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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA GRANDE DOURADOS UNIDADE: FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO DISCIPLINA: DIREITO PENAL I ANO: 2017/1 PROFESSOR (A): JOE GRAEFF FILHO AULA 02 1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL 1.1.Conceito Princípios são os valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico. Na clássica definição de Celso Antônio Bandeira de Mello: Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.1 Os princípios têm a função de orientar o legislador ordinário, e também o aplicador do Direito Penal, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos. 2. PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE 2.1.Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade Encontra-se previsto no art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, bem como no art. 1.º do Código Penal. Trata-se de cláusula pétrea. Assim, ainda que seja extirpado do Código Penal, o princípio da reserva legal continuará atuando como vetor do sistema, por força do mandamento constitucional. Preceitua, basicamente, a exclusividade da lei para a criação de delitos (e contravenções penais) e cominação de penas, possuindo indiscutível dimensão democrática, pois representa a aceitação pelo povo, representado pelo Congresso Nacional, da opção legislativa no 1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 807-808. âmbito criminal. De fato, não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal (nullum crimen nulla poena sine lege). Em face da alteração do art. 62 da Lei Suprema pela Emenda Constitucional 32/2001, é proibida a edição de medida provisória em matéria penal, seja ela prejudicial (o que já era pacífico em sede jurisprudencial) ou mesmo favorável ao réu. O texto constitucional é cristalino e não autoriza conclusão em sentido contrário. Seu mais seguro antecedente histórico é a Magna Carta de João sem Terra, imposta pelos barões ingleses em 1215, ao estabelecer em seu art. 39 que nenhum homem livre poderia ser submetido à pena sem prévia lei em vigor naquela terra. Aplica-se não somente ao crime, mas também às contravenções penais. O princípio da reserva legal possui dois fundamentos, um de natureza jurídica e outro de fundamento político. O fundamento jurídico é a taxatividade, certeza ou determinação, pois implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima, do conteúdo do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, bem como, da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal, inclusive na apreciação de benefícios legais. Como desdobramento lógico da taxatividade, o Direito Penal não tolera a analogia in malam partem. Se os crimes e as penas devem estar expressamente previstos em lei, é vedada a utilização de regra análoga, em prejuízo do ser humano, nas situações de vácuo legislativo. O fundamento político é a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado. Enquadra-se, destarte, entre os direitos fundamentais de 1.ª geração. 2.2.Princípio da anterioridade Decorre também do art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, e do art. 1.º do Código Penal, quando estabelecem que o crime e a pena devem estar definidos em lei prévia ao fato cuja punição se pretende. A lei penal produz efeitos a partir da data em que entra em vigor. Daí deriva a sua irretroatividade: não se aplica a comportamentos pretéritos, salvo se beneficiar o réu. É proibida a aplicação da lei penal inclusive aos fatos praticados durante seu período de vacatio. Embora já publicada e vigente, a lei ainda não estará em vigor e não alcançará as condutas praticadas em tal período. 2.3.Princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela O princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela surgiu no Direito Civil, derivado do brocardo de minimus non curat praetor. Em outras palavras, o Direito Penal não deve se ocupar de assuntos irrelevantes, incapazes de lesar o bem jurídico legalmente tutelado. Na década de 70 do século passado, foi incorporado ao Direito Penal pelos estudos de Claus Roxin. Este princípio, calcado em valores de política criminal, funciona como causa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal. Para o Supremo Tribunal Federal, a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação desse princípio. Entretanto, o reduzido valor patrimonial do objeto material não autoriza, por si só, o reconhecimento da criminalidade de bagatela. Exigem-se também requisitos subjetivos. Com a caracterização desse princípio, opera-se tão somente a tipicidade formal, isto é, adequação entre o fato praticado pelo agente e a lei penal incriminadora. Não há, entretanto, tipicidade material, compreendida como a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. O princípio da insignificância tem aplicação a qualquer espécie de delito com ele compatível, e não apenas aos crimes contra o patrimônio. Imagine-se, por exemplo, a existência de peculato na apropriação de uma folha de papel em branco, ou, ainda, de um clipe de metal, hipóteses de crime contra a Administração Pública nas quais, em nossa opinião, o postulado excepcionalmente tem incidência. Mas esse princípio não é admitido em crimes praticados com emprego de violência à pessoa ou grave ameaça, pois os reflexos daí resultantes não podem ser considerados insignificantes, ainda que a coisa subtraída apresente ínfimo valor econômico. O princípio da insignificância é aplicável às infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima em abstrato igual ou inferior a dois anos, cumulada ou não com multa). É cabível, também, nos crimes de médio potencial ofensivo, ou seja, com pena mínima igual ou inferior a um ano, qualquer que seja a pena máxima, dos quais o principal exemplo é o furto simples (CP, art. 155, caput). 2.4.Princípio da individualização da pena Expressamente indicado pelo art. 5.º, XLVI, da Constituição Federal, repousa no princípio de justiça segundo o qual se deve distribuir a cada indivíduo o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu comportamento – o que em matéria penal significa a aplicação da pena levando em conta não a norma penal em abstrato, mas, especialmente, os aspectos subjetivos e objetivos do crime. O princípio da individualização desenvolve-se em três planos: legislativo, judicial e administrativo. No prisma legislativo, é respeitado quando o legislador descreve o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente seus limites, mínimo e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as reprimendas cabíveis. A individualização judicial complementa a legislativa, pois aquela não pode ser extremamente detalhista, nem é capaz de prever todas as situações da vida concreta que possam aumentar ou diminuir a sanção penal. É efetivada pelo juiz, quando aplica a pena utilizando-se de todos os instrumentaisfornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal (pena privativa de liberdade), ou ainda ao sistema bifásico inerente à sanção pecuniária (CP, art. 49). Finalmente, a individualização administrativa é efetuada durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante tratamento penitenciário ou sistema alternativo no qual se afigure possível a integral realização das finalidades da pena: retribuição, prevenção (geral e especial) e ressocialização. 2.5.Princípio da alteridade Criado por Claus Roxin, esse princípio proíbe a incriminação de atitude meramente interna do agente, bem como do pensamento ou de condutas moralmente censuráveis, incapazes de invadir o patrimônio jurídico alheio. Em síntese, ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si próprio, pois uma das características inerentes ao Direito Penal moderno repousa na necessidade de intersubjetividade nas relações penalmente relevantes Nesse princípio se fundamenta a impossibilidade de punição da autolesão, bem como a atipicidade da conduta de consumir drogas, uma vez que o crime tipificado pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 tem a saúde pública como objetividade jurídica. 2.6.Princípio da confiança Bastante difundido no Direito Penal espanhol, trata-se de requisito para a existência do fato típico e se baseia na premissa de que todos devem esperar por parte das demais pessoas comportamentos responsáveis e em consonância com o ordenamento jurídico, almejando evitar danos a terceiros. Foi desenvolvido inicialmente pela jurisprudência para enfrentar os problemas resultantes dos crimes praticados na direção de veículo automotor. Atualmente, sua utilização é bastante ampla, notadamente nos setores em que exista atuação conjunta de indivíduos, entendendo-se por isso as atividades comunitárias ou em divisão de trabalho 2.7.Princípio da adequação social De acordo com esse princípio, não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora tipificado em lei, não afrontar o sentimento social de Justiça. É o caso, exemplificativamente, dos trotes acadêmicos moderados e da circuncisão realizada pelos judeus. Advirta-se, porém, que a autorização legal para o exercício de determinada profissão não implica, automaticamente, na adequação social dos crimes praticados em seu bojo. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, em crime de descaminho praticado por camelô, a existência de lei regulamentando tal atividade não conduz ao reconhecimento de que o descaminho é socialmente aceitável. 2.8.Princípio da intervenção mínima No campo penal, o princípio da reserva legal não basta para salvaguardar o indivíduo. O Estado, respeitada a prévia legalidade dos delitos e das penas, pode criar tipos penais iníquos e instituir penas vexatórias à dignidade da pessoa humana. Para enfrentar esse problema, estatuiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8.º, que a lei somente deve prever as penas estritamente necessárias. Surgia o princípio da intervenção mínima ou da necessidade, afirmando ser legítima a intervenção penal apenas quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do ordenamento jurídico. E, nesse contexto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade. Do princípio da intervenção mínima decorrem outros dois: fragmentariedade e subsidiariedade. a) Princípio da fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal Estabelece que nem todos os ilícitos configuram infrações penais, mas apenas os que atentam contra valores fundamentais para a manutenção e o progresso do ser humano e da sociedade. Em resumo, todo ilícito penal será também ilícito perante os demais ramos do Direito, mas a recíproca não é verdadeira. Tomemos como exemplo o crime de furto. É fácil concluir que, uma vez praticado o delito contra o patrimônio, a conduta do agente também será considerada ilícita nos demais ramos do ordenamento jurídico, notadamente perante o Direito Civil. De outro lado, nem todo ilícito civil (como é o caso da violação da posse ou da propriedade, sem subtração) caracterizará o crime de furto. Destarte, pode-se afirmar que, em razão de seu caráter fragmentário, o Direito Penal é a última etapa de proteção do bem jurídico. Esse princípio deve ser utilizado no plano abstrato, para o fim de permitir a criação de tipos penais somente quando os demais ramos do Direito tiverem falhado na tarefa de proteção de um bem jurídico. Portanto, o Direito Penal preocupa-se unicamente com alguns comportamentos (“fragmentos”) contrários ao ordenamento jurídico, tutelando somente os bens jurídicos mais importantes à manutenção e ao desenvolvimento do indivíduo e da coletividade. Com a evolução da sociedade e a modificação dos seus valores, nada impede a fragmentariedade às avessas, nas situações em que um comportamento inicialmente típico deixa de interessar ao Direito Penal, sem prejuízo da sua tutela pelos demais ramos do Direito. Foi o que aconteceu, a título ilustrativo, com o adultério. Esta conduta foi descriminalizada com a revogação do art. 240 do Código Penal pela Lei 11.106/2005, mas continua ilícita perante o Direito Civil. b) Princípio da subsidiariedade De acordo com o princípio da subsidiariedade, a atuação do Direito Penal é cabível unicamente quando os outros ramos do Direito e os demais meios estatais de controle social tiverem se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Em outras palavras, o Direito Penal funciona como um executor de reserva, entrando em cena somente quando outros meios estatais de proteção mais brandos, e, portanto, menos invasivos da liberdade individual não forem suficientes para a proteção do bem jurídico tutelado. Caso não seja necessário dele lançar mão, ficará de prontidão, aguardando ser chamado pelo operador do Direito para, aí sim, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade. Este princípio, ao contrário do postulado da fragmentariedade, se projeta no plano concreto, isto é, em sua atuação prática o Direito Penal somente se legitima quando os demais meios disponíveis já tiverem sido empregados, sem sucesso, para proteção do bem jurídico. Guarda relação, portanto, com a tarefa de aplicação da lei penal. Em outras palavras, o crime já existe, mas, no plano da realidade, o tipo penal não pode ser utilizado, pois, nesta hipótese, não há legitimidade na atuação do Direito Penal. 2.9.Princípio da proporcionalidade De acordo com o princípio da proporcionalidade, também conhecido como princípio da razoabilidade ou da convivência das liberdades públicas, a criação de tipos penais incriminadores deve constituir-se em atividade vantajosa para os membros da sociedade, eis que impõe um ônus a todos os cidadãos, decorrente da ameaça de punição que a eles acarreta. O princípio da proporcionalidade funciona como forte barreira impositiva de limites ao legislador. Por corolário, a lei penal que não protege um bem jurídico é ineficaz, por se tratar de intervenção excessiva na vida dos indivíduos em geral. Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade possui três destinatários: o legislador (proporcionalidade abstrata), o juiz da ação penal (proporcionalidade concreta), e os órgãos da execução penal (proporcionalidade executória). Na proporcionalidade abstrata(ou legislativa), são eleitas as penas mais apropriadas para cada infração penal (seleção qualitativa), bem como as respectivas graduações – mínimo e máximo (seleção quantitativa). Na proporcionalidade concreta (ou judicial), orienta-se o magistrado no julgamento da ação penal, promovendo a individualização da pena adequada ao caso concreto. Finalmente, na individualização executória (ou administrativa) incidem regras inerentes ao cumprimento da pena, levando-se em conta as condições pessoais e o mérito do condenado. Vale destacar que, modernamente, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado sobre uma dupla ótica. Inicialmente, constitui-se em proibição ao excesso, pois é vedada a cominação e aplicação de penas em dose exagerada e desnecessária. Se não bastasse, este princípio impede a proteção insuficiente de bens jurídicos, pois não tolera a punição abaixo da medida correta. 2.10. Princípio da humanidade Esse princípio apregoa a inconstitucionalidade da criação de tipos penais ou a cominação de penas que violam a incolumidade física ou moral de alguém. Dele resulta a impossibilidade de a pena passar da pessoa do condenado, com exceção de alguns efeitos extrapenais da condenação, como a obrigação de reparar o dano na esfera civil (CF, art. 5.º, XLV). Decorre da dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1.º, III, da Constituição Federal como fundamento da República Federativa do Brasil. Foi com base nesse princípio, entre outros, que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o regime integralmente fechado para cumprimento da pena privativa de liberdade nos crimes hediondos e equiparados, problema superado com a edição da Lei 11.464/2007. 2.11. Princípio da ofensividade ou da lesividade Não há infração penal quando a conduta não tiver oferecido ao menos perigo de lesão ao bem jurídico. Este princípio atende a manifesta exigência de delimitação do Direito Penal, tanto em nível legislativo como no âmbito jurisdicional. 2.12. Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico O Direito Penal moderno é o Direito Penal do bem jurídico. Nessa seara, o princípio da exclusiva proteção do bem jurídico veda ao Direito Penal a preocupação com as intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, ou ainda de suas condutas internas, enquanto não exteriorizada a atividade delitiva. O Direito Penal se destina à tutela de bens jurídicos, não podendo ser utilizado para resguardar questões de ordem moral, ética, ideológica, religiosa, política ou semelhantes. Com efeito, a função primordial do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais para a preservação e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. O princípio da exclusiva proteção do bem jurídico não se confunde com o princípio da alteridade. Neste, há um bem jurídico a ser penalmente tutelado, mas pertencente exclusivamente ao responsável pela conduta legalmente prevista, razão pela qual o Direito Penal não está autorizado a intervir; naquele, por sua vez, não há interesse legítimo a ser protegido pelo Direito Penal. a) Eleição de bens jurídicos e a teoria constitucional do Direito Penal De acordo com a teoria constitucional do Direito Penal, a tarefa de criação de crimes e cominação de penas somente se legitima quando são tutelados valores consagrados na Constituição Federal. Em outras palavras, a eleição dos bens jurídicos dignos de proteção penal deriva dos mandamentos constitucionais. Exemplificativamente, o fundamento de validade do delito de homicídio é o direito à vida (CF, art. 5.º, caput), assim como o arrimo dos crimes de calúnia, difamação e injúria encontra-se no art. 5.º, X, da Lei Suprema, relativo à inviolabilidade da honra. a) A espiritualização (desmaterialização ou liquefação) de bens jurídicos no Direito Penal A ideia de bem jurídico sempre girou em torno da pessoa humana, posteriormente vindo a alcançar também as pessoas jurídicas. Nesse contexto, somente se configurava uma infração penal quando presente uma lesão (dano) a interesses individuais das pessoas, a exemplo da vida, da integridade física, do patrimônio, da liberdade sexual etc. Com a evolução dos tempos, e visando a antecipação da tutela penal, pois assim mostrou-se possível a prevenção de lesões às pessoas, o Direito Penal passou a também se preocupar com momentos anteriores ao dano, incriminando condutas limitadas à causação do perigo (crimes de perigo concreto e abstrato), ou seja, à exposição de bens jurídicos – notadamente de natureza transindividual – à probabilidade de dano. Exemplificativamente, surgiram crimes ambientais, pois é sabido que a manutenção do meio ambiente sadio e equilibrado é imprescindível à boa qualidade de vida, e do interesse das presentes e futuras gerações, nos moldes do art. 225, caput, da Constituição Federal. A crescente incursão pela seara dos interesses metaindividuais e dos crimes de perigo, especialmente os de índole abstrata – definidos como os delitos em que a lei presume, de forma absoluta, a situação de risco ao bem jurídico penalmente tutelado –, tem sido chamada de espiritualização, desmaterialização ou liquefação de bens jurídicos no Direito Penal. 2.13. Princípio da imputação pessoal O Direito Penal não pode castigar um fato cometido por agente que atue sem culpabilidade. Em outras palavras, não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável, sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa. O fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabilidade (nulla poena sine culpa). 2.14. Princípio da responsabilidade pelo fato Os tipos penais devem definir fatos, associando-lhes as penas respectivas, e não estereotipar autores em razão de alguma condição específica. Não se admite um Direito Penal do autor, mas somente um Direito Penal do fato. Ninguém pode ser punido exclusivamente por questões pessoais. Ao contrário, a pena se destina ao agente culpável condenado, após o devido processo legal, pela prática de um fato típico e ilícito. Historicamente, pode ser lembrado como Direito Penal do autor o da Alemanha nazista, no qual não existiam propriamente crimes, mas criminosos. Em tempos atuais, com ele guarda sintonia o Direito Penal do inimigo, idealizado pelo alemão Günther Jakobs. 2.15. Princípio da personalidade ou da intranscendência Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por terceira pessoa. Consequentemente, a pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5.º, XLV). Como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal: “O postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator”. 2.16. Princípio da responsabilidade penal subjetiva Nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa. A disposição contida no art. 19 do Código Penal exclui a responsabilidade penal objetiva. Em clássico julgamento, assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça: “O Direito penal moderno é Direito Penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intolerável a responsabilidade pelo fato de outrem. À sanção, medida político-jurídica de resposta ao delinquente, deve ajustar-se a conduta delituosa. Conduta é fenômeno ocorrente no plano da experiência. É fato. Fato não se presume. Existe, ou não existe”. (REsp 154.137/PB, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6.ª Turma, j. 06.10.1998). BIBLIOGRAFIA MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1. 8. ed. rev., atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. ATIVIDADE (0,5) Pesquisar na jurisprudência dos tribunais superiores, uma decisão que aplique o princípioda insignificância, fazendo um breve comentário sobre o entendimento da Corte naquele caso concreto. Obs.: Na resposta, colacionar a ementa do acórdão pesquisado. Não será aceita cópia literal do material de aula ou textos não referenciados.
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