Prévia do material em texto
1 Ciências Ambientais, Interdisciplinaridade e Sustentabilidade Elis Regina de Oliveira1 Resumo Os problemas ambientais se destacaram a partir da década de 60 como consequência do modelo de sistema de produção, da crescente urbanização, e da forma unidisciplinar de gerar conhecimento e promover o ensino. Esse artigo objetiva apresentar o contexto em que foram criados os Programas de Ciências Ambientais no Brasil, refletir sobre a interdisciplinaridade como metodologia de ensino, produção de pesquisa e formação de cidadãos reflexivos, capazes de promover mudanças que visam à sustentabilidade. Utilizou-se de metodologia qualitativa e pesquisa bibliográfica. Verificou-se que a criação do Subprograma de Ciências Ambientais (CIAMB) promoveu diversas ações para criação de programas de pós-graduação stricto sensu, realização de seminários e incentivo à pesquisa na área ambiental. Esses programas, com caráter multidisciplinar, foram estruturados com base na interdisciplinaridade, que visa estabelecer relações, conexões e interações entre diversos saberes, propiciando produção de conhecimento e qualificação de profissionais para atender às demandas da sociedade, com vista à sustentabilidade sócio-ambiental. Palavras-Chaves: meio ambiente; pós-graduação; interdisciplinaridade; sustentabilidade. Apresentação A percepção mais recente da história da Terra, com idade geológica de 4,5 bilhões de anos, em permanente processo de reconstrução, a fragilidade de seu equilíbrio no universo e a visão antropológica do surgimento do homem nos últimos duzentos mil anos, com outras espécies 1 Professora do Departamento de Ciências Contábeis da PUC Goiá e mestre em agronegócios – elisregina@pucgoias.edu.br 2 de vida já extintas ou evoluídas, faz com que o homem reavalie2 a sua postura de supremacia sobre o meio ambiente e se sinta culturalmente parte de um sistema interligado e dinâmico, cuja sobrevivência humana, também, depende das conseqüências de suas ações. Para o historiador Pádua (2010:92) essa postura de supremacia humana é decorrente da negação à forte influência do determinismo geográfico e biológico, que predominou da segunda metade do século XIX até o início do século XX. A partir da década de 60 a crise ambiental emerge em diversos países, dentro do contexto de questionamento do modelo de pensar e fazer pesquisa, evidenciando a necessidade do rompimento com o modelo de fracionamento do conhecimento por disciplinas fechadas em si mesmas3. Leff (2012:236) considera três pontos fundamentais para a crise ambiental: 1. a escassez de recursos naturais e a degradação ambiental, limitando o crescimento econômico; 2. a produção de conhecimento disciplinar sendo insuficiente para dar respostas aos problemas ambientais; 3. concentração de poder na mão do estado ou do mercado. Portanto, seria necessária uma mudança epistemológica e metodológica que desse suporte à produção de um novo modelo produtivo e uma nova consciência política e ambiental ao cidadão, possibilitando soluções efetivas para os problemas sócio-ambientais já instalados e para as relações do homem com o meio ambiente. A partir de 1972, com a Conferência de Estocolmo, a questão ambiental ganha maior exposição midiática, envolvendo movimentos sociais e conquistando espaço na agenda internacional. Para Leff (1998:17) “a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do 2A História Ambientalbusca o entendimento do mundo natural e de seu lugar na vida humana, refletindo sobre a ação humana e seus impactos sobre o meio ambiente, a compreensão do mundo após marcos cronológico mais atualizado e a visão do processo de construção e reconstrução da história da natureza ao longo do tempo. (PÁDUA, 2010:83) 3 A disciplinarização do conhecimento foi influenciada pelo método científico de Descartes (com a finalidade de algebrizar a geometria) propôs verificar a existência do objeto estudado, analisá-lo por meio da decomposição em partes mínimas para melhor estudá-lo e compreendê-lo, para então sintetizá-lo por ordem do mais simples ao mais complexo e enumerar as conclusões, após diversas revisões. O uso desse método foi largamente utilizado por outras áreas de conhecimento, com forte influência em nossos dias, no entanto, principalmente a partir da década de 60 ele sofre críticas ao ser aplicado em fenômenos cujas partes apresentam fortes interações, não permitindo recompor o todo, após análise das partes, como no caso das ciências sociais. (ROQUE, 2012) 3 desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza”, preconizado pelo modelo produtivista, impulsionado pelo culto ao crescimento econômico e nível de consumo desigual dentro e entre os diversos países dos continentes. A complexidade ambiental exige soluções inovadoras que demandam, além do conhecimento especializado, o diálogo entre diversos saberes científicos, novas atitudes e comportamentos dos agentes envolvidos para compreender e propor respostas para uma realidade multifacetada. A revisão epistemológica e metodológica do saber ambiental se torna necessária para sustentabilidade dos recursos naturais e, portanto, para sobrevivência humana e das relações sócio-ambientais. O debate acadêmico sobre meio ambiente possibilitou novos comportamentos sociais, ações coletivas públicas, privadas e do terceiro setor, com articulação local e internacional, fomentado pelos novos meios de comunicação, pelos avanços técnico-científicos, pelas artes e cultura. “A discussão ambiental se tornou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização”, participando também da construção da imagem da globalização planetária. (PÁDUA, 2010:82) A produção do conhecimento, por meio da articulação entre a física (leis que condicionam a vida humana), a biologia (o ser como individuo) e a antropossociologia (estudo do individuo e da sociedade), apresenta a exigência desafiadora de um conhecimento enciclopédico, que faz necessário unir conhecimento que está fracionado, pois, o saber físico depende da antropossociologia, que é dependente desse. Para tanto será necessário “reorganizar nosso sistema mental para reaprender a aprender”. (MORIN, 2008:23) Cursos de graduação e pós-graduação foram criados, nas últimas décadas no Brasil, para suprir profissionais especializados, por meio do ensino e da pesquisa, para atender às demandas ambientais que desafiam o setor produtivo e as universidades, com vista a oferecer suporte às diversas atividades biofísicas e humanas. Este artigo objetiva apresentar e refletir sobre os programas de pós-graduação em ciências ambientais no Brasil, estruturados com base na interdisciplinaridade4 e da sustentabilidade 4Para Torrinha (1945) citado por Coimbra (2000:54) a preposição latina inter, quando isolada, significa: 1. entre, no meio de, no número de; 2. Durante, no espaço de, dentro de. Enquanto que disciplina procede do conceito de aprender.” Interdisciplinaridade traduz vínculo não apenas entre saberes, mas principalmente, de um saber com outro saber, ou dos saberes entre si, numa sorte de complementaridade, de cumplicidade solidária, em função da realidade estudada e conhecida.” 4 ambiental. Para a elaboração desse estudo adotou-se abordagem qualitativa, com metodologia de pesquisa bibliográfica, conforme referencias mencionadas. 2. Programas de Ciências Ambientais (Ciamb) no Brasil A Organização das Nações Unidas (ONU) tem papel diretivo na discussão dos problemas sobre o meio ambiente, principalmentepor meio de conferências e agendas internacionais, que impulsionam o debate entre diversos atores, com diferentes intencionalidades políticas e formações acadêmicas, representando a comunidade global. A partir de 1977, com a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, na Geórgia (EUA), inicia em escala global um processo para a criação de uma nova consciência sobre meio ambiente e a relação do homem com a natureza e “para reorientar a produção de conhecimento, com base na interdisciplinaridade e com os princípios da complexidade”. (JACOBI, 2005:17). A formação de cidadão com capacidade de realizar a integração de conhecimento disciplinar, de elaborar reflexão crítica de seu processo civilizatório e de desenvolver consciência ambiental exige formação de professores que promovam a interdisciplinaridade em sala de aula e que tenham postura reflexiva. Assim, esses jovens serão preparados para atuarem com competência sob a perspectiva ambiental, em suas diversas áreas de conhecimento, com ações individuais e coletivas em prol de uma sociedade mais sustentável. Com a finalidade ampliar, melhorar e consolidar a competência técnico científica no âmbito das universidades, centros de pesquisas e empresas em diversas áreas consideradas estratégicas para o país, inclusive quanto à qualificação de docentes, foi criado no Brasil o primeiro Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( PADCT I), com vigência no período de 1985-1990, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Pesquisadores brasileiros envolvidos com as questões ambientais, inseridos no contexto internacional, estimulado pelo debate e pela conscientização da necessidade de fortalecer o processo de educação ambiental e a produção de conhecimento, empenharam-se pela inserção do subprograma de ciências ambientais no PADCT. Com o PADCT II (1991-1996), foi criado o Subprograma de Ciências Ambientais (CIAMB) que promoveu o desenvolvimento de ações de fomento à criação de programas de pós- 5 graduação stricto sensu em ciências ambientais, com a finalidade de formação de pesquisadores e qualificação de docentes, financiamento de projetos de pesquisa de base e de desenvolvimento tecnológico, além de diversos eventos técnico-científicos5. Essa inclusão acelerou o desenvolvimento epistemológico e metodológico de ciências ambientais no Brasil, promoveu inovações tecnológicas, fortaleceu a realização de pesquisas em parceria com grupos internacionais, ampliou a conscientização ambiental, revelou novas demandas ambientais e peremptoriamente o governo institucionalizou, por meio de diretrizes políticas, a interdisciplinaridade. A liberação de recursos para financiamentos de pesquisa, de seminários e de cursos de pós-graduação stricto sensu, foi utilizada como mecanismo de exigência do caráter interdisciplinar entre ciências ambientais e as demais áreas do conhecimento, em seus respectivos projetos. O governo brasileiro acompanha e estimula a dimensão ambiental e a prática interdisciplinar nos cursos de graduação, por meio das avaliações de cursos realizadas pelo Sistema Nacional da Educação Superior (SINAES), e os programas de pós-graduação de ciências ambientais, por meio da avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A interdisciplinaridade está conceituada no Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação como “uma estratégia de abordagem e tratamento do conhecimento em que duas ou mais disciplinas/unidades curriculares ofertadas simultaneamente estabelecem relações de análise e interpretação de conteúdos com o fim de propiciar condições de apropriação, pelo discente, de um conhecimento mais abrangente e contextualizado”. (SINAES, 2010:20) Na América Latina, de forma geral, faltou aos projetos de educação ambiental a conformação de massas críticas de professores e vigilância epistemológica, metodológica e pedagógica, o que resultou no avanço lento dos programas e a conseqüente carência de profissionais capacitados para elaborar e operacionalizar políticas ambientais eficazes. Os avanços epistemológicos e metodológicos observados na pesquisa foram superiores ao ensino. A resistência à interdisciplinaridade perpassa a dificuldade de compreensão de uma nova 5 Segundo a CAPES (2013) existem aproximadamente 103 cursos de pós-graduação stricto sensu em ciências ambientais, distribuídos entre mestrado, mestrado profissional e doutorado, estruturados com base na interdisciplinaridade. 6 epistemologia e de novas metodologias, que resultem em ir além do somatório de disciplinas da área ambiental. (LEFF, 2012:240) Philippi Jr. (2000) ressalta que, embora diversas ações tenham sido desenvolvidas, ainda, existem grupos que atuam em ciências ambientais no âmbito do ensino e da pesquisa com abordagens unidisciplinares ou com limitações na compreensão epistemológica da interdisciplinaridade. 3. Ciências Ambientais e Interdisciplinaridade Inicialmente foi observado pelos filósofos clássicos como a natureza condicionava a vida humana, porém, ao longo do tempo a ação do homem foi se intensificando, haja vista o processo de desmatamento das florestas européias, que totalizou cerca de 1/3 de seu território até o século XVIII. A partir do século XX a intensa urbanização, o modo de produção industrial, a excessiva apropriação de recursos naturais, aceleraram o desmatamento, a erosão, a contaminação do ar, da água, de lavouras e assoreamento de rios. Esses diversos tipos de degradação ambiental comprometem a continuidade da oferta de insumos produtivos, a saúde humana, a biodiversidade, podendo provocar mudanças significativas na paisagem planetária. A disciplinarização do saber é apontada como uma das principais causas da problemática ambiental, que estruturou historicamente o processo tecnológico, pelo prisma restrito da produtividade, ignorando na maioria das vezes os impactos causados ao meio ambiente. A complexidade dos saberes atuais inviabiliza o retorno do saber generalista, no entanto, torna- se necessário estabelecer interações, conexões e relações entre as ciências naturais, sociais e exatas para compreender e propor respostas inovadoras aos desafios da sociedade contemporânea. Coimbra (2000:57) retoma os conceitos com vista a evidenciar as variações da disciplinaridade em multidisciplinaridade, intradisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, observando um possível caminho a percorrer para atingir o seu nível máximo, sendo o primeiro estágio a multidisciplinaridade, o segundo estágio a interdisciplinaridade e, o estágio mais evoluído, a transdisciplinaridade. A multidisciplinaridade proporciona o estudo do objeto por diversos saberes, sem que estabeleçam relações, conexões e interações entre os envolvidos, mantendo as visões 7 unidisciplinares. Essa variação é muito comum na ação dos profissionais formados dentro do modelo positivista. A intradisciplinaridade ocorre com o aprofundamento do estudo do objeto dentro de uma mesma disciplina, com a intencionalidade de avançar o conhecimento específico, como ocorre no caso das pesquisas designadas como puras. É comum nesses casos após a obtenção de certos resultados, que esses sejam direcionados para aplicações em outras áreas de conhecimento. Conforme Coimbra (2000:58) a interdisciplinaridade “consiste num tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado”. Cada profissional contribui entre si, com base no conhecimento de suas respectivas áreas, estabelecendo conexões, relações e interações, integrando e formando um conhecimentomais abrangente. A transdisciplinaridade seria alcançada pelo exercício continuo da interdisciplinaridade, promovendo a superação das unidisciplinas, técnicas e metodologias, para incorporar novos conhecimentos, surgidos das relações, conexões e interações na análise de uma problemática, como a questão ambiental. Leff (2010:62) identifica três objetivos que norteiam os estudos ambientais, dentro de uma visão sistêmica da relação meio ambiente e sociedade: “a) explicar as causas históricas da degradação ambiental; b) diagnosticar a especificidade de sistemas ambientais complexos, e c) construir uma racionalidade produtiva fundada no planejamento integrado de recursos”. Essa nova racionalidade produtiva depende de transformações econômicas, políticas e tecnológicas. Surge então a necessidade de repensar a ciência e a produção de conhecimento sob novas bases epistemológicas, para construir a racionalidade ambiental. Leff (2010: 71) ressalta que “a partir do momento em que a acumulação do capital exige a articulação funcional das ciências aos processos produtivos para elevar sua eficiência, os conhecimentos científicos não apenas surgem numa relação de verdade ou de conhecimento do real, mas também como força produtiva do processo econômico”. 8 Os estudos sobre os problemas que envolvem a disponibilidade de recursos naturais, o modelo de produção industrial e a forma de apropriação e de distribuição desses recursos interna e externamente aos seus países de origem exige aproximações das diversas áreas do saber, inclusive novas propostas metodológicas de trabalho.6 A interdisciplinaridade possibilita a aproximação entre as Ciências Biológicas e Ciências Humanas que foram tratadas historicamente em separado, com o pressuposto de que “o ser humano é mais diferente do que igual aos demais seres da natureza e, portanto, ele independe da análise científica do meio natural”. A aproximação revaloriza os estudos humanísticos, amplia a compreensão de mundo e possibilita a transformação do comportamento humano. (ROCHA, 2003:156; SANTOS, 1988) Para Rocha os entraves ao desenvolvimento da interdisciplinaridade perpassam a estrutura departamentalizada das universidades, as vaidades pessoais dos seus gestores, professores e pesquisadores, e a disputa de poder, dificultando a criação de ambiente adequado a sua realização. Cavalcanti (2010:60) ressalta que “fronteiras disciplinares são construtos acadêmicos arbitrários” e que nenhuma disciplina apresenta primazia intelectual sobre qualquer outra na busca da sustentabilidade. A Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade (1997) potencializou o debate sobre as práticas interdisciplinares e a necessidade de reestruturação curricular com vista a promover o conhecimento técnico-científico, o desenvolvimento de atitudes e comportamentos em prol da sustentabilidade ambiental em todas as áreas. Para Jacob (2005:25) “o desafio da interdisciplinaridade é enfrentado como um processo de conhecimento que busca estabelecer cortes transversais na compreensão e explicação do contexto de ensino e pesquisa, buscando a interação entre as disciplinas”. Com essa finalidade para a promoção da interdisciplinaridade surgiram novas metodologias interativas com vista a estabelecer conexões com as áreas das ciências naturais, sociais e exatas. 6Commoner (Apud LEFF, 2010:70) ressalta que na busca de maximização de lucros as empresas multinacionais transferem suas plantas produtivas para países não desenvolvidos com a finalidade de exploração de recursos naturais com menor custo, deslocando inclusive a poluição causada pelos seus dejetos. 9 A Teoria Geral de Sistemas destacou o caráter sistêmico e a técnica que propiciavam a realização de estudos para diversas áreas do conhecimento, possibilitando analisar as inter- relações do conjunto de elementos em interação. Esse conjunto de elementos pode ser constituído por variáveis de uma ou de diversas áreas do conhecimento, permitindo avaliar como elas se relacionam em cada interação. Os modelos matemáticos de um sistema possibilitam incluir variáveis quantitativas e qualitativas, permitindo de um estado de interação mútua, conformadas as situações de adaptação, finalidade e intencionalidade chegar a outro estado, sendo conhecido como sistema dinâmico. (BERTALANFFY, 2012) Técnicas como teoria dos compartimentos, dos conjuntos, dos grafos, dos jogos, das redes neurais, da informação, da decisão, da fila e outras foram desenvolvidas, permitindo observar as diversas interações entre um conjunto de variáveis e como suas conexões promovem novas interações. O progresso obtido com novas metodologias amplia a possibilidade da prática da interdisciplinaridade na dimensão ambiental, como pressuposto para análise da interação entre as diversas variáveis oriundas das ciências naturais, sociais e exatas, envolvidas nos estudos dos problemas ambientais, com vista a alcançar soluções mais abrangentes e não apenas pontuais. 4. Sustentabilidade Ambiental O termo sustentabilidade ambiental sugerido pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) nasce em um contexto de enfrentamento das questões relacionadas à degradação dos recursos naturais causada pela ação humana e suas conseqüências sobre a sociedade, como um “processo que permite satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender as gerações futuras”. 7 Áreas como a biologia, geologia, geofísica, antropologia, economia, sociologia e história, têm contribuído para as reflexões sobre sustentabilidade ambiental, no entanto a biologia e a economia têm contribuído desde o início de forma significativa. A reflexão com base na 7A sustentabilidade ambiental surge como posição intermediária entre os extremos: apologia extremada ao crescimento econômico e o radicalismo catastrófico do esgotamento dos recursos naturais. (JACOBI, 2005:3). 10 ecologia propícia analisar a sustentabilidade sob a perspectiva da resiliência, avaliando a capacidade de um ecossistema em absorver impactos e se reorganizar, adaptando-se e permanecendo a oferecer condições à vida humana. A economia ecológica, com visão macroeconômica das interações entre sociedade e natureza, preocupa-se em avaliar a capacidade de suporte dos ecossistemas em oferecer recursos naturais ao sistema de produção e em como tratar seus dejetos residuais. Cavalcanti (2010:57) questiona o quanto pode ser extraído e quanto pode ser devolvido ao meio ambiente, refletindo sobre qual é a escala da economia compatível com sua base ecológica. Essa abordagem é mais ampla do que a apresentada pela economia clássica que não considera a relação entre sociedade e natureza, pois concentra os estudos nos fluxos de circulação de riqueza, como sistema fechado entre famílias (mão de obra) e empresas (produção de bens e serviços). Também, é maior que a apresentada pela economia socioambiental, que internaliza os custos ambientais na mensuração dos preços dos fatores de produção, tratados pela microeconomia, considerando as externalidades, para que reflitam nos custos de oportunidade sociais. Os economistas buscam por indicadores de sustentabilidade que representem mais de uma dimensão, e expresse de forma não monetária a resiliência dos ecossistemas relativos à emissão de carbono, à biodiversidade, e à segurança hídrica. E, ainda, que o desempenho econômico não seja avaliado com o velho viés produtivista, e sim por medida da renda familiar disponível e que inclua necessariamente uma medida de qualidade de vida, que deverá ser tratada pela economia da felicidade. (VEIGA, 2010)Os discursos ambientais são norteados historicamente por três perspectivas básicas, conforme pesquisa realizada por Porfilho (2010). A primeira perspectiva da discussão de sustentabilidade ambiental, até a década de 70, manteve o foco sobre o crescimento demográfico, principalmente no hemisfério sul, em relação aos países em desenvolvimento, considerando o esgotamento de recursos naturais vis-à-vis a pressão das demandas populacionais em expansão. A hegemonia desse centro de reflexões mantida pelas nações do hemisfério norte e com elevado nível de industrialização, baseada no referencial teórico neomalthusiano, orientou políticas de sustentabilidade naquele período. Embora alguns autores já alertavam para a poluição gerada pelas tecnologias produtivas dos países industrializados. 11 O deslocamento da perspectiva do crescimento demográfico para a perspectiva dos impactos das tecnologias aplicadas aos sistemas produtivos se fortalece a partir da década de 80. Com esse enfoque são promovidas medidas técnicas de prevenção e tratamento da poluição gerada pela indústria, na busca de compatibilizar crescimento econômico e minimização de impactos ambientais, pressionados por legislação ambiental. Esse esforço, por si só foi sendo percebido, principalmente a partir da Rio92, como insuficiente, pois a apropriação dos recursos naturais continuava crescente e beneficiando de forma significativa os países do norte. Porfilho (2010:48) ressalta que nessa fase da perspectiva industrial a “iniquidade na distribuição, acesso e gestão dos recursos naturais do planeta, os valores da sociedade moderna e os estilos de vidas e padrões de consumo desiguais permaneceram distantes da problemática ecológica, pelo menos dentro do discurso hegemônico.” No final da década de 80 o relatório da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (“Nosso Futuro Comum”) ao tratar dos problemas ambientais gerados como conseqüência da pobreza dos países em desenvolvimento, promoveu enfoque político sobre os diferentes estilos de vida entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Foi dada ênfase sobre a importância do crescimento econômico como mecanismo de redução da pobreza e seus impactos ambientais, no entanto, não abordaram as conseqüências do elevado padrão de consumo dos países ricos e da elite dos países pobres. O termo “desenvolvimento sustentável” constante desse relatório, embora com fortes ambigüidades, passou a ser fortemente utilizado pelas mídias, direcionou os debates ambientais e foi incorporado à gestão empresarial como um modelo politicamente correto a ser alcançado. Os movimentos sociais e os países em desenvolvimento, melhor organizados sobre as questões ambientais, pressionaram por uma abordagem relacionada com o perfil de consumo intensivo praticado pelas nações mais ricas. No melhor cenário, supondo que serão aplicados todos os mecanismos tecnológicos de prevenção e tratamento da poluição provocada pela indústria, se o nível de consumo com padrões elevados permanecerem crescentes ou continuar a inspirar os consumidores dos países pobres, o nível de recursos naturais não será suficiente para atender à demanda global. 12 Assim, Portilho (2010:51) observa que o eixo discursivo desloca da produção para o consumo, quando se trata da abordagem dos problemas ambientais. Nos últimos cinqüenta anos observou-se a intensa produção e geração de riquezas nas nações industrializadas, as desigualdades econômico-sociais foram ampliadas em relação aos países pobres e freqüentes problemas ambientais são observados, como consequência do modelo produtivista e do padrão elevado de consumo. “O fosso que separa o Norte e o Sul, em termos de riqueza, capacidades tecnológicas, modos de vida e problemas sociais constrangedores é tão profundo que não se pode evocar o pretexto da universalidade para impor uma estratégia única e obrigações equivalentes aos dois grupos de países. Ao contrário: cada país deve formular suas próprias respostas aos problemas planetários, em função da especificidade de seus ecossistemas, de sua cultura e das circunstâncias locais (pensar em escala mundial, agir em escala local).” (SACHS, 2007:226) Essa sociedade produtora de riscos ambientais confronta-se com as conseqüências do que tem gerado, exigindo-se dela auto-reflexões sobre os problemas ambientais e conscientizando-se da necessidade de formar cidadão com uma nova consciência ambiental, novas atitudes e comportamentos. As ações dos movimentos sociais em conjunto com reflexões da sociologia e da antropologia, principalmente com a Conferência Rio 92, destacam o tratamento das causas da pobreza como mecanismo para assegurar o desenvolvimento sustentável. Acselrad (2010) considera que “a desigualdade ambiental é sem dúvida uma das expressões da desigualdade social, que marcou a história do nosso país”. Ainda para esse economista a pobreza e a degradação ambiental têm raízes nas desigualdades econômicas e que a noção de justiça ambiental vem sendo construída no Brasil por “dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas, também, com a construção de justiça social”. Ressalta, ainda, que os pobres estão mais expostos às conseqüências da degradação ambiental, tendo em vista que residem na periferia das cidades e em locais de risco, desprovidos de infraestrutura básica, portanto, mais atingidos por enchentes, desmoronamentos, pela 13 contaminação da água, do solo e do ar, além de estarem mais próximos das indústrias e seus respectivos dejetos8. Os movimentos americanos que lutam por justiça ambiental, contestam o modelo de desenvolvimento e protestam contra a poluição tóxica remanejada para as proximidades de comunidades pobres ou exportada para países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Em economia globalizada tornou-se comum às indústrias do hemisfério norte transferir suas fabricas poluentes para o hemisfério sul, onde a legislação ambiental é omissa ou pouco fiscalizada. O Direito Ambiental nasce nesse contexto de mobilização social, que busca no arcabouço jurídico os procedimentos legais para sua defesa, com novas normas para vigiar o uso e punir o abuso dos recursos naturais. (LEFF, 2012:346) A participação ativa dos cidadãos na defesa da preservação ambiental, inclusive na mudança de estilo de consumo, depende de um processo de educação ambiental das gerações atuais e futuras. A educação ambiental traz o desafio da interdisciplinaridade, do pensamento complexo, de ser base para mudança de paradigma produtivo com vista ao uso racional dos recursos naturais, o acesso aos mesmos de forma mais equânime entre as nações ricas e pobres, perpassando inclusive pela visão crítica da distribuição de renda local, nacional e planetária. “Desta maneira, a aprendizagem é um processo de produção de significações e uma apropriação subjetiva de saberes. Neste sentido, o processo educacional auxilia a formação de novos atores sociais, capazes de conduzir a transição para um futuro democrático e sustentável.” (LEFF, 2012:246) Para Jacobi (2005:15) o tema sustentabilidade confronta-se com o modelo da sociedade de risco, evidenciando a necessidade do envolvimento intensivo da sociedade que carece de acesso à informação e à educação, em uma perspectiva integradora e crítica, portanto, reflexiva. A mudança de percepção, valores e costumes promove a mudança cultural do ser humano, capaz de analisar o passado, reavaliar o presente e por meio do processo de aprendizagem construir um futuro com base na intencionalidade de viver e assegurar às 8 Pesquisa realizada em 1987, encomendada pela Comissão de Justiça Racial da United ChurchofChrist, cujo resultado revelou que o fator raça está mais fortemente correlacionadocom a distribuição locacional dos rejeitos tóxicos do que a próprio fator renda baixa, sendo que desse resultado surgiu a expressão “racismo ambiental”. (Acselrad, 2011) 14 gerações futuras, condições para que tenhamos a possibilidade de qualidade de vida para todos. Conforme Sachs (2007) o desenvolvimento teria que ser construído considerando as cinco dimensões: sustentabilidade social, econômica, ecológica, espacial e cultural, com vista a garantir qualidade de vida e preservação ambiental. Considerações Finais A economia internacionalizada promove a integração totalitária dos continentes, pela ótica de mercado, impondo cultura e processos produtivos dos países industrializados, em detrimento da cultura e das características produtivas locais e regionais dos outros países. A eficiência econômica, justiça social, preservação ambiental para construção de uma sociedade sustentável exige um processo democrático que possibilite a participação dos movimentos sociais, como atores dessa sustentabilidade sócio-ambiental. O desenvolvimento de uma sociedade reflexiva com vista à construção de um processo civilizatório mais evoluído exige mudanças epistemológicas e metodológicas para gerar um processo de educação ambiental, que envolva o ensino e a produção de pesquisa, para um novo modelo de produção econômica e de formação de cidadãos reflexivos sobre as complexidades dos problemas ambientais, com comportamento e atitudes para atuarem individual e coletivamente. A interdisciplinaridade como perspectiva de integração e geração de novos conhecimentos se fortalece, considerando a diversidade e complexidade dos saberes, que continuarão a ser estudados dentro de sua especificidade, no entanto estabelecendo relações, conexões e interações com outras áreas. A viabilização de políticas internacionais e nacionais é essencial para o estimulo à criação e fortalecimento de instituições que promovam o ensino, desde o nível fundamental aos cursos stricto sensu, a produção de pesquisa e a cooperação internacional para as questões ambientaiscom vista à sustentabilidade, conforme todas as dimensões compreendidas por Sachs (2007). 15 As contribuições realizadas pelo CIAMB e outras medidas que visam promover a transversalidade ambiental em todos os níveis de educação, nos últimos 30 anos, tem alcançado resultados que devem ser valorizados, porém, ainda insuficientes para gerar o salto de qualidade necessário para alcançar uma sociedade ambientalmente sustentável. O educador tem por desafios a realização de conexões entre as diversas disciplinas e sua contextualização, elaborar reflexões críticas em conjunto com o aluno num exercício de prepará-lo para a postura de cidadão reflexivo, que possa atuar nas dimensões ambientais, políticas, sociais e culturais, além da produtiva, com consciência das intencionalidades ideológicas que norteiam essas questões. Referencial ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental: nova articulações entre meio ambiente e democracia.[S.l]:2011.Disponílve em:http://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/JANovas Articulacoes-%20ms.pdf. Acesso em: 05 de jun. de 2013. ___________. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça social. Estudos Avançados [online]. [S.l.]:v.24, n.68, p. 103-119, 2010. Disponível:http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n68/en_10.pdf. Acesso em: 06 de jun. de 2013. BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. 6.ed.Petropolis: Vozes, 2012,360 p. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico: PADCT II documento básico. Brasília. Disponível em: http://www.cnpq.br/web/guest/padct-ii. Acesso em:15 mai 2013. BRASIL. Organizações das Nações Unidas. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em- acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/. Acesso em: 25 de ago. 2013. CAVALCANTI, Clóvis. Concepções da economia ecológica: suas relações com a economia dominante e a economia ambiental. Estudos Avançados [on-line].[S.l.]:v. 24 n. 68, p. 53-67, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n68/07.pdf. Acesso em 05 jun. 2013. COIMBRA, José de Ávila Aguiar. Considerações sobre a interdisciplinaridade. In: PHILIPPI JR, Arlindo et al. (Org.) Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais.São Paulo: Ed. Signus, 2000. Disponível em: http://www.ambiente.gov.ar/infotecaea/descargas/philippi01.pdf. Acesso em 15 mai. 2013. 16 COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). Mestrados e doutorados reconhecidos em Ciências Ambientais. Disponível em: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisar Area&codigoGrandeArea=90000005&descricaoGrandeArea=MULTIDISCIPLINAR+. Acesso em: 25 de ago. 2013. JACOBI, Pedro. Educar para a Sustentabilidade: complexidade, reflexividade, desafios- In: Revista Educação e Pesquisav. 31/2. mai./ago. 2005. Disponível em: http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/pub/jacobi_art.rev.fe-2005.abril%202005.pdf. Acesso em: 15 de ago. de 2013. LEFF, Henrique. Complexidade, Interdisciplinaridade e Saber Ambiental. In: PHILIPPI JR, Arlindo et al. (Org.) Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais.São Paulo: Ed. Signus, 2000. Disponível em: http://www.ambiente.gov.ar/infotecaea/descargas/philippi01.pdf. Acesso em 15 mai. 2013. ____________. Epistemologia Ambiental. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2010, 239 p. ____________. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Petropolis: Vozes, 2012, 494 p. MORIN, Edgar. O método: 1 a natureza da natureza. 2.ed. Porto Alegre: Sulina, 2008, 479 p. PADUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados. [online]. [S.l.]:v.24, n.68, p. 81-101, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142010000100009&script=sci_arttext. Acesso em: 05 de jun. 2013. PHILIPPI Jr., A Interdisciplinaridade como atributo da C&T. In:PHILIPPI Jr, Arlindo et al. (Org.) Interdisciplinaridade em Ciências. São Paulo: Signus Editora, 2000. Disponível em: http://www.ambiente.gov.ar/infotecaea/descargas/philippi01.pdf. Acesso em: 15 mai. 2013. PORFILHO, Fátima. Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2010, 255 p. ROCHA, Paulo Ernesto Diaz. Trajetória e perspectivas da Interdisciplinaridade ambiental na pós-graduação brasileira. Ambiente & Sociedade. [online]. v. VI n. 2 jul./dez, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v6n2/a10v06n2.pdf. Acesso em: 20 de jun. 2013. ROQUE, Tatiana; CARVALHO, João B. P. Tópicos de História da Matemática. Rio de Janeiro: SBM, 2012,452 p. SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: 2007,472 p. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. EstudosAvançados.[online].[S.l.]:v. l2, n.2, p. 46-71, 1988. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v2n2/v2n2a07.pdf. Acesso em: 20 de jun.2013. 17 SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (SINAES ). Instrumento de avaliação de cursos de graduação. Brasília, 2010. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/superior/condicoesdeensino/2010/instrumento_reconhe cimento_bacharelado_licenciatura3.pdf. Acesso em: 26 de ago. 2013. VEIGA, José Eli da.Indicadores de Sustentabilidade. Estudos Avançados. [S.l.]:v.24, n 68, P. 39-52, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n68/en_06.pdf. Acesso em: 14 de ago. 2013.