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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS UNIDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS REGIONAL GOIÁS CURSO DE DIREITO ALICE RAYANE DA CRUZ MOREIRA AMANDA INARA DE BRITO SANTANA LETÍCIA GARCÊS DE SOUZA PAIVA SÍNTESE CRITICA DO TEXTO RECONHECIMENTO SEM ÉTICA DE NANCY FRASER Trabalho desenvolvido durante a disciplina de Filosofia Juridica. Como parte da Avaliação referente ao II Semestre do tempo Universidade IV. Professora: Dra. Janaína Tude Sevá CIDADE DE GOIÁS-GO NOV/2017 Nancy Fraser, filósofa afiliada à escola de pensamento conhecida como Teoria Crítica. Estudou Filosofia na City University of New York. Atualmente é titular da cátedra Henry A. and Louise Loeb de Ciências Políticas e Sociais da New School University, também em Nova York. Publicou dois livros sendo Redistribuição ou Reconhecimento; Adicionando insulto à lesão; Escalas de Justiça; Justiça Interruptus; e Práticas indisciplinadas. Nancy Fraser é uma cientista política norte-americana que se dedica aos estudos dos movimentos sociais e dos conflitos políticos. Ao entrar no debate sobre reconhecimento social e redistribuição da riqueza com Honneth, propondo um novo modelo analítico, recebeu críticas de diversos pesquisadore, constituindo uma importante referência para as discussões do tema. O presente artigo originalmente publicado na revista Theory, Culture & Society, v. 18, p. 21-42, 2001. Tradução de Ana Carolina Freitas Lima Ogando e Mariana Prandini Fraga Assis, com o título “Reconhecimento sem Ética?”. Reconhecimento A Teoria do Reconhecimento é um conceito social filosófico onde o termo “reconhecimento”, traduzido do alemão Anerkennung, transpõe o sentido de percepção cognitiva, é abordado como uma necessidade de obter respeito nas relações intersubjetivas. O conceito de reconhecimento originou-se filosoficamente na obra de Hegel, na qual o filósofo alemão caracteriza “reconhecimento” como uma forma de autorreconhecimento e de reconhecimento pelo outro. Esse reconhecimento seria intersubjetivo e alcançado por meio de lutas. A ideia chave para a Teoria do Reconhecimento é a de relação. É no encontro com o outro que as identidades se constroem e que a autorrealização pode ser alcançada. Na contemporaneidade, Charles Taylor e Axel Honneth são dois dos principais autores que retomam a definição de “reconhecimento” estabelecida por Hegel e a reformulam, adaptando-a para a realidade social vigente. A centralidade da identidade e da autorrealização na Teoria do Reconhecimento é criticada por outros teóricos. Nancy Fraser opõe-se a esse paradigma identitário. Para ela, a perspectiva de Honneth e Tayler careceria de um critério que se sobrepusesse aos anseios dos sujeitos para realizarem seus desejos, afinal, se a questão é garantir a autorrealização, qualquer reivindicação poderia ser defendida. Por exemplo, a concretização dos anseios extremistas, neonazistas e terroristas seriam legítimos para sua autorrealização. Moralidade ou ética? A moralidade fala de um sistema de comportamento que diz respeito aos padrões de comportamento certo ou errado. A palavra carrega os conceitos de: (1) padrões morais, no que diz respeito ao comportamento, (2) responsabilidade moral, no que diz respeito à nossa consciência e (3) identidade moral, ou alguém que é capaz de agir certo ou errado. Os sinônimos mais comuns incluem ética, princípios, virtude e bondade. A moralidade tornou-se uma questão complicada no mundo multicultural em que vivemos hoje. A Ética existe em todas as sociedades humanas, e, talvez, mesmo entre nossos parentes não-humanos mais próximos. Nós abandonamos o pressuposto de que a Ética é unicamente humana. A Ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral). Para Nancy Fraser, nesses alinhamentos usuais, os dois lados concordam que a distribuição pertence à moralidade, o reconhecimento pertence à ética, e ambos nunca se encontrarão. Então, cada um sustenta que o seu paradigma exclui o do outro. Se eles estiverem corretos, então as reivindicações por redistribuição e as reivindicações por reconhecimento não poderão ser coerentemente combinadas. Ao contrário, qualquer pessoa que deseje endossar reivindicações dos dois tipos corre o risco de padecer de esquizofrenia filosófica. Identidade ou status? Para Fraser, o reconhecimento é uma questão de status, não sendo uma questão de identidade específica de um grupo. Entender o reconhecimento como uma questão de status significa examinar os padrões institucionalizados de valoração cultural em função de seus efeitos sobre a posição relativa dos atores sociais. Se e quando tais padrões constituem os atores como parceiros, capazes de participar como iguais, com os outros membros, na vida social, aí nós podemos falar de reconhecimento recíproco e igualdade de status. Quando, ao contrário, os padrões institucionalizados de valoração cultural constituem alguns atores como inferiores, excluídos, completamente “os outros” ou simplesmente invisíveis, ou seja, como menos do que parceiros integrais na interação social, então nós podemos falar de não reconhecimento e subordinação de status. Na outra extremidade do espectro conceitual, por sua vez, estaria uma divisão social igualmente ideal típica, mas ajustada ao paradigma do reconhecimento – ou seja, com raízes fincadas na ordem de status da sociedade (por oposição à estrutura econômica). Qualquer injustiça estrutural sofrida por esse grupo poderia ser rastreada até os padrões sociais institucionalizados de valoração cultural – mesmo as injustiças econômicas decorreriam, em último caso, de mais reconhecimento. O exemplo aqui empregado por Fraser é o da diferenciação sexual, entendida sob o prisma do conceito weberiano de status. Segundo essa concepção, a divisão entre homossexuais e heterossexuais estaria enraizada na ordem de status da sociedade e não na economia, vez que os primeiros estariam distribuídos ao longo de toda a estrutura de classe do capitalismo e não ocupariam uma posição distintiva na divisão do trabalho (não constituiriam uma classe explorada). Na verdade, gays e lésbicas estariam submetidos a uma subordinação de status, em virtude da difusão de padrões culturais de valoração que constroem a homossexualidade como pervertida e desprezível e a heterossexualidade como normal e normativa. Derrotar a homofobia e o heterossexualismo exigiria modificar a ordem de status sexual – desinstitucionalizar padrões valorativos heteronormativos e substituí-los por outros que expressem respeito igual por gays e lésbicas. Justiça de reconhecimento e Justiça redistributiva Para Fraser a alternativa em empregar a paridade de participação, como padrão avaliativo aplicando único critério para as reivindicações por justiça, sejam elas por redistribuição ou por reconhecimento, manejando esse instrumental teórico seria possível separar não somente as demandas por Justiças desejáveis das indesejáveis, mas também os próprios remédios propostos para correção das injustiças. Dessa forma os que reivindicam redistribuição precisarão mostrar que os arranjos sociais existentes os impedem de participar como iguais na interação social, pela negação da condição objetiva da paridade de participação, além disso deverão dar mostras de que as reformas econômicas que advogam, forneceram as condições objetivas para a plena participaçãodaqueles então negados sem que isso introduza ou exacerbe disparidades injustificáveis, em outras dimensões de outra parte os reivindicantes do reconhecimento deverão mostrar que os padrões culturais institucionalizados de valoração abalam a condição intersubjetiva, as mudanças institucionais socioculturais que pretendem fomentar as necessárias e as condições intersubjetivas sem injustificadamente criar ou piorar outras disparidades. Nancy Fraser questiona a centralidade do conceito de reconhecimento, para pensar formas de dominação social e tipos de conflitos político e social nas sociedades atuais, dessa forma, há uma forte crítica em um reconhecimento ser a categoria central de diagnóstico dos problemas sociais contemporâneos. Fraser questiona principalmente o fato de a gramática do reconhecimento ter se tornado a forma normativa hegemônica da luta política atual, e aos efeitos que essa gramática funda na dinâmica dos conflitos sociais, considerando se que tal teoria pode esvaziar grande parte das reivindicações dos movimentos sociais e da teoria crítica referente às questões distributivas, além de ser um modelo que distância da despolitização das lutas sociais que são diversas e complexas. Qual a proposta analítica da autora para superar o dualismo entre as duas concepções apresentadas? Fraser propõe distinguir analiticamente duas maneiras muito genéricas de compreender a injustiça. A primeira delas é a injustiça econômica, que se radica na estrutura econômico política da sociedade. Seus exemplos incluem a exploração, a marginalização econômica e a privação. A segunda maneira de compreender a injustiça é cultural ou simbólica. Aqui a injustiça se radica nos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação. Seus exemplos incluem a dominação cultura, o ocultamento e o desrespeito. Assim, Nancy Fraser insisti em distinguir analiticamente injustiça econômica e injustiça cultural, em que pese seu mútuo entrelaçamento. O remédio para a injustiça econômica é alguma espécie de restruturação político econômica. Pode envolver redistribuição de renda, reorganização da divisão do trabalho. Já o remédio para a injustiça cultural é alguma espécie de mudança cultural ou simbólica. Pode envolver a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produtos culturais dos grupos difamados. Pode envolver também a valorização da diversidade cultural. Mais radicalmente, pode envolver uma transformação abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, de modo a transformar o sentido do eu de todas as pessoas. A política do reconhecimento e a política da redistribuição parecem ter com frequências objetivas mutualmente contraditórias. Enquanto a primeira tende a promover a diferenciação do grupo, a segunda tende a desestabilizá-la. Desse modo, os dois tipos de luta estão em tensão; um pode interferir no outro, ou mesmo agir contra o outro. Assim, estamos diante do dilema da redistribuição-reconhecimento. As duas coisas são bem claras nas duas extremidades de nosso espectro conceitual. Quando lidamos com coletividade que se aproximam do tipo ideal de classe trabalhador explorada, encaramos injustiças distributivas que precisam se remédios redistributivos. Quando lidamos com coletividades que se aproximam do tipo ideal da sexualidade desprezada, em contraste, encaramos injustiça de discriminação negativa que precisam de remédios de reconhecimento. No primeiro caso, a lógica do remédio é acabar com esse negócio de grupos; no segundo caso, ao contrário, trata-se de valorizar o sentido de grupo do grupo, reconhecendo sua especificidade. Nessa perspectiva, podemos dizer que coletividades bivalentes podem sofrer de má distribuição socioeconômica e da desconsideração cultural, de forma que nenhuma dessas injustiças seja um efeito indireto da outra, mas ambas primárias e co-originais. Nesse caso, nem os remédios de redistribuição nem os de reconhecimento, por si sós, são suficientes. Coletividades bivalentes necessitam dos dois. Assim, gênero e raça são paradigmas de coletividades bivalentes. Para eliminar a exploração, marginalização e privação marcadas pelo gênero é preciso abolir a divisão do trabalho, acabando com a divisão do gênero. No que diz respeito à diferenciação de valoração cultural, como tal, ela também abarca elementos que se assemelham mais à sexualidade do que à classe, e isso permite enquadrá-lo na problemática do reconhecimento. Demandas de movimentos sociais contemporâneos por justiça de reconhecimento, justiça redistributiva e politicas públicas. Nancy Fraser analisa as demandas dos movimentos sociais no que denomina era pós-socialista. A autora afirma que as demandas dos movimentos sociais estão transferindo se da dimensão redistributiva para a dimensão do reconhecimento – gerando assim uma nova gramática de reivindicações políticas. Fraser aponta que as desigualdades são decorrentes de duas fontes: a má distribuição de renda e/ou o não- reconhecimento de alguns grupos. Os problemas de má distribuição são resolvidos a partir de políticas de redistribuição. Por sua vez, os problemas de não-reconhecimento são resolvidos a partir de políticas reconhecimento. Embora, a autora alerte para a existência de grupos bidimensionais, isto é, aqueles que demandam por políticas tanto de redistribuição quanto de reconhecimento. Ainda, segundo a autora, não se pode perder de vista o debate apenas pelo caráter dicotômico das dimensões. De um lado, políticas por reconhecimento e, de outro, políticas por redistribuição. Em sua visão, ambas as reivindicações, sozinhas, não solucionarão os transtornos que derivam em injustiças sociais. É necessário, pois, que haja complementariedade e concomitâncias entre as políticas para se alcançar a justiça social. Desta forma, as demandas do movimento negro se referem tanto aos caminhos para uma melhor distribuição de renda entre os atores sociais como também reivindicam condições subjetivas, simbólicas e culturais de valoração de sua identidade. Assim, vale mencionar, que a política de redistribuição, por si só, não solucionará o racismo presente em nossa sociedade. É necessário, pois, políticas de reconhecimento – uma vez que estas afetam simultaneamente os indivíduos e em distintos níveis. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. GUIMARÃES, A. S. A. Classes, raças e democracia. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, Editora 34, 2002. _____________. Racismo e Antiracismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. HONNETH, Axel. The Struggle for Recognition: a Moral Grammar of Social Conflicts. Great Britain: Polity Press, 1995. ______________. Integrity and Disrespect: Principles of a Conception of Morality Based on the Theory of Recognition. Political Theory, vol. 20, n.º 2, pp. 187-201, 1992. FRASER, Nancy. A justiça na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação. IN: Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 3, 2002. ____________. 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O presente artigo originalmente publicado na revista Theory, Culture & Society, v. 18, p. 21-42, 2001. Tradução de Ana Carolina Freitas Lima Ogando e Mariana Prandini Fraga Assis, com o título “Reconhecimento sem Ética?”.