equidade
− Método de compensação integrativa.
− Determina conteúdo jurídico em lacunas e
ambiguidades.
− Caráter supletivo.
− Pode ser realizado pelo julgador.
independentemente do pedido das partes.
− Não previsto no art. 38, CIJ.
− Método de solução inovadora.
− Determina conteúdo em lacunas.
− Opera na ausência de normatividade.
− Dá solução de Justiça a caso cujas regras não
satisfazem às partes.
− Caráter supletivo.
− Exige autorização explícita das
partes.
− Previsto no art. 38, CIJ.
NOVAS FONTES
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Além das fontes primárias informadas pelo art. 38 da ECIJ, temos também as normas imperativas de Direito
Internacional ou jus cogens, os atos unilaterais dos Estados, as decisões das organizações internacionais e as normas
de soft law. Por isso, o rol não é considerado taxativo.
Outro aspecto relevante é a ausência de hierarquia entre as fontes. Embora, como destaca a dogmática
internacionalista, tratados internacionais tendam a ser mais utilizados para a resolução de con�itos, não se pode
a�rmar que estes sempre prevalecerão diante de outras fontes.
Para o internacionalista Valério Mazzuoli, ao art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça faltou uma
redação mais precisa, como a do art. 21 do Estatuto de Roma. Este último constituiu o Tribunal Penal
Internacional, que trouxe uma redação mais quali�cada ao tratar das fontes que se pode aplicar em um caso
concreto.
4.4. Atos unilaterais
Os Estados são os mais signi�cativos sujeitos de Direito Internacional Público. Em muitos dos seus atos, tais
como suas declarações, manifestações e seus comportamentos, são produzidos efeitos jurídicos que trazem impactos
e consequências sobre a Sociedade Internacional. Neste sentido, tais atos são considerados fonte do Direito
Internacional Público, posto que são “expressão de vontade dos sujeitos do Direito das Gentes, tendente a criar efeitos
jurídicos”.
Por isso, a doutrina internacionalista de Mazzuoli (2020) considera que as resoluções unilaterais procedem de forma
semelhante ao princípio geral do Direito pacta sunt servanda, com a diferença que não há um pacto bilateral, mas
um ato unilateral que vincula, que é reconhecido, portanto, um pacta sunt servanda. Se tais atos tiverem vícios em
sua forma e validade no ordenamento jurídico interno, não poderão produzir os devidos efeitos, aponta o autor.
Quanto à forma de exprimir a vontade Quanto aos efeitos jurídicos
Tácitos Expressos Autonormativos Heteronormativos
− Silêncio.
− Não manifestos.
− Silêncio eloquente.
− Advindo do direito
canônico.
− Manifestações formais
dos Estados.
− Orais.
− Escritas.
− Ex.: noti�cação de
recebimento, protesto,
renúncia
ou abstenção.
Impõem obrigações ao
Estado que as
manifestou.
Ex. Caso dos Testes
Nucleares.
Impõem obrigações ao
Estado e a outros Estados.
Ex. Decreto Imperial n.
3.749 de 1866.
4.5. Decisões dos Organismos internacionais
Por decisões dos organismos internacionais, entendemos as resoluções, manifestações de vontade,
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comportamento, declarações etc. que visam produzir efeitos jurídicos no ordenamento e nas Sociedades
Internacionais.
Assim como as resoluções unilaterais dos Estados, as decisões unilaterais dos organismos internacionais não
estão previstas no art. 38 do ECIJ. Mazzuoli (2020) sustenta a hipótese de que a omissão de um dispositivo que
referenciasse tal fonte se dá por conta de razões históricas e cronológicas. Uma vez que o ECIJ foi editado em 1920,
a Sociedade Internacional ainda não tinha experimentado o surgimento da administração pública global vivenciada
no pós-Guerra.
A juridicidade das decisões unilaterais dos organismos internacionais está, primeiramente, revestida de
institucionalidade. Isso porque os organismos internacionais são pessoas jurídicas de Direito Público Externo,
constituídas mediante tratado, no qual os Estados constituintes participam indiretamente. Assim como os atos dos
Estados, devem ser internacionais para que sejam reconhecidas pelo Direito Internacional Público.
POR QUE ESSA DISTINÇÃO? Porque tais organismos também têm atos internos válidos para seus
agentes no interior de sua estrutura. Sendo assim, o que é relevante para o estudo das fontes é que eles sejam atos
internacionais, ou seja, visem produzir efeitos para os demais atores da Sociedade Internacional.
4.6. Obrigações erga omnes
A expressão latina erga omnes signi�ca: 'Que tem efeito sobre todos'.
No âmbito do Direito Internacional Público, obrigações erga omnes são aquelas em que os Estados estão
vinculados independentemente de sua aceitação ou vontade, tampouco são passíveis de objeção. Tais obrigações
atingem universalmente e sem exceções os atores da Sociedade Internacional.
As normas provenientes do Direito Costumeiro Internacional integram as obrigações erga omnes, segundo
Malcolm Shaw (2017). Aqui, restam destacados os efeitos dos costumes sobre o conjunto dos atores internacionais,
independentemente do voluntarismo estatal. Por conseguinte, as obrigações provenientes dos tratados
internacionais não comportam as obrigações erga omnes, uma vez que o consentimento dos Estados, necessário à
constituição do tratado, não pode impactar a vontade de outros Estados, conforme explica Mazzuoli (2020).
Podemos citar o dever de respeitar a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a cooperação, a
proibição do genocídio, a proteção contra redução à condição análoga de escravo, a proibição da tortura, da
discriminação étnico-racional, cultural, de gênero.
As obrigações erga omnes constituem a centralidade normativa internacional que atinge a todos os atores, sem
distinção, para que os elementos básicos de uma convivência justa e harmoniosa possamser mantidos. Podemos,
então, entender que as obrigações erga omnes são formadas pelos costumes internacionais e pelos princípios
fundantes da ordem pública internacional.
4.7. Jus Cogens
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Jus cogens, ou Direito Cogente, refere-se às normas imperativas de Direito Internacional que não são passíveis
de serem revogadas por outras normas, a não ser por outra norma de Direito Cogente. Portanto, são imperativas e
inderrogáveis, possuindo um status hierárquico superior. As normas imperativas de Direito Internacional possuem
um status hierárquico superior às demais normas, não sendo, portanto, sujeitas ao voluntarismo dos Estados
soberanos. A Convenção de Viena de 1969, em seu art. 53, trata das normas de jus cogens, devendo ser consultada.
Como é possível inferir, uma norma de jus cogens deve ser aceita e reconhecida pela comunidade
internacional como um todo. A doutrina internacionalista de Accioly (2019) nos ensina que foi Francisco de
Vitória que trouxe o conceito de jus cogens do Direito Romano para o Direito Internacional, passando sua análise
por diversos outros publicistas. Mazzuoli (2020) explica que a retomada da discussão em torno do Direito Cogente
foi proporcionada em meio à Guerra Fria. O eixo socialista de países emergentes entendeu por argumentar a favor
de que um conjunto de normas costumeiras fundamentais formasse um corpo normativo que não poderia ser
violado na Sociedade Internacional. Com os processos de liberação pós-colonial, tornou-se muito importante
a�rmar a autodeterminação dos povos e as liberdades e garantias fundamentais na forma dos Direitos Humanos.
Analisemos a juridicidade das normas imperativas:
- A primeira característica do jus cogens é que suas determinações são obrigatórias independentemente da
vontade dos Estados. Não é necessário o assentimento destes para que sua força vinculante seja reconhecida
pela comunidade internacional.
- Por consequência, uma vez que sua força vinculante não deriva da vontade dos Estados, uma norma de jus
cogens não pode ser alterada pela vontade destes. Portanto, ela é inderrogável pela vontade estatal. Apenas
uma nova norma de jus cogens pode alterar uma norma anterior. Dada a sua hierarquia superior, as normas
de jus cogens estão no topo da pirâmide normativa internacional.
Podemos entender que as seguintes normas também são jus cogens, a saber:
1. Proibição do genocídio
2. Proibição da escravidão
3. Proibição de agressão
4. Proibição da tortura
5. Proibição de pirataria
6. Proibição na forma das determinações da Carta das Nações Unidas
7. Os princípios do Direito Internacional Humanitário
8. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
9. O Pacto Internacional dos Direitos Civis de 1966
10. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
11. O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)
4.8. Soft Law
São normas de Direito Internacional Público que não possuem caráter vinculante ou coercitivo, mas que
exercem uma força de estímulo ou não sobre o comportamento dos atores internacionais. Na lição de Mazzuoli
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(2020), as normas de soft law carecem de uma juridicidade evidente e inconteste. As causas dessa “plasticidade
jurídica” (soft) podem ser atribuídas ao fato de não ser manifesta a vontade das partes em criar obrigações jurídicas
que vinculem o comportamento dos atores, ao mesmo tempo em que as partes reconhecem o caráter diretivo e
orientador de determinado texto, acordo, pacto etc.
Por isso, Mazzuoli (2020) fala em “zona cinzenta” e “margens de apreciação”. A primeira característica se dá
por falta de manifesta determinação de criação de obrigação jurídica. Já a segunda, por conta das possibilidades de
os atores avaliarem se pretendem ou não cumprir as orientações diretivas. Desta feita, as normas de soft law seriam
maleáveis, plásticas, adaptáveis etc.
Características Sanções
- Norma programática
- Não gera vinculação estrita
- Diretiva
- Sanções baseadas em recomendações
- Sinalizações diplomáticas
- Sinalizações morais/políticas
Por que adotar uma norma de soft law em vez de um tratado?
A doutrina de Varella (2019) nos ajuda a responder ao questionamento. Para o internacionalista, aprovar
acordos não vinculantes (soft law) sobre assuntos que são incertos e que demandam maiores deliberações é mais
adequado e facilitado. Um segundo aspecto reside na estratégia de persuasão e obtenção da aprovação do maior
número de interessados e atingidos. Uma norma de soft law que verse sobre tema polêmico tem mais chances de
introduzir uma matéria jurídica que não seja amplamente consensual do que um tratado com todo seu rigor formal.
Além disso, uma norma de soft law permite que os Estados ajam com maior precaução, mensurando sua
capacidade de atender ou não às exigências por ela determinadas, assim como permite que o Estado possa selecionar
as partes que poderá ou desejará cumprir. Em suma, maior �exibilidade, menor burocracia, maior margem de
apreciação e ponderação e possibilidades mais abrangentes de constituir espaços políticos de debate sobre temas de
interesse global.
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