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TGI MACKENZIE CRISTIANISMO CONTEMPORÂNEO

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE 
 
 
 
 
 
 
 
PABLO RODRIGO FERREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE: INCOERÊNCIAS ENTRE AS 
DOUTRINAS BÍBLICAS E O DISCURSO E A PRÁTICA DO CRISTIANISMO 
CONTEMPORÂNEO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2013 
 
 
PABLO RODRIGO FERREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE: INCOERÊNCIAS ENTRE AS 
DOUTRINAS BÍBLICAS E O DISCURSO E A PRÁTICA DO CRISTIANISMO 
CONTEMPORÂNEO 
 
 
Trabalho de graduação interdisciplinar 
apresentado à Universidade Presbiteriana 
Mackenzie, como requisito parcial para a 
obtenção do título de Bacharel em 
Teologia. 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Christian Brially Tavares de Medeiros 
 
 
 
 
São Paulo 
2013 
 
 
PABLO RODRIGO FERREIRA 
 
 
ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE: INCOERÊNCIAS ENTRE AS 
DOUTRINAS BÍBLICAS E O DISCURSO E A PRÁTICA DO CRISTIANISMO 
CONTEMPORÂNEO 
 
 
Trabalho de graduação interdisciplinar 
apresentado à Universidade Presbiteriana 
Mackenzie, como requisito parcial para a 
obtenção do título de Bacharel em 
Teologia. 
 
 
Aprovado em ___/___/___ 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
___________________________________________________________ 
 
 
 
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____________________________________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Deus, criador e provedor da vida. 
À minha esposa Uiara Live Andrade Ferreira, pelo 
exercício de paciência e dedicação nos tempos dos meus 
estudos. 
À minha pequenina Ana Letícia, por sua alegria 
contagiante e revigorante. 
Aos meus pais Osmar e Olinda, meus primeiros 
investidores em amor. 
 
 
Resumo 
 
 
FERREIRA, Pablo Rodrigo. Espiritualidade independente: incoerências entre 
as doutrinas bíblicas e o discurso e a prática do cristianismo contemporâneo. 
Trabalho de graduação, São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 
2013. 
 
Este estudo apresenta uma breve análise, segundo a doutrina bíblica, sobre a 
espiritualidade cristã contemporânea, intitulada como espiritualidade 
independente. Serão apresentadas as características dessa espiritualidade, 
fazendo uma menção histórica dos seus fundamentos. Feito isso, o trabalho se 
propõe a confrontar a espiritualidade independente, partindo da verificação das 
Escrituras Sagradas que é o fundamento da espiritualidade cristã ortodoxa. Em 
seguida, trata-se da principal doutrina bíblica, a saber, a pessoa de Deus, que 
é o objeto da espiritualidade cristã, de maneira que evidencie-se a 
inconsistência da espiritualidade independente. Por fim, o estudo apresenta a 
pessoa de Jesus Cristo e sua salvação, como revelada na Bíblia, o que 
confirma a incoerência dessa espiritualidade cristã contemporânea com aquilo 
que a tradição cristã, desde a igreja primitiva, procurou defender e viver. Em 
suas considerações finais, o trabalho evoca todos cristãos, especialmente a 
liderança da igreja atual, a refletir sobre o seu papel e a importância de se ater 
as Escrituras para lidar com essa tendência perigosa para a vida da igreja 
cristã. 
 
 
Palavras-chave: Espiritualidade, cristianismo, doutrinas bíblicas, teologia e 
igreja contemporânea. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
 
a.C. Antes de Cristo 
AGEU Livro de Ageu 
APOCALIPSE Livro de Apocalipse 
ATOS Livro de Atos 
cf. Conferir em 
COLOSSENSES Carta aos Colossenses 
DANIEL Livro de Daniel 
DEUTERONÔMIO Livro de Deuteronômio 
EFÉSIOS Carta aos Efésios 
ÊXODO Livro de Êxodo 
FILIPENSES Carta aos Filipenses 
GÁLATAS Carta aos Gálatas 
GÊNESIS Livro de Gênesis 
HABACUQUE Livro de Habacuque 
HEBREUS Carta aos Hebreus 
ISAÍAS Livro de Isaías 
JEREMIAS Livro de Jeremias 
JÓ Livro de Jó 
JOÃO Evangelho de João 
JUDAS Carta de Judas 
LEVÍTICO Livro de Levítico 
LUCAS Evangelho de Lucas 
MALAQUIAS Livro de Malaquias 
MARCOS Evangelho de Marcos 
MATEUS Evangelho de Mateus 
NEEMIAS Livro de Neemias 
NÚMEROS Livro de Números 
OSÉIAS Livro de Oséias 
PROVÉRBIOS Livro de Provérbios 
ROMANOS Carta aos Romanos 
RUTE Livro de Rute 
SALMOS Livro de Salmos 
 
 
TIAGO Carta de Tiago 
TITO Carta a Tito 
ZACARIAS Livro de Zacarias 
1CORÍNTIOS Primeira Carta aos Coríntios 
1JOÃO Primeira Carta de João 
1PEDRO Primeira Carta de Pedro 
1REIS Primeiro Livro dos Reis 
1TESSALONICENSES Primeira Carta aos Tessalonicenses 
1TIMÓTEO Primeira Carta a Timóteo 
2CORÍNTIOS Segunda Carta aos Coríntios 
2PEDRO Segunda Carta de Pedro 
2TESSALONICENSES Segunda Carta aos Tessalonicenses 
2TIMÓTEO Segunda Carta a Timóteo 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9 
1. ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE: ORIGENS E CARACTERÍSTICAS 11 
1.1 Da compreensão lato de espiritualidade a espiritualidade cristã ......... 11 
1.2 Um pano de fundo para a espiritualidade independente ..................... 15 
1.3 Que espiritualidade é essa? ................................................................ 29 
2. A OBJETIVIDADE E AUTORIDADE DAS ESCRITURAS VERSUS A 
ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE ............................................................ 36 
2.1 Consolidando conceitos relevantes ..................................................... 41 
2.1.1 Revelação ..................................................................................... 41 
2.1.2 Inspiração ..................................................................................... 45 
2.1.3 Iluminação .................................................................................... 46 
2.1.4 Cânon ........................................................................................... 48 
2.2 Características das Escrituras ............................................................. 51 
2.2.1 A autoridade das Escrituras .......................................................... 52 
2.2.2 A clareza das Escrituras ............................................................... 54 
2.2.3 A necessidade das Escrituras ...................................................... 55 
2.2.4 A suficiência das Escrituras .......................................................... 56 
3. A PESSOA DE DEUS E A ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE .............. 58 
4. A SALVAÇÃO EM CRISTO E A ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE ..... 71 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 84 
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 86 
 
 
 
 
9 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
O presente estudo, intitulado como: “Espiritualidade independente: 
incoerências entre as doutrinas bíblicas e o discurso e a prática do cristianismo 
contemporâneo”, se propõe a refletir sobre uma tendência cada vez mais 
frequente na igreja cristã brasileira, ou seja, as incoerências entre os ensinos 
das Escrituras Sagradas e o discurso e a prática de uma espiritualidade 
independente adotada por muitos cristãos da atualidade. 
 
A espiritualidade independente entre os cristãos é uma tendência que não 
encontra respaldo bíblico e tem contaminado a igreja de Cristo, à medidaque 
traz para o indivíduo a capacidade que não está nele mesmo, mas no Senhor 
da igreja, Cristo. Nota-se que as sociedades contemporâneas, em sua maioria, 
têm se caracterizado por um individualismo considerável, que vem 
acompanhado da ausência de absolutos, da relativização, da ação pela 
conveniência, da inversão de valores e das mais diversificadas tentativas 
pessoais de solucionar a sua crise existencial. A geração do “eu acho”, das 
tribos urbanas, das redes sociais, dos tablets, dos fones de ouvido, dos 
serviços personal, dos fast-foods, do dinheiro virtual, das organizações não-
hierárquicas e das famílias multifacetadas, tem chegado à igreja e encontrado 
outras gerações que ainda estão aprendendo a se posicionar no que, 
atualmente, conhecemos como pós-modernidade. 
 
Diante disso, um trabalho que trate a respeito da incoerência entre a 
espiritualidade independente crescente entre os cristãos é algo que, por si só 
se reveste de importância, pois conforme visto, tal espiritualidade constitui-se 
como uma ameaça para a vida da igreja e, em última instância, para a vida da 
sociedade, já que um povo distante da verdade é um povo mergulhado nas 
trevas do pecado. Para organizar e dar credibilidade, então, ao estudo, 
procurou-se considerar os princípios bíblico-teológicos, traçados no decorrer do 
pensamento cristão, além de outros princípios modernos e pós-modernos do 
pensamento humano, para enriquecer a pesquisa a respeito da espiritualidade 
independente no meio cristão. O procedimento adotado, do ponto de vista da 
10 
 
técnica de levantamento de dados, caracteriza-se como pesquisa bibliográfica. 
Algumas doutrinas bíblico-cristãs essenciais à teologia cristã serão 
consideradas para confrontarem o que muitos cristãos pensam e como reagem 
a respeito de alguns aspectos cotidianos da vida contemporânea. Portanto, 
para responder algumas questões a respeito dessa espiritualidade 
independente, como: quais seus princípios fundamentais e suas 
características; como as Escrituras Sagradas se opõem a essa conduta; em 
que o conhecimento de Deus evidencia sua incoerência; e o que o conteúdo 
bíblico a respeito da salvação em Cristo apresenta como um despertamento 
para seus adeptos; desenvoloveu-se as unidades desse estudo. 
 
Na primeira unidade do trabalho, pretendeu-se apresentar as características da 
espiritualidade independente, que tem crescido na sociedade contemporânea e 
no meio cristão, mesmo que esta seja permeada por cosmovisões não-bíblicas, 
como o existencialismo, relativismo, hedonismo, naturalismo, marxismo, entre 
outras. Na segunda parte, buscou-se expor a defesa da Bíblia, como Palavra 
de Deus, com seus dois dos principais atributos, a saber, a objetividade e a 
autoridade, diante da espiritualidade independente. Em seguida, trabalhou-se o 
argumento como o Deus da Bíblia, com o seu padrão expresso para a criação, 
não dá qualquer vazão para o desenvolvimento de uma fé independente da sua 
vontade revelada. O último capítulo, enfim, a salvação em Cristo foi 
apresentada com o intuito de ampliar a compreensão da fé salvadora e seus 
desdobramentos, inclusive sobre o pecado, a fim de confrontar a negligência 
da espiritualidade independente. 
 
Os capítulos que se seguem, então, merece a atenção do leitor, a começar 
pela compreensão dessa espiritualidade, aqui, denominada, independente à 
revelação divina. 
 
 
 
 
11 
 
1. ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE: ORIGENS E 
CARACTERÍSTICAS 
 
 
1.1 Da compreensão lato de espiritualidade a 
espiritualidade cristã 
 
A definição do que venha a ser espiritualidade é algo que requer atenção do 
presente estudo, afinal, o termo é definido de maneiras diferentes conforme a 
cosmovisão que se apropria do mesmo. Ainda que a espiritualidade cristã seja 
o fundamento de todo o estudo proposto aqui, considera-se oportuna uma 
breve apresentação do que se compreende a respeito da espiritualidade fora 
dos círculos cristãos para que depois seja possível discorrer brevemente sobre 
a espiritualidade cristã. 
 
O Dicionário Michaelis define a espiritualidade como a qualidade do que é 
espiritual, ou seja, de algo relativo ao espírito, místico, uma propriedade 
antônima ao que é material. Particularmente sobre o último sentido 
apresentado pelo dicionário, Alister McGrath (2008, p. 57), contribui para uma 
melhor compreensão, quando comenta que “o termo “espiritualidade” tem sido 
amplamente utilizado em anos recentes para referir-se à reação contra as 
perspectivas puramente materialistas do mundo”. Portanto, parece que a 
espiritualidade, em linhas gerais, é a relação da porção imaterial do ser 
humano, da alma, do espírito, do caráter, das faculdades intelectuais, enfim, 
daquilo que não se pode ver, nem tocar, mas que anima o ser vivo. 
 
Sob esse prisma, Ricardo Barbosa de Souza (2005, p. 13) amplia o discussão 
sobre o termo, ao considerar que a espiritualidade “tornou-se, na cultura 
moderna, um termo abstrato, vago e presente em quase todos os segmentos 
da vida: da religião à economia, da ecologia ao mundo dos negócios”, produto 
de uma sociedade desiludida com o modelo racional, científico e positivo, que 
pregou a bondade humana. Assumindo o papel de trazer algum sentido para a 
vida, a espiritualidade surge na contemporaneidade como uma reação à 
objetividade e à mentalidade cartesiana da modernidade, enfatizando mais a 
subjetividade e a individualidade. 
12 
 
 
O novo sentido de espiritualidade, portanto, relaciona-se com toda essa 
transformação da cultura ocidental, que leva a busca pela auto-realização e à 
interiorização, contudo Philip Sheldrake (2007, p. 2, tradução nossa) comenta 
que 
no início do novo milênio também há sinais de que a palavra 
''espiritualidade'' expandiu-se para além de uma busca do sentido 
individualista. Aparece cada vez mais nos debates sobre valores 
públicos ou sobre a transformação das estruturas sociais - por 
exemplo, em referência aos cuidados de saúde , educação, e mais 
recentemente ao reencantamento das cidades e da vida urbana. 
 
Sendo assim, não se torna difícil compreender a leitura que essa nova 
percepção de espiritualidade trouxe à religião, que foi o berço da compreensão 
do termo, partindo da ideia do relacionamento de Deus com o ser humano. 
Mesmo que, atualmente, se tente separar a espiritualidade da religião, ou 
melhor, das tradições religiosas, o que se destaca é a releitura da 
espiritualidade, que, até certa medida, não abandona a ideia do sagrado, ainda 
que esse último, também, seja reinterpretado. 
 
A respeito da religião, Roger Bastide1, ao tratar das transformações do sagrado 
dentro da experiência humana, contribui para a discussão com a seguinte 
consideração: “o homem é visto como um “máquina de fazer deuses” que, à 
medida que o sagrado se torna “frio” (froid) nas instituições religiosas (igrejas) 
recria o sagrado “quente” (chaud)” (BASTIDE apud MENDONÇA, 2004, p. 31). 
O que merece atenção no comentário de Bastide é o fato da espiritualidade, na 
contemporaneidade, estar ligada à condição humana de buscar no sagrado – 
isto é, algo que vá além da realidade palpável – a possibilidade de recriar a sua 
experiência, que por sua vez, é sentida e registrada pelo que, em geral, se 
entende como espírito, que é essa parte imaterial do ser humano. 
 
Ainda que o termo religião carregue toda a estrutura da institucionalização, em 
se tratando da espiritualidade – no sentido lato que adquiriu com a 
contemporaneidade – é considerada simplesmente a provisão para a 
necessidade fundamental que todo ser humano tem de se orientar na vida, ou 
seja, as respostas para as questões existenciais“Quem sou eu? De onde 
 
1
 Roger Bastide foi o pioneiro dos estudos sociológicos da religião no Brasil (MENDONÇA, 2004). 
13 
 
venho? Para onde vou?”, levantadas por Jostein Gaarder, Victor Hellern e 
Henry Notaker (2001), como bases para todas as religiões. 
 
Quer faça parte de uma religião tradicionalmente reconhecida, quer opte por 
uma vida alheia às instituições religiosas, a espiritualidade contemporânea é “o 
protesto do espírito humano, que brada esta mensagem: existe uma realidade 
mais profunda que a leitura superficial do racionalismo impessoal” (de SOUZA, 
2005, p. 16). É a escolha individual e subjetiva que o ser humano adota para 
encarar a vida e seus desdobramentos, inclusive, a morte. Enfim, 
espiritualidade, em linhas gerais, 
refere-se aos valores mais profundos e sentidos pelos quais as 
pessoas procuram viver. Em outras palavras [...] implica em algum 
tipo de visão do espírito humano e do que irá ajudá- lo a alcançar 
pleno potencial (SHELDRAKE, 2007, p. 2, tradução nossa). 
 
Até mesmo o uso do termo espiritualidade cristã, que parece ser uma única e 
bem definida entidade, atualmente requer inúmeras considerações quando o 
intuito é a conceituação, já que o cristianismo tornou-se uma religião complexa 
e diversificada. Alistes McGrath (2008), ao discorrer sobre o assunto, considera 
três fatores que produzem tipos de espiritualidade cristã, a saber: questões 
pessoais; as considerações denominacionais; e as atitudes para com o 
mundo, a cultura e a história. Cada um desses fatores são responsáveis pela 
produção de diversas percepções de espiritualidade no meio cristão, que às 
vezes pode convergir em alguns tópicos, contudo, outras vezes, podem ter 
consideráveis discrepâncias. 
 
Mas o sentido de espiritualidade nem sempre foi tão amplo, subjetivo, ou até 
mesmo, tão desgarrado do transcendental, do Deus da Bíblia. Antes de toda 
essa reação ao racionalismo moderno e até mesmo de toda complexidade do 
cristianismo, o termo espiritualidade invariavelmente direcionava a 
compreensão humana para o relacionamento de Deus com o ser humano. Na 
realidade, as origens do termo espiritualidade encontram-se nas Escrituras 
judaico-cristãs, com as palavras hebraica ruah, no Antigo Testamento, e grega 
pneuma, no Novo Testamento, que, na maioria das vezes, entende-se como 
espírito, dando a ideia de sopro da vida procedente de Deus, do impulso ou 
disposição dominante da vida, (DOUGLAS, 2007). 
 
14 
 
Da compreensão da origem do termo, emerge uma característica da 
espiritualidade cristã, de não enfatizar o contraste entre parte material e 
imaterial do ser humano. Na percepção cristã, a espiritualidade considera a 
disposição interior do homem, mas procura não desassociar o seu espírito do 
restante; pelo contrário, busca afirmar a indissociabilidade do homem, como 
um ser criado à imagem e semelhança de Deus, com o “gene” da 
espiritualidade – a capacidade de se relacionar com Deus – impresso em si, 
mesmo que tal vocação, por si mesma, não necessariamente o conduza ao 
relacionamento estipulado pelo próprio Deus. Sobre essa característica, 
Sheldrake (2007, p. 3, tradução nossa) assinala que 
É importante notar que o “espírito” e “espirituais” não são os opostos 
de “físico” ou ''materiais'' (soma do grego, corpus do latim), mas de 
“carne” (sarx do grego, caro do latim) no sentido de tudo contrário ao 
Espírito de Deus. O contraste não é destinado portanto, entre o corpo 
e a alma, mas entre duas atitudes para vida. Uma “pessoa espiritual” 
(ver 1CORÍNTIOS 2.14-15) era simplesmente alguém dentro de quem 
o Espírito de Deus habitava ou que vivia sob a influência do Espírito 
de Deus. 
 
A menção dessa característica para os dias atuais assume uma relevância, 
pois com essa compreensão, a espiritualidade cristã afirma um redentor 
encarnado com a disposição perfeita para Deus e, por causa disso, não 
comunga com a conduta gnóstica e dualista, que abre espaço para uma vida 
leviana e sincrética, sem a percepção e a vivência da graça divina tratada nas 
Escrituras Sagradas. Dessa maneira, a meditação como fuga do corpo, todo o 
tipo de promiscuidade, o poder da mente e tantas outras condutas gnósticas 
não encontram suporte na espiritualidade cristã. 
 
Outra particularidade da espiritualidade cristã refere-se aos seus pressupostos 
bíblicos, ou seja, a noção clara da existência de uma revelação objetiva, que é 
o ponto central da elaboração da teologia, que por sua vez, fornece os 
fundamentos para a experiência humana na devoção a Deus. Isto quer dizer 
que a espiritualidade cristã parte do princípio que Deus, em determinado 
momento da história, forneceu a sua revelação para que a experiência 
espiritual – a relação com o Sagrado – de Israel e, por conseguinte, a da Igreja, 
viesse a existir. Assim sendo, a espiritualidade cristã não atribui distinção entre 
cognição e devoção e, muito menos, assume o divórcio entre a teologia e a 
experiência espiritual, iniciada especialmente com o escolasticismo do fim da 
Idade Média, que 
15 
 
passa a distinguir o conhecimento de Deus, que surgia do amor e da 
relação com o Criador, daquele que era propriamente científico e 
dogmático [e reforçada com a postura racional do] Iluminismo, que 
gerou um novo tipo de teólogo: aquele que nunca orou porque, para 
ser teólogo, bastava dominar as ciências da religião. (de SOUZA, 
2005, p. 17). 
 
Como decorrência dessa integralidade entre teologia e devoção, a 
espiritualidade cristã caracteriza-se, também, por uma fé prática, ou seja, por 
convicções transformadas que transformam atitudes reais. A devoção dessa 
espiritualidade tem fundamentos objetivos que conduzem o indivíduo e/ ou 
comunidade a pensar com uma mente nova e a fazer de maneira nova. 
 
Outro aspecto distintivo da espiritualidade cristã é a percepção ampliada da 
vida, ou seja, por meio da devoção e da teologia bíblica, o ser humano 
transformado pelo sagrado passa a viver com novos valores. A vida deixa de 
ser avaliada apenas por resultados palpáveis e passa a ser vivida sob a 
perspectiva da condução divina e com a expectativa além das circunstâncias. 
Sobre isso, Ricardo de Souza (2005, p. 24) comenta que 
libertar-se da ótica jornalística e pragmática é reconhecer a presença 
de Deus no seu dia-a-dia, experimentar o descanso da alma,provar o 
sossego da confiança de quem aprendeu a crer no cuidado divino, 
perceber o poder de Deus, seja num evento extraordinário ou em 
outro, singelo e discreto. É isso que significa um “ser espiritual”. 
 
Entendido um pouco sobre o assunto, nos tópicos seguintes do capítulo, 
apresentar-se-á as raízes do que venha a ser a espiritualidade independente e 
alguns dos traços dessa espiritualidade que contrastam com a espiritualidade 
cristã, a ser melhor tratada nos próximos capítulos. 
 
1.2 Um pano de fundo para a espiritualidade independente 
 
A primeira década do século XXI passou, já se aproxima a metade da segunda 
e o mundo ainda busca compreender qual é o período em que a história da 
humanidade alcançou, ou seja, sobre qual (is) pensamento(s) as pessoas têm 
se apoiado, como têm percebido o mundo e qual (is) comportamento(s) as 
mesmas vêm produzindo nos mais diversos âmbitos da vida privada e coletiva. 
O certo é que, mesmo sem uma compreensão exaustiva ou, ao menos, 
satisfatória, o mundo vem apresentando mudanças significativas que requerem 
16 
 
maior atenção, especialmente, da parte da igreja, que têm resistido há séculos 
e continua com o seu propósito imutável, refletir a glória de Deus ao mundo. 
 
Sobre essas transformações vivenciadas pela contemporaneidade, StuartHall2 
comenta que alguns teóricos acreditam que as identidades modernas estão 
entrando em colapso, desenvolvendo o seguinte argumento. 
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as 
sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando 
as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e 
nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas 
localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão 
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que 
temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um 
“sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento 
ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração 
dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto 
de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo 
[...] Esses processos de mudanças, tomados em conjunto, 
representam um processo de transformação tão fundamental e 
abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria 
modernidade que está sendo transformada. (2002, pp. 9, 10) 
 
Entre os estudiosos sociais, que acreditam que os absolutos da modernidade 
se fragmentaram nos tempos atuais, o mundo entrou no período da história 
denominado como pós-modernidade. 
O pós-modernismo é caracterizado por sua desilusão fundamental 
com os grandes temas da modernidade [...] é geralmente entendido 
como algo de sensibilidade cultural sem absolutos, certezas fixas ou 
fundamentos, que deleita no pluralismo e divergência, e que objetiva 
pensar profundamente o “estabelecimento” radical de todo o 
pensamento humano. Em cada um desses assuntos, isso pode ser 
visto como uma reação consciente e deliberada contra a totalização 
do Iluminismo [...] há um compromisso pré-existente com o 
relativismo ou pluralismo dentro do pós-modernismo, em relação às 
questões a respeito da verdade” (MCGRATH, 2007, pp. 151-156). 
 
Contudo, outros pensadores, como David Harvey3 (2001), ainda que admitam 
mudanças admiráveis nas práticas culturais e político-econômicas, acreditam 
que tais transformações sejam mais de aparência superficial do que, de fato, a 
inauguração de uma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós-industrial. Para o 
pensador 
há mais continuidade do que diferença entre a ampla história do 
modernismo e o movimento denominado pós-modernismo. Parece-
me mais sensível ver este último [o pós-modernismo] como um tipo 
particular de crise do primeiro [o modernismo] [...] Obcecado pela 
desconstrução e pela deslegitimação de toda espécie de argumento 
 
2
 Stuart Hall é um renomado estudioso social, cultural e político jamaicano, que atua no Reino Unido. 
3
 David Harvey é um geógrafo britânico, com influências marxistas, reconhecido por suas análises das 
crises do modelo capitalista. 
17 
 
que encontra, eles [os pós-modernistas] só podem terminar por 
condenar suas próprias reivindicações de validade [...] (HARVEY, 
2001, pp. 111-112, inclusão nossa). 
 
Ainda que este período da história seja alvo de muitas discussões, quer a 
modernidade tenha sido superada ou apenas remodelada, vale destacar o fato 
da contemporaneidade estar carregada de pensamentos contrários à 
cosmovisão cristã, que vêm reproduzindo uma espiritualidade independente, ou 
seja, uma maneira estranha de se relacionar com Deus, total ou parcialmente 
desconexa à revelação divina: as Escrituras Sagradas. Ao contrário da 
espiritualidade bíblico-cristã, que “refere-se à obra do Espírito Santo na vida de 
todo o crente, da qual, em última instância, derivam suas atitudes interiores e 
ações exteriores” (NIENKIRCHEN, 2001, p. 264) e “o viver o encontro com 
Jesus Cristo [...] ou “praticar a presença de Deus”” (MCGRATH, 2008, p. 21), a 
espiritualidade independente tem mais relação com a carnalidade, com o 
homem tomando as rédeas da busca por um deus de faz de conta. 
 
Antes, porém, de caracterizar o que possa ser a espiritualidade independente, 
como convencionou-se neste estudo, no intuito de ampliar o entendimento das 
raízes desse problema, merece destaque certas considerações sobre alguns 
pensamentos diferentes do teísmo cristão no decorrer da história moderna, 
conforme a seguir. 
 
Depois de Cristo, desde o primeiro século até o século XVI – mesmo com 
algumas variações doutrinárias e com a tentativa de avanço do islamismo, 
especialmente no século VII – o teísmo cristão prevaleceu na história ocidental 
como cosmovisão hegemônica. Contudo, a partir do séc. XVII, com o 
surgimento do movimento cultural-filosófico, denominado, de Iluminismo, que 
tinha suas bases firmadas no racionalismo4 e no empirismo5, surgem 
cosmovisões alternativas, que questionavam a tradição da Igreja Católica 
Romana, mantida por muitos séculos, e a própria autoridade das Escrituras, 
defendida pela Reforma Protestante, do séc. XVI. 
 
4
 Princípio proposto pelo pensador francês René Descartes, no séc. XVII, que atribui à razão humana a 
capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a verdade; já que a mesma é inata, imutável e igual 
em todos os homens, sendo original, em última análise, em Deus (SPROUL, 2002). 
5
 Princípio proposto pelo pensador britânico John Locke, no séc. XVII, que pretende dar uma explicação 
do conhecimento a partir da experiência, eliminando a noção de ideia inata, considerada obscura e 
problemática. Para os empiristas, todo o nosso conhecimento provém de nossa percepção do mundo 
externo, ou do exame da atividade de nossa própria mente (SPROUL, 2002). 
18 
 
 
Para os iluministas a razão – a luz capaz de superar as trevas do pensamento 
medieval – era o único meio de se alcançar o conhecimento, a convivência 
social com equidade, a liberdade e a felicidade. Por ser assim, o Iluminismo foi 
um movimento antropocêntrico, ou seja, o homem deveria tomar o lugar que, 
antes, foi atribuído ao transcendental, ao divino, enfim, a Deus. A ideia de que 
o homem era essencialmente bom e poderia se aperfeiçoar num meio mais 
justo; de que a ciência era o recurso exclusivo para se alcançar a explicação de 
todos os fatos; e a busca pela liberdade política, econômica e religiosa, 
constituiu-se como o pilar central desse movimento, com grandes repercussões 
sobre o pensamento humano, especialmente no ocidente, até os dias atuais. 
 
No intuito de reforçar a compreensão desse movimento histórico, vale 
mencionar as considerações de Francis Schaeffer (2003, p. 76): 
O sonho utópico do Iluminismo pode ser resumido em cinco palavras: 
razão, natureza, felicidade, progresso e liberdade. Seu modo de 
pensar era totalmente secular. Os princípios humanistas que surgiram 
durante a Renascença tornaram-se uma onda avassaladora no 
Iluminismo. Aqui estava o homem partindo absolutamente de si 
mesmo. [...] Para os pensadores do Iluminismo, o homem e a 
sociedade tinham a capacidade de chegar à perfeição. 
 
Em termos de religião, dentro do Iluminismo, merece destaque o deísmo, uma 
espécie de cosmovisão que “desenvolveu-se, alguns dizem, como uma 
tentativa de restaurar a unidade de um caos de discussão teológica e filosófica, 
que no séc. XVII, viu-se atolado em debates intermináveis [...]” (SIRE, 2009, p. 
56). Em geral os deístas acreditavam que Deus abandonou a sua criação para 
funcionar por conta própria, não desenvolvendo um relacionamento pessoal 
com a sua criação e não exercendo a provisão e a soberania sobre os 
assuntos humanos. Na realidade, “o deísmo reduz o número de características 
que Deus revelou. Ele é uma força ou energia transcendente, um primeiro 
acionador ou primeira causa [...] Para o deísta, então, Deus é distante,alheio, 
alienado” (2009, pp. 60-61). O ser humano, dentro dessa perspectiva, mesmo 
sendo inteligente e pessoal, está despido de alguma significância e de algum 
padrão de certo e errado, pois faz parte de um sistema fechado, com 
uniformidade de causa e efeito, semelhante a um relógio, onde tudo o que 
existe é verdade. 
 
19 
 
Apesar de ter exercido considerável influência sobre o mundo intelectual da 
França e da Inglaterra entre o final do séc. XVII e a primeira metade do séc. 
XVIII, e ainda estar presente nas formas populares e entre alguns cientistas 
contemporâneos, por causa das suas muitas inconsistências, o deísmo, como 
cosmovisão prevalecente, logo cedeu lugar para outra cosmovisão, que levou 
algumas de suas implicações mais adiante: o naturalismo. 
 
Para se entender o naturalismo filosófico, faz-se necessário entender um pouco 
sobre o surgimento da ciência moderna. Mesmo que o surgimento da ciência 
moderna não conflite com o que a Bíblia ensina; pelo contrário, surgindo de 
uma cosmovisão cristã, como insistiam o matemático e filósofo Alfred North 
Whitehead (1861-1947) e o cientista J. Robert Oppenheimer (1901-1967) 
(SCHAEFFER, 2003); o desenrolar da Revolução Científica se afastou em 
muito dos pressupostos bíblicos. Com o avanço do método científico a partir da 
Renascença, os cientistas pouco a pouco aperfeiçoaram procedimentos pelos 
quais poderiam obter conhecimento e estudar o universo físico. Muitos 
cientistas pensavam que a natureza era governada por “lei”. Essa concepção 
de lei levou-os a crer que a principal tarefa, como cientistas, era descobrir e 
registrar todas as leis da natureza. Dessa compreensão sobre a lei da natureza 
– princípios estabelecidos a partir da observação dos fenômenos naturais – 
que regem o universo, como um sistema fechado, é que surgiu uma das 
principais correntes de pensamento do século XVIII: o naturalismo filosófico. 
 
Partindo da dificuldade do método científico em descobrir os propósitos das 
coisas, os naturalistas passaram a desconsiderar o teor teleológico6 dos fatos e 
deduziram que os propósitos talvez nunca tivessem existido, a não ser na 
mente das pessoas (MCHARGUE, 2001). 
A moderna ciência moderna deixou de lado a base epistemológica da 
ciência original – a base original de que o mundo foi criado por um 
Deus racional, e de que o homem pode descobrir coisas sobre o 
universo, pelo uso da razão. Quando esta base cristã foi abandonada, 
os cientistas tentaram tornar a filosofia do Positivismo a sua base 
filosófica de conhecimento. O Positivismo foi criado na primeira 
metade do século 19 pelo filósofo francês Auguste Comte (1798-
1857) e Herbert Spencer (1820-1903) desenvolveu-o como a base 
para toda a ciência. Relacionado ao Empirismo de Jonh Locke (1632-
 
6
 Argumento que fundamenta-se na necessidade das cosias terem uma finalidade, ou seja, uma causa 
final, um fim. Dentro desse pensamento, encontra-se a citação de que todo relógio precisa de um 
relojoeiro. 
20 
 
1704), o Positivismo é uma filosofia um tanto ingênua que diz 
basicamente que uma coisa só existe se podemos observá-la. Os 
dados que lhe entram pelos órgãos do sentido são os que nos 
permitem conhecer vem o objeto, de uma forma direta e 
descomplicada. (SCHAEFFER, 2003, p. 139) 
 
Partindo dessas considerações, o conteúdo do naturalismo filosófico, segundo 
James Sire (2009), pode ser resumido, conforme a seguir: 
 A matéria sempre existiu - O universo é, em última instância, algo sem 
qualquer relação com um ser transcendental; não existe ‘deus’, muito 
menos ‘criador’. 
 O universo é um sistema fechado – Ele não está aberto ao 
reordenamento a partir do exterior, do transcendental. 
 Os seres humanos são máquinas complexas – a personalidade surge da 
inter-relação de propriedades químicas físicas ainda não totalmente 
compreendidas, sendo os seres humanos uma parte do universo, onde 
há uma única substância: matéria. De forma alguma, o ser humano 
transcende o universo. 
 A morte é a extinção da personalidade – Homens e mulheres são 
constituídos de matéria e a morte é o processo que desorganiza a 
matéria constituinte em um indivíduo, aniquilando-o. 
 A história é uma corrente linear de eventos ligada por causa e efeito – 
não possui uma proposta abrangente, um alvo predeterminado, sendo a 
história humana paralela à história natural. 
 A ética é estritamente humana – não possui relação alguma com o 
transcendental (que não existe), apenas é fruto de convenções 
estipuladas pelo convívio e levadas adiante. 
 
No que tange a Deus, o naturalismo filosófico reafirma o ateísmo, ou seja, a 
negação da existência do transcendental, do sobrenatural, enfim, de qualquer 
divindade. Por causa das teses naturalistas, a figura de Deus não passa do 
fruto da imaginação humana, que não conseguiu lidar com a sua condição 
efêmera e sem significância. 
Os cientistas dos séculos 17 e 18 continuaram a usar a palavra Deus, 
mas empurraram Deus cada vez mais para algum canto dos seus 
sistemas de pensamento. No final, os cientistas desta corrente de 
pensamento acabaram passando a adotar a ideia de um sistema 
completamente fechado. Com isto, não se deixava espaço algum 
para Deus. Mas também não se deixava espaço para o homem. O 
homem desaparece e passa a ser visto como alguma espécie de 
21 
 
máquina determinista e behaviorista. Tudo é uma parte da maquia 
cósmica, inclusive as pessoas. (SCHAEFFER, 2003, p. 97) 
 
Em decorrência do naturalismo, da exaltação da razão pelo Iluminismo, outros 
pensamentos surgiram, dentre eles, o materialismo, niilismo, existencialismo, 
entre outros, a serem vistos mais adiante. 
 
Antes, porém, de mencionar outras cosmovisões, é oportuna a menção de um 
marco histórico na construção do pensamento humano. Entre o deísmo e o 
naturalismo filosófico, surge um nome notável, apesar das suas crises em lidar 
com a realidade de Deus. Destacado contribuinte para o enfraquecimento do 
deísmo, chegando a levar alguns deístas diretamente ao ateísmo, e, também, 
um questionador da ciência natural quanto ao pronunciamento a respeito de 
Deus, encontra-se Immanuel Kant (1724-1804), um filósofo considerado por 
muitos o divisor de águas da filosofia moderna. Kant refutou com veemência 
um dos principais argumentos deístas: o argumento teleológico, afinal sua 
lógica se pautou na descrença da possibilidade do conhecimento de Deus pela 
experiência humana, ou seja, pela percepção das coisas palpáveis do mundo. 
Para Kant, o que se poderia conhecer estava no âmbito do fenomenal, isto é, o 
mundo que o experimentamos pelos sentidos. Já o objeto numenal, que eram 
as coisas que existiam por si mesmas, independente da percepção humana, 
dentre elas Deus, Kant não acreditava que poderia ser percebido. 
Deus, segundo Kant, nunca pode ser percebido. Ele não faz parte 
dos sentidos múltiplos [...] É importante lembrar que Kant não nega a 
existência de Deus. Ele nega que a existência de Deus possa ser 
provada racionalmente, mas também que a ideia da não existência de 
Deus possa ser provada racionalmente. (SPROUL, 2002, pp. 120-
126.) 
 
O agnosticismo de Kant, ou seja, essa impossibilidade racional de negar ou 
afirmar a existência de Deus é apenas um passo recuado da concepção da 
grande parte dos adeptos do naturalismo em relação a Deus, a saber, a não-
existência do divino, do transcendental. Ainda que pareça que a menção de 
Kant seja um parêntese um tanto quanto desconexo, é relevante perceber que 
a sua construção do fenomenal e numenal contribuíram consideravelmente 
para o melhor entendimento das decorrências do naturalismo filosófico, como o 
materialismodialético ou o materialismo marxista. 
No século dezenove, em larga medida devido ao ceticismo ou 
agnosticismo metafísico de Kant, os filósofos voltaram sua atenção à 
construção de uma filosofia da história. Antes de Kant, os principais 
enfoques da filosofia eram a metafísica e a epistemologia. Depois 
22 
 
dele, passaram a ser a história e a antropologia [...] a ênfase desde 
Kant tem sido claramente na área do fenomenal – o campo deste 
mundo. (p.129) 
 
Ainda que o marxismo seja mais popularmente conhecido como uma ideologia 
política, a proposta do filósofo Karl Marx (1818-1883) está impregnada de 
humanismo secular e de ateísmo. Como afirmam Josh McDowell e Don 
Stewart, o marxismo “é também uma cosmovisão, uma maneira de encarar e 
explicar o mundo. Assim sendo, o marxismo abarca filosofia e religião, embora 
paradoxal e vigorosamente afirme o ateísmo e despreze a filosofia” (1993, p. 
37). O materialismo de Marx é histórico e dialético7, vendo a história humana 
como uma série de lutas dialéticas, em que os fatores econômicos constituem 
os determinantes primários. Nessa perspectiva, o ser humano – entendido 
como matéria – é visto como um agente que trabalha para satisfazer as suas 
necessidades materiais e, por causa da divisão de trabalho, cria-se os conflitos 
entre a classes dominante dos meios de produção e a classe dominada, que 
vende a sua mão-de-obra (SIRE, 2009). No ideal de Marx, as lutas de classes 
serão superadas pela manifestação do proletariado, que forçará o modelo a 
produzir abundância de material, promovendo, assim, uma nova sociedade 
sem divisão de classes, sem a opressão de classes, com indivíduos menos 
individualistas e competitivos, enfim, algo semelhante ao Reino de Deus, da 
cosmovisão cristã, porém, sem Deus. Francis Schaeffer (2003, p.142) comenta 
que “o objetivo fundamental de Marx era acabar com a propriedade privada 
através da propriedade dos meios de produção pelo estado. Isso criaria a 
ordem utópica de uma sociedade sem classes, sonho este desfeito na União 
Soviética e na china maoista.” 
 
Ainda que a ideologia marxista tenha se enfraquecido após a fragmentação dos 
modelos políticos que tentaram implementá-la, vale ressaltar, que os 
pressupostos do naturalismo filosófico no materialismo dialético ainda se 
perpetuam no imaginário de muitas pessoas, inclusive, formadores de opinião, 
e, também, entre cristãos, que no afã de erguerem a bandeira da justiça social, 
quase sempre se esquecem do antagonismo do pensamento marxista em 
relação ao cristianismo bíblico. 
 
7
 O termo dialética diz respeito à tensão entre as ideias, em que uma ideia inicial (tese) é contrariada por 
uma ideia posterior (antítese), gerando uma outra ideia (síntese), que, por sua vez, se torna uma tese e 
abre o espaço para a continuidade do processo de tensão e produção de modelos. 
23 
 
 
Contudo, como todas as outras cosmovisões já citadas até aqui, o naturalismo 
presente no Marxismo cedeu espaço para questionamentos e novos 
pensamentos sobre o mundo. Questões relativas à incompetência da aplicação 
do modelo na vida cotidiana; à redução das necessidades humanas ao campo 
material; à incoerência de uma luta por dignidade humana em um modelo sem 
valores morais absolutos, capazes de avaliar certo e errado; à impossibilidade 
de continuar a defender que a maldade humana – egoísmo – deve ser atribuída 
ao meio desigual; e outras, abriram a discussão quanto à suficiência do 
naturalismo. 
 
Nesse contexto de fissuras nas bases do naturalismo filosófico, enfim, em meio 
à crise do pensamento humano que pensava ter encontrado pela razão a 
resposta para o mundo, surge o Niilismo. É como se o niilismo fosse um filho 
perturbado do naturalismo. 
O Niilismo é mais um sentimento que propriamente uma filosofia. 
Sendo mais preciso, o niilismo, de forma alguma, é uma filosofia, mas 
uma negação dela, da possibilidade de conhecimento e de tudo 
aquilo que possui valor. [...] o niilismo é a negação de todas as coisas 
– conhecimento, ética, beleza, realidade. No niilismo nenhuma 
afirmação possui validade; nada tem significado. Antes, tudo é 
gratuito, dispensável, isto é, apenas existe. (SIRE, 2009, pp. 109-110) 
 
Diante do que parece impossível se conhecer, o niilismo entregou-se à 
impossibilidade de se definir o propósito das coisas. Para Friedrich Nietzsche 
(1844-1900), considerado o pai do Niilismo, uma das principais questões a 
respeito da existência humana encontra-se na negação de qualquer valor 
metafísico – que seja transcendental – e de qualquer possibilidade da 
existência da moral. Diante dessa ausência de sentido para as coisas, inclusive 
para a vida, o homem atinge o vazio, que é oportuno para aprender a ver-se 
como criador de valores. 
 
Diante do abismo de frustração em que o niilismo alcançou, tirando da 
existência humana qualquer propósito, torna-se possível a apresentação do 
Existencialismo, que, ainda que não seja uma corrente filosófica, como o 
niilismo, é uma postura que procurou superar a desilusão niilista. Os 
24 
 
existencialistas, sejam eles ateístas ou teístas8, surgiram com o intuito de 
ressaltar a dignidade humana, aquilo que diferencia o ser humano do restante 
do mundo. Para isso, enfatizaram um aspecto fundamental, a natureza humana 
com as suas experiências subjetivas, ou seja, a existência humana dá sentido 
para a sua essência. 
 
Seja contra a falta de sentido da vida humana do naturalismo extremado – 
niilismo – ou contra a falta de vida na ortodoxia morta do cristianismo moderno, 
os existencialistas ressaltaram a existência humana como uma jornada de 
aquisição de experiências que dão sentido para a vida. A razão ou a tradição 
doutrinária, para os existencialistas não estão acima da experiência pessoal no 
que tange o sentido da vida. 
 
Por ser difícil a compreensão do que seja o existencialismo, a fim de elucidá-lo 
melhor, vale a menção dos seis temas existenciais mais comuns elencados 
pelo padre e filósofo I. M. Bochenski, que Josh McDowell e Don Stewart (1993, 
p. 92) resumiram da seguinte maneira: 
1) a experiência como base da descoberta; 2) a existência como 
objeto supremo da investigação; 3) a existência precedendo a 
essência; 4) o homem como subjetividade pura e não como parte de 
um processo cósmico vida; 5) a interdependência entre o homem e o 
mundo; e 6) uma desvalorização do conhecimento intelectual. 
 
Contudo, assim como as outras cosmovisões, o existencialismo – mesmo o 
teísta – criou um modelo subjetivo demais, voltando ao principal problema das 
demais cosmovisões: a falta de um amparo objetivo que realmente traga 
sentido para a vida. James Sire, tratando do existencialismo, deixa um alerta. 
Enquanto aqueles que seriam crentes em Deus ansiarem por uma fé 
que não demanda muita crença no sobrenatural ou na precisão da 
Bíblia, o existencialismo teísta será uma opção viva. Enquanto os 
naturalistas, que não podem (ou se recusam) a crer em Deus, 
buscarem por um caminho, visando encontrar significado em sua 
vida, o existencialismo ateísta terá a sua serventia. Prevejo que as 
duas formas – provavelmente em versões sempre novas e variáveis – 
estarão conosco por um longo tempo. (2009, p. 177) 
 
Nesse contexto, torna-se oportuna uma breve consideração sobre o 
relativismo, que pode ser resumido como uma conduta que procura tirar 
 
8
 O existencialismo surgiu com Søren Kierkegaard, ainda no século XIX, com um teor religioso, no intuito 
de promover vida em meio a uma ortodoxia religiosa seca da época, contudo, já no século XX, seus 
promotores no mundo moderno,dentre eles Jean Paul Sartre, Albert Camus e Martin Heidegger, usando 
de seus pressupostos ateístas, buscaram ir além da desilusão oferecida pelo niilismo de Nietzsche. 
25 
 
qualquer autoridade dos valores absolutos, inclusive da Bíblia, como revelação 
de Deus. Quem se propôs a levar para a teologia tal conduta foram os liberais, 
como Rudolf Bultmann, que fundamentavam-se no racionalismo, e os neo-
ortodoxos, como Karl Barth, que partiam dos pressupostos existencialistas. No 
século passado, esses buscaram tirar das Escrituras alguns dos seus atributos 
clássicos, como a autoridade divina, infalibilidade e inerrância. A respeito do 
liberalismo 
talvez a característica mais distinta do movimento seja o seu 
acomodacionismo – isto é, a sua insistência em que doutrinas cristãs 
tradicionais devem ser reafirmadas ou reinterpretadas a fim de 
harmonizá-las com a tendência da época. Considerável ênfase foi 
colocada na necessidade de estar aberto para os novos insights 
apresentados pelo avanço filosófico, social e religioso, em vez de se 
estar amarrado a dogmas do passado. O liberalismo era hostil a 
qualquer forma de particularismo, tal como a noção de uma revelação 
divina especial. Para o liberalismo, a religião precisa ser baseada em 
recursos humanos universais, tais como a cultura humana ou a 
experiência comum. (McGrath, 2007, p. 103.) 
 
Já sobre a neo-ortodoxia, Schaeffer (2003) comenta que a teologia existencial 
neo-ortodoxa diz que a Bíblia contém erros na área da razão, mas que assim 
mesmo é capaz de providenciar uma experiência religiosa no campo do 
irracional. Para os teólogos da neo-ortodoxia, a Bíblia não pode ser vista como 
algo que forneça uma verdade que possa ser declarada em proposições de 
conteúdo, especialmente no que diz respeito ao cosmos e à História, além de 
não ser a Bíblia fonte de absolutos morais. 
 
Tanto a postura cética e a arrogância dos modelos racionalistas que tiraram o 
elemento divino da vida; como a tentativa existencialista de tornar o divino 
adequado a cada indivíduo por meio da sua experiência, não foram suficientes 
para satisfazer a necessidade humana em dar sentido para a vida. Em meio ao 
colapso dos modelos científicos e filosóficos humanistas propostos desde a 
Renascença, o mundo ocidental, a partir do séc. XX, se depara com algumas 
alternativas para a busca insaciável pelo sentido da vida, dentre eles: o 
Pragmatismo e o Misticismo Oriental. 
 
Ainda que John Dewey9 defenda que o pragmatismo americano, em sua 
origem, desaprova aqueles aspectos da vida americana que fazem da ação um 
 
9
 John Dewey foi um filósofo e pedagogo norte-americano, que fundamentado nas ideias de Charles 
Sanders Peirce, tornou-se um dos principais proponentes do pragmatismo, “embora ele preferisse o 
26 
 
fim em si mesmo e que concebem os fins de maneira estreita e muito 
"praticamente" (DEWEY, 1931), a conduta de muitos adeptos do pensamento 
pragmático, inclusive do próprio Dewey, caracterizou-se pelo desprezo da 
epistemologia e pela decorrente perda de propósitos das coisas (SPROUL, 
2002), o que levou, em última instância, à ação como um fim em si mesmo. 
 
Além disso, o pragmatismo herdou uma marcante influência do relativismo, 
particularmente por William James – outro proponente de destaque dessa 
escola filosófica – que exaltava a experiência como juízo da verdade. Esse 
culto ao individual, como discorre John Benton em seu livro Cristãos em uma 
sociedade de consumo, é a marca da sociedade contemporânea. 
A queda do racionalismo está abrindo caminho para o 
emocionalismo, subjetivismo e, às vezes, para a irracionalidade. Tudo 
torna-se relativo. Tudo depende do meu “modo de ver as coisas”. 
Portanto, o que importa para o indivíduo, acima de todas outras 
coisas, é o que é “verdade para mim” e “o que funciona para mim”. 
[...] É uma sociedade na qual o sentido psicológico de estar bem 
consigo mesmo e com a vida é a principal prioridade. De certo modo, 
não importa se ouvi mentiras (se não há verdade, o que é mentira?), 
contanto que essas mentiras façam com que eu e sinta bem. Afinal os 
secularistas contemporâneos diriam que só existe esta vida e que 
você só pode vivê-la uma vez,e o único propósito é aproveitar a vida 
enquanto é possível. (BENTON, 2002, p.36) 
 
A presença do relativismo existencial na proposta pragmatista pode ser visto no 
comentário de Sandra Rosenthal (2002), que conclui seu artigo sobre o 
pragmatismo americano clássico, da seguinte forma: 
A visão pragmatista [...], que surge diretamente de seu foco no 
método científico como atividade experimental vivida, revela tanto a 
irredutibilidade da experiência significativa às categorias causais da 
explicação científica, quanto o acesso ao real, através da riqueza da 
experiência pré-científica cotidiana, do organismo biológico humano 
imerso em um ambiente natural. Ao fazer isso, ela nega todas as 
formas de reducionismo filosófico ou científico, e elude as alternativas 
falsas ou dicotomias inadequadas que ainda perseguem a filosofia 
hoje em dia. 
 
O que deve ser ressaltado a respeito do pragmatismo é que, independente das 
intenções originárias de Peirce, James e Dewey, o pragmatismo que se 
popularizou foi aquele que aproximou-se do utilitarismo, ou seja, aquele que 
reduziu o sentido dos fenômenos à avaliação de seus 
aspectos úteis, necessários. O pragmatismo popular criou a máxima de que a 
teoria só possui alguma validade se a mesma consegue trazer alguma solução 
 
nome instrumentalismo - uma vez que, para essa escola de pensamento, as ideias só têm importância 
desde que sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais” (RAMALHO, 2011). 
27 
 
prática. E essa conduta, atualmente, possui inúmeras implicações para a 
condução da fé, que será abordada mais adiante. 
 
Outra tentativa do ocidente em superar a crise do pensamento humano no final 
do século XIX, foi a busca pelo misticismo oriental. À medida que a razão e a 
subjetividade tornaram-se incapazes de satisfazer os anseios do homem 
ocidental pelo sentido da vida, o pensamento oriental tornou-se uma alternativa 
a ser verificada. 
Com seu antirracionalismo, seu sincretismo, sua quietude, sua 
ausência de tecnologia, seu estilo de vida simples e descomplicado, 
bem como sua estrutura religiosa radicalmente diferente, o Oriente 
torna-se altamente atraente. Além disso, o Oriente goza de uma 
tradição muito mais longa que o Ocidente. Sendo nossos vizinhos por 
séculos, o Oriente possui métodos de conceber e enxergar o mundo 
diametralmente contrário aos nossos. Talvez o Oriente, aquela terra 
de gurus meditativos e vida simples, tenha a resposta aos nossos 
anseios de significância e propósito. (SIRE, 2009, pp. 181-182) 
 
Foi com esse pensamento que o homem ocidental abriu-se para as propostas 
do hinduísmo, do budismo, do Zen, enfim, às inúmeras propostas orientais. 
Dentre as cosmovisões do Oriente com maior expansão entre o Ocidente, 
encontra-se o monismo panteísta oriental, que acredita na presença de um ser 
impessoal constituinte da realidade, ou seja, tudo, inclusive a existência de 
cada indivíduo humano, a sua alma, converge-se na alma do cosmo: Brahma. 
 
Disso, parte a ideia mística de cada um ser Deus, ou parte do divino, que na 
concepção panteísta é a realidade única, infinita, impessoal e suprema, enfim, 
o próprio cosmo. Nessa concepção de mundo, é como se o universo fosse 
particularizado em cada indivíduo, inclusive no homem. Portanto, em última 
instância, toda e qualquerpossibilidade de atribuir significância e dignidade ao 
homem – como a personalidade, os sentimentos, a ética, a moral e os valores 
– em si mesma é ilusão, só podendo encontrar algum sentido, na unidade final, 
que é o Brahma. O Uno, que é essa unidade final, é a única realidade, podendo 
ser alcançada por diversos caminhos, como as religiões. Ainda sobre o 
monismo panteísta oriental, vale ressaltar que todos os homens devem ter 
como alvo o alcance da unidade com o Uno, geralmente obtido por técnicas de 
meditação e isolamento, mesmo que tais técnicas não possua conteúdo algum 
compreendido. A questão é alcançar as vibrações do cosmo e atingir Brahma, 
que é o que une todas as coisas e dá sentido para as mesmas. 
28 
 
 
Se não bastasse, o Zen budista, ainda que semelhante ao Brahma hindu na 
busca pela ausência de distinções, ao invés da unidade substancial, considera 
a essência das coisas o vazio, o não-ser, o que é uma proposta ainda mais 
anuladora do indivíduo. Em essência, tal monismo oriental é como o 
naturalismo filosófico ocidental, que tira toda e qualquer dignidade e 
personalidade do indivíduo do teísmo. 
 
Na tentativa de assimilar de maneira mais suave o misticismo oriental, o 
ocidente apresentou outra relevante alternativa para o homem ocidental 
frustrado: a Nova Era. Apropriando-se de várias porções de outras 
cosmovisões, o movimento é consideravelmente sincrético e eclético. Por meio 
desse movimento, o naturalismo frio que culmina no niilismo, buscou 
roupagens mais sofisticadas, mesmo que não inéditas, para tentar sossegar a 
alma frustrada do homem. A Nova Era concorda com muitas considerações do 
naturalismo, especialmente no que refere-se à negação do transcendental e à 
exaltação do homem, como um ser evolutivo, capaz de experimentar em um 
período vindouro, uma nova consciência, muito mais abrangente e capaz do 
que a atual. 
 
Com o monismo panteísta oriental, a Nova Era aproxima-se da experiência 
mística, que nega a racionalidade e busca a fuga da razão, por meio das 
drogas, por exemplo, para se atingir a realidade. Sem contar que, 
paradoxalmente, o movimento, também, apropria-se de um conjunto de 
crenças animistas, ainda que tentando desmistificar alguns dos elementos 
transcendentais do paganismo religioso. E até o teísmo encontra 
convergências com a Nova Era, pois ao contrário do monismo panteísta 
oriental, esse movimento valoriza o ser humano como indivíduo 
 
A respeito desse movimento, David Noebel comenta que 
O movimento da Nova Era mistura antigas religiões orientais 
(especialmente o hinduísmo e o zen-budismo) com um toque de 
outras tradições religiosas, adiciona uma dose de jargão científico e 
traz o bolo recém-saído do forno para a sociedade consumir. [...] 
Entretanto, a suposição que a verdade reside dentro de cada 
indivíduo torna-se a pedra fundamental para a cosmovisão. Dar a 
alguém o poder de discernir toda verdade é uma faceta da teologia e 
29 
 
essa teologia tem ramificações que muitos membros do movimento 
de Nova Era também descobriram. 
 
Enfim, seja pelo misticismo oriental, bem como pela nova consciência 
ocidental, a sociedade busca reafirmar a negação que o naturalismo filosófico, 
com as suas diferentes manifestações, faz a respeito da existência de um Deus 
pessoal e criador, que interfere em sua criação. 
 
Essa constatação não é incomum para a igreja cristã contemporânea, ou seja, 
a existência das muitas vozes que destoam da Bíblia é um fato desde o tempo 
em que as Escrituras começaram a ser produzidas e propagadas, contudo, o 
que merece a atenção e, por causa disso, caracteriza-se como o cerne do 
presente estudo, é o fato dessas vozes conseguirem encontrar abrigo dentro 
da igreja contemporânea sem a devida contestação por parte, não apenas da 
comunidade cristã, mas, também, de muitos dos seus líderes. É sobre essa 
realidade, ou seja, a conivência da igreja com cosmovisões opostas à Bíblia, 
que aqui convencionou-se a denominar de espiritualidade independente, que o 
presente trabalho se propõe a tratar no restante desse capítulo. 
 
1.3 Que espiritualidade é essa? 
 
Augustus Nicodemus, em seu livro O ateísmo cristão e outras ameaças à 
igreja, a respeito do período em que vive a igreja evangélica brasileira, 
comenta 
Eu sei que o mundo sempre vai zombar dos crentes, mas que esta 
zombaria, como queria Paulo, seja o resultado da pregação da cruz, 
da proclamação das verdades do evangelho, e não o fruto de nossa 
insensatez. Eu não me envergonho da loucura do evangelho, mas 
das loucuras de alguns que se chamam evangélicos. (2011, p. 15) 
 
Ainda que as considerações acima, particularmente, estejam vinculadas à 
insensatez do movimento neopentecostal, o âmago da denúncia de Nicodemus 
encontra-se exatamente na religiosidade descompromissada com a revelação 
de Deus, presente na igreja contemporânea, que leva a essa espirtualidade 
independente. Se não bastasse as inúmeras cosmovisões não-critãs que 
procuram minar a credibilidade do evangelho, os ditos cristãos, ao invés de se 
apegarem, com intenções sinceras, às Escrituras Sagradas, vêm anexando à 
sua fé, uma série de concessões a ideias anti-bíblicas. 
30 
 
 
Um fato evidente na igreja ocidental, inclusive, a brasileira, é o número de 
crentes que consideram Deus alguém que existe para atender os interesses do 
homem, um tipo de gênio da lâmpada mágica que está disponível para atender 
mais um pedido imediatista e egoísta do ser humano. A presença de pronomes 
pessoais e possessivos na primeira pessoa, empregados a termos que fazem 
alusão ao desejo pessoal – como ‘eu vencerei’, ‘eu sou’, ‘meus sonhos’, ‘minha 
promessa’, ‘minha sorte’, entre outros – é uma marca de inúmeras letras de 
músicas do gênero gospel. Também, é notória a quantidade de pregações que 
usam um trecho da Bíblia como pretexto para uma homilia totalmente anti-
bíblica, como as praticadas pela teologia da prosperidade, onde Deus se torna 
uma espécie de chantagista, com o discurso “só lhe dou o que quer, se, antes, 
fizer o que eu quero”. Sem contar o pseudoevangelho que enfatiza o fazer 
coisas boas e buscar a felicidade, que leva ao moralismo; aos milhões de 
casamentos desfeitos, pela “alegação da incompatibilidade”, e a tantos outros 
recasamentos na “busca da felicidade”; ao sexo entre namorados “em nome do 
amor”, entre outros absurdos. 
 
Michael Horton nomeia esse comportamento como deísmo moralista e 
terapêutico, que vem encarcerando a igreja contemporânea. A respeito dessa 
realidade, George Barna comenta: 
Para um número crescente de americanos, Deus – caso pelo menos 
se acredite em uma divindade sobrenatural – existe para o prazer da 
humanidade. Ele reside no reino celestial exclusivamente para 
proveito e benefício nosso. Embora sejamos espertos demais para 
confessar isso em voz alta, vivemos pela noção de que o verdadeiro 
poder nãoé acessado olhando para cima, mas nos voltando para 
dentro de nós. [...] Em resumo, a espiritualidade da América é cristã 
apenas no nome. (...) Queremos experiência mais que conhecimento. 
Preferimos escolhas a absolutos. Abraçamos preferências em vez de 
verdades. Buscamos conforto no lugar de crescimento. A fé deve ser 
de acordo com nossos termos ou não a aceitamos. Nós nos 
entronizamos como supremos árbitros da justiça, governantes 
supremos de nossa própria experiência e destino. Somos os fariseus 
do novo milênio. (BARNA apud Michael Horton, 2010, pp. 26-27) 
 
A espiritualidade independente, a que se refere o presente estudo, é essa 
condução pessoal da religiosidade, sem absolutos, em que o indivíduo traça as 
suas próprias regras, ou melhor, as suas conveniências. O deus desses 
“cristãos”,mesmo que não se admita, é limitado, não tem o controle de todas 
31 
 
as coisas, vive em função das reações humanas, enfim, é o Deus do teísmo 
aberto, que Bruce Ware (2010, p. 15) define, conforme a seguir: 
Esse movimento é assim denominado pelo fato de seus adeptos 
verem grande parte do futuro como algo que está em “aberto”,e não 
fechado, mesmo para Deus. Boa parte do futuro está ainda indefinida 
e, consequentemente, Deus o desconhece. Deus conhece tudo o que 
pode ser conhecido, assegura-nos os teístas abertos. Mas livres 
escolhas e ações futuras, por não terem ocorrido ainda, não existem 
e, desse modo, Deus (até mesmo Deus) não pode conhecê-las. Deus 
não conhece o que não existe – afirmam eles – e, uma vez que o 
futuro não existe,Deus não pode conhecê-lo agora. Mais 
especificamente, ele não pode conhecer, de antemão, uma grande 
parte do futuro que virá à tona à medida que criaturas livres decidirem 
e fizerem tudo segundo lhes aprouver. Em conformidade com isso, 
momento após momento Deus aprende o que fazemos, e seus 
planos devem constantemente se ajustar ao que acontece de fato, na 
medida em que isso for diferente do que ele previu. 
 
Como visto, anteriormente, no deísmo, esse comportamento é um passo 
anterior da negação da divindade como um criador e regente da criação, 
levada às últimas consequências pelo naturalismo. Infelizmente essa tem sido 
a postura de muitos crentes, inclusive de pastores e teólogos, o que evidencia 
duas situações: a covardia que não permite admitir viver distante de Deus ou a 
hipocrisia em viver algo diferente do que se diz crer. 
 
Ao analisar o relativismo e o agnosticismo na teologia da igreja 
contemporânea, Augustus Nicodemus (2011), ressalta que essa postura é, no 
mínimo, insustentável, afinal, se a teologia boa resume-se naquela que se faz 
agora, isso significa que a verdade depende de quem – no caso, do teólogo – a 
produz. Sendo assim, a teologia relativista é agnóstica, pois, alegando a 
impossibilidade de um conhecimento pleno da verdade, abandona a verdade 
absoluta, inclusive a Bíblia como revelação de Deus. Nessa condição, fica a 
pergunta de Nicodemus: os teólogos relativistas acreditam em quê? A resposta 
é: em tudo e, ao mesmo tempo, em nada. 
 
Esse impasse, vale mencionar, deve-se ao fato do culto ao individual, que, 
além de exaltar o hedonismo10, o relativismo e reafirmar o existencialismo da 
era moderna, tira do cristianismo uma das suas principais características: o ser 
contracultura. Jesus Cristo, em várias ocasiões alertou que os seus discípulos 
seriam rejeitados pelo mundo por causa da verdade. Os apóstolos, dentre eles 
 
10
 Doutrina filosófica que faz do prazer o objeto da vida, o bem supremo a ser alcançado. 
32 
 
Paulo e Pedro, exortaram a igreja a não se conformarem com os padrões 
seculares, mas se apegarem a verdade. Enfim, o cristianismo, desde o seu 
início, por auto-considerar verdade, sempre foi visto como um movimento 
contracultura, ou melhor, supracultural, já que os valores do reino de Deus 
excedem os padrões das culturas desse mundo. 
 
A espiritualidade independente da igreja do século XXI não traz consigo essa 
preocupação de oposição aos valores seculares. Tal espiritualidade, às vezes, 
nem cogita sobre a eternidade, sobre a realidade do pós-morte. O apelo para 
“não tomar a forma deste mundo”, que o apóstolo Paulo fez aos romanos e, por 
conseguinte, a todo crente, parece que foi esquecido pela igreja. As palavras 
de despertamento para se priorizar as coisas não corruptíveis, de igual forma, 
parece não serem válidas. John Benton (2002, p. 42), ao tratar do assunto, 
comenta: 
O que aconteceu com a contracultura? De que maneira os cristãos 
estão diferentes? Parecemos frequentemente tão envolvidos e 
imersos na promessa de felicidade proposta pelo consumismo quanto 
a qualquer outra pessoa. [...] É provável que a nossa alegria esteja 
alicerçada nas criaturas em vez de firmada no Criador. 
 
A espiritualidade independente, também, confunde justiça do Reino com lutas 
de classe ou com o ativismo. O interesse com questões emergenciais da 
sociedade, como por exemplo, a justiça social, leva os adeptos dessa 
espiritualidade a posicionarem-se de maneira que a justiça anunciada pelas 
Escrituras seja alcança com movimentos de classe, com piquetes ou protestos. 
Também pensam que o exercício de tal justiça lhes dá o direito de priorizar 
ações individuais, desconexas da igreja local, em favor dos necessitados. Um 
exemplo típico de tais ações são os crentes que negligenciam a contribuição na 
comunidade local em que frequentam, alegando que investem recursos em 
projetos sociais. Não é incomum encontrar esse pensamento e atitude na 
igreja. 
 
Entretanto, é necessário expor que os que assim procedem se aproximam de 
um tipo de pragmatismo, que desconsidera – ou melhor, acredita que a prática 
supera em autoridade os princípios escritos – os preceitos bíblicos do novo 
nascimento em Cristo: o instaurador da verdadeira justiça. Para esses crentes, 
o fazer algo, mesmo com as intenções equivocadas, importa mais do que 
33 
 
voltar-se para a motivação correta, que gera a justiça do Reino. Em muitos 
casos, crentes assim se escondem atrás de projetos e mais projetos, no intuito 
de não serem expostos à Palavra de Deus. 
 
Outro exemplo dessa espiritualidade descompromissada com as Escrituras 
está na proposta da teologia da libertação. Com a roupagem de piedade, 
motivada por uma grande preocupação social, seus adeptos, com o intuito de 
amenizar o sofrimento do mundo, procuram conciliar uma cosmovisão ateísta – 
como o marxismo – com o cristianismo. À medida que a igreja concentra os 
seus esforços nas questões sociais – não que ela deva ser indiferente à 
injustiça social – ela desvia-se do seu fundamento principal e se lança às 
soluções do materialismo dialético, sem Deus. 
Não é possível ser um marxista ortodoxo e um cristão ortodoxo [...] O 
fato de o marxismo ortodoxo abraçar o cristianismo ortodoxo significa 
privar o marxismo de sua base: o materialismo dialético. O fato de o 
marxismo ortodoxo abraçar cristianismo ortodoxo significa privar o 
cristianismo de sua fonte e sustento derradeiros, que são a divindade, 
a pessoa e a obra de Jesus Cristo. (MCDOWELL; STEWART, 1993) 
 
Se não bastasse as características, já mencionadas, dessa espiritualidade 
encontrada na igreja estranha ao conteúdo bíblico, torna-se ainda mais 
preocupante a percepção de que ela manifesta-se, invariavelmente, em meio 
ao orgulho, à exaltação da capacidade humana de conseguir as coisas 
almejadas a sua maneira. A respeito disso, ao retratar o cristianismo norte-
americano, Michael Horton (2010, p. 57) faz o seguinte comentário: 
Nós, americanos, não somos conhecidos no mundo como pessoas 
que se envergonham. Pelo contrário, somos um povo muito 
autoconfiante. A última coisa que queremos ouvir de alguém é que 
não podemos fazer nada para nos salvar do problema mais grave que 
já tivemos ou que vamos ter – que estamos inteiramente à mercê de 
Deus. Sem um milagre, o sucesso religioso neste ambiente sempre 
vai para aqueles que podem efetivamente apelar para este espírito 
“de isso pode ser feito” e empurrar o mais longe possível qualquer 
coisa que possa tirar nosso arrogante ego do equilíbrio. Quando 
procuramos respostas definitivas, voltamo-nos para dentro de nós 
mesmos, confiando em nossa própria experiência,em vez de 
olharmos para fora de nós, para a externa Palavra de Deus. 
 
Este orgulho, que não é exclusivo dos crentes americanos, mas característico à 
espiritualidade independente, carrega consigo resquícios da conduta da Nova 
Era, debuscar dentro do próprio indivíduo, por meio da consciência em 
evolução, a resposta para os dilemas da vida. Nesse sentido, para a 
espiritualidade independente, Deus torna-se um mero coadjuvante de um 
sistema místico que não consegue se conformar com o ateísmo, mas não se 
34 
 
satisfaz com a perda da autonomia do teísmo cristão. Com essa conduta, a 
igreja atinge o status quo, defendido por Michael Horton, de lugar de palavra 
suaves e cristianismo sem Cristo, de anúncio de bons conselhos ao invés das 
boas-novas, enfim, do Jesus que cada um define como adequado. 
 
A espiritualidade independente, ao mesmo tempo em que é fruto, também, é a 
semente da sociedade que desprezou o pensamento antigo do cristianismo, e 
passou a adotar a visão reduzida a dois valores: paz pessoal e prosperidade. 
Paz pessoal significa ser deixado em paz e não ser incomodado 
pelos problemas alheios sejam eles problemas mundiais ou locais [...] 
significa ter seu próprio estilo de vida pessoal, sem ser perturbado por 
toda a vida, não interessando as consequências na vida dos meus 
filhos e netos. Prosperidade significa um extraordinário e sempre 
crescente padrão de vida material [...] um sucesso medido por um 
nível cada vez maior de abundância material. (SCHAEFFER, 2003, p. 
145). 
 
Nota-se que as sociedades contemporâneas, em sua maioria, têm se 
caracterizado por um individualismo considerável, que vem acompanhado da 
ausência de absolutos, da relativização, da ação pela conveniência, da 
inversão de valores e das mais diversificadas tentativas pessoais de solucionar 
a sua crise existencial. A geração do “eu acho”, das tribos urbanas, das redes 
sociais, dos tablets, dos fones de ouvido, dos serviços personal, dos fast-foods, 
do dinheiro virtual, das organizações não-hierárquicas e das famílias 
multifacetadas, tem chegado à igreja e encontrado outras gerações que ainda 
aprendem a se posicionar nesse turbilhão de pressões. 
 
Pode-se dizer que a igreja cristã contemporânea é aquela que tem se 
preocupado cada vez mais com a comodidade de seus membros, mesmo que 
para isso a verdade tenha que ser minimizada ou ocultada; que procura obter 
ou manter o status de mais frequentada ou mais ativa, mesmo que os 
relacionamentos de seus membros não sejam tão estreitos; é uma igreja em 
que seus membros desejam ser servidos e participam mais como expectadores 
do que atores; que tem aceitado com mais naturalidade as influências da mídia, 
mesmo que sejam declaradamente ofensivas à mensagem do evangelho; uma 
igreja sincrética, que tem perdido a reverência, que busca chamar a atenção 
mais pelas promessas do hoje do que as do porvir; enfim, é uma igreja mais 
organizacional do que orgânica. 
 
35 
 
Ainda que a cultura popular esteja em busca de espiritualidade, tais valores 
como a paz pessoal e a prosperidade, fazem da teologia e das doutrinas 
bíblicas itens descartáveis, cedendo campo para o misticismo oriental, para a 
Nova Era e para o humanismo secular e seus desdobramentos. O buffet self-
service está posto, para agradar a todo anseio pelo consumo de 
espiritualidade. 
 
Por justiça, vale mencionar que tais características não podem ser atribuídas a 
todas as igrejas e muito menos relacioná-las a uma ou outra denominação, 
contudo, a manchete a seguir requer atenção daqueles que expressam a 
espiritualidade cristã. 
Pela bagatela de 20 mil euros – cerca de R$ 60 mil -, qualquer 
interessado pode comprar uma igreja na Alemanha. O Arcebispo de 
Berlim quer se desfazer de templos, alguns tricentenários, que 
ficaram órfãos de fiéis numa Europa cada vez mais secularizada. 
Apenas em 2011, 400 paróquias católicas fecharam as portas no país 
que foi o berço da Reforma Protestante. Um site especializado 
oferece 170 construções outrora dedicadas ao culto a Deus, 
anunciando que são indicadas para montar boates ou casas de 
comércio. Uma ex-igreja evangélica na cidade de Hamburgo já virou 
um centro mulçumano. (CRISTIANISMO HOJE, 2013, p. 6) 
 
O cenário consolidado no continente europeu, avançado no norte da América, 
proliferando-se em países como o Brasil, no mínimo, deveria estimular a 
comunidade cristã brasileira a uma análise sobre a espiritualidade em que a 
mesma vem cultivando e confrontá-la com o que deveria ser o fundamento da 
mesma, ou seja, as Escrituras Sagradas. Sendo assim, no intuito de estimular 
a igreja cristã a analisar a sua conduta contemporânea no que refere-se à 
espiritualidade, o presente estudo se propõe, nos próximos capítulos, 
considerar algumas doutrinas bíblico-cristãs consolidadas na história da igreja 
e colocá-las em evidência perante algumas posturas da espiritualidade 
independente. 
 
 
 
36 
 
2. A OBJETIVIDADE E AUTORIDADE DAS ESCRITURAS VERSUS A 
ESPIRITUALIDADE INDEPENDENTE 
 
A Bíblia11, ou seja, o conjunto de pequenos livros reunidos no cânon cristão, 
termo este, melhor explicado mais adiante, torna-se o centro das atenções 
deste capítulo. Também conhecida como as Escrituras (JOÃO, 5.39); as 
Sagradas Escrituras (ROMANOS, 1.2); o Livro do Senhor (ISAÍAS, 34.16); a 
Palavra de Deus (EFÉSIOS, 6.17); os Oráculos de Deus (ROMANOS, 3.2); as 
Sagradas Letras (2TIMÓTEO, 3.15); a lei, os testemunhos, os preceitos, os 
mandamentos e o temor do Senhor (SALMOS, 19.7-9); a Bíblia se constitui 
como a base para as análises a seguir. 
 
No capítulo anterior caracterizou-se o que se entende como espiritualidade 
independente, portanto, a partir do presente capítulo, pretende-se confrontar 
algumas posturas adotadas por essa espiritualidade com os ensinamentos 
bíblicos – já que os tais são o fundamento da espiritualidade cristã histórica –, a 
fim de consolidar a premissa de que a espiritualidade independente, por não 
considerar as Escrituras Sagradas como regra de fé e vida, é uma deturpação 
daquilo que a igreja cristã é em seu propósito inicial. 
 
Nesse sentido, é oportuno ressaltar que as emoções pessoais e as 
circunstâncias – que são parâmetros para a espiritualidade independente – não 
eram o padrão de autoridade sobre o povo de Deus. Ao considerar a história 
israelita torna-se notório que a revelação de Deus, antes e a partir dos escritos 
inspirados, possuía um sentido balizador para as experiências do povo com a 
divindade e para o exercício diário da vida. Sobre a questão, Ronaldo 
Cavalcante (2007) trabalha a ideia de que a espiritualidade de Israel está 
intimamente relacionada com o conhecimento de um Deus salvador, cujo nome 
é Iahweh, que se dá a conhecer, ou seja, se revela por meio do cosmo, das 
suas alianças com o ser humano e dos seus atos soberanos na história em 
favor desse povo, o que inclui a revelação escrita. Portanto, pode-se dizer que 
a espiritualidade cristalizada em Israel não esteve desconexa da vida cotidiana 
nem da revelação de Deus transmitida de pai para filho e registrada por 
homens sobrenaturalmente orientados por Deus. 
 
11
 Nome derivado do termo grego biblos, que indicava textos escritos em papiro. 
37 
 
 
O episódio do pós-exílio de Judá reflete bem como a revelação escrita de Deus 
fazia parte da espiritualidade da descendência de Israel. Mesmo tendo seu 
início cerca de mil anos antes, o povo que havia padecido no exílio babilônico e 
retornado a Jerusalém, como predito pelos profetas, volta-se para a revelação 
de Deus em reconhecimento de que a história recente apontava para a 
necessidade de uma reaproximação com Deus. E essa reconciliação não 
poderia estar desvinculada da revelação de Deus. 
Todo o povo juntou-se como se fosse um só homem na praça, em 
frente da porta das Águas. Pediram ao escriba Esdras que

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